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Das escolhas (ou da falta delas)

Em artigo, a vice-presidente da AMATRA IV, Carolina Gralha Beck, discorre sobre a realidade das 3,3 milhões de crianças no Brasil que trabalham. “E a sociedade impõe a essas mesmas crianças, que não optaram por trabalhar tão jovens e tão inocentes, a mesma falta de opção por um futuro digno”. 

Das escolhas (ou da falta delas)

Eu tive algumas escolhas na vida. Da escola onde estudei, da faculdade que cursei e da carreira que escolhi. Aliás, me sinto vocacionada para a minha carreira e morreria e nasceria Juíza do Trabalho novamente. Mas não estamos aqui hoje para falar das pessoas que tiveram escolhas na vida. Quando nos deparamos com 3,3 milhões de crianças no Brasil sendo exploradas no mercado de trabalho temos que ter consciência que não, elas não escolheram isso para a vida delas. E a sociedade impõe a essas mesmas crianças, que não optaram por trabalhar tão jovens e tão inocentes, a mesma falta de opção por um futuro digno. As estatísticas estão aí para isso. Como regra, quanto mais jovem a pessoa começa a trabalhar, menor serão seus rendimentos na vida adulta. Assim, o que nós assistimos de camarote é uma criança na sinaleira hoje, que será a miserável de amanhã. Sim, a miserável. A verdade é que poucas vezes encaramos isso como realidade (ou, de vez em quando, abaixamos o vidro para dar alguma moeda para nos sentirmos melhor). E assim contribuímos indiretamente com esse sistema em que é mais fácil e mais vantajoso sonegar direitos e burlar regras do que respeitar a dignidade humana. Não nos questionamos realmente. Se nos questionamos, não agimos. Apenas lamentamos as 188 mil crianças em situação de desnutrição, essas mesmas que acabarão sendo obrigadas a se lançar no mercado de trabalho escuso. O que estamos fazendo pela infância das nossas crianças? Ou é mais cômodo concordar que é melhor trabalhar do que estar nas drogas e no mundo do crime (é o que nosso Congresso Nacional sinaliza com as dezenas de Propostas de alteração da Constituição pela nefasta redução da idade para o trabalho). Enquanto a sociedade se omitir (de forma consciente ou não), viveremos nessa cruel roda da miséria. Enquanto escapar das mãos das Justiça do Trabalho a possibilidade de autorizar o trabalho para as crianças e adolescentes – hoje a competência é da Justiça Comum – continuaremos afastados dessa dura realidade. Se avizinham tempos difíceis e estamos cada vez mais distantes de reivindicações básicas como creches em quantidade suficiente e de qualidade, escolas de turno integral, amplo acesso à formação técnica ou ao ensino superior. Pelo contrário, estamos condenando nossas crianças sem sequer permitir o direito de escolha. Sequer elas têm noção do que é vocação. Até quando? A propósito, é possível hoje dizermos feliz dia das crianças para todas as nossas crianças?

Carolina Gralha Beck
Vice-presidente da AMATRA IV

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