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Caderno 09

Apresentação

É com grande satisfação que apresentamos aos colegas mais uma edição do nosso Cadernos da AMATRA IV.
A exemplo das edições anteriores, esta revista vem recheada de informações interessantes. Os temas abordados convergem, todos eles, para a necessidade de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores brasileiros.

O momento histórico que estamos presenciando é propício para a criação  de armadilhas e subterfúgios que desviem o foco e permitam, mais uma vez, a equiparação do homem-que-trabalha à mera mercadoria. Não podemos, diante de uma crise de base – do próprio sistema – perder de vista o que a história já demonstrou. Mais do que nunca é imperioso reafirmar a importância dos direitos fundamentais trabalhistas e o papel do Poder Judiciário, de conferir-lhes eficácia.
Por isso, nesta edição do nosso Cadernos da AMATRA IV, convidamos você a partilhar os estudos da colega Andréa Nocchi, sobre direitos fundamentais e direitos humanos, assimilar a preocupação relevante (e de todos) acerca da busca da paz duradora, com o colega Rafael Marques. Convidamos a refletir sobre a possibilidade real de conferir imediata eficácia ao artigo 7º, I, da Constituição Federal, com a colega Valdete Severo. Instamos a meditar sobre a importância do princípio da oralidade, com o colega Francisco Araújo e, por fim, desafiamos a partilhar as inquietações do colega Jorge Souto Maior, acerca do significado da subordinação, nas relações sociais do trabalho.
Os artigos são profundos, bem elaborados, e revelam uma inquietude que           é nossa. Esta edição do Cadernos da AMATRA IV continua sendo um convite à eterna reflexão, a um eterno repensar.
Queremos continuar estimulando um debate franco, aberto e comprometido, sobre o direito do trabalho no mundo atual, e suas implicações. Aproveite!

Luiz Antonio Colussi
Presidente da AMATRA IV


Direitos Humanos e Direitos Fundamentais

Andréa Saint Pastous Nocchi

Juíza do Trabalho

 

“Seguramente, las garantias políticas y jurisdiccionales resultan hoy esenciales a la hora de recomponer el estatuto efectivo de los derechos fundamentales. Pero un programa constitucional de garantías institucionales de los derechos, por más exhaustivo que fuera su diseño, resultaría incompleto, irrealista, y en última instancia, fútil, sin la existencia y permanente promoción de múltiples y robustos espacios ciudadanos en condiciones de garantizar socialmente la eficacia de las aludidas garantias institucionales y de conjurar su ya probada tendencia a la autoprogramación. Sin una clara identificación de las obligaciones y de los sujetos obligados, los derechos carecen de la savia que nutre su fuerza reinvidicativa. Pero la actuación a la inhibición de los obligados, a su vez, sólo pueden tener lugar, en último término, si existen actores capaces de obligar.  Si existen, en suma, frente a los poderes estatales y privados, garantias sociales, ciudadanas, de los derechos.”[1]

Ao propor uma reflexão sobre o tema Direitos Humanos e Direitos Fundamentais parto do enfoque buscado no fragmento de texto acima destacado para, de plano, responder a indagação que se impõem diante da análise história da evolução dos direitos humanos: Por que vivemos a realidade de constantes e crescentes violações de direitos humanos quando, formalmente e cada vez mais, muitas normas legais asseguram, nos mais variados ordenamentos jurídicos, regras de direitos fundamentais que são, justamente, os direitos humanos consagrados pelo Estado, mediante norma escrita?[2]

Não há dúvidas da importância e relevância da consagração dos direitos humanos em normas escritas, inseridas e perpetuadas na Constituição Federal e em determinado ordenamento jurídico. Não há dúvida, também, da importância histórica do reconhecimento formal na esfera do direito internacional positivo dos direitos humanos.

Mas a eficácia dos direitos fundamentais na esfera interna de um ordenamento jurídico e dos direitos humanos no âmbito do direito internacional está, íntima e definitivamente vinculada à existência “frente a los poderes estatales y privados, garantias sociales, ciudadanas, de los derechos”.

Na lição de J. Miranda, citado por Ingo Wolfgang Sarlet, “…por meio dos direitos sociais se objetiva atingir uma liberdade tendencialmente igual para todos, que apenas pode ser alcançada com a superação das desigualdades e não por meio de uma igualdade sem liberdade.”[3]

Para Comparato[4], “o reconhecimento oficial de direitos humanos, pela autoridade política competente, dá muito mais segurança às relações sociais. Ele exerce, também, uma função pedagógica no seio da comunidade, no sentido de fazer prevalecer os grandes valores éticos, os quais, sem esse reconhecimento oficial, tardariam a se impor na vida coletiva”.

Sem dúvida, tal fato pode ser constatado na história recente do Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988. A denominada “Constituição Cidadã” passou a “ser a lente através da qual se lêem e se interpretam todas as normas infraconstitucionais”[5] e, após décadas de governos ilegítimos e de falta de efetividade das Constituições Federais, foi um marco, um recomeço e um instrumento de efetividade de direitos sociais.

“No plano dos direitos fundamentais, a despeito da subsistência de deficiência graves em múltiplas áreas, é possível contabilizar realizações. A centralidade da dignidade da pessoa humana se impôs em setores diversos.”[6]

Para Tarso Genro[7], “Ao invés de falar de “avanços extraordinários” nos direitos sociais da Constituição de 88, poderíamos dizer, mais corretamente, que as sua inscrição na Constituição sinaliza fortemente a necessidade de modelar instâncias políticas democráticas, um arcabouço institucional e um tipo de desenvolvimento econômico que viabilizem a sua integração com à vida. Esta integração modera a “ética da competição” e reintroduz as funções éticas do estado na produção de regras (normatividade), para serem aplicadas “eficazmente”. Só isso proporcionará às massas de cidadãos o apreço ao Estado Democrático de Direito e à força normativa da Constituição”.

Para Ingo Sarlet, “…nem a previsão de direitos sociais fundamentais na Constituição, nem mesmo a sua positivação na esfera infraconstitucional poderão, por si só, produzir o padrão desejável de justiça social, já que fórmulas exclusivamente jurídicas não fornecem o instrumental suficiente para a sua concretização…”[8]

O fundamento para a vigência e eficácia destes direitos, no dizer de Comparato[9] “…em última instância, só pode ser a consciência ética coletiva, a convicção, longa e largamente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância, ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em documentos normativos internacionais..”.

Por este caminho, afirmando o fundamento essencial na questão da dignidade da condição humana, afasta-se um dos argumentos da teoria positivista, qual seja, da impossibilidade de exigência do cumprimento judicial, utilizado para objeções teóricas ao reconhecimento de direitos humanos não declarados nos ordenamentos jurídicos. Veja-se que a teoria positivista sempre considerou que a existência de um direito depende da possibilidade de sua exigência por meio da intervenção (coerção) do Estado. Diante desta exigência, de que só tem direito aquele que pode exercê-lo nos tribunais, estaríamos negando caráter jurídico a quase totalidade das normas declaradas em tratados internacionais, aos costumes e aos chamados princípios gerais do direito. Como refere Comparato, “A ausência ou o não-exercício da pretensão não significa, de modo algum, que não haja direito subjetivo.”[10]

Para Courtis, “Um derecho positivo sin garantia jurisdiccional sigue siendo un derecho jurídico y no simple norma programática o admonición moral, como prefieren las sedicentes posturas iusrealistas´”[11]

Portanto, quanto à efetividade, devemos considerar que suas condições não se exaurem nos limites da realidade formal da normatividade jurídica, mas aproximam-se das questões sociais, econômicas e políticas.[12]

Os direitos, como produtos culturais vinculados e decorrentes de lutas sociais que visam assegurar acesso aos bens e instrumentos de conquista de condição digna de vida, precisam ser compreendidos, analisados e inseridos nos seu respectivo contexto político, histórico, cultural e social. Portanto, a simples formalização, constitucionalização ou exigência perante os tribunais não assegura, não garante que o princípio da dignidade da pessoa humana tenha efetividade.

Para Ingo Sarlet, “…os direitos fundamentais, a despeito de sua dimensão jurídico-normativa, essencialmente vinculada ao fato de serem postulados de “dever ser”, possuem o que Pérez Luño denominou de “irrenunciável dimensão utópica”, visto que contêm um projeto emancipatório real e concreto. Entre nós, reconhecendo igualmente uma perspectiva utópica e promocional dos direitos fundamentais, José Eduardo Faria, partindo da concepção de utopia como “horizonte de sentido”, sustenta que a luta pela universalização e efetivação dos direitos fundamentais implica a formulação, implementação e execução de programas emancipatórios, que, por sua vez, pressupõe uma extensão da cidadania do plano meramente político-institucional para os planos econômico, social, cultural e familiar, assegurando-se o direito dos indivíduos de influir nos destinos da coletividade.”[13]

Sem negar importância ao fato de que houve e há uma crescente positivação dos direitos humanos internacionalmente e uma constitucionalização destes direitos, reconhecendo e assegurando a existência no plano formal, afirmamos, na esteira dos autores citados acima, a necessidade de garantias de plena efetividade destes direitos fundamentais sociais.

Essa noção de garantia se refere aos métodos, mecanismos ou dispositivos que servem para assegurar a efetividade de um direito. Para Christian Courtis, “Se trata de instrumentos para que ese derecho declarado en el papel se convierta en un derecho operable, ejecutable, exigible. La experiencia histórica demuestra claramente que la efectividade de un derecho no puede estar librada sólo a la voluntad de un único órgano estatal – de modo que es necesario pensar las garantías en un sentido múltiple.”[14]

Estes instrumentos de garantias podem estar presentes em várias práticas sociais, políticas e judiciais.

Para Tarso Genro[15], “Só a ação política dos sujeitos sociais interessados pode transformar a norma em vida, criando as condições institucionais e políticas para que elas efetivamente interajam com a vida das comunidades às quais ela se destina.”

Um exemplo de prática social capaz de garantir a efetividade de direitos fundamentais são as formas denominadas de “auto-tutela”, entre elas o direito de greve, boicotes de consumidores em relação a determinado produto ou rede de lojas, ocupação de casas e terras ociosas, entre outros.

No campo político, uma vez incorporado ao texto constitucional certo direito fundamental social, uma forma de garantia de efetividade é a adoção do mesmo critério de interpretação utilizado de forma tradicional para os demais ramos do direito, ou seja, o direito incorporado no texto constitucional tem um conteúdo mínimo essencial que não pode ser violado pelo legislador infraconstitucional ou por qualquer autoridade política. Portanto, seu conteúdo não pode ser violado, por ação ou omissão, de qualquer política governamental. Para tanto, importante e necessária a fiscalização social junto ao legislativo para assegurar que a falta de regulamentação por via de lei complementar impeça a efetivação do direito fundamental.

A falta ou carência deste controle social é um dos fatores que levou a “inefetividade” de vários direitos assegurados na CF de 1988 no Brasil. Como salienta Courtis, muitos paises latino-americanos, entre eles o Brasil, houve uma “…cierta renuencia por parte del movimiento social a participar activamente en el proceso de fijar a los poderes políticos el marco de discusión sobre como van garantizar estos derechos.”[16]

Uma das formas de monitoramento social e político, para garantia da efetividade dos direitos sociais, está contida na noção de progressividade, ou seja, o Estado deve ter obrigações progressivas de melhora constante em relação aos direitos sociais e obrigação de adotar medidas até o máximo dos recursos disponíveis. Mas, aqui, ainda, mais relevante se faz o controle social e político da eficácia das normas de forma que meras justificativas de impossibilidade de cumprimento de obrigações estatais sirvam de desculpa para negar efetividade aos direitos sociais.

Citada por Luciana Caplan[17], Flávia Piovesan sustenta que a alegada não acionabilidade de direitos sociais é ideológica, carecendo de amparo científico, eis que se encontram – tal como os direitos civis e políticos – assegurados em tratados internacionais, caracterizando-se como verdadeiros direitos fundamentais e devendo ser implementados à luz do princípio da indivisibilidade dos direitos, conforme reafirmado pela ONU na “Declaração de Viena” de 1993.

No plano jurisdicional, verificamos que a nossa tradição processual está fortemente vinculada a garantia dos direitos individuais e patrimoniais, sendo o fio condutor das práticas processuais dos advogados e da interpretação do julgador. Além disso, o acesso à justiça ainda é forte entrave para a efetivação de direitos, diante dos custos processuais, da contratação de advogado e da inexistência ou ineficiência das defensorias públicas.

Além de assegurar a formalização dos direitos humanos e fundamentais, é necessário revisar o modelo processual até aqui vigente para tornar regra e realidade a adoção de ações coletivas e atos processuais de caráter “supraindividual”, já que quando abrange o interesse e os direitos de um coletivo, as ações individuais e os ritos processuais tradicionais impõem uma séria limitação. Novas posturas processuais e novas interpretações judiciais, dando efetividade aos direitos fundamentais sociais, ampliariam as “actuaciones jurisdiccionales ´reales´ que promueven el accesso de colectivos desfavorecidos al goce de sus derechos suelen operar, no como intentos de diseñar por sí mismas políticas públicas, sino como verdaderos catalizadores para sedes representativas de otro modo inermes y atrapadas en una rígida dinámica de autoprogramación.”[18]

“Acesso à Justiça, Justiça eficaz e rápida, previsibilidade de longo curso para o trabalho e o capital, emergência das demandas invisíveis dos excluídos, dos que sequer acessam ao ritual das formas de às instituições do Estado, eis a efetividade dos direitos sociais tornando-se instrumentos da Revolução Democrática.”[19]

O momento histórico que presenciamos e protagonizamos nos dias de hoje indica o quanto é necessário uma revisão dos modelos e práticas sociais, econômicas e políticas impostas pelo neoliberalismo. Tudo aquilo que se previa, aconteceu. Mas, antes de ficarmos “chorando sobre o leite derramado” podemos aproveitar para reinventar, construir e superar, enfim “ter olhos críticos”. Buscar soluções. Superar a crise. Seguir em frente, de outra forma.

E, então, entender, as palavras de Frei Betto “…Meu nome deriva do grego krísis, discernir, escolher, distinguir – enfim, ter olhos críticos. Trago também familiaridade com o verbo acrisolar, purificar. Ao contrário do que supõe o senso comum, não sou, em si, negativa. Faço parte da evolução da natureza (…) Agora, assusto o cassino global da especulação financeira. Acreditou-se que o capitalismo fosse inabalável, sobretudo em sua versão neoliberal religiosamente apoiada em dogmas de fé: o livre mercado, a mão invisível, a capacidade de auto-regulação, a privatização do patrimônio público etc. Dezenove anos após fazer estremecer o socialismo europeu, eis-me a gerar inquietação ao mercado. A lógica do bem-estar não lida com o imprevisto,         o fracasso, o inusitado, essas coisas que decorrem de minha presença.         Os governantes se apressam em tentar acalmar os ânimos como a tripulação do Titanic, enquanto a água inundava a quilha, ordenou à orquestra prosseguir a música…(…)

Tenho duas faces. Uma, traz às minhas vítimas desespero, medo, inquietação. Atinge aquelas pessoas que não acreditavam em minha existência ou me encaravam como se eu fosse uma bruxa – figura mitológica do passado que já não representa nenhuma ameaça.

Minha outra face, a positiva, é a que a águia conhece aos 40 anos: as penas estão velhas, as garras desgastadas, o bico trincado. Então ela se isola durante 150 dias e arranca as penas, as garras, e quebra o bico. Espera, pacientemente, a renovação. Em seguida, voa saudável rumo a mais                   30 anos de vida. Sou presença freqüente na experiência da fé. Muitos, ao passar de uma fé infantil à adulta, confundem o desmoronar da primeira com a inexistência da segunda; tornam-se ateus, indiferentes ou agnósticos. Não fazem a passagem do Deus “lá em cima” para o Deus “aqui dentro” do coração. Associam fé à culpa e não ao amor.

Acredito que este abalo na especulação financeira trará novos paradigmas à humanidade: menos consumismo e mais modéstia no padrão de vida; menos competição e mais solidariedade entre pessoas e empreendimentos; menos obsessão por dinheiro e mais por qualidade de vida.

Todas as vezes que irrompo na história ou na vida das pessoas, trago um recado: é hora de começar de novo. Quem puder entender, entenda.”[20]


[1] PISARELLO, Gerardo. Ferrajoli y los derechos fundamentales: qué grantías?. www.upo.es

[2] COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 5. ed, São Paulo: Editora Saraiva, 2007.

[3] SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Salvador: Revista Diálogo Jurídico, vol. 1, nº 1, Abril 2001.

[4] COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 5. ed, São Paulo: Editora Saraiva, 2007.

[5] BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro.

[6] BARROSO, Luís Roberto. Vinte Anos da Constituição de 1988: A reconstrução democrática do Brasil. Direitos Sociais na Constituição de 1988: Uma análise crítica 20 anos depois. São Paulo: Editora LTr, 2008, 316p.

[7] GENRO, Tarso. Constituição Social e Direitos Efetivos. Direitos Sociais na Constituição de 1988: Uma análise crítica 20 anos depois. São Paulo: Editora LTr, 2008. 398p.

[8] Idem nota 3.

[9] Idem nota 4.

[10] Idem nota 4.

[11] Idem nota 1.

[12] CAPLAN, Luciana. Direitos Sociais da Constituição Cidadã e as Armadilhas Ideológicas que levam a sua Inefetividade: Uma leitura a partir da teoria crítica. Direitos Sociais na Constituição de 1988: Uma análise crítica 20 anos depois. São Paulo: Editora LTr, 2008.

[13] Idem nota 3.

[14] COURTIS, Christian. Políticas sociales, programas sociales, derechos sociales. Ideas para uma construcción garantista. Março de 2007. www.upo.es

[15] GENRO, Tarso. Constituição Social e Direitos Efetivos. Direitos Sociais na Constituição de 1988: Uma análise crítica 20 anos depois. São Paulo: Editora LTr, 2008, 396p.

[16] Idem nota 12.

[17] Idem nota 10.

[18] Idem nota 1.

[19] GENRO, Tarso. Constituição Social e Direitos Efetivos. Direitos Sociais na Constituição de 1988: Uma análise crítica 20 anos depois. São Paulo: Editora LTr, 2008

[20] BETTO, Frei.  Meu nome é crise. Publicado no portal da Agência Latinoamericana de Información, Alainet, em 14.11.2008.


Las normas legales internacionales  y la paz duradera

Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho Substituto

SUMÁRIO: Introducción; 1. El surgimiento de la Unión Europea y los arreglos de paz; 2. La cuestión de los tratados y arreglos; 3. El proyecto de Constitución europea y reglamentos europeos para la paz; 4. La Carta de las Naciones Unidas y la paz; 5. La paz en las Constituciones de España y Brasil; 6. La cuestión de la vinculación; Conclusión.

INTRODUCCIÓN

La búsqueda por la paz es el objetivo, o por lo menos debería ser, de todos los Estados. Los arreglos internacionales tienen, muchas veces, por propósito, la paz. Pero ellos, en la mayoría de los casos, no garantizan una paz duradera.

Es por esa razón que es necesario un desarrollo social y económico sustentable y conjunto de los países. En la Unión Europea, el proyecto de constitución, en la parte II, “Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión”, trae una serie de tratados y acuerdos internacionales, migra para un posible futuro donde la paz sea una regla general.

Y los europeos saben bien que solamente habrá una paz duradera si se garantizan Estados democráticos y con un desarrollo social y de derechos de libertades de forma concreta y estable, sin amenazas dictatoriales y con derecho al voto, participación directa en la democracia y libertad económica con garantías sociales.

Es con el objetivo de hacer un breve análisis del proyecto de Constitución europea, relacionándolo con la cuestión de los reglamentos de la Unión Europea y Naciones Unidas de la paz duradera, y la cuestion de la solidariedad, que se empieza este texto.

Se pide una lectura sin prejuicios, ya que el contenido del artículo hace una relación entre el aspecto legal y filosófico de la paz, paz esa como elemento cerne de la democracia y de la dignidad humana.

1. EL SURGIMIENTO DE LA UNIÓN EUROPEA Y LOS ARREGLOS DE PAZ

La Unión Europea surgió con el propósito de acabar con los frecuentes conflictos entre países vecinos y que ocasionaron la Segunda Guerra Mundial. En 1950 se crea la Comunidad Europea del Carbón y del Acero, algo presentado por Robert Schuman, Ministro Francés de Asuntos Exteriores. No cuesta recordar que la época en que eso ocurre es la de la guerra fría y del avance de la Unión Soviética sobre los países del este europeo. Los países que firman el tratado son Alemania, Francia, Italia, Luxemburgo, Bélgica y Los Países Bajos. En 1957 estos mismos países firman el Tratado de Roma y que crea la Comunidad Económica Europea.[1]

Las raíces históricas de la Unión Europea, sin embargo, vuelven para            la Segunda Guerra Mundial. Los europeos estaban decididos a evitar nuevas matanzas y guerras en su territorio. “Las naciones de Europa Occidental crearon el Consejo de Europa en 1949. Constituia un primer paso hacia              la cooperación, pero seis de esos países apostaban por ir más lejos”.[2] El objetivo, por tanto, fue, primero evitar la matanza, una nueva guerra que devastase Europa y su pueblo. Y la mejor forma que los dirigentes de la época pudieran empezar eso fue creando el Consejo y, después, la Comunidad del Carbón y Acero, paso anterior al Tratado de Roma.

Todo eso, tras una evolución de Tratados entre los países miembros, culminaron, en 2004, con el Tratado donde se establece una Constitución Europea, y que proclama la Carta Europea de Derechos Fundamentales que no tiene valor hoy.

La Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión está en la II parte del texto de la “Constitución Europea” y consta de su preámbulo que los pueblos de Europa, al crear una unión, han decidido “compartir un porvenir pacifico basado en valores comunes”, respeta los valores individuales y la dignidad humana, igualdad y solidariedad, creando una ciudadanía de la Unión con espacio para la libertad, justicia, seguridad, con la persona en la cumbre de su actuación.

Por otro lado, fomenta el respeto de la diversidad de culturas y tradiciones de los pueblos de Europa, así como la identidad nacional de los estados miembros y de la organización de sus poderes políticos, a fin de fomentar el desarrollo equilibrado y sostenible y “garantizar la libre circulación de personas, servicios, mercancías y capitales, así como la libertad de establecimiento”.

Para eso es necesario reforzar “la protección a los derechos fundamentales a tenor de la evolución de la sociedad, del progreso social y de los avances científicos y tecnológicos”.

Europa empezó por el camino correcto. No hay como tener un desarrollo sostenible e igualitario sin la garantía de la paz interna, y sin que se evite la guerra externa. La forma más eficaz de actuar en estos casos, donde se busca una integración entre naciones con el propósito del desarrollo económico, es garantizar el desarrollo social y personal. La estabilización de la sociedad, con derechos sociales y acceso a la educación y bienes de consumo facilita el avance económico. Con una estabilización económica y una reducción de la diferencia económica entre Estados, se aproxima mucho de la paz durable.

Y la búsqueda constante de la paz duradera no ocurre solamente en Europa, sino en otros sitios, y es el tema de una resolución de la Unión Europea, de 30 de abril de 2004.[3]

En esta resolución consta

1. Solicita que la prevención de conflictos y la estabilidad estructural constituyan objetivos clave de la política de desarrollo de la UE, y considera que la política de la UE en materia de prevención de conflictos debe hacer frente a las causas estructurales de los conflictos relacionadas con la pobreza, incluido el desigual reparto de la riqueza, las injusticias sociales, las violaciones de los derechos humanos, la opresión de las minorías y la discriminación religiosa.[4]

Ello comprueba que el desarrollo social y económico, la disminución del hambre y de la miseria, son elementos que aproximan el fenómeno de la paz. Eso, añadido al hecho de que la Unión entre Estados no solamente por tratados de no agresión mas que tengan cláusulas de ayuda y desarrollo mutuo, aproximan y llevan a la tan deseada paz duradera.

Es más o menos lo que Kant destaca cuando dice que hay una facilidad de hacerse una guerra. Los países poseen ejércitos permanentes y eso, añadido a la inclinación que los fuertes tienen de dominar a los demás, es el mayor enemigo de la paz perpetua. Es por eso que él defiende una federación de Estados libres que tengan el propósito de la paz.[5]

Y esta paz se hace con acciones como la de la Unión Europea que busca, aunque la Constitución no lo vincule, un direccionamiento de principios que se aproxima de la paz duradera.

2. LA CUESTIÓN DE LOS TRATADOS Y ARREGLOS

El tratado de paz puede poner fin a guerra, pero no termina con el estado latente de guerra, pues caben siempre, para reanudar la lucha “pretextos y motivos que no pueden considerarse sin más ni más como injustos, puesto que en esa situación cada uno es juez único de su propia causa”. La paz, debe asentarse en una federación y no en un arreglo entre pueblos, federación esta de tipo especial, o sea, una federación para la paz en la cual

se distinguiría del tratado de paz en que éste acaba con una guerra y aquélla pone término a toda guerra. Esta federación no se propone recabar ningún poder del Estado, sino simplemente mantener y asegurar la libertad de un Estado en sí mismo, y también la de los demás Estados federados, sin que éstos hayan de someterse por ello              -como los individuos en el estado de naturaleza- a leyes políticas y a una coacción legal. La posibilidad de llevar a cabo esta idea -su objetiva realidad- de una federación que se extienda poco a poco a todos los Estados y conduzca, en último término, a la paz perpetua, es susceptible de exposición y desarrollo. Si la fortuna consiente que un pueblo poderoso e ilustrado se constituya en una república, que por natural tendencia ha de inclinarse hacia la idea de paz perpetua, será ese pueblo un centro de posible unión federativa de otros Estados, que se juntarán con él para afirmar la paz entre ellos, conforme la idea del derecho de gentes, y la federación irá poco a poco extendiéndose mediante adhesiones semejantes hasta comprender en sí a todos los pueblos[6]. (lo he destacado)

El filósofo alemán sigue y dice que solamente hay un modo de entender el derecho de la guerra, que es aquel donde se busca la paz perpetua[7]. Eso justifica la guerra. La búsqueda por la paz perpetua a través de la federación de naciones justifica el conflicto.

Los tratados, por lo tanto, ponen fin a la guerra, pero no al estado de guerra latente que se queda entre los países que hicieron el pacto. La solución es la creación de una federación de estados que tenga por objetivo la paz perpetua, sin perder cada uno su cuestión individual de nación libre con sus costumbres, cultura, lengua y pueblo.

La construcción de una Unión en nivel internacional, para fines de desarrollo sostenible y avances en el campo social, es la forma más eficaz para llegarse a la paz duradera.

Bajo eso, es interesante lo que dice Roberto Rodríguez Aramayo, hablando sobre la paz en Kant

Contra la visión pesimista de Mandelssohn, Kant apuesta por un incesante progreso, si bien paulatino y no exento de hiatos, hacia lo mejor. Paralelamente, se gesta en este apartado ese proyecto político que desarrollará La paz perpetua, a saber, crear una federación de naciones que acabe para siempre con las guerras. La solución es aparentemente sencilla: tal y como los individuos ingresan en una constitución civil huyendo de la violencia propia del estado natural, los Estados habrán de abandonar su constante belicismo y organizarse políticamente dentro de una constitución cosmopolita. El éxito de la empresa viene avalado por un adagio latino (fata volentem ducuto, nolentem trahunt) que revela la impronta estoica de Idea de una historia universal en sentido cosmopolita.[8]

Y eso se nota en el preámbulo del proyecto de la Constitución Europea. La preocupación es con el desenvolvimiento humano de la sociedad, con valores comunes de integración y vida, pero con respeto a las individualidades de cada pueblo, con una búsqueda de crecimiento conjunto, para equilibrar relaciones humanas, económicas y sociales entre las naciones.

Y un ejemplo de eso es el caso de la Guerra de la Isla Argentina de las Malvinas. El arreglo de la OEA (Organización de los Estados Americanos) hay una cláusula de defensa mutua entre los países americanos, cláusula esa no respetada por los Estados Unidos y Chile, que dieron apoyo logístico a las fuerzas inglesas frente a las argentinas[9].

Eso comprueba que arreglos de paz y defensa mutua, sin un compromiso serio de desarrollo sostenible y conjunto, sin una integración social real no traen la paz, sino una apariencia de paz, sin alejar el estado latente de guerra.

Se registra que entre los objetivos de la OEA esta el acierto para la paz.[10] Es más, los dirigentes americanos se socorren de ella (OEA) para la búsqueda de la paz. Y ello se confirma con una noticia de 05 de marzo de 2008 del periódico La Vanguardia donde consta que el presidente de Ecuador Rafael Correa pedirá una intervención de urgencia de la OEA para que esta remita para la frontera entre su país y Colombia una fuerza internacional que impida el combate[11].

Sobre eso en el sitio de la OEA consta que

SITUACIÓN COLOMBIA-ECUADOR: INSULZA DICE QUE LA CRISIS DEBE SER RESUELTA EN BASE A PRINCIPIOS QUE RIGEN LA CONVIVENCIA

3 de marzo de 2008

El Secretario General de la Organización de los Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, admitió hoy “la gravedad de la situación que involucra a Colombia y Ecuador y expresó su deseo de que esta sea resuelta en la región en el marco del respeto a los principios que rigen la convivencia entre las naciones americanas”. Informó que durante el fin de semana y en las últimas horas, ha sostenido conversaciones con mandatarios y cancilleres de la región, “en la búsqueda de un acercamiento en las posiciones, priorizando el diálogo como único mecanismo de negociación”.

Insulza expresó su esperanza de que el Consejo Permanente, que fue convocado para mañana martes a las 15.00 horas, “entregará orientaciones que permitan alcanzar una solución pacífica a esta crisis, para así abordar los problemas de fondo que la han provocado”. Por ello, el Secretario General no realizará nuevos pronunciamientos, a la espera de una decisión del Consejo.

Sin embargo, Insulza estimó necesario recordar que subsiste la crisis humanitaria generada por el secuestro prolongado de un grupo de personas a manos de las FARC, y que es preciso retomar pronto las gestiones que permitan su libertad.[12]

Fuerte en un dispositivo de la Carta de la OEA, la organización afirma que la crisis se resolverá conforme sus principios[13], o sea, de primar por la paz y armonía entre los pueblos.

3. EL PROYECTO DE CONSTITUCIÓN EUROPEA Y REGLAMENTOS   EUROPEOS   PARA   LA   PAZ

Los derechos de libertad de pensamiento, conciencia, religión, expresión, formación, derecho a la libertad sindical, artística, educacional, profesional, de empresa y de propiedad, si garantizado de forma real y en el mundo de los hechos, como consta del proyecto de Constitución europea, facilita por demás la paz duradera. Eso nada más es que la garantía de                       la democracia, pluralismo y respeto a la diferencia entre los ciudadanos.                  La democracia es la primera forma de garantía de una paz duradera o, quien sabe, perpetua. Tanto es verdad que no hay noticia de conflictos armados entre países democráticos hasta por lo menos cien años.

En este sentido la Resolución referida arriba preceptúa que

B. Considerando que estos conflictos están motivados, en su mayor parte, por la falta de respeto de los derechos humanos, así como por la inexistencia de democracia y de un Estado de Derecho, las tensiones étnicas y religiosas, el terrorismo vinculado al nacionalismo y al fundamentalismo, estructuras de gobierno ineficaces, la delincuencia organizada y el tráfico de estupefacientes y de armas, la pobreza, el desempleo, las injusticias y las desigualdades sociales, económicas y políticas, el rápido crecimiento demográfico y la mala gestión y/o explotación de las riquezas naturales, y el comportamiento de determinadas empresas para hacerse con el control de los mercados de materias primas y los recursos naturales.[14]

Estos derechos de una ciudadanía casi mundial, del reconocimiento del derecho de las gentes como universal y de todos es uno de los pasos para llegarse a la paz duradera. Eso facilita también los arreglos para la busqueda de la federalización con el propósito de la paz, con el objetivo de no permitir más conflictos entre pueblos con matanza de personas y culturas.

Y el proyecto de Constitución europea, en el momento que se acerca de la democracia y de los derechos de libertad (artículo II-70 hasta 77, del proyecto de Constitución), que generan también los derechos sociales, hace con que se pueda llegar a una paz duradera y democrática, con un desarrollo individual y social general, sin cualquier amenaza externa de conflicto armado.

Para Kant,

La constitución cuyos fundamentos sean los tres siguientes:               1.º, principio de la «libertad» de los miembros de una sociedad -como hombres-; 2.º, principio de la «dependencia» en que todos se hallan           de una única legislación común -como súbditos-; 3.º, principio de la «igualdad» de todos -como ciudadanos-, es la única constitución que nace de la idea del contrato originario, sobre el cual ha de fundarse toda la legislación de un pueblo. Semejante constitución es «republicana». Ésta es, pues, en lo que al derecho se refiere, la que sirve de base primitiva a todas las especies de constituciones políticas. Puede preguntarse: ¿es acaso también la única que conduce a la paz perpetua?.[15]

Para él, aún, la constitución republicana es la mejor forma de se llegar a la paz perpetua, porque no hay despotismo entre quien hace las leyes y quien las ejecuta. Hay dos formas de gobierno la republicana y la despótica. Las formas de soberanía son autocracia, aristocracia y democracia, gobierno de un, unos y todos, respectivamente.[16]

Los derechos de libertad y democracia garantizan la estabilización de los Estados, con un desarrollo económico y social conjunto, sin la necesidad de guerra, y con la garantía y confianza en los demás países miembros del bloco, que pasan, de forma conjunta, a tener una vena democrática y social estable, sin la necesidad de conflicto.

Sobre eso Habermas aduce que

La principal innovación del proyeto kantiano consiste en la transformación del derecho internacional – un derecho de los Estados – en un derecho cosmopolita – un derecho de los Estados y de los individuos. Estos ultimos ya no son sujetos jurídicos como simples ciudadanos de sus respectivos Estados, sino que al mismo tiempo, son miembros de una “republica cosmopolita”. Con ello, se supone que los derechos civiles de las personas individuales se introducen en las relaciones internacionales. Pero, para Kant, el precio que han de pagar los Estados soberanos por la promoción de sus ciudadanos al estatus de ciudadanos del mundo es la sumisi[on a una autoridad supraestatal.[17]

Kant creyó que con el tiempo, las naciones alcanzarían la meta de la constitución cosmopolita con el propósito de la paz duradera, pero en su tiempo las naciones no estaban todavía maduras para ello. Es por eso que proyetó una especie de federalización de naciones entre estados moralmente comprometidos con la paz, aunque juridicamente soberanos. “Kant entendía la paz permanente en el mundo como la consecuencia directa de una constitucionalización completa de las relaciones internacionales”. Los principios que fueron base para las constituciones de los estados nacionales, ahora deberían servir de norte para el orden cosmopolita. Sería la constitución de una república mundial[18].

Es el hecho de la unión entre naciones con el fin de la democracia, democracia esta también fruto de la legislación que se llega al sitio demás deseado de una paz duradera.

Tanto es verdad que Kant creía que el orden cosmopolita marcaría la absolvición de la guerra. El objetivo sería el reino de la ley, “basado en el consentimiento de los gobernados, y apoyado por la opinión organizada de toda la humanidad[19].

4. LA CARTA DE LAS NACIONES UNIDAS Y LA PAZ

De otro lado, la Carta de las Naciones Unidas, norma que tiene un carácter moral de observancia por todos los Estados que hacen parte de las Naciones Unidas, en su preámbulo preceptúa que

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos. (lo he destacado).

Ya en el artículo primero, de la Carta consta que

ARTIGO 1 – Os propósitos das Nações unidas são:

1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;

2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;

Ello permite que se concluya que el objetivo de las Naciones Unidas es la búsqueda de la paz, paz esta en carácter universal y permanente, no ahorrando esfuerzos para este hecho, conforme se lee en el artículo 33 de la Carta, donde consta que

ARTIGO 33 – 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. 2. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias.

Esta norma internacional comprueba el compromiso de las instituciones internacionales con la paz. Ellas lo hacen por arreglo internacional en forma de cartas o tratados, siempre teniendo por base la democracia, derechos fundamentales, pluralismo y dignidad humana. Si, como enseña Kant, los tratados no son la forma más adecuada de propagarse la paz, por lo menos son una forma. Que se empiece por ellos, para llegarse, quien sabe, a una federación de naciones para la paz.

Juan José Martín Arribas enseña que el Consejo de Seguridad de la ONU continúa

Teniendo plena responsabilidad en el ámbito del mantenimiento de la paz y la seguridad de acuerdo con la Carta de San Francisco de 1945. Lo que ha variado en esos últimos lustros, en relación con la situación anterior, ha sido, por un lado, el incremento de las misiones de paz (y las de guerra?), el apoyo deparado a la diplomacia preventiva y a las medidas para prevenir y consolidar la paz, etc. En definitiva, puede decirse que nunca antes la ONU había actuado en tantas ocasiones y bajo un consenso tan importante para emprender actuaciones de mantenimiento de la paz y de la seguridad internacionales como Organismo internacional de carácter global y universal.[20]

Y no hay de extrañar que el Consejo de Seguridad busque la paz. Es que la ONU se base en principios, y que tiene la paz como elemento importante y central, conforme se puede ver por el artículo segundo

ARTIGO 2 – A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:

1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros.

2. Todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta.

3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.

4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.

5. Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo.

6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais.

7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII. (lo he destacado).

De eso si concluye que los objetivos y principios de las Naciones Unidas

son preservar la paz y la democracia, preservando la integridad de los pueblos con sus culturas, respetadas las diferencias, siempre visando la dignidad de la persona y el desarrollo social y económico, posible solamente en situaciones de paz y organización interna e externa.

Es por la norma, por el compromiso internacional de democracia y desarrollo sostenible y conjunto, que se puede llegar lo más cerca posible de la paz duradera. Si la paz perpetua todavía es algo lejano, la paz debe ser el objetivo de los dirigentes internacionales y de las personas en sus respectivos sitios. Teniedo los seres racionales como centro del ordenamiento y no utilizandose de ellos como medios para que se llegue a un fin (generalmente económico)[21] es que se puede mantener la paz en los países democráticos y expandirla a los demás, siempre con el objetivo primero de seguridad, democracia y dignidad de la persona.

5. LA PAZ EN LAS CONSTITUCIONES DE ESPAÑA Y BRASIL

En el preámbulo de la Constitución española de 1978 consta “Colaborar en el fortalecimiento de unas relaciones pacificas y de eficaz cooperación entre todos los pueblos de la Tierra”. Ya en la Constitución brasileña de 1988 hay una disposición que preceptúa que en sus relaciones internacionales, la Republica Federativa de Brasil primará, entre otros por los principios de la defensa de la paz y de la solución pacifica de los conflictos[22].

Es por eso que en sus relaciones internacionales los dos países repiten las normas y principios del derecho internacional, tanto en lo que se refiere a las normas de la ONU, Unión Europea, como de la OEA. Estos principios de normas deber regir las relaciones internacionales de los países democráticos a fin de garantizar el desarrollo sostenible e igualitario, en el campo económico y social.

Y ello se comprueba con la información que hay en el sitio de la presidencia de la Republica de Brasil, donde consta que “Segundo o presidente (de Brasil), o Brasil vai trabalhar junto com os presidentes do países da América do Sul pela manutenção da paz no continente. “É a única chance que nós temos de ver a América do Sul crescer, se desenvolver e virar um continente rico” (lo he destacado)[23].

El gobierno brasileño lo hace porque la Constitución del país, en el articulo 4º, VI y VII, determina que en sus relaciones internacionales el país seguirá los principios de la defensa de la paz y de la solución pacifica de los conflictos. Es por eso que el Presidente Lula buscó arreglar una cita en la OEA para la búsqueda de la paz entre Ecuador, Venezuela y Colombia. Y eso                  se repite, como se puede ver arriba con relación a las normas de la OEA               y tambien de la ONU, donde la búsqueda de la paz debe ser y es el camino que los países deben tomar.

Es también por el derecho, y por el derecho internacional, que los pueblos se aproximan para la búsqueda del avance económico y social. Las normas que dicen respecto a la paz, a la vez que evitan conflictos, muertes y catástrofes bélicas, arreglan el espacio social para un desenvolvimiento humano, económico y social mejor. La paz depende también del derecho. El derecho, como ciencia, tiene un aspecto relacionado de forma intima y directa con la paz, a fin de traer, quien sabe, la paz duradera de la que hablan varias y varias resoluciones.

6. LA CUESTIÓN DE LA VINCULACIÓN

Ya esta dicho arriba, pero no es demasiado resaltar la importancia de la Carta de las Naciones Unidas. Ella versa sobre los principios y propósitos de la paz. Es el mismo sentido la Carta de la OEA, donde consta los objetivos de paz y desarrollo social, humano y económico.

¿Ahora, estas normas vinculan los Estados adherentes, o son solamente una indicación de principios?

No hay como no haber una vinculación directa a los Estados adherentes con el propósito de la paz. No hay desarrollo económico y social sin paz.               No hay pueblo que trabaje de forma ordenada y segura sin paz. No hay vida integral, el ser en cuanto ser, sin paz.

Si, como dice Heidigger, el lenguaje es la morada del ser, donde vive el humano[24], no debe haber palabras al viento. No se debe haber palabras medio dichas, y arreglos internacionales sin efecto vinculante para los Estados adherentes.

Como quiere el Pastor Ridruejo, el derecho internacional depende de un “enfoque sociológico-político, pues al fin de cuentas el Derecho Internacional no puede ser comprendido sin la debida consideración interdisciplinaria              de las relaciones subyacentes[25], cita está a que se añade la cuestión filosófica y económica, dentro de esta interdisciplinariedad, para justificar la vinculación de las naciones a los preceptos de paz internacional, y que tienen como objetivo su búsqueda, hasta las últimas consecuencias, paz esta como condición al desenvolvimiento social, humano y económico de todas las naciones del planeta.

Y aunque no fuese de esta forma, La Convención de Viena sobre los Tratados, en su artículo 53, preceptúa el efecto vinculante de los tratados y arreglos internacionales, prevaleciendo los generales sobre los específicos, como se ve:

Artigo 53

Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens)

É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.

Esa misma norma, en su artículo 64, aduce que prevalecen las normas imperativas de derecho internacional general, haciendo nula y extinguiendo la del carácter particular que a ella contrarie. Eso se ve en la lectura del artículo antes citado, conforme sigue:

Artigo 64

Superveniência de uma Nova Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens)

Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se.

Eso todo comprueba que los dirigentes internacionales, representando sus respectivos Estados, tienen la obligación de buscar la paz. Las normas son de derecho público y vinculantes, y traen un carácter de obligatoriedad a los Estados, lo que los hace buscar siempre la solución pacifica de los conflictos, teniendo siempre en mira la paz duradera.

Por esa razón no hay como justificarse una guerra sin que se tenga en mira, primero, la búsqueda exhaustiva por la paz. Si hay guerra sin búsqueda de la paz, esta guerra hiere las normas de derecho internacional, autorizandose la guerra contra las naciones en conflicto para que se llegue a la paz.

CONCLUSIÓN

La paz es el camino para el desarrollo económico y social. Esta paz   debe ser generada no solamente en el ámbito interno, pero también en el ambito internacional, a través no solamente de tratados, sino de organizaciones internacionales y comunidades internacionales que tengan por norte la cuestion de la paz y del desarrollo en general. No hay desenvolvimiento y avances sociales y económicos en sítios que no estean seguros contra la guerra.

Es interesante la propuesta de Pierre Rosanvallon. Para él el mundo hoy se divide en dos grandes modelos de solidariedad. Uno es el de la soidariedad ciudadana y otro de la solidariedad de humanidad. La primera es la que corresponde al estado providencia. El ciudadano no tiene apenas el derecho de igualdad, sino de vivir de una manera digna y respetable frente a los demás. Ya la solidariedad de humanidad hace con que la persona no sea solamente ciudadano de un país, con mismas angustias o miedos, sino del mundo. Eso sigue un camino que tiene por objetivo evitar, por ejemplo, que personas mueran de hambre, que no haya victimas de esclavitud o de genocidio, con apoyo de las naciones unidas (ONU). Y para que eso ocurra es necesario solamente 1% de la riqueza mundial lo que, al contrário del estado providencia que casi sofoca los estados, haría con que la sociedad tuviese más dignidad, con el mantenimiento de la paz y operaciones de asistencia necesarias en sitios carentes[26].

Una cosa, por fin, debe quedar clara. No es el reinado de la ley aquel donde una grande potencia dicta las normas legales a ser aplicadas en el nivel internacional, buscando la paz por la fueza unilateral. Las reglas del mercado no tienen valor cuando se trata de la paz duradera. Las relaciones deben, en estos casos, tener por objetivo el trato político y no el económico liberal.              Se debe pautar por los derechos humanos fundamentales, no confundiendose el reino de la ley con base en estos derechos, con el imperio de la ley del mercado dictada a la fuerza por le grande capital y el mercado.


[1] In http://europa.eu/abc/history/1945-1959/index_es.htm – acceso en 27 de febrero de 2008, 11h35min.

[2] In http://europa.eu/abc/history/1945-1959/index_es.htm – acceso en 27 de febrero de 2008, 11h41min.

[3] http://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=386787:cs&lang=es&list=459831:cs,449531:cs,432241:cs,387128: cs,386787:cs,391907:cs,410067:cs,439961:cs,410309:cs,439783:cs,&pos=5&page=3&nbl=340&pgs= 10&hwords=Paz~duradora~&checktexte=checkbox&visu=#texte – acceso 28 de febrero de 2008 a las 15h30min.

[4] http://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=386787:cs&lang=es&list=459831:cs,449531:cs,432241:cs,387128 :cs,386787:cs,391907:cs,410067:cs,439961:cs,410309:cs,439783:cs,&pos=5&page=3&nbl=340&pgs=10&hwords=Paz~duradora~&checktexte=checkbox&visu=#texte – acceso 28 de febrero de 2008 a las 15h30min.

[5] KANT, Inmanuel. La paz perpetúa. Traducción de F. Rivera Pastor. In http://www.cervantesvirtual.com/ servlet/SirveObras/01383853100359830755024/p0000007.htm#13 – acceso 18 de febrero de 2008, 16h28min

[6] KANT, Inmanuel. La paz perpetúa. Traducción de F. Rivera Pastor. In http://www.cervantesvirtual.com/ servlet/SirveObras/01383853100359830755024/p0000007.htm#13 – acceso 18 de febrero de 2008, 16h28min.

[7] KANT, Inmanuel. La paz perpetúa. Traducción de F. Rivera Pastor. In http://www.cervantesvirtual.com/ servlet/SirveObras/01383853100359830755024/p0000007.htm#13 – acceso 18 de febrero de 2008, 16h28min.

[8] RODRIGUEZ ARAMAYO, Roberto. Estudio preliminar. Los dos ejemplos paradigmáticos del rigorismo jurídico de Kant. In KANT, Immanuel. Teoría y práctica. Traducción Juan Miguel Palacios, M. Francisco Pérez López y Roberto Rodríguez Aramayo. Ed Tecnos. Clasicos del Pensamiento, Madrid, 2006, p. XX.

[9] Articulo 3. Los Estados americanos reafirman los siguientes principios: h) La agresión a un Estado americano constituye una agresión a todos los demás Estados americanos. In http://www.oas.org/juridico/spanish/carta.html.

[10] Artículo 1 Los Estados americanos consagran en esta Carta la organización internacional que han desarrollado para lograr un orden de paz y de justicia, fomentar su solidaridad, robustecer su colaboración y defender su soberanía, su integridad territorial y su independencia. Dentro de las Naciones Unidas, la Organización de los Estados Americanos constituye un organismo regional.

La Organización de los Estados Americanos no tiene más facultades que aquellas que expresamente le confiere la presente Carta, ninguna de cuyas disposiciones la autoriza a intervenir en asuntos de la jurisdicción interna de los Estados miembros.

Artículo 2 La Organización de los Estados Americanos, para realizar los principios en que se funda                 y cumplir sus obligaciones regionales de acuerdo con la Carta de las Naciones Unidas,  establece los  siguientes propósitos esenciales:

a) Afianzar la paz y la seguridad del Continente. (Lo he destacado). In http://www.oas.org/juridico/ spanish/carta.html – acceso 04 de marzo de 2008, 10h52min.

[11] El hecho del gobierno de Ecuador en buscar la ayuda de la OEA nada más es que uno de sus propósitos como Organización, como si puede ver en el artículo secundo de la Carta de la OEA que consta arriba.

[12] http://www.oas.org/OASpage/press_releases/press_release.asp?sCodigo=C-064/08 acceso en 05 de marzo de 2008, 12h10min.

[13] Artículo 2 La Organización de los Estados Americanos, para realizar los principios en que se funda y cumplir sus obligaciones regionales de acuerdo con la Carta de las Naciones Unidas, establece los siguientes propósitos esenciales:

a) Afianzar la paz y la seguridad del Continente. (Lo he destacado). In http://www.oas.org/juridico/spanish/carta.html – acceso 04 de marzo de 2008, 10h52min.

[14] http://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=386787:cs&lang=es&list=459831:cs,449531:cs,432241:cs,387128:cs, 386787:cs,391907:cs,410067:cs,439961:cs,410309:cs,439783:cs,&pos=5&page=3&nbl=340&pgs=10&hwords=Paz~duradora~&checktexte=checkbox&visu=#texte – acceso 28 de febrero de 2008 a las 15h30min.

[15] KANT, Inmanuel. La paz perpetúa. Traducción de F. Rivera Pastor. In http://www.cervantesvirtual.com /servlet/SirveObras/01383853100359830755024/p0000007.htm#13 – acceso 18 de febrero de 2008, 16h28min.

[16] KANT, Inmanuel. La paz perpetúa. Traducción de F. Rivera Pastor. In http://www.cervantesvirtual.com/ servlet/SirveObras/01383853100359830755024/p0000007.htm#13 – acceso 18 de febrero de 2008, 16h28min.

[17] HABERMAS, Jurgen. ¿Es aún posible el proyeto kantiano de la constitución del derecho internacional? In Derecho y justicia en una sociedad global. Anales de la cátedra francisco suárez. M. Escamilla y                 M. Saavedra (eds.). Granada, España, mayo, 2005, pp. 103-4.

[18] HABERMAS, Jurgen. ¿Es aún posible el proyeto kantiano de la constitución del derecho internacional? In Derecho y justicia en una sociedad global. Anales de la cátedra francisco suárez. M. Escamilla y                   M. Saavedra (eds.). Granada, España, mayo, 2005, p. 104.

[19] HABERMAS, Jurgen. ¿Es aún posible el proyeto kantiano de la constitución del derecho internacional? In Derecho y justicia en una sociedad global. Anales de la cátedra francisco suárez. M. Escamilla y               M. Saavedra (eds.). Granada, España, mayo, 2005, p. 108.

[20] MARTÍN ARRIBAS, Joan José. Derecho internacional. Bases y tendencias actuales. Editora Entinema, Madrid, 2007, p. 80.

[21] KANT, Imanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo, SP: Editora Martin Claret, Coleção Obra Prima de Cada Autor – Textos Integrais, 2005, p. 58. Ele coloca: “Agora eu afirmo: o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional – existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim”.

[22] Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos.

[23] http://www.presidencia.gov.br/noticias/ultimas_noticias/lula_oea080304/ acceso en 06 de marzo de 2008 a las 00h02min.

[24] HEIDEGGER, Martin. Cartas sobre el humanismo. Traducción de Helena Córtes y Arturo Leyte. Primera edición, cuarta reimpresión. Filosofía Alianza Editorial, 2006, p. 11.

[25] PASTOR RIDRUJERO, José A. Curso de derecho internacional público y organizaciones internacionales. Décima Edición, Ed. Tecnos, Madri, 2006, 565.

[26] ROSANVALLON, Pierre. Identidad nacional y democracia. In Revista Foreign Policy. Arquivos del presente. Editora Fundación Foro del Sur, 2008, pp. 19-20.


Garantia de Manutenção no Emprego: Condição de Possibilidade da verdadeira negociação coletiva

Valdete Souto Severo

Juíza do Trabalho Substituta da 4ª R – RS

Especialista em Processo Civil pela UNISINOS

Master em Processo do Trabalho, Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade Européia de Roma

SUMÁRIO: Introdução; 1. O que está por trás dessa discussão; 2. Alguns argumentos para debate; 3. A Necessidade de Motivação do Ato de Denúncia do Contrato de trabalho como Condição de Possibilidade da verdadeira Negociação Coletiva; 3.1 A Importância da Negociação Coletiva; 3.2 A Proteção Internacional aos Direitos Coletivos do Trabalho; 4. A Base Constitucional para a Aplicação do Princípio da Motivação do Ato de Denúncia Contido na Convenção 158 da OIT; 5. A Base Infraconstitucional do Princípio da Motivação do Ato de Denúncia do Contrato de Trabalho; 6. Os Parâmetros da Norma Trabalhista que permitem a aplicação imediata do Princípio da Motivação na Denúncia do Contrato de Trabalho; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Em fevereiro de 2008, foi publicada notícia no site do TRT da Quarta Região, dando conta da Mensagem 59/2008, encaminhada pelo Presidente Lula, ao Congresso Nacional, aconselhando a ratificação das Convenções 151 e 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativas ao direito de livre organização sindical aos trabalhadores do setor público e à proteção dos trabalhadores contra despedidas sem justa causa.

Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, em agosto deste ano, com o objetivo de discutir a necessidade de re-ratificação da convenção, foram opostos argumentos falaciosos, tais como o de que a convenção é obsoleta, está em dissonância com a Constituição Federal ou “atrapalharia” o mercado de trabalho[1]. Alguns setores, especialmente representantes de grandes empresas, revelam o temor de que a incorporação dos termos da Convenção 158 ao ordenamento jurídico brasileiro possa representar um recrudescimento insustentável das relações de trabalho, outorgando estabilidade para todos os trabalhadores. A Convenção sequer trata de estabilidade. Seu principal mérito é garantir a aplicação do princípio – de resto já estabelecido no âmbito do direito civil – de motivação do ato de denúncia do contrato.

De qualquer modo, não se pode olvidar o fato de que a introdução formal dos termos da Convenção 158 da OIT em nosso ordenamento jurídico encontra forte resistência.

Para que o processo de re-ratificação se complete, ainda é necessária a ratificação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, bem como de uma posterior manifestação do presidente, por meio de decreto. Caminho árduo e difícil de ser percorrido, dada às conjunturas atuais.

O importante é que o tema da Convenção 158 da OIT volta ao cenário das discussões jurídicas e econômicas nas relações de trabalho brasileiras.              E reacende-se a discussão acerca da necessidade de ratificação (ou re-ratificação) da norma internacional.

1. O QUE ESTÁ POR TRÁS DESSA DISCUSSÃO

Poderíamos discorrer longamente acerca da necessidade brasileira de efetivar a proteção contra a dispensa imotivada mediante ratificação da Convenção 158 da OIT, afrontando um a um os argumentos falaciosos anteriormente mencionados. Poderíamos destacar a irregularidade formal da denúncia efetivada pelo mesmo governo que incorporou os termos da norma internacional ao ordenamento pátrio, em 1996. Poderíamos especular acerca das conseqüências da ratificação da norma, no ordenamento brasileiro.

Não é esse, porém, nosso objetivo.

Pretendemos defender a desnecessidade, sequer, de nova ratificação da Convenção 158 da OIT. E não porque concordamos com os argumentos daqueles que vêem na convenção uma ameaça à saúde do mercado de trabalho ou um retrocesso em termos de política das relações de trabalho. Simplesmente porque o Brasil já possui (e nisso o representante da CNI tem razão, ao menos em parte, quando se manifesta na audiência pública de discussão da mensagem presidencial) normas suficientes para fazer valer o que a Convenção 158 da OIT tem de mais importante: o princípio da motivação dos atos de denúncia.

É bom que fique claro: somos absolutamente favoráveis à incorporação formal do texto da Convenção ao ordenamento jurídico brasileiro, porque reafirmaria o preceito constitucional já vigente, trazendo elementos para a criação, por exemplo, de uma norma jurídica acerca da dispensa coletiva[2].

Aqui, porém, defenderemos a possibilidade de aplicação imediata dos princípios contidos na Convenção 158 da OIT (ou ao menos de boa parte deles), conferindo eficácia ao art. 7º, I, da Constituição Federal. Isso porque a norma constitucional já alberga o princípio da motivação do ato de denúncia do contrato, protegendo os trabalhadores brasileiros contra a dispensa imotivada ou abusiva. E a norma interna, como veremos adiante, confere a possibilidade de fixação de parâmetros objetivos para a aplicação do comando constitucional.

E é justamente essa proteção que a Convenção 158 da OIT pretende instaurar quando estabelece, em seu artigo 4º, que “não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento            ou serviço”.

O ordenamento jurídico possui normas capazes de garantir a plena e imediata eficácia do comando contido no inciso I do art. 7º da Constituição Federal e, por conseqüência, do princípio da motivação do ato de denúncia do contrato de trabalho, contido na Convenção 158 da OIT.

Em realidade, é isso que está por trás da discussão – hoje reativada – acerca da incorporação dos termos da Convenção 158 da OIT ao ordenamento jurídico pátrio. A necessidade de contaminar o olhar do jurista com a idéia de que o dispositivo constitucional – que já determina deva a dispensa ser motivada – precisa urgentemente ser integralmente aplicado.

2. ALGUNS ARGUMENTOS PARA DEBATE

Várias são as razões pelas quais não se sustenta mais, juridicamente, a chamada “denúncia vazia” do contrato de trabalho. No direito civil, o paradigma constitucional albergado pelo Código de 2002 determina expressamente que as partes ajam, tanto durante a execução quanto no momento de extinção dos negócios jurídicos, com boa-fé, atentando para a sua finalidade social. E há regra expressa determinando seja a denúncia devidamente motivada.

Na medida em que não discutimos mais a natureza contratual da relação de trabalho, não se sustenta a possibilidade – justamente aqui, em que lidamos com o trabalho humano – de resilir o contrato sem motivação válida.

O senso comum não permite, porém, que essa constatação simples e basilar faça eco nos discursos e nos posicionamentos jurídicos daqueles que operam com o direito do trabalho. Parece simples demais dizer que o contrato de trabalho, justamente por ser um contrato (negócio jurídico bilateral) está imbricado pela idéia de boa-fé objetiva segundo a qual deve haver um motivo para que um dos contratantes resolva extinguir a relação.

Tanto é assim que possuímos uma Constituição Federal com 20 anos de existência, e até hoje não conseguimos fazer valer o preceito expressamente contido no inciso I do art. 7º do texto constitucional.

Pensamos, então, em argumentos de ordem prática, que talvez auxiliem ou fomentem um pensamento crítico acerca da necessidade premente de efetivação do comando constitucional. E fomos buscá-los no discurso da flexibilização.

Um dos principais argumentos daqueles que defendem a necessidade de modernização das relações de trabalho, devolvendo aos “atores sociais” seu verdadeiro papel, é o de que precisamos acreditar na possibilidade de negociação entre trabalhadores e empregadores. É certo que esse discurso esconde as verdadeiras razões (econômicas) do movimento de fragilização/supressão (traduzido pelo eufemismo ‘flexibilização’) dos direitos sociais trabalhistas. Pois bem. Ainda assim propomos, em um exercício de diálogo democrático, conferir validade ao argumento, já que a negociação coletiva (pilar do direito do trabalho) sempre foi um importante elemento de consolidação desse direito social.

A aceitação de que é necessário fomentar a verdadeira negociação coletiva passa pela indispensável avaliação da possibilidade real de interação desses atores sociais (sindicato e empresa). Vale dizer: podemos concordar com o discurso de que a auto-regulação pode melhorar as relações de trabalho, mas para isso precisamos partir do pressuposto de que os atores sociais possuem verdadeiro poder de diálogo.

É nesse ponto que o discurso neoliberal se encontra com a Convenção 158 da OIT e fornece elementos para a sustentação de que não apenas é necessário (re)ratificá-la, como também é imperioso que seu princípio fundante (a motivação dos atos de denúncia), já albergado na Constituição Federal, seja imediatamente aplicado nas relações de trabalho brasileiras.

A aplicação imediata do princípio da motivação do ato de denúncia estabelecido na Convenção 158 da OIT, com a implementação de efetivas garantias de manutenção no emprego, constitui condição de possibilidade do exercício da liberdade sindical, bem como da efetiva negociação coletiva.

3. A NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO DE DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE DA VERDADEIRA NEGOCIAÇÃO COLETIVA

O discurso da flexibilização (e os movimentos legislativos nesse sentido) aponta para a necessidade de reafirmação da negociação coletiva como um dos pilares do direito do trabalho.

As modificações introduzidas no art. 7º da Constituição Federal dão conta disso, ao permitirem, por exemplo, negociação coletiva acerca da compensação da jornada ou da remuneração (dois dos principais institutos do direito do trabalho). Podemos duvidar da idoneidade do argumento, quando manejado por aqueles que vêem o direito do trabalho como um obstáculo ao desenvolvimento econômico e acreditam que o ser humano deve servir ao deus mercado.   Aqui, porém, não interessa discutir se o argumento é falacioso ou verdadeiro. Ele existe. Está em todos os discursos pró-flexibilização.

Podemos, portanto, afirmar que a proteção contra a dispensa não-motivada encontra respaldo, inclusive, no discurso liberal, já que apenas empregados protegidos contra a possibilidade de extinção repentina do posto de trabalho têm condições reais de negociar direitos trabalhistas[3].

3.1 A Importância da Negociação Coletiva

A importância da negociação coletiva está no cerne do direito social do trabalho. Não é necessário flexibilizar para que os atores sociais, desde que tenham condições para isso, exerçam sua capacidade de negociação. Isso porque a origem dos sindicatos se confunde com a origem do próprio direito do trabalho.

A organização de um número elevado de pessoas em torno de um mesmo objetivo, dentro da fábrica, na época do capitalismo industrial, fez com que essas pessoas morassem próximas umas das outras e convivessem diuturnamente em seu local de trabalho. Essa similitude nas condições de vida (de moradia, de trabalho, de convivência) levou à consciência de classe ou grupo. Uma consciência que fez surgirem os primeiros movimentos operários instigando a criação de um conjunto de normas que protegessem o homem-que-trabalha.

A luta de classes forja a organização sindical, a partir de um sentimento de identidade[4]. Os movimentos sindicais surgem como uma das poucas armas de resistência contra o individualismo gerado pelo sistema capitalista de produção[5]. São a origem dos primeiros movimentos de greve e, por sua vez, responsáveis pela criação de normas limitadoras da exploração capitalista sobre o trabalho humano. Não é possível, pois, colocar em discussão a importância dos movimentos coletivos para a construção e a melhoria do que

hoje concebemos como direito social do trabalho.

É preciso compreender, porém, que apenas sindicatos fortes têm verdadeira capacidade de negociação.

A onda de flexibilização das normas trabalhistas, sob o discurso de revitalização dos atores sociais, torna, pois, ainda mais imperiosa a atuação comprometida dos entes coletivos, impondo a consciência de que o movimento sindical tem que se fortalecer na base, sob pena de ver os trabalhadores irem paulatinamente abrindo mão de seus direitos fundamentais, até o ponto em que a idéia mesma de organização de classe perderá o sentido[6].

O movimento sindical, embora episodicamente retraído, tem condições de se revitalizar, encontrando no estágio atual do capitalismo globalizado um espaço importante de atuação. Deve assumir com compromisso o papel que o discurso neoliberal falaciosamente diz pretender atribuir-lhe.

Nesse sentido se posicionou o Sr. Herbert Passos, representante da Força Sindical, na reunião pública para discussão da re-ratificação da Convenção 158 da OIT. Em seu discurso, ele ressaltou que “a Força Sindical também defende a ratificação da Convenção nº158, porque ela virá trazer uma coisa de que precisamos muito, e há muito tempo, e discutimos muito entre as centrais, que é a Convenção nº 87. Sem a Convenção nº87, que vai trazer a liberdade sindical, de as pessoas poderem optar pela sua entidade realmente representativa; acabar com o sindicalismo, que não aceitamos, as centrais sindicais não aceitam; trazer um sindicalismo mais puro, só vai ser possível com a Convenção nº 158, que não vai permitir a dispensa arbitrária[7].

Ora, se é o reforço da autonomia coletiva o que pretendem os capitalistas pós-modernos, a efetiva garantia de emprego assume caráter de condição de possibilidade.

Nas palavras de Oscar Ermida Uriarte, uma regulamentação sindical que pretenda ser legitimada em um Estado de Direito, deve garantir a liberdade sindical, que pressupõe e depende da “preexistencia efectiva de los derechos humanos básicos[8], retratados especialmente nas normas supranacionais erigidas pela OIT.

3.2 A Proteção internacional aos direitos coletivos do trabalho

No Brasil, há duas Convenções ratificadas, que são essenciais no que tange à proteção dos direitos coletivos do trabalho. A Convenção 98 da OIT, vigente no Brasil desde 1953 por força do Decreto Legislativo 49/1952[9], dispõe que os representantes sindicais não podem sofrer quaisquer tipos de “restrições empresariais” e que os sindicatos gozam de “proteção adequada contra quaisquer atos de ingerência” assim compreendidas as “medidas destinadas a provocar a criação de organizações de trabalhadores dominadas por um empregador”, a manutenção de organização de trabalhadores “por outros meios financeiros”, com o objetivo de colocá-las “sob o controle de um empregador ou de uma organização de empregadores[10].

A Convenção 135, também vigente no Brasil, em razão do Decreto 86/1989, dispõe que “os representantes dos trabalhadores na empresa devem ser beneficiados com uma proteção eficiente contra quaisquer medidas que poderiam vir a prejudicá-los[11], inclusive contra a dispensa, que em tal hipótese é de ser considerada abusiva.

Essa disposição vai ao encontro do que disciplina o art. 7º, inciso I,               da nossa Constituição Federal. Note-se que a aludida convenção não faz referência apenas aos dirigentes sindicais. É endereçada “a todos aquellos que actúan en representación del sindicato o de los trabajadores[12], cogitando, pois, de um núcleo essencial de normas protetivas que garantem a todos os trabalhadores o direito a serem dispensados apenas quando houver motivo relevante para isso.

A efetividade dessas convenções, ratificadas e incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro passa pela atribuição de eficácia imediata ao que dispõe o artigo 7º, § 1º, da Constituição Federal.

Para que os empregados possam se organizar e lutar por melhores condições de trabalho, é necessário, no mínimo, conferir-lhes a tranqüilidade de que não estarão na berlinda, podendo a qualquer momento perder sua fonte de subsistência[13].

4. A BASE CONSTITUCIONAL PARA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DO ATO DE DENÚNCIA CONTIDO NA CONVENÇÃO 158 DA OIT

Ao contrário do que muitos sustentam, a imediata eficácia do inciso I   do art. 7º da Constituição Federal, encontra suporte na legislação vigente.                 O dispositivo estabelece que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.

A primeira observação necessária diz com a redação expressa do caput do artigo em exame. Ao estabelecer quais sejam os direitos fundamentais sociais dos trabalhadores brasileiros, o texto alberga todos os demais direitos (ali não explicitados) que visem à melhoria de sua condição social. As normas internacionais sobre direitos humanos estão inseridas no conceito de “outros direitos”, como torna clara a dicção do art. 5º da Constituição Federal.

Com efeito, o § 2º do art. 5º da norma constitucional reforça o caput do art. 7º, quando estabelece que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

O artigo quinto da Constituição Federal, quando trata dos direitos fundamentais, consolida a orientação da doutrina constitucional acerca da necessidade de observância dos princípios que orientam um ordenamento jurídico, quando da interpretação e aplicação de suas normas. Princípios dentre os quais podemos destacar, em âmbito geral, o da boa-fé objetiva e o da finalidade social dos negócios jurídicos. Em âmbito específico, devemos necessariamente lembrar do princípio da proteção, a determinar – por exemplo – a hierarquia dinâmica das fontes formais do direito do trabalho e o respeito intransigente do núcleo mínimo de direitos sociais positivados.

Além disso, traz para o âmbito dos direitos e garantias fundamentais todos os direitos garantidos em “tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

O Brasil é membro da OIT e assinou a Convenção 158 em Genebra, em 22 de junho de 1982[14]. A recepção no âmbito interno (e posterior denúncia, válida ou inválida que seja) em nada altera o fato objetivo de que sendo membro da OIT e tendo assinado a Convenção 158, no momento de sua edição, o Brasil tem o compromisso, assumido em 1982, de adequar suas normas internas às suas disposições.

Nos termos do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, as normas contidas no pacto internacional que estamos examinando são plenamente aplicáveis em âmbito interno, na medida em que o Brasil, como membro da OIT, assinou a Convenção 158 e, pois, tem compromisso de efetividade com seus termos.         É claro que aqui deveríamos ingressar na longa discussão doutrinária acerca da incorporação de tratados internacionais. Para além da definição da adoção da teoria monista ou da dualista (ambas passíveis de serem sustentadas com base em dispositivos insertos na nossa Constituição Federal) precisamos assumir o fato de que o constituinte optou claramente pela inserção imediata dos tratados internacionais relativos a direitos fundamentais. E dentre eles está a Convenção nº 158 da OIT, que trata do direito fundamental do trabalho.

No que tange à eficácia das normas constitucionais que versam a propósito de direitos fundamentais, é importante recordar lição de Ingo Sarlet, no sentido de que “a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental” acaba por atrair “o conteúdo de todos os direitos fundamentais”. Mais do que isso: “exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões”, na medida em que lhes negar eficácia equivaleria a negar “a própria dignidade[15].

Os direitos sociais, seja na condição de direitos de defesa (negativos), seja em sua dimensão positiva, “constituem exigência e concretização da dignidade da pessoa humana[16], valor fundamental do nosso Estado Democrático de Direito, como preconiza o art. 1º da Constituição Federal vigente. Como tal, seu comando imperativo deve ser concretizado (maximizado) pelas normas infraconstitucionais.

O art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, dispõe expressamente que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Pois bem. É direito fundamental dos trabalhadores urbanos e rurais a ‘relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos’. Trata-se, pois, de norma de aplicação imediata. E sua aplicação passa pelo que estabelece a Convenção 158 da OIT, cuja aplicabilidade (igualmente) imediata em âmbito interno é expressamente autorizada pelo parágrafo segundo do mesmo artigo quinto.

De tudo isso extrai a conclusão de que não falta comando legal. Falta apenas uma compreensão autêntica do direito. Falta o comprometimento com uma hermenêutica constitucional intervencionista que pretenda transformar em fato o direito consagrado na norma.

A Constituição Federal inverte a lógica do raciocínio individualista e isso não pode ser ignorado nem mesmo pelas recentes alterações legislativas. A adoção da solidariedade, da justiça e da dignidade humana, como parâmetros do ordenamento jurídico, determina que as regras sejam examinadas sob a ótica da coletividade, sem que se perca de vista o ser humano.

A resistência injustificada em concretizar o comando constitucional de proteção contra a despedida arbitrária e sem justa causa não prejudica apenas trabalhadores isoladamente considerados. Compromete a existência de um movimento sindical sério e orientado para a busca de concretização e manutenção de direitos fundamentais. Por isso, nega a função social garantidora do direito do trabalho, como instrumento de realização da dignidade do homem-trabalhador[17].

À alegação de que o Brasil não disciplinou a matéria no âmbito interno, editando lei que diga como o trabalhador será protegido contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, opomos as regras da CLT, da Lei nº 9.029/95 ou do Código Civil vigente.

5. A BASE INFRACONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DO ATO DE DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO

Os princípios da valorização social do trabalho e da dignidade da pessoa humana, que figuram como fundamentos da República brasileira, implicam               a mudança de paradigma da qual falamos anteriormente. Em lugar do individualismo, assume importância a solidariedade.

E esse novo paradigma é expresso, na legislação comum, pela denominada função social do contrato[18]. Com o novo texto constitucional, inverte-se a lógica e o homem passa a ser visto sob a ótica da relação com seus pares. Desloca-se, pois, a ‘vontade’ (antes um elemento essencial do contrato)               para a condição de elemento agregado à função social a ser exercida pelo pacto firmado[19].

Com isso, a finalidade social passa a constituir característica inerente a todas as espécies de contrato. É o novo paradigma – da solidariedade – sendo consolidado pelo Código Civil de 2002.

À noção mesma de contrato soma-se uma finalidade específica que contamina o conceito desse instituto jurídico, de modo a ser inconcebível a realização de um negócio, cujo escopo deixe de atender a função social que justifica sua existência[20].

O art. 421 do Código Civil estabelece a finalidade social como objetivo e limite para o exercício pleno do poder-dever de contratar. Dispõe que               “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. No caso das relações de trabalho, essa função social determina, necessariamente, a motivação quando da denúncia do vínculo, de modo que as partes estejam obrigadas a agir com lealdade e correção nos atos que incidam diretamente na relação de trabalho, inclusive após ou por ocasião de sua denúncia, motivando seus atos.

No mesmo sentido, o art. 422 do Código Civil diz que os “contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. A boa-fé objetiva constitui princípio geral do direito cuja aplicabilidade certamente não pode ser olvidada no âmbito das relações de trabalho. Em realidade, nenhuma outra legislação aplica melhor tal princípio, do que aquela contida na Consolidação das Leis do Trabalho. O art. 9º da CLT, para citar apenas um exemplo, é hipótese clara em que a cláusula contratual é de ser considerada abusiva e, pois, nula para todos os efeitos legais, por olvidar a função social do contrato de trabalho.

É no âmbito das relações de trabalho – por sua peculiar circunstância de

que o trabalho humano é indissociável do homem-que-trabalha – portanto, que as regras a propósito do abuso do direito, da boa-fé objetiva e da função social do contrato devem ser aplicadas com ainda maior rigor.

Essas qualidades agregadas à liberdade contratual, inseridas de modo definitivo após a nova ordem constitucional, fazem como que a liberdade individual ceda espaço ao bem comum. Em lugar da ‘vontade’ individual, como elemento nuclear do contrato, passa a figurar o ‘interesse social’[21].

A noção de finalidade social passa pela percepção de que os negócios jurídicos, embora interpessoais, devem estar comprometidos com a necessária busca de uma sociedade saudável, organizada, formada por seres humanos incluídos na ordem econômica e social vigente, que tenham a possibilidade de sobreviver e de atuar no meio em que vivem.

A observância da finalidade social de um contrato de trabalho, extinguindo-o apenas quando houver um motivo justificado, implica conceder ao homem – destinatário das normas jurídicas e razão de ser da organização econômica e social – a possibilidade de sobreviver física e mentalmente, e de intervir, com seu labor, no ambiente e na comunidade da qual faz parte. Isso porque a garantia de que não será dispensado apenas porque seu superior imediato está de mal-humor permite – sobretudo em um país como o Brasil, em que os empregos são escassos – que o empregado tenha tranqüilidade para exercer suas tarefas, interagir em sua comunidade e programar seu futuro.

Não é por acaso que atualmente apenas o setor público se dá ao luxo de exercer o direito constitucional de greve. Apenas os empregados públicos, com a garantia de que não serão dispensados imotivadamente, podem lutar por melhores condições de trabalho e planejar um futuro a médio ou longo prazo. Isso faz diferença não apenas para o trabalhador diretamente afetado. Faz diferença para a família dele. Para as pessoas que com ele convivem e, inclusive, para o comércio da comunidade em que está inserido. Um trabalhador que não sabe como será o dia de amanhã e não possui garantia alguma de que continuará empregado no próximo mês, não tem condições de consumir a médio ou longo prazo.

Por isso a garantia de manutenção no emprego ou a exigência de motivação para o ato de denúncia é expressão do princípio da finalidade social do contrato. Atende interesse que ultrapassa o âmbito individual. Atinge diretamente o ideal de organização de uma sociedade saudável e equilibrada.

Precisamos reler – com base no paradigma da solidariedade e do privilégio à dimensão plural do homem introduzido pela Constituição Federal de 1988 – o conceito de abuso de direito, para o efeito de considerar abusiva a despedida injustificada, por atentar contra a finalidade social do contrato.

A responsabilidade contratual que daí decorre legitima o entendimento de que “el trabajador sepa que manteniendo buena conducta, respetando sus deberes, nunca habrá de perder la fuente de trabajo[22], porque essa é também a sua fonte de sobrevivência em uma sociedade capitalista como a nossa.

6. OS PARÂMETROS DA NORMA TRABALHISTA QUE PERMITEM A APLICAÇÃO IMEDIATA DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO NA DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO

No âmbito interno, existem normas que permitem a efetivação da proteção contra a dispensa e conceituam o que deve ser considerado ato arbitrário.

O art. 165 da CLT, quando conceitua despedida arbitrária dos representantes dos empregados na CIPA, dispõe que “os titulares da representação dos empregados nas ClPA´s não poderão sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”. Em seu parágrafo único dispõe que “ocorrendo a despedida, caberá ao empregador, em caso de reclamação à Justiça do Trabalho, comprovar a existência de qualquer dos motivos mencionados neste artigo, sob pena de ser condenado a reintegrar o empregado”.

A CLT garante ao representante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, portanto, não apenas a necessidade de motivação da denúncia do contrato de trabalho, como também a tutela da reintegração para a hipótese de não-observância da regra.

Do mesmo modo, a Lei nº 9.029 de 1995 proíbe “a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade” (art. 1º). Dispõe em seu artigo quarto, que “o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta lei, faculta ao empregado optar entre: I – a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais; II – a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

É fácil constatar, portanto, que a regra infraconstitucional já definiu o que é uma despedida arbitrária, bem como qual a conseqüência jurídica desse ato para o empregador. Existe lei. Basta aplicá-la.

Trata-se de tutela real, a exemplo do que ocorre na Itália. Lá, porém, a regra geral (e não apenas para a dispensa arbitrária) é a de que o ato de denúncia do contrato deva ser motivado, sob pena de reintegração no emprego, excetuada a hipótese de empregador com menos de 15 empregados[23].

No Brasil, vimos que a dispensa arbitrária já é disciplinada, tendo como conseqüência a reintegração ou, a escolha do empregado, o pagamento de indenização significativa.

Quanto à motivação da dispensa, o art. 482 da CLT oferece parâmetros para a aplicação da proteção contida no texto constitucional[24]. Nas hipóteses ali relacionadas (algumas delas de duvidosa constitucionalidade, tal como a embriaguez habitual) considera-se justificada a dispensa, para o efeito de permitir que o ato do empregador seja válido e, pois, produza seus efeitos jurídicos.

Tal dispositivo estabelece as hipóteses taxativas que “constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador”. O elenco não é uniforme. Algumas hipóteses realmente determinam a quebra da fidúcia necessária para a continuidade do contrato de trabalho, tais como a “negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena” ou a “violação de segredo da empresa”.

Outras são tão genéricas, que permitem uma discricionariedade muito grande e incompatível com o caráter contratual da relação de trabalho. São exemplos as referências a “ato de improbidade”, “incontinência de conduta ou mau procedimento”, “desídia no desempenho das respectivas funções” ou “ato de indisciplina ou de insubordinação”.

A embriaguez habitual, embora ainda conste no dispositivo, já vem sendo afastada pela jurisprudência, por constituir doença prevista pela Organização Mundial de Saúde. E, cogitando-se de doença, deve o empregado ser encaminhado para atendimento médico[25], e não simplesmente despedido.

O que nos interessa, porém, para esse estudo, é perceber que já temos o elenco de situações que configuram motivo justo para a dispensa, aos quais se agregam, nos termos da Convenção 158 da OIT, motivos afetos às “necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão acerca da necessidade de re-ratificação da Convenção 158 da OIT, para inserí-la no ordenamento jurídico brasileiro, tem como mérito principal lembrar algo que, embora presente há vinte anos, vem sendo esquecido.

Em 1988, a Constituição Federal brasileira consolidou uma luta de décadas pela necessidade de supremacia dos direitos sociais sobre aqueles de caráter predominantemente econômico. Uma luta travada em nível mundial, como resposta à capacidade humana de segregação e de auto-destruição, revelada com a segunda grande guerra.

A teoria dos direitos fundamentais triunfou em nossa carta política, mas não mudou o imaginário daqueles que aplicam suas regras.

É claro que de 1988 para cá já conseguimos muitos avanços. O direito civil tem sido um professor exemplar na consolidação de normas e de orientações jurisprudenciais que confirmam a adoção do paradigma da solidariedade, em lugar do individualismo que antes reinava soberano em nosso ordenamento. A Justiça do Trabalho se revela preocupada com a saúde do trabalhador e com as conseqüências sociais do desemprego estrutural gerado pelo sistema. Isso, porém, não tem sido suficiente para que a Constituição Federal seja lida com olhos de quem vê.

O ressurgimento da matéria relativa à Convenção 158 da OIT torna evidente a dificuldade que temos de efetivar o texto constitucional. A reunião pública realizada recentemente na Câmara dos Deputados, com representantes das grandes indústrias, do comércio, dos trabalhadores e da política nacional, expõe nossa miopia crônica.

O medo de que ninguém mais possa ser despedido parece obscurecer o fato de que as normas já existentes no Brasil consagram a necessidade de motivação do ato de denúncia. Nega a realidade de que não é mais possível – diante do ordenamento que já possuímos – defender juridicamente a denúncia vazia de um negócio jurídico (especialmente de um negócio jurídico contaminado pela idéia de proteção ao trabalho humano).

Falamos na necessidade de reativar o diálogo social entre trabalhadores e empregadores, mas esquecemos – propositadamente – que essa negociação existirá apenas na medida em que os trabalhadores não se sentirem mais com a espada da despedida imotivada sob suas cabeças.

Os preceitos gerais de boa-fé objetiva, de coibição do abuso de direito e da observância da finalidade social do contrato já indicam a incoerência de afirmarmos ser a relação de trabalho algo de natureza contratual e, ainda assim, continuarmos permitindo que um dos pólos da relação tenha poderes maiores (quase ilimitados) em detrimento do outro.

O total esvaziamento do exercício do direito de greve, assim como as convenções coletivas cada vez mais recheadas de renúncias a direitos legalmente estabelecidos revelam a incoerência de pretender um reforço do movimento sindical trabalhista sem por em prática o princípio da motivação do ato de denúncia.

As regras específicas da CLT trazem o conceito dos termos contidos no art. 7º, inciso I, da Constituição Federal, definindo o que é arbitrário ou              não-motivado, no que concerne à denúncia do contrato de trabalho. A Lei 9.029, de 1995, também traz parâmetros do que se considera, em nosso Estado Democrático de Direito, uma dispensa abusiva.

O que está faltando para que nós, operadores do direito do trabalho, leiamos as regras jurídicas que ajudamos a aprovar (e bem assim o texto constitucional) com olhos de quem vê na relação de trabalho um negócio jurídico de mão dupla? Um negócio que se estabelece entre seres humanos e cuja comutatividade só pode sofrer desequilíbrio para o efeito de proteger o trabalho humano?

A nossa aplicação atual do direito do trabalho faz exatamente o contrário. Aceita a natureza contratual da relação. Compreende que o princípio da proteção é o que justifica sua regulação especial. Não discute a natureza social desse direito. Admite a sua especial característica, pela qual o objeto não se destaca do sujeito que o produz. E mesmo assim, aplica o direito favorecendo, de modo escandaloso e antijurídico, o lado supostamente mais forte da força.

É o que fazemos, quando admitimos que o empregador exerça um imoral (e ilegal no âmbito dos negócios jurídicos) direito potestativo de resilir o contrato de trabalho, sem qualquer motivação. Perdemos tempo discutindo os supostos impactos econômicos de algo que o nosso ordenamento jurídico já estabelece a vinte anos, mas que infelizmente até hoje não conseguimos aplicar.

Já é hora de assumirmos um compromisso com o texto constitucional

vigente. Não precisamos de nova lei. Não precisamos da re-ratificação da Convenção 158 da OIT. Precisamos apenas aplicar a Constituição Federal.

É direito – diz nosso pacto social – “dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I. relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. A leitura é simples: para despedir, tem que motivar. E o motivo deve ser lícito e relevante.

O trabalho não é uma mercadoria. Com essa afirmação, o Tratado de Versalhes introduz no mundo do trabalho a idéia de que argumento algum, de ordem meramente econômica, poderá suplantar a consciência jurídica de que o homem, aquele para quem as normas jurídicas são criadas, está no centro dos interesses sociais. E é esse o homem que trabalha. E esse homem deve ser respeitado.

Está na base da idéia de respeito ao ser humano, a premissa consagrada na Convenção 158 da OIT e na Constituição Federal brasileira, de que os atos de denúncia do contrato de trabalho devam ser motivados.

Já passou da hora de aceitarmos (e aplicarmos) o princípio da motivação do ato de denúncia, que já impera nas relações jurídicas de natureza civil, em que a paridade substancial entre as partes é presumida, também no âmbito das relações de trabalho!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. Salário. Preço e Lucro.               O Rendimento e suas Fontes. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

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SARTHOU, Helios. Trabajo, Derecho y Sociedad. Tomo II. Estudios de Derecho Individual del Trabajo. Montevideo: Fundación Cultural Universitaria, 2004.

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SUSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994.

URIARTE, Oscar Ermida. Sindicatos en Liberdad Sindical. 2. ed. Montevideo: Fundacion de Cultura Universitaria, 1999.

WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida Abusiva. O Direito (do trabalho) em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: LTr, 2004.


[1]http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctasp/notastaq/nt22042008.pdf/view?searchterm=convenção%20158%20da%20OIT (acesso em 12 set. 2008)

[2] Em palestra proferida no Seminário de Direito Ítalo-Brasileiro, em Porto Alegre, em agosto deste ano, o professor italiano Sergio Magrini salientou que um dos méritos da norma internacional é justamente disciplinar a dispensa coletiva, motivada por crise financeira, trazendo o Sindicato para dentro da empresa, não apenas para negociar as conseqüências da despedida dos trabalhadores, mas também para permitir que eles não sejam surpreendidos com o ato empresarial. O Brasil não possui legislação a esse respeito e, em tal tópico, a Convenção 158 da OIT traria um avanço fundamental para o trato das relações sociais de trabalho em nosso país.

[3] É importante observar que a negociação coletiva encontra limites na indisponibilidade (irrenunciabilidade) dos direitos mínimos previstos na Constituição Federal. O fato de que talvez não seja essa a negociação coletiva pretendida por aqueles que tratam da flexibilização como um processo positivo encerra um outro argumento, insuscetível de ser aqui desenvolvido.

[4] MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. Salário. Preço e Lucro. O Rendimento e suas Fontes. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

[5] Assim, se as recentes reformas liberais pretendessem realmente valorizar a autonomia coletiva, não precisariam dizer o óbvio: as negociações coletivas sempre constituíram fonte do direito do trabalho, tendo, porém, como limite, os preceitos legais vigentes.

[6] Qualquer semelhança com as renúncias diuturnamente trazidas ao conhecimento do Poder Judiciário Trabalhista, chanceladas em normas coletivas por sindicatos acuados, não é mera coincidência. Sem proteção contra a dispensa, os trabalhadores não podem se organizar. Não têm como fortalecer seu poder de grupo e, pois, não possuem poder de negociação.

[7] Notas taquigráficas da reunião pública realizada na Câmera dos Deputados, em agosto deste ano, para discussão acerca da mensagem presidencial solicitando a (re)ratificação da Convenção 158 da OIT, http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctasp/notastaq/nt22042008.pdf/view?searchterm=convenção%20158 %20da%20OIT, acesso em 12 set. 2008.

[8] URIARTE, Oscar Ermida. Sindicatos en Liberdad Sindical. 2ª ed. Montevideo: Fundacion de Cultura Universitaria, 1999, p. 61.

[9] SUSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994, p. 204.

[10] Idem, ibidem.

[11] Idem, p. 307.

[12] URIARTE, Oscar Ermida. Op. Cit., p. 51.

[13] Exatamente por isso, Oscar Ermida Uriarte, na mesma obra citada, assevera que a proteção contida na Convenção 135 da OIT, ratificada tanto pelo Brasil quanto pelo Uruguai – país de origem desse doutrinador – não se destina a proteger o trabalhador individualmente considerado, mas tem por objeto a proteção da própria liberdade sindical, impensável em circunstâncias diversas. Uriarte menciona que “Esto es así porque el bien jurídico tutelado por el fuero sindical no es solamente el dereoho al empleo del trabajador afectado, sino la propia libertad sindical y, más precisamente, el derecho al desarrollo de la actividad sindical, lo que solo recibe ‘adecuada protección’(como lo pide el Convenio 98) con la reincorporación real del trabajador. Así lo ha entendido el Comitê de Libertad Sindical de la OIT, al declarar que ‘en ciertos casos en que en la práctica la legislación nacional permite a los empleadores, a condición de que paguen la indemnización prevista por la ley en todos los casos de despido injustificado, despedir a un trabajador incluso si el motivo real es su afiliación a un sindicato o su actividad sindical, no se concede una protección suficiente contra los actos de discriminación antisindical mencionados en el Convenio número 98’ y así también lo postula la recomendación 143 que estabelece que ‘uma reparación eficaz’ del despido de los representantes laborales debe comprender el reintegro de los mismos a sus puestos (artículo 6, numeral 2, literal d)” (p. 52).

[14] O percurso de ratificação e posterior denúncia da referida Convenção nº 158, em âmbito brasileiro, é de envergonhar. Em 16.09.1992, o então Senador Mauro Benevides, presidente do Senado Federal, assinou o Decreto Legislativo nº 68 de 1992, aprovando o texto da Convenção nº 158 da OIT, sobre o término da Relação do Trabalho por Iniciativa do Empregador. Em 10.04.1996, mediante o Decreto nº 1855, o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, promulgou a aludida convenção. O texto do decreto refere que “a Convenção número 158, da Organização Internacional do Trabalho, sobre o Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, assinada em Genebra, em 22 de junho de 1982, apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”. Menos de um ano depois, em 20.12.1996, o mesmo Presidente Fernando Henrique Cardoso faz publicar                                  o Decreto nº 2100, pelo qual tornou pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção da OIT nº 158, sem qualquer justificativa.

[15] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 84.

[16] Idem, p. 90.

[17] Nesse sentido: Em Defesa da Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho. Juris Plenum Trabalhista e Previdenciária, Caxias do Sul: Plenum, n. 4, jan./fev. 2006. 1 CD-ROM.

[18] A função social como algo que se agrega ao contrato e que contamina a sua existência mesma, é introduzida como regra em nosso ordenamento jurídico a partir da Constituição Federal de 1988, consolidada pela edição de leis específicas, como o Código de Defesa do Consumidor, e ampliada mediante a edição do novo Código Civil.

[19] FERREIRA DA SILVA, Luis Renato. A função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão com a Solidariedade Social. SARLET, Ingo Wolfgang (Org). O Novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 134.

[20] Ao funcionalizar o contrato, o ordenamento jurídico, em realidade, condiciona a liberdade de contratar ao cumprimento de uma função social (Op. Cit., p. 135).

[21] FERREIRA DA SILVA, Luis Renato. Op. Cit., p. 135.

[22] Nesse sentido é o entendimento de Helios Sarthou, retratado em sua obra: SARTHOU, Helios. Trabajo, Derecho y Sociedad. Tomo II. Estudios de Derecho Individual del Trabajo. Montevideo: Fundación Cultural Universitaria, 2004, p. 83.

[23] A tutela denominada “tutela reale” do direito italiano está disciplinada no art. 18 da Lei 300 de 1970, denominada Statuto dei Lavoratori, assim redigido “Ferma restando l’esperibilità delle procedure previste dall’articolo 7 della legge 15 luglio 1966, n. 604, il giudice, con la sentenza con cui dichiara inefficace il licenziamento ai sensi dell’articolo 2 della legge predetta o annulla il licenziamento intimato senza giusta causa o giustificato stessa, ordina al datore di lavoro di reintegrare il lavoratore nel posto di lavoro”.

[24] WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida Abusiva. O Direito (do trabalho) em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: LTr, 2004, p. 320.

[25] Nesse sentido: “RECURSO DE REVISTA. INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. O alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde – OMS, que o classifica sob o título de síndrome de dependência do álcool, cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Assim é que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento, sendo imperativa, naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à sua aposentadoria. No caso dos autos, resta incontroversa a condição do obreiro de dependente químico. Por conseguinte, reconhecido o alcoolismo pela Organização Mundial de Saúde como doença, não há como imputar ao empregado a justa causa como motivo ensejador da ruptura do liame empregatício. Recurso de revista conhecido e provido”. (RR – 1864/2004-092-03-00, PUBLICAÇÃO: DJ 28.03.2008, Rel. Lélio Bentes Correa).


O Princípio da Oralidade no Processo do Trabalho (Uma análise comparativa dos sistemas normativos do Brasil e da Espanha)

Francisco Rossal de Araújo

Juiz do Trabalho

Mestre em Direito Público (UFRGS)

Doutorando em Direito do Trabalho (Univ. Pompeu Fabra- Espanha)

Professor de Direito e Processo do Trabalho (UFRGS)

Pesquisador do CETRA (Centro de Estudos do Trabalho)

 

SUMÁRIO: Introdução; I. Evolução da oralidade no processo; II. Características atuais e estudo comparativo; Conclusão; Bibliografia.

 

INTRODUÇÃO

O princípio da oralidade reflete uma longa discussão doutrinária e jurisprudencial, com experiências em inúmeros ordenamentos jurídicos. Por essa razão, não se pode afirmar que exista uma forma específica de oralidade, mas sim de expressões da oralidade no processo, conforme o tempo e o lugar. O seu estudo diz respeito ao matiz com que o princípio foi recebido por um determinado ordenamento jurídico. Como outros princípios, a oralidade não interfere apenas no direito probatório, mas também na forma de proposição da demanda, na defesa, nas provas e nos recursos. Talvez a execução seja a fase processual em que menos seja sentida a sua influência. O certo é que a oralidade é mais do que a forma de realização de atos processuais: é um modo de pensar o processo que prioriza o emprego da expressão oral[1]. Ela está diretamente ligada à efetividade do processo e à sua agilização, como forma de prestação rápida, igualitária, transparente e eficiente da atividade jurisdicional.

O tema ganha destaque com a introdução de novas tecnologias que modificam a forma de registro dos atos processuais. A digitalização da fase postulatória (inicial e defesa), o grande número de novos meios probatórios baseados em gravações de voz, vídeos, documentos digitais e programas de computador, entre outros, faz com que tenha de ser redimensionada a forma de ver o processo tradicional.

O objetivo deste artigo é estudar a evolução da idéia de oralidade no processo, comparar dois sistemas normativos distintos (Brasil e Espanha), apresentando suas características principais, e projetar o debate de suas vantagens e desvantagens, em particular com os novos meios de registro digital do que ocorre no processo.

I. EVOLUÇÃO DA ORALIDADE NO PROCESSO

A oralidade primitiva do processo talvez tenha sido obtida mais por necessidade e pelos resultados práticos que produzia, do que por elaborações doutrinárias[2]. Os procedimentos orais da Antigüidade Romana[3] ou germânica[4] pouco a pouco foram perdendo espaço para formas escritas do processo, fortemente influenciado pelo direito canônico, no qual se impõe o princípio da inexistência jurídica dos atos processuais não resultantes das actas (escritos, protocolos), gerando a conseqüente nulidade (quod non est actis non est in mundo). Essa forma de ver o processo vai preponderando lentamente após a queda do Império Romano do Ocidente (séc. V), coincidindo com a estruturação hierárquia e burocrática da Igreja, como forma de dominação intelectual por parte daqueles que sabiam ler e escrever, até que, no Século XIII, por decreto do Papa Inocêncio III (Decretal Quoniam contra), praticamente desaparece o contato direito do Juiz com as partes. Esse decreto papal é o que estabelece que todo ato processual, realizado perante o juiz ou pelo próprio juiz, deveria ser reduzido a termo por um notário ou por duas pessoas idôneas e, portanto, a sentença deveria ser redigida com base nestes registros (acta)[5].

Os desdobramentos dessa forma de registrar o processo são a falta de relações imediatas do julgador com as partes e as testemunhas, que eram a base do direito probatório neste período, em especial pela falta de registros escritos privados e pelo pequeno número de pessoas habilitadas para tal. Além disso, o predomínio absoluto do processo escrito faz com que as partes desacreditem das provas colhidas pelo juiz e passem a constituir o costume de provas pré-constituídas por terceiros (interrogadores).

A falta de imediação leva à falta de publicidade nos atos processuais. Como exemplo dessa manifestação, tem-se o segredo das declarações das testemunhas, que permanece por muito tempo, sendo parcialmente revogado apenas após a Revolução Francesa[6]. Por outro lado, os escritos levam a contra-escritos, determinando uma série de argumentações intermináveis, fragmentando a análise do feito e gerando o resultado de que se possa recorrer em separado de cada uma das decisões intermediárias, favorecendo os abusos da parte que não tem interesse na solução do litígio[7]. Para terminar tal série de mazelas processuais, ainda existia o sistema de prova legal, na qual era estabelecida uma extensa série de regras vinculantes com respeito à elaboração e valoração da prova. Como o juiz não tinha vinculação com a prova e mesmo com a sensibilidade direta dos fatos do processo, era comum que recorresse a raciocínios como a condição social dos litigantes (nobre/plebeu; laico/eclesiástico; grau de nobreza; hierarquia escolástica; etc.), religião, sexo, idade, condição econômica, entre outros[8]. Em vez de valorar as provas, o juiz simplesmente as “contava”. Isso fazia com que o processo perdesse o contato com a realidade e o juiz permanecesse insensível a nuances da interpretação das normas jurídicas frente às peculiaridades da situação concreta.

A concepção do processo medieval escrito começa a ser questionada pelos mesmos movimentos sociais que eclodiram na Revolução Francesa. Uma ruptura fundamental com o passado foi a abolição do sistema da prova legal, que era a simbolização do sistema medieval de hierarquia entre as classes sociais. Embora muitos resíduos do antigo sistema tenham permanecido, o desaparecimento das hierarquias das provas, e, conseqüentemente, a admissão do princípio da igualdade no processo, foram um grande avanço que permitiu a democratização das relações jurídicas. Essas reformas, que tiveram origem na França, foram, pouco a pouco, influenciando outros sistemas jurídicos europeus, sendo que se pode falar em um “movimento pela oralidade processual”                   na primeira metade so Século XIX[9]. Pode-se afirmar que o sistema das provas legais representava um avanço se comparado com o sistema de provas irracionais, como as ordálias ou os “juízos de Deus”, pois trazia uma certa racionalidade ao processo. Entretanto, passado o tempo, com a crise da sociedade feudal e o aparecimento do racionalismo nos séculos XVII e XVIII, tal sistema foi ficando ultrapassado, pois atentava contra um dos postulados mais importantes do racionalismo, que é a igualdade de todos perante a lei. Em outras palavras, o sistema da prova legal não podia permanecer fazendo as distinções sociais hierarquizadas e a valoração das provas segundo a posição social do indivíduo, pois o novo postulado é de que todos os indivíduos eram iguais, portanto, todas as declarações como prova tinham o mesmo valor.                A afirmação do princípio da igualdade tem seus contornos jurídicos com a supressão da idéia de que as provas pudessem ter valor distinto segundo a hierarquia social do indivíduo.

Seguramente a Revolução Francesa colabora definitivamente para a mudança de mentalidade, como reflexo dos postulados políticos e filosóficos no plano jurídico. Também é importante ressaltar que, por características históricas específicas, a advocacia francesa sempre gozou de certo prestígio, e isso levava a um certo nível de debates orais (plaidoiries) depois da colheita das provas. Embora com uma conotação de oratória forense, e não propriamente de oralidade, o princípio em questão encontrou menos resistência em solo francês do que em outros países da Europa, no início do séc. XIX[10].

Apesar de ser protagonista no ressurgimento e aperfeiçoamento do procedimento oral, as reformas legislativas efetuadas pelo Código de Procedimento Civil de Hannover (1850) e o Código de Processo Civil austríaco (1895), em especial este último, é que vão influenciar os limites modernos da oralidade no processo[11]. Essas obras legislativas vão disseminar o princípio da oralidade em vários outros ordenamentos[12]. Como característica geral, introduzem o princípio da imediação no procedimento probatório e alcançam inúmeros avanços em matéria de racionalidade e celeridade processual. Pode-se afirmar que a matriz do processo moderno advém dessas experiências históricas, embora, como afirmado anteriormente, não se possa falar em um único princípio de oralidade, mas em expressões de oralidade no processo segundo o tempo e o lugar[13].

O certo é que a codificação austríaca de 1895, em vigor depois de 1898, traz uma visão renovada da administração da Justiça Civil, marcadamente influenciada pelas idéias de FRANZ KLEIN[14]. O enfoque desse autor faz com que o processo passe a ser visto como conflito social, mesmo se ocorrer um litígio puramente de caráter privado, o que faz com que a necessidade de solução seja rápida, tendo em vista seus reflexos gerais sobre a tutela dos interesses do Estado e da sociedade[15]. O processo civil é concebido como uma instituição para o bem-estar da sociedade, inclusive com efeitos pedagógicos. A solução rápida dos litígios facilita a circulação dos bens, desgravando-os do peso de uma lide judicial, além de estabelecer a certeza sobre a propriedade, o estado das pessoas, os direitos pessoais e reais, etc. Nessa perpectiva, entender o processo como necessidade de certeza para a sociedade, mais do que para as partes, faz com que a oralidade se torne um tema central e dominante.               A atividade do juiz também ganha maior relevância e poderes para a direção do processo, tanto no aconselhamento das partes sobre os riscos de seus atos e omissões, como na busca de provas não solicitadas pelas partes. Para KLEIN, não se trata apenas de liberar o juiz das amarras da apreciação formal da prova, mas também de muni-lo com maiores poderes para determinar a realização da prova em si, pois é preciso não só pronunciar a verdade, mas também investigar conforme a verdade[16]. Como reflexo desse entendimento, os recursos são limitados, em regra, somente às decisões definitivas (terminativas), pois um processo oral não pode permitir que se recorra a cada decisão interlocutória. Dito de outra maneira, o órgão que decide constrói uma relação imediata com as partes e com as provas, que são valoradas livremente e as impugnações se limitam, em princípio, às sentenças terminativas[17]. A forma escrita não desaparece totalmente, principalmente na fase postulatória, mas as fases instrutória e decisória são marcadamente influenciadas pela imediação, concentração e oralidade.

II. CARACTERÍSTICAS ATUAIS E ESTUDO COMPARATIVO

Segundo clássica formulação de CHIOVENDA[18], o princípio da oralidade pode ser expresso pela aplicação dos seguintes preceitos: a) prevalência da palavra como meio de expressão, moderada pelo uso da escrita na preparação e documentação; b) imediatidade da ligação entre o juiz e as pessoas cujas declarações deve avaliar; c) identidade das pessoas físicas que constituem o órgão judicante durante o trato da causa; d) concentração do trato da causa em um único período a ser feito em uma ou poucas audiências próximas; e            e) irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

A palavra deve ser prevalente em relação à escrita no processo, embora a fase postulatória (petição inicial e defesa) e os respectivos documentos de cada parte possam ser por escrito, ou reduzidos a termo[19]. O juiz deve presidir os atos processuais relevantes, em especial aqueles relacionados com o saneamento do processo, a fixação da controvérsia e a colheita da prova.               O mesmo juiz deve guardar relação com a causa, em identidade física, evitando-se a substituição do julgador no decorrer da instrução, para que não se percam as impressões pessoais e o relacionamento direto com o conhecimento dos fatos[20]. De nada adiantaria fixar a imediação se o julgador puder ser substituído a qualquer tempo. Os atos processuais devem ser realizados, de preferência, em uma só oportunidade, concentrando-os em audiência, que passa a ser um dos atos mais importantes do procedimento. A audiência torna-se um ato processual complexo, concentrando os momentos da conciliação, saneamento, produção probatória, debates orais e decisão. Pode ocorrer algum registro escrito dos atos mais importantes (ata de audiência), em face da segurança jurídica, mas o fundamental é a utilização da palavra falada para argumentar as teses envolvidas na lide[21]. Se o debate é oral, a conseqüência é a sua informalidade, ou seja, nem tudo é registrado. Eventuais requerimentos podem ser deferidos ou indeferidos pelo julgador e não são passíveis de recurso imediato, pois           tal sistema levaria à paralisação do ato da audiência. Portanto, as decisões interlocutórias são irrecorríveis de imediato. Uma vez levantada alguma questão interlocutória, sua apreciação deverá ser feita em conjunto com o recurso principal, como preliminar[22].

O princípio da oralidade hoje é uma das características mais marcantes do Processo como um todo e do Processo do Trabalho em particular. Tanto  as reformas levadas a cabo no CPC brasileiro[23] quanto a LEC (Ley de Enjuiciamiento Civil) espanhola[24] estão influenciadas por suas características de concentração, imediação, identidade física do juiz e irrecorribilidade das decisões intelocutórias. O Processo do Trabalho brasileiro não tem norma expressa sobre o princípio da oralidade, ao contrário do Processo do Trabalho espanhol, que tem disposição específica sobre o tema[25], mas ambos estão fortemente influenciados pelo referido princípio. Mesmo que permeados por atos escritos, não se pode deixar de afirmar que se trata de procedimentos inspirados na oralidade e na sua conseqüência de atingir a celeridade e efetividade processual.

Com relação à obtenção de prova por meios ilícitos, o princípio da oralidade deve ser analisado no que diz respeito a repercussões específicas. Por um lado, a celeridade e a imediação facilitam o controle da produção dos meios de prova, pois o juiz preside todos os atos probatórios na medida em que são realizados em audiência, pelo menos de forma preferencial. Essa produção probatória em audiência faz com que possam surgir incidentes no próprio ato, como o fato de uma parte propor a realização de uma prova considerada ilícita por outra parte. Pode ocorrer até mesmo a alegação de que o juiz está propondo a realização de uma prova que fere a licitude, como, por exemplo, a coação moral de uma testemunha em seu depoimento, ou o prolongamento de um depoimento de forma tão longa, que ultrapasse o limite do razoável, considerando-o degradante[26]. A legislação espanhola tem dispositivo específico sobre este tema, dispondo o art. 287 da LEC que as partes deverão alegar de imediato a questão relativa à ilicitude de prova (vulneração de direitos fundamentais), sendo o incidente resolvido no início da audiência, antes da produção das demais provas. Poderá ser feita instrução a respeito da ilicitude do meio probatório proposto. Da decisão sobre a admissibilidade, ou não, da prova ilícita, caberá recurso de reposición[27]. Entretanto, no Processo do Trabalho espanhol, a regra deve ser interpretada em conjunto com o art. 87 da LPL, que dispõe sobre a irrecorribilidade de imediato das decisões interlocutórias em audiência, em especial, a pertinência das provas e perguntas formuladas no ato da audiência, a forma de consignação, os protestos e a fundamentação dos indeferimentos. Portanto, a matéria envolvendo prova ilícita somente seria passível de recurso como preliminar do recurso principal, contra a sentença definitiva.

Tanto na legislação brasileira quanto na espanhola, o princípio da oralidade interfere diretamente no processamento dos incidentes a respeito da produção de provas por meios ilícitos. Se o principal momento de colheita e produção probatória é a audiência, ato processual caracterizado pela concentração e imediatidade dos atos processuais, é certo que os recursos advindos das decisões interlocutórias prolatadas em audiência têm especial relevância no desenlace do processo como um todo.

CONCLUSÃO

Para resumir as principais características do princípio da oralidade, pode-se afirmar que sua principal virtude é a simplificação racional do processo.               O encadeamento dos atos processuais é destinado a um fim que visa à aplicação da norma material ao caso concreto (instrumentalidade), com o menor custo social de tempo ou de recursos materiais. A concentração dos atos processuais em uma ou em poucas audiências evita a dispersão do tempo e providências inúteis ou irrelevantes. Além disso, a concentração traz o processo para o seu devido rumo, ou seja, para aquilo que realmente interessa, sem perder tempo com o desnecessário ou irrelevante.

O princípio da oralidade também favorece a colaboração entre todos os participantes do fenômeno jurídico. Juízes, advogados, promotores, servidores, peritos passam a nortear a atuação pela boa-fé processual. Se o processo é visto como um fenômeno social e sua resolução alcança o interesse público, todos devem agir de forma a atingir o seu fim. Por essa razão, as práticas processuais de má-fé devem ser punidas com severidade. Nesse contexto, o papel do juiz é fundamental. Na oralidade, o juiz participa do processo, não com iniciativa em favor de uma ou outra parte, mas como condutor imparcial. No processo escrito, o juiz está distante da realidade das partes e decide com precariedade de dados que podem ser conseguidos nas impressões pessoais das audiências, que serão regidas de forma a respeitar a imparcialidade, o contraditório e a publicidade. O juiz assume o caráter de autoridade pública baseada na lei, e não no arbítrio, conduzindo o processo com o auxílio das partes que, por seu turno, fiscalizam as atitudes reciprocamente e também limitam as decisões judiciais através do sistema recursal. Os perigos do excesso de poder na condução dos atos processuais pelo juiz são minorados pela presença dos advogados. Ao contrário do que se pensa, os poderes do juiz são muito maiores no processo escrito, pois ele não tem o limite moral da presença das partes[28] (Couture). Dito de outro modo, a oralidade contribui para um controle dos poderes do juiz, ao colocá-lo diretamente com as partes e advogados. Ao mesmo tempo, as partes controlam umas às outras no caso de conduta processual inadequada ou de má-fé, diminuindo a possibilidade de fraudes. O livre convencimento do juiz é visto na perspectiva da racionalidade da fundamentação de suas decisões. Nesse contexto a oralidade favorece uma visão democrática do processo.

O princípio da oralidade deve ser valorado como uma questão de preponderância. Não há oralidade pura, pois alguns atos, principalmente de natureza postulatória são realizados por escrito. Mesmo nos atos orais, existe a preocupação com a segurança dos registros. As atas de audiência registram somente o que é relevante e também devem respeito ao princípio do contraditório e da publicidade dos atos processuais. Um dos grandes desafios da oralidade será compatibilizar seus fundamentos com o processo digital. Novos meios de registro dos atos processuais, mais velozes e com maior quantidade de informações, aparecem como conseqüência do desenvolvimento da tecnologia digital. Atas que necessitavam ser reduzidas a termo passam a ser simplesmente gravadas em formato de vídeo digital, sem necessidade de transcrição dos depoimentos. Inúmeras provas passam a ser produzidas pelo formato digital, com gravações de diálogos, câmeras de vídeo, arquivos e programas de informática que ampliam de forma inimaginável o contexto probatório.          Essa expansão do contexto probatório se reflete também na probabilidade de discussão a respeito da licitude dos meios probatórios e deve ser compatibilizada com um procedimento que tem como principal sustentação a realização de atos em audiência. Um dos problemas que terão de ser resolvidos no futuro próximo é o excesso de informações por audiência. Concentrar o sistema na probabilidade de o juiz fixar o contexto probatório, garantindo a participação das partes, ou pelo menos a possibilidade de protestar antipreclusivamente em caso de limitação contrária aos seus interesses, talvez seja uma das soluções possíveis para evitar que as audiências se tornem muito demoradas.                        De qualquer forma, mesmo esse tipo de contratempo não depõe contra as vantagens do processo oral, pois a instrução em si torna-se muito mais célere com a utilização dos recursos digitais.

O processo preponderantemente oral carrega consigo a virtude de              uma prestação jurisdicional rápida e barata. Como decorrência, a construção de um processo de índole social, dotada inclusive de efeitos pedagógicos, como preconizado por FRANZ KLEIN[29]. Ao aproximar as pessoas do Poder Judiciário, o processo oral realiza o sentido democrático do processo, possibilitando maior acesso à Justiça. Não é por outra razão que a Justiça do Trabalho no Brasil, fortemente influenciada pela oralidade processual, sempre foi a mais acessível das portas do Judiciário.

A oralidade possui profunda vinculação com as matérias probatórias, pois o coração do processo é o direito probatório. Dele irradiam todas as demais conseqüências. A prova realizada na frente do juiz produz outros eventos: é melhor controlada pela partes, tem maior poder de minúcia, diante de eventuais incidentes no caso concreto, que podem ser rapidamente sanados. Faz com que haja um aperfeicoamento racional, dispensando medidas protelatórias ou inúteis com muito mais facilidade do que o processo por escrito. No caso de prova ilícita, em face da imediatidade, o controle é imediato, sendo a prova liminarmente excluída, evitando a discussão de nulidades processuais futuras e lesão a direitos fundamentais.

Como mencionado, oralidade e processo escrito relacionam-se como uma questão de predomínio. Não há um processo exclusivamente oral, que exclua totalmente a expressão escrita. A expressão oral e a expressão escrita são formas de comunicação que devem ser utilizadas de forma a atingir o melhor resultado: aliar a celeridade com a efetividade da prestação jurisdicional. Não se trata de uma escolha ideológica, mas de uma escolha racional, que deve levar em conta as peculiaridades de cada ordenamento jurídico, inclusive com relação a fatores culturais, sociológicos, entre outros. O fundamento principal da escolha é que deve ser levado em consideração, ou seja, a melhor e mais célere solução dos litígios. Esse raciocínio deve ser lembrado no momento em que a revolução tecnológica faz com que apareçam novas formas de expressão e registro dos processos. O processo digital pode trazer conseqüências ainda imprevistas para os operadores do Direito redefinindo os tempos para postular, instruir e decidir os litígios judiciais. Assim como se exige celeridade, certos atos processuais necessitam de tempo para amadurecer e ponderar. O maior exemplo são as decisões. Tratando-se de problemas complexos, com alta relevância social, a decisão deve ser ponderada em todos os seus efeitos, não só no que se refere às partes envolvidas, mas também nas suas projeções para a sociedade. Nem sempre se pode instruir ou decidir um processo em curto lapso de tempo. Entretanto, esses processos mais complexos não são a regra, mas sim a exceção, e não é por esse motivo que se deve abandonar a idéia de um processo oral. A oralidade é a realização de um preceito constitucional de efetividade na prestação jurisdicional, no sentido de razoável duração do processo e celeridade na sua tramitação (art. 5º, LXXVIII, da CF[30]), sem prejuízo da análise apropriada da causa e do estabelecimento de uma solução equilibrada para o caso concreto.

Como afirmado por COUTURE, a oralidade é uma idéia em marcha: vem do âmago do passado e pertence ao futuro. Nada poderá deter o seu curso[31]. Visa a preservar um certo equilíbrio entre as necessidades da sociedade de uma justiça célere e eficaz e a preservação das liberdades humanas. Isso ela faz com grande margem de acerto. De um lado, a rapidez do processo e suas vantagens de racionalidade e economia interessam à sociedade, no sentido da solução rápida dos litígios e restabelecimento da paz social quebrada pela lide; de outro, o cidadão tem seus direitos preservados, no aspecto da liberdade, do contraditório e da publicidade dos atos processuais.

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WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.

 


[1] Cf. MAIOR, Jorge Luiz Souto – Direito Processual do Trabalho: efetividade, acesso à justiça e procedimento oral, Ed. LTr, São Paulo, 1998, p. 33.

[2] Cf. CAPPELLETTI, Mauro – Valor Actual del Principio de Oralidad in La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, Ed. Jurídicas Europa-América, Buenos Aires, 1972, p. 85.

[3] Para um melhor estudo do tema, ver BATALHA, Wilson de Souza Campos – Tratado de Direito Judiciário do Trabalho, 3ª ed., Ed. LTr, São Paulo, 1995, vol. I, pp. 650/652. Embora o Direito Romano fosse bastante formal no que diz respeito às fórmulas para demandar, em virtude da inexistência de separação entre o direito subjetivo material e do direito de agir, os procedimentos em geral eram apresentados de forma oral e decididos da mesma maneira pelos magistrados. Dessa circunstância também decorria a imediação do juiz com relação à causa. Na primeira fase do Direito Romano (legis actiones), dominava a palavra falada. O réu era conduzido perante o magistrado e, pelo ato extrajudicial in jus vocatio, as partes formulavam as suas pretensões e acordavam na desisgnação do judex, obedecendo a rigorosas formalidades. Depois, autor e réu dirigiam-se para as testemunhas, notificando-se de forma solene. Depois da litiscontestatio, acontecia a segunda fase do processo, perante o judex, que consistia em os litigantes serem assistidos por suas testemunhas (superstites), resumirem a causa (causae conjectio), discutirem os pontos litigiosos (causae peroratio) e produzirem as provas; no final, a sentença era prolatada e punha fim à controvérsia. Somente depois da Lex Aebutia é que o processo vai adquirindo contornos escritos, o que vai predominar no Direito Romano tardio, sem, entretanto, perder a sua característica predominantemente oral. Nesse mesmo sentido, ver SIDOU, J. M. Othon – Processo Civil Comparado – Histórico e Contemporâneo, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1997, pp. 157/158 e TRINDADE, Washington Luiz da – Oralidade in Processo do Trabalho (Estudos em homenagem a Coqueijo Costa), Ed. LTr, São Paulo, 1989, p. 85. Para uma visão mais geral sobre o processo romano e sua influência no direito moderno, ver CHIOVENDA, Giuseppe –A Idéia Romana no Processo Civil Moderno in Processo Oral – Coletânea de Estudos Nacionais e Estrangeiros, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1940, pp. 85/97.

[4] O procedimento judicial das tribos germãnicas era predominante oral, uma vez que era desconhecida, ou quase, a escritura e porque a administração da Justiça, como expressão do Poder Jurisdicional, assumia um caráter de assembléia (Ding-mallus), mais do que de tribunal. Muitas vezes, nesses tipos de processos, as provas eram substitúídas por duelos ou por “juízos de Deus”, cujos resultados eram “efetivos”, mas desprovidos de racionalidade, uma vez que não se destinavam a formar o convencimento do juiz (êsago, âsega), ou de uma comissão nomeada pelo juiz (rachinburgi), mas de possibilitar a manifestação da vontade divina. Parece certo que o juiz não estava entre as partes como árbitro da controvérsia, nem a decidia segundo o seu convencimento, mas apenas atuava como um árbitro e pronunciava a decisão segundo regras pre-estabelecidas, tendo como origem a decisão de todos ou de certo número de representantes. Para o processo germânico, a sentença era a consagração da vontade de Deus, comum a todo o povo e por todo o povo formulada, com força de vontade absoluta e afetando inclusive a terceiros. De uma certa maneira, o processo escrito e formal, de origem romano-canônica, representava um avanço, pois introduzia um mínimo de racionalidade, não obstante todos os seus defeitos. Nesse sentido, ver CAPPELLETTI, Mauro – El Proceso Oral y el Proceso Escrito in La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, Ed. Jurídicas Europa-América, Buenos Aires, 1972. pp. 42/43 e BATALHA, Wilson de Souza Campos, ob. cit., pp. 653/654.

[5] Cf CAPPELLETTI, Mauro – El Proceso Oral y el Proceso Escrito in La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, ob. cit., pp. 42/43 e BATALHA, Wilson de Souza Campos, ob. cit., p. 654.

[6] Cf CAPPELLETTI, Mauro – El Proceso Oral y el Proceso Escrito in La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, ob. cit., pp. 42/43. O autor refere que o princípio do segredo da prova testemunhal foi introduzido no Direito Francês por influência do Direito Canônico e, somente após a Revolução, com o Code de Procédure Civile, de 1806, é que as testemunhas seriam ouvidas em audiência pública, com a presença das partes. Mesmo assim, havia muitas exceções a este fato, demonstrando que perdurava o apego à forma escrita. Sobre o mesmo tema, ver CHIOVENDA, Giuseppe – Procedimento Oral in Processo Oral – Coletânea de Estudos Nacionais e Estrangeiros, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1940, pp. 41/43.

[7] Sobre os detalhes do processo medieval e seus reflexos nas Ordenações do Reino de Portugal (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), ver TRINDADE, Washington Luiz da, ob. cit., pp. 90/91.

[8] idem, p. 40. O autor refere que o juiz, nessa época, levava em consideração as “verdades” (preconceitos) dominantes para elaborar seus juízos de valor no momento de decidir. Os raciocínios decisórios estavam condicionados por normas jurídicas que determinavam que pesasse mais a palavra de um nobre do que a de um não-nobre, a de um escolástico do que a de um laico, a do homem do que a da mulher, a do velho do que a do jovem, e assim por diante. Algumas regras tinham muitas variantes, dependendo do tempo e do lugar, chegando a situações como a vedação do testemunho exclusivo de mulheres, ou equiparando a palavra de três mulheres à palavra de um homem.

[9] idem, p. 46. Sobre a oralidade no Código de Processo Civil austríaco de 1895 (Zivilprozessordnung), ver HELLMANN, Siegmund – A Oralidade no Processo Civil Austríaco in Processo Oral – Coletânea de Estudos Nacionais e Estrangeiros, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1940, pp. 151/154.

[10] Cf. CAPPELLETTI, Mauro – El Proceso Oral y el Proceso Escrito in La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, ob. cit., p. 47.

[11] idem, pp. 49/50.

[12] Sobre o contexto histórico da evolução jurídica e dos confrontos ideológicos entre as escolas histórica e pandectista no Direito alemão, ver CAENEGEM, R. C. van – Uma Introdução Histórica ao Direito Privado, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2000, pp. 218/224. Sobre a história da Codificação no séc. XIX e as idéias centrais da ciência jurídica e dos fundamentos comuns para a configuração do direito privado, ver COING, Helmut – Derecho Privado Europeo, Ed. Fundación Cultural del Notariado, Madrid, vol. II, 1989, pp. 27/128 e WIEACKER, Franz – História do Direito Privado Moderno, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1980, pp. 397/590. Para uma referência dos principais ordenamentos jurídicos influenciados pelo modelo austríaco, ver OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de – Do Formalismo no Processo Civil, 2ª ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 2003, pp. 52/57; CAPPELLETTI, Mauro – El Proceso Oral y el Proceso Escrito in La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, ob. cit., pp. 50/51; e CHIOVENDA, Giuseppe – Procedimento Oral in Processo Oral – Coletânea de Estudos Nacionais e Estrangeiros, ob. cit., pp. 44/45.

[13] O mesmo processo de transformação de um processo medieval e antiquado para um processo racionalista e moderno ocorreu nos países da common law. As dificuldades vinham sendo apontadas por vários autores, destacando-se as críticas de Jeremy Bentham. A partir de então, várias reformas são introduzidas no sistema judiciário inglês, destacando-se as introduzidas pelo Chancery Amendment Act, de 1852, e o Judicature Act, de 1873, que consagra o sistema de examination e cross-examination, em audiência pública e plena liberdade de valoração das práticas probatórias perante o órgão julgador. Nesse sentido, ver CAPPELLETTI, Mauro – El Proceso Oral y el Proceso Escrito in La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, ob. cit., pp. 58/65. A modernização do Direito Inglês ocorrida na segunda metade do séc. XIX, envolveu a revisão e revogação de muitos estatutos antigos de direito material e também incluiu uma série de reformas na estrutura do Poder Judiciário, completada pelo Appellate Jurisciction Act, de 1876. Nesse contexto, foi possível codificar as normas processuais através de regulamentos detalhados, elaborados pelos próprios tribunais (Rules of Court). Sobre o tema, ver CAENEGEM, R. C. van, ob. cit., pp. 228/233.

[14] Um estudo das idéias desse autor pode ser encontrado em OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de –             ob. cit., pp. 49/57. As idéias de KLEIN, por sua natureza e características de ruptura, não prevaleceram sem enfrentar forte resistência de seus contemporâneos, como o episódio da greve de advogados e a demissão em massa dos juízes, por resistência em aplicar a lei nova. Sobre esse episódio histórico, ver, TRINDADE, Washington Luiz da, ob. cit., p. 95.

[15] Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de , ob. cit., p. 50.

[16] idem pp. 50/51.

[17] Cf. CAPPELLETTI, Mauro – El Proceso Oral y el Proceso Escrito in La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, ob. cit., p. 50.

[18] Cf. CHIOVENDA, Giuseppe – Procedimento Oral in Processo Oral – Coletânea de Estudos Nacionais e Estrangeiros, ob. cit., pp. 57/61.

[19] No Processo do Trabalho brasileiro, o art. 840 da CLT, caput, autoriza que a inicial seja verbal ou escrita. Da mesma forma a defesa, prevista no art. 847, deverá ser aduzida oralmente, ou lida, perante a outra parte, no prazo de 20 minutos. É certo que a prática forense acabou diminuindo os casos de reclamatórias verbais (reduzidas a termo) e praticamente inexiste a leitura da defesa em audiência, limitando-se a parte a levá-la por escrito, tendo vistas a parte contrária para fazer as impugnações quanto à forma e conteúdo que julgar oportunas. Entretanto, o fato de a fase postulatória (inicial e defesa) ser escrita na maioria dos casos não retira a celeridade da audiência, pelo contrário, faz com que o procedimento seja extremamente ágil e rápido, pelo menos no que se convencionou chamar de audiência inicial. Terminado o contraditório das teses da inicial e da defesa, as partes passam a produzir as provas em audiência, diante do juiz.

O texto legal é o seguinte:

Art. 840 – A reclamação poderá ser escrita ou verbal.

§ 1º – Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do Presidente da Junta, ou do juiz de direito a quem for dirigida, a qualificação do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.

§ 2º – Se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em 2 (duas) vias datadas e assinadas pelo escrivão ou secretário, observado, no que couber, o disposto no parágrafo anterior.”

Art. 847 – Não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes.”

No Processo do Trabalho espanhol, a petição inicial deverá ser por escrito (art. 80, LPL) e a defesa será aduzida em audiência (art. 85, LPL). O texto legal é o seguinte:

“Art. 80 – 1. La demanda se formulará por escrito y habrá de contener los siguientes requisitos generales:

a)La designación del órgano ante quien se presente.

b)La designación del demandante, con expresión del número del documento nacional de identidad, y de aquellos otros interesados que deban ser llamados al proceso y sus domicilios, indicando el nombre y apellidos de las personas físicas y la denominación social de las personas jurídicas. Si la demanda se dirigiese contra un grupo carente de personalidad, habrá de hacerse constar el nombre y apellidos de quienes aparezcan como organizadores, directores o gestores de aquél, y sus domicilios.

c)La enumeración clara y concreta de los hechos sobre los que verse la pretensión y de todos aquellos que, según la legislación sustantiva, resulten imprescindibles para resolver las cuestiones planteadas.               En ningún caso podrán alegarse hechos distintos de los aducidos en conciliación o en la reclamación administrativa previa, salvo que se hubieran producido con posterioridad a la sustanciación de aquéllas.

d)La súplica correspondiente, en los términos adecuados al contenido de la pretensión ejercitada.

e)Si el demandante litigase por sí mismo designará un domicilio en la localidad donde resida el Juzgado o Tribunal, en el que se practicarán todas las diligencias que hayan de entenderse con él.

f)Fecha y firma.

2. De la demanda y documentos que la acompañen se presentarán por el actor tantas copias como demandados y demás interesados en el proceso haya, así como para el Ministerio Fiscal, en los casos en que legalmente deba intervenir.”

“Art. 85 – 1. Si no hubiera avenencia en conciliación, se pasará seguidamente a juicio, dando cuenta el Secretario de lo actuado. Acto seguido, el demandante ratificará o ampliará su demanda aunque en ningún caso podrá hacer en ella variación sustancial.

2. El demandado contestará afirmando o negando concretamente los hechos de la demanda, y alegando cuantas excepciones estime procedentes. En ningún caso podrá formular reconvención, salvo que la hubiese anunciado en la conciliación previa al proceso o en la contestación a la reclamación previa, y hubiese expresado en esencia los hechos en que se funda y la petición en que se concreta. Formulada la reconvención,  se abrirá trámite para su contestación en los términos establecidos en la demanda. El mismo trámite de contestación se abrirá para las excepciones procesales, caso de ser alegadas.

3. Las partes harán uso de la palabra cuantas veces el Juez o Tribunal lo estime necesario.

4. Asimismo, en este acto las partes podrán alegar cuanto estimen conveniente a efectos de lo dispuesto en el artículo 189.1.b) de esta Ley, ofreciendo, para el momento procesal oportuno, los elementos de juicio necesarios para fundamentar sus alegaciones. No será preciso aportar prueba sobre esta concreta cuestión cuando el hecho de que el proceso afecta a muchos trabajadores o beneficiarios sea notorio por su propia naturaleza.”

[20] No Processo do Trabalho brasileiro, há uma exceção no que diz respeito à identidade física do juiz.                      A proposta original da CLT foi pensada para um colegiado, em função da representação classista (um juiz togado, um juiz classista representante dos empregados e um juiz classista representante dos empregadores). Por essa razão, tanto o STF quanto o TST firmaram jurisprudência no sentido de não ser exigida a identidade física do juiz nas audiências da Justiça do trabalho, pois tratava-se de um órgão colegiado, ainda que em primeira instância.

A Súmula do STF dispõe:

Súmula 222 – O princípio da identidade física do juiz não é aplicável às Juntas de conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho”

A Súmula do TST dispõe:

Súmula 136 – Não se aplica às Varas do Trabalho o princípio da identidade física do juiz”

Entretanto, com a extinção da representação classista, por força da EC. nº 24/99, a Súmula do TST não tem mais sentido, além de retirar um dos suportes do princípio da oralidade, que é a identidade física do juiz. Não existindo mais o colegiado de primeira instância, a identidade física do juiz é uma imposição, ainda mais em se tratando de um processo marcadamente influenciado pelo princípio da oralidade. Aliás,       o CPC, subsidiariamente aplicável ao Processo do Trabalho, por força do art. 769, da CLT, acolhe integralmente o princípio da identidade física no seu art. 132. O texto legal é o seguinte:

Art. 132 – O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.”

Sobre o tema, ver OLIVEIRA, Francisco Antônio – Comentários às Súmulas do TST, 7. ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, pp. 276/278. No Processo do Trabalho Espanhol, a imediatidade do juiz ocorre na disposição relativa à audiência, que, de regra, deverá realizar-se em uma única convocatória      (art. 82.2, da LPL) e na excepcionalidade do adiamento ou suspensão da audiência (art. 83 da LPL).

[21] No Processo do Trabalho brasileiro, a ata de audiência está prevista no art. 851, da CLT, para o procedimento

ordinário, e no art. 852-F, da CLT, para o procedimento sumarísssimo. Os textos legais são os seguintes:

Art. 851 – Os trâmites de instrução e julgamento da reclamação serão resumidos em ata, de que constará, na íntegra, a decisão.

§ 1º – Nos processos de exclusiva alçada das Juntas, será dispensável, a juízo do presidente, o resumo dos depoimentos, devendo constar da ata a conclusão do Tribunal quanto à matéria de fato.

§ 2º – A ata será, pelo presidente ou juiz, juntada ao processo, devidamente assinada, no prazo improrrogável de 48 (quarenta e oito) horas, contado da audiência de julgamento, e assinada pelos juízes classistas presentes à mesma audiência.”

Art. 852-F – Na ata de audiência serão registrados resumidamente os atos essenciais, as afirmações fundamentais das partes e as informações úteis à solução da causa trazidas pela prova testemunhal.”

No Processo do Trabalho Espanhol, a previsão está no art. 89 da LPL. O texto legal é o seguinte:

Art. 89 – 1. Durante la celebración del juicio se irá extendiendo la correspondiente acta, en la que se hará constar:

a) Lugar, fecha, Juez o Tribunal que preside el acto, partes comparecientes, representantes y defensores que les asisten, y breve referencia al acto de conciliación.

b) Breve resumen de las alegaciones de las partes, medios de prueba propuestos por ellas, declaración expresa de su pertinencia o impertinencia, razones de la negación y protesta, en su caso.

c) En cuanto a las pruebas admitidas y practicadas:

Resumen suficiente de las de confesión y testifical.

Relación circunstanciada de los documentos presentados, o datos suficientes que permitan identificarlos, en el caso de que su excesivo número haga desaconsejable la citada relación.

Relación de las incidencias planteadas en el juicio respecto a la prueba documental.

Resumen suficiente de los informes periciales, así como también de la resolución del Juez o Tribunal en torno a las recusaciones propuestas de los peritos.

Resumen de las declaraciones de los asesores, en el caso de que el dictamen de éstos no haya sido elaborado por escrito e incorporado a los autos.

d) Conclusiones y peticiones concretas formuladas por las partes; en caso de que fueran de condena a cantidad, deberán expresarse en el acta las cantidades que fueran objeto de ella.

e)Declaración hecha por el Juez o Tribunal de conclusión de los autos, mandando traerlos a la vista para sentencia.

2. El Juez o Tribunal resolverá, sin ulterior recurso, cualquier observación que se hiciera sobre el contenido del acta, firmándola seguidamente en unión de las partes o de sus representantes o defensores y de los peritos, haciendo constar si alguno de ellos no firma por no poder, no querer hacerlo o no estar presente, firmándola, por último el Secretario, que dará fe.

3. El acta del juicio podrá ser extendida también a través de medios mecánicos de reproducción del mismo. En tal caso, se exigirán los mismos requisitos expresados en el número anterior.

4. Del acta del juicio deberá entregarse copia a quienes hayan sido partes en el proceso, si lo solicitaren.”

[22] No Processo do Trabalho brasileiro os artigos 893, § 1º e 897, b, da CLT são as normas jurídicas que instituem a irrecorribilidade das decisões interlocutórias. O texto legal é o seguinte:

Art. 893 – Das decisões são admissíveis os seguintes recursos:

I – embargos;

II – recurso ordinário;

III – recurso de revista;

IV – agravo.

§ 1º – Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva (grifado).

§ 2º – A interposição de recurso para o Supremo Tribunal Federal não prejudicará a execução do julgado.”

Art. 897 – Cabe agravo, no prazo de 8 (oito) dias:


b) de instrumento, dos despachos que denegarem a interposição de recursos.”

No processo laboral espanhol, a disciplina jurídica está nos remédios processuais de reposición (art. 184 e 186, LPL) e súplica (art. 185 e 186, LPL). Os textos legais são os seguintes:

Art. 184 – 1. Contra las providencias y autos que dicten los Jueces de lo Social podrá interponerse recurso de reposición, sin perjuicio del cual se llevará a efecto la resolución impugnada.

2. Contra el auto resolutorio del recurso de reposición no se dará nuevo recurso, salvo en los supuestos expresamente establecidos en la presente Ley, sin perjuicio de la responsabilidad civil que en su caso proceda.

3. No habrá lugar al recurso de reposición contra las providencias y autos que se dicten en los procesos de conflictos colectivos y en los de impugnación de convenios colectivos.

Art. 185 – 1. Contra las providencias que no sean de mera tramitación y los autos que dicten las Salas de lo Social podrá interponerse recurso de súplica ante la misma Sala, sin perjuicio del cual se llevará a efecto la resolución impugnada.

2. Contra el auto resolutorio del recurso de súplica no se dará nuevo recurso, salvo en los supuestos expresamente establecidos en la presente Ley, sin perjuicio de la responsabilidad civil que en su caso proceda.

3. No habrá lugar al recurso de súplica contra las providencias y autos que se dicten en los procesos de conflictos colectivos y en los de impugnación de convenios.

Art. 186 – Los recursos de reposición y de súplica se sustanciarán de conformidad con lo prevenido para el recurso de reposición en la Ley de Enjuiciamiento Civil.”

[23] Veja-se, por exemplo, a implementação de uma audiência preliminar de conciliação (art. 331, CPC, acrescentado pela Lei nº 10.444/02) e a limitação das hipóteses de Agravo de Instrumento no CPC , com o reforço ao Agravo em sua forma retida (artigos 522 a 529, CPC, com as alterações introduzidas pela Leis nº 9.139/95, 10.352/01 e 11.187/05).

[24] Ver, a título de exemplo, as disposições sobre a presença judicial em declarações, provas e vistas (art 137, LEC), a publicidade das atuações orais (art. 138, LEC), a ampliação das hipóteses de realização do procedimento verbal (art. 250 e 437 a 447, LEC), a forma de proposição da prova (art. 289, LEC), entre outros.

[25] O texto legal é o seguinte:

Art. 74 – 1. Los Jueces y Tribunales del orden jurisdiccional social interpretarán y aplicarán las normas reguladoras del proceso laboral ordinario según los principios de inmediación, oralidad, concentración y celeridad.

2. Los principios indicados en el número anterior orientarán la interpretación y aplicación de las normas procesales propias de las modalidades procesales reguladas en la presente Ley.

Também sofre forte influência do princípio da oralidade o art. 87 da LPL, que trata da imediação na produção de provas em audiência. O texto legal é o seguinte:

Art. 87 – 1. Se admitirán las pruebas que se formulen y puedan practicarse en el acto, respecto de los hechos sobre los que no hubiere conformidad. Podrán admitirse también aquellas que requieran la traslación del Juez o Tribunal fuera del local de la audiencia, si se estimasen imprescindibles. En este caso,

se suspenderá el juicio por el tiempo estrictamente necesario.

2. La pertinencia de las pruebas y de las preguntas que puedan formular las partes se resolverá por el Juez o Tribunal, y si el interesado protestase en el acto contra la inadmisión, se consignará en el acta la pregunta o la prueba solicitada, la resolución denegatoria, la fundamentación razonada de la denegación y la protesta, todo a efectos del correspondiente recurso contra la sentencia. Una vez comenzada la práctica de una prueba admitida, si renunciase a ella la parte que la propuso, podrá el órgano judicial, sin ulterior recurso, acordar que continúe.

3. El órgano judicial podrá hacer, tanto a las partes como a los peritos y testigos, las preguntas que estime necesarias para esclarecimiento de los hechos.

Los litigantes y los defensores podrán ejercitar el mismo derecho.

4. Practicada la prueba, las partes o sus defensores, en su caso, formularán oralmente sus conclusiones de un modo concreto y preciso, determinando en virtud del resultado de la prueba, de manera líquida y sin alterar los puntos fundamentales y los motivos de pedir invocados en la demanda o en la reconvención, si la hubiere, las cantidades que por cualquier concepto sean objeto de petición de condena principal o subsidiaria; o bien, en su caso, la solicitud concreta y precisa de las medidas con que puede ser satisfecha la pretensión ejercitada. Si las partes no lo hicieran en este trámite, el Juez o Tribunal deberá requerirles para que lo hagan, sin que en ningún caso pueda reservarse tal determinación para la ejecución de sentencia.

5. Si el órgano judicial no se considerase suficientemente ilustrado sobre las cuestiones de cualquier género objeto del debate, concederá a ambas partes el tiempo que crea conveniente, para que informen o den explicaciones sobre los particulares que les designe.

[26] A CLT refere que as audiências serão realizadas nos dias úteis, das 8h às 18h, não podendo ultrapassar       5 (cinco) horas seguidas, salvo quando houver matéria urgente. Mesmo que o horário pareça ser bastante elástico, o certo é que uma audiência que tarde mais tempo que o definido em lei deverá ter justificativa, sob pena de ser presumida a sua ilegalidade.

[27] O texto legal é o seguinte:

Art. 287 – Ilicitud de la prueba.

1. Cuando alguna de las partes entendiera que en la obtención u origen de alguna prueba admitida se han vulnerado derechos fundamentales habrá de alegarlo de inmediato, con traslado, en su caso, a las demás partes.

Sobre esta cuestión, que también podrá ser suscitada de oficio por el tribunal, se resolverá en el acto del juicio o si se tratase de juicios verbales, al comienzo de la vista, antes de que dé comienzo la práctica de la prueba.

A tal efecto, se oirá a las partes y, en su caso, se practicarán las pruebas pertinentes y útiles que se propongan en el acto sobre el concreto extremo de la referida ilicitud.

2. Contra la resolución a que se refiere el apartado anterior sólo cabrá recurso de reposición, que se interpondrá, sustanciará y resolverá en el mismo acto del juicio o vista, quedando a salvo el derecho de las partes a reproducir la impugnación de la prueba ilícita en la apelación contra la sentencia definitiva.”

[28] No que diz respeito às conexões do princípio da oralidade e sua relação com os aspectos morais, ver COUTURE, Eduardo J. – Oralidade e Regra Moral no Processo Civil in Processo Oral – Coletânea de Estudos Nacionais e Estrangeiros. Ob. cit., pp. 99/110.

[29] Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de., ob. cit., p. 50; TRINDADE, Washington Luiz da. Ob. cit.,  p. 95; e HELLMANN, Siegmund. Ob. cit., pp. 151/152.

[30] O texto constitucional é o seguinte:

Art. 5º– Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. “

[31] Cf. COUTURE, Eduardo J., ob. cit., p. 109. Sobre as características atuais da oralidade, ver CAPELLETTI, Mauro – O Valor Atual do Princípio da Oralidade, ob. cit., 93/95.


A Supersubordinação   – Invertendo a lógica do jogo –

Jorge Luiz Souto Maior

Juiz do Trabalho da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, SP.

Professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. A Evolução Nominativa e o Movimento de Redução Progressiva dos Direitos Trabalhistas; 2. Indução do Raciocínio Invertido em Matéria Trabalhista; 3. Repercussões na Experiência Processual; 4. A Função da Expressão Parassubordinação; 5. Revertendo a Lógica Reducionista; 6. A Supersubordinação: Instrumentalizando a Reversão; Conclusão.

 

INTRODUÇÃO

Uma tarefa natural do homem é a de atribuir nomes. Nomeia-se tudo: pessoas, coisas, fatos, atitudes, idéias etc.

Supõe-se que esse esforço tenha por propósito facilitar a comunicação. Mas, se há de convir: o nome não é a própria “coisa” denominada. Com isso, às vezes, em feliz coincidência, o nome fala por si, por exemplo: “bafômetro” (direto não? Não exige explicação). Em certas situações, no entanto, o nome não diz nada (pelo menos para os mortais comuns). Outro dia li em um processo que o reclamante estava com lumbago ciática…

Assim, não raro o nome precisa ser acompanhado de uma explicação, para que a comunicação se efetive.

O duro é que há nomes que a gente sabe o que é (ou pensa que sabe), mas não sabe explicar: universo; vida, morte, justiça; direito…

Diante do progresso das complexidades sociais e do advento de novos fenômenos científicos e tecnológicos aumenta o desafio para a tarefa de denominação. Algumas palavras são criadas para explicar essas novidades. Formam-se neologismos como, por exemplo, o “gerundismo”, para atribuir um nome ao “estarei indo”, ao “estarei ficando”…

Outras vezes, palavras são inventadas para explicar de modo diverso fenômenos antigos. As gírias, fruto da criatividade humana, não são outra coisa senão isso: nomes ou expressões que substituem outros tradicionalmente utilizados. E as próprias gírias se atualizam. Assim, hoje em dia, em vez de falarmos que um sujeito indesejável é um chato, falamos que ele é um “mala”. Se for muito chato, é um “mala sem alça” (que é uma espécie de atualização da expressão “chato de galocha”). Se for mais chato ainda é um “gangorra” (aquele que quando se senta de um lado, todo mundo se levanta do outro…).

Alguns nomes têm significado oficial, ou seja, o significado que o Estado lhe atribui. Para o IBGE só é desempregado aquele que estiver à procura de emprego. Se o sujeito não tiver emprego, mas não estiver à procura de um, não é desempregado. Ou seja, não é nada, pois não entra na estatística e não se criou um nome para ele (talvez seja, meramente, excluído). Para não ser chamado de “vagabundo”[1] e ostentar a condição de desempregado, a pessoa que não tem emprego precisa, então, se submeter, constantemente, ao vexame de ser recusada na pretensão de aquisição de um trabalho. Desse modo, ser desempregado é uma posição social mais relevante do que meramente não  ter emprego. Vai entender!

E, considerando o que se vem dizendo sobre as relações de trabalho no sentido de que existem figuras distintas da de empregado, tais como a do parassubordinado, então a pessoa que não tem emprego, mesmo procurando trabalho, pode ser denominada de formas diversas, conforme o trabalho que esteja procurando. Assim, ter-se-ia o “desparassubordinado” ou “paradesempregado”…

Retornando ao aspecto que diz respeito à construção dos nomes, muitas vezes uma palavra só não basta para explicar a idéia, surgindo os substantivos compostos (guarda-roupa; guarda-chuva). Na formação desses nomes, assim como nas expressões idiomáticas, cada palavra perde a sua identidade e o sentido nada tem a ver com o que cada uma, isoladamente, quer dizer.            Por exemplo, um guarda-chuva não guarda chuva nenhuma (aliás, dependendo do guarda-chuva e da chuva nem desviar a chuva ele consegue). A expressão “ponta-cabeça”, muito falada nas Minas Gerais, sobretudo na região de Pouso Alegre, não é uma cabeça pontuda ou uma ponta na cabeça. Significa “de cabeça para baixo”. No meio trabalhista, a expressão “justa causa” não é meramente a “cessação do negócio jurídico por ato faltoso do outro contratante”, é uma autêntica reprimenda de natureza moral, com grave efeito de natureza social, além do que inverte a regra da presunção da inocência. Um empregado “dispensado” por “justa causa”, para fins de uma avaliação social, é culpado até prova em sentido contrário, prova esta que deve ser produzida em um processo que, ao mesmo tempo, garante ao reclamado, que efetuou a “dispensa” por “justa causa”, todas as garantias inscritas na cláusula do “devido processo legal” (ampla defesa, contraditório e duplo grau de jurisdição).

Outras vezes ______________________________________________________________________________________________________________________________utilizam-se _______________________________________________________________________________________________________________________________complementos, prefixos, no nome para falar da mesma idéia em uma posição superior (super), em uma posição inferior (hipo) ou ao lado (para). É assim que se formam expressões como, super-homem, hipossuficiente e paramédico…

Há, claro, aditivos que não acrescentam nada. É o caso do modismo “tipo”. Tipo dizer o que não se está querendo dizer, para, tipo assim, ludibriar o ouvinte, que fica tipo confuso numa conversa tipo maluca…

Mas há mais nesta temática do que a busca de um nome para referir-se a uma realidade ou a um objeto.

Em muitas situações, a atribuição de nomes é acompanhada de um propósito. Uma função importante dos nomes é a de criar fantasias, criar realidades a partir deles próprios. Ou seja, há uma intencionalidade, muitas vezes não declarada, na formação dos nomes.

Do ponto de vista social, por exemplo, muitas nominações vão criando amenidades para antigas situações, sem alterá-las na essência. Imagina-se, ou tenta-se fazer crer, que a realidade possa ser mudada com alteração dos nomes. Assim, evita-se usar a palavra pobre e supõe-se que os pobres não mais existem (embora eles insistam em “poluir” a paisagem dos centros urbanos tão belamente reformados). O pobre não é mais pobre é um necessitado econômico. A injustiça social nada tem a ver com injustiça, trata-se apenas de uma má distribuição de renda. O furto de bolsas, bem, este continua sendo furto mesmo, mas o furto de horas extras é apenas um inadimplemento contratual…

Às vezes os nomes são utilizados para fins de propaganda de consumo (ou, em uma palavra, “marketing”). Objetos ganham nomes próprios. Usar uma calça não é a mesma coisa que usar uma calça Lee e assim por diante…

Invade-nos a fantasia de que o sanduíche do Mac Donald’s, o Big Mac, é algo diferente do que, naturalmente, pudesse ser. Há uma música muito interessante, não me lembro de quem, cuja letra relata a estória de um sujeito, vindo do interior, que impressionado pela propaganda, vai à cidade grande para comer um Big Mac. Ele vai cantarolando: “dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles num pão com gergelim…” Quando, enfim, recebe em mãos o sanduíche, exclama: “Ué! Mas é pão com carne!”

Há situações, ainda, em que os nomes são dados exatamente para não explicar. É assim que as operações da Polícia Federal ganham aqueles nomes enigmáticos, tais como: Satiagraha[2].

E por falar em enigma, há frases, ou seja, um conjunto de palavras, que se expressam para não transmitir mensagem alguma. Nos debates políticos as respostas quase sempre atraem para o ouvinte a indagação: qual foi mesmo a pergunta? A situação econômica em julho de 2003, foi assim explicada pelo então Presidente do Banco Central, Henriques Meirelles, “Por trás da queda gradativa dos juros não estão insegurança, timidez, excesso de conservadorismo ou cautela. Trata-se apenas do reflexo de uma assimetria natural entre a velocidade de um choque e o ritmo de reversão da política monetária à posição de equilíbrio” (Henrique Meirelles, Presidente do Banco Central, no jornal Folha de São Paulo, 29.07.2003, p. B-10)

Na mesma edição, talvez pressionado pela falta de espaço, o Jornal Folha de São Paulo, anunciava: “Mantega vê acordo de carros este ano” (Folha de São Paulo, 29.07.2003, p. B-2).

E para não ficar aqui falando só dos outros, nós, do meio jurídico, por óbvio, há muitos e muitos anos, criamos as nossas pérolas nominativas, que vão, com o tempo, se institucionalizando: listispendência; preclusão; perempção; coisa julgada; apelação; apelante; excepto; agravante; agravado; embargo; embargado…

Aliás, fica pior quando se quer arranjar um outro nome para os institutos. Segundo o juiz do trabalho, José Eduardo R. Chaves Jr. (Pepe), há uma espécie de brega jurídico[3], que constitui em nominar peças e atos processuais por intermédio de expressões um tanto quanto esdrúxulas: peça vestibular; peça exordial; peça inaugural; peça de arranque (e logo depois o processo emperra); peça umbilical; peça de resistência; decisão guerreada; desabrochar da operação cognitiva; digesto obreiro; entendimento turmário; escólio; juiz de piso; operador do direito; perfunctório; remédio heróico; sodalício…

Isso sem contar as expressões latinas: “sine die”; “iura novit curia”; “da mihi factum, dabo tibi ius”; “causa petendi”; “quod non est in acti non est in mondo” (“o que não está nos autos não está no mundo”); “ad argumentandum tantum”; “facienda necessitas”; “intuito personae”; “in natura”; “affectio societatis”; “in albis”; “ab initio”; “ab ovo”; quase sempre, quando faladas, pronunciadas de forma errada. Conta-se que um juiz (ou advogado, não sei), para parecer mais intelectualizado, lendo a expressão “sine die”, esclareceu para os presentes que a audiência estava adiada “saini dai”, em inglês, claro.

Somos acostumados, também, a classificar as normas, a atribuir nomes às classificações feitas, a identificar características comuns, fixando os nomes correspondentes, etc. Conhecer o direito não é apenas conhecer as leis, é saber, também, como os juristas as organizam, as lêem e preconizam sua aplicação, sendo que, presentemente, ainda se deve aguardar o pronunciamento do STF em suas súmulas vinculantes pelas quais o direito passa a ser aquilo que se diz que ele é ainda que da forma dita não fosse para ser.

Não são poucas as criações terminológicas na área do direito: princípio da “proporcionalidade”; princípio da “ponderação”[4]; princípio da “adequação setorial negociada”; princípio da “marcação irrevisível”; subordinação “integrativa”; subordinação “estrutural”; “teletrabalho”; “novos paradigmas”…

São nomes importantes, mas que muitas vezes se integram a uma             lógica comercial do direito. Tornam-se o paraíso de cursinhos, professores, palestrantes… Funcionam como uma espécie de instrumento para reserva de mercado, conferindo ar de intelectualidade para quem os pronuncia. Muitas expressões transformam-se em autênticos modismos, como “novos paradigmas”. Mas, depois de explicados, o espanto é quase inevitável: “Ué, mas é pão            com carne!”.

Lembro-me de uma prova de concurso para ingresso na magistratura trabalhista da 3ª Região, em que a pergunta era: “O que é princípio da marcação irrevisível?” Foi uma rodada geral. Ninguém passou. Depois, descobriu-se que nada mais era que preclusão.

1. A EVOLUÇÃO NOMINATIVA E O MOVIMENTO DE REDUÇÃO PROGRESSIVA DOS DIREITOS TRABALHISTAS

Do ponto específico das relações de trabalho, tema que nos interessa mais de perto, incide, igualmente, a criatividade na nominação das profissões, algumas novas, outras inusitadas: “engatador de Julieta”; “operador de pare e siga”; “carrinheiro”…

Mas, nesta área, o que impressiona mesmo é a utilização de neologismos para explicar situações muito antigas. Percebe-se existir uma evolução nominativa, que nada mais é que a criação de nomes, digamos assim, mais chiques, para explicar o mesmo fenômeno, mas, ou com a intencionalidade  de conferir um tom mais ameno à exploração do trabalho alheio para satisfação de necessidades pessoais, ou, simplesmente, para conferir a fantasia de um maior “status” para o profissional respectivo. Foi assim, por exemplo, que o contínuo se transformou em “office boy”; o empregado em domicílio, em “home office”; o servente, em ajudante de pedreiro; o ajudante geral, em auxiliar de produção; a empregada doméstica, em secretária do lar; a faxineira, em diarista; o lixeiro, em gari e, depois, coletor de lixo; a aeromoça, em comissária de vôo; o vendedor, em assistente de vendas; o estivador, em trabalhador portuário; o juiz de futebol, em árbitro; o juiz do trabalho, em magistrado trabalhista; o juiz do tribunal do trabalho, em desembargador…

Dizem até que há um Banco, que nem parece Banco, que não tem “office boy”, auxiliar, escriturário, caixa, chefe de seção. Só tem gerentes e assistentes de gerentes…

O ponto crucial da presente investigação, no entanto, é a constatação de que em paralelo a essa linha da evolução nominativa nas relações de trabalho desenha-se outra em sentido inverso de natureza involutiva (para criar mais um nome…) no que tange à efetivação dos direitos trabalhistas. Em outras palavras, a uma melhora na forma de nominação contrapõe-se, paradoxalmente, uma piora no que tange à consagração de direitos, sobretudo de natureza social.

Nesta perspectiva, a “merchandage”, nome francês utilizado para designar a mercantilização da mão-de-obra, considerada ilegal, passou a se denominar, meramente, terceirização e validou-se. À onda de redução de direitos trabalhistas apelidou-se, eufemisticamente, flexibilização, que abalou a efetividade dos princípios da irrenunciabilidade e da irredutibilidade.

Pela utilização de palavras mais dóceis para uma mesma situação procurou-se (e tem-se conseguido) burlar a regra fundamental do direito do trabalho de perseguição da melhoria progressiva da condição econômica e social do trabalhador.

E, presentemente, como a palavra flexibilização caiu em desgraça, visto que sua retórica foi percebida, já se fala em “flexissegurança” (“flexisecurité”, flexisecuridad”), que, para os europeus, significa discutir a possibilidade de trocar o direito de estabilidade no emprego pelo implemento de uma política pública de seguro-desemprego com prazos bastante longos (em alguns casos, sem prazo definido, como na Dinamarca), mas que foi traduzida no Brasil, pelos adeptos da “desregulamentação”, espertamente, como mera intensificação da flexibilização, já que não temos, sob o ponto de vista da teoria dominante, a estabilidade no emprego.

Esse movimento de redução progressiva dos direitos trabalhistas está entre nós há muito tempo, com intensificação na década de 90. Desde então, como destaca o autor uruguaio, Barbagelata, quem passou “para uma quase desesperada defensiva são os sindicatos que não só já não se sentem animados a lutar por melhorias nas condições de trabalho, mas aceitam, inclusive, negociar concessões que reduzem os níveis de proteção e os benefícios anteriormente conquistados.”[5] E, além disso, “os governos legítimos, sustentados por eleição, perderam toda inibição para enfrentar o poder dos sindicatos e para adotar medidas legislativas ou administrativas inequivocamente destinadas a destruí-los”[6].

Em termos de reconhecimento da relação de emprego, o Direito do Trabalho, tradicionalmente, seguia um caminho expansivo. Vários foram os doutrinadores a tratar do movimento expansivo do Direito do Trabalho a partir da integração ao conceito de relação de emprego de várias relações de trabalho antes alheias a esse direito, que, inicialmente, lembre-se, era apenas um “direito operário”.

Do ponto de vista dos direitos e obrigações, as interpretações e aplicações das normas primavam pelo pressuposto da necessária melhoria da condição social do trabalhador. A jurisprudência refletia tal pensamento.

Mas, desde os anos 60, com intensificação nas décadas seguintes, o Direito do Trabalho caminhou em sentido contrário. Inúmeros foram os institutos jurídicos cuja eficácia protecionista foi diminuída: limitação da jornada                 de trabalho; intermediação de mão-de-obra; natureza salarial da parcela  paga; contratos a tempo parcial; proteção contra dispensa, com reflexos na via processual (comissões de conciliação prévia e arbitragem de conflitos individuais trabalhistas).

A linha da regressão das garantias trabalhistas, encontrando solo fértil, vai se aprofundando e ganhando sofisticação. Conta-se que algumas empresas quando querem reduzir o custo do trabalho, em vez de providenciarem uma dispensa coletiva, que é sempre custosa e juridicamente arriscada, procuram criar desconfortos para a execução do serviço, cortando benefícios, como vales-refeições e vales-transportes ou utilizam estratégias mais sutis como, simplesmente, “deixar quebrar” o ar condicionado e com isso chegar ao número de pedidos de demissão correspondente ao corte desejado.

Valendo-se da onda do artificialismo nominativo, assiste-se, agora, a tentativa de obscurecer a própria relação de emprego, com o nítido propósito, embora não declarado, de fugir totalmente das obrigações decorrentes do Direito do Trabalho. Evita-se, assim, de todos os modos, pronunciar a palavra “empregado”.

Desse modo, o empregado não é mais empregado, é um “colaborador”, e que, às vezes, é também “cooperado” (coletivamente, os trabalhadores se “cooperam” para “colaborar”…)

Em muitas situações o trabalhador até perde o nome e a própria condição humana, pois passa a ser uma pessoa jurídica, identificada pelo acréscimo da sigla ME ao seu nome original. O João da Silva, empregado do escritório, passa a ser João da Silva ME, deixando de ser empregado, embora a situação fática pertinente ao trabalho continue exatamente a mesma.                E, quando se conduz o João da Silva ME para execução de suas tarefas fora do estabelecimento do antigo empregador, impelindo-o a manter parte da estrutura empresarial, confere-se ao João a alcunha de “empreendedor”, trabalhador “independente”.

Tratando deste tema, impossível não lembrar de um desenho animado cujo protagonista, o super-herói, era um elefante (o Elefantástico), que, na linha do que se passava em filmes como Batman, para não ser reconhecido, colocava uma máscara sobre os olhos. Todos os demais personagens eram pessoas comuns e o elefante não era identificado por ninguém porque tinha colocado uma pequeníssima máscara sobre os olhos. O seu ajudante era um rato, que também ficava surpreso quando o Elefantástico, revelando sua identidade, tirava a máscara. – Nossa Elefantásico, que disfarce maravilhoso. Eu não tinha percebido que era você! – dizia o rato.

Pois bem, o que se está criando pela tática das novas denominações de antigos fenômenos é a saga dos “empregados elefantásticos”. Trabalhadores com máscaras nos olhos e que, desse modo, embora sendo típicos empregados, passam à condição formal de trabalhadores autônomos sem ser.

2. INDUÇÃO DO RACIOCÍNIO INVERTIDO EM MATÉRIA TRABALHISTA

Tudo isso tem gerado uma situação extremamente confortável para alguns segmentos empresariais (pois não são todos, evidentemente) que se utilizam de tais subterfúgios. E, quanto maior a perversão, maior a vantagem, pois, afinal, quanto mais se distancia da linha da normalidade (tomando-se como parâmetro a eficácia dos direitos constitucionalmente consagrados), mais difícil se torna retomar o padrão da legalidade.

Se uma empresa registra seu empregado e lhe paga todos os direitos regularmente, pecando apenas no aspecto, por exemplo, da concessão integral do intervalo para refeição e descanso, um acordo judicialmente formulado sobre este aspecto traz a situação muito próximo do ideal, que é, por óbvio, o do pleno respeito aos direitos. Assim, se a supressão do intervalo, mesmo com pagamento respectivo, for habitual, não se pode considerar atingido o ideal, pois o intervalo é preceito de ordem pública que visa preservar a saúde do trabalhador e a saúde não está à venda.

Mas, se outra empresa, ao contrário, sequer efetua o registro do empregado e os olhares externos consideram que o desrespeito a todos os demais direitos é apenas como uma conseqüência do primeiro ato, a formulação de um acordo, com pagamento de um valor fechado, permite que se desconsidere a necessária incidência de todas as obrigações trabalhistas decorrentes. O conflito se soluciona numa perspectiva individual, satisfazendo interesses imediatos, mas fica muito longe da linha da normalidade delineada pelo Direito construído dentro da lógica social. ximo dela, considerando a necesse aspecto gistrou seu empregado e pagou-lhe todos os direitos regularmente, p_______________________________________________________________________________________________________________________________

O pacífico convívio com a ilegalidade em termos de obrigações trabalhistas (que se apresenta pelo eufemismo “informalidade”) tem-nos imposto uma inversão de valores. Somos mais rigorosos com quem respeita o Direito do Trabalho e incorre em algum deslize, apoiado em tese jurídica equivocada, do que com quem descumpre, deliberadamente, as normas jurídicas trabalhistas. Tendemos a achar estranho uma reclamação trabalhista em que o reclamante pleiteie unicamente, por exemplo, a incidência da multa do § 8º, do art. 477, da CLT, em razão do pagamento fora do prazo das verbas rescisórias e não nos incomoda o fato de que um trabalhador, empregado há vários anos em uma mesma empresa, seja posto, de um dia para o outro, na condição de desempregado, sem que sequer suas verbas rescisórias tenham sido pagas, fato, aliás, que habita o cotidiano das Varas do Trabalho por este Brasil afora.

Ficamos discutindo o pagamento, ou não, das verbas rescisórias e nos esquecemos de pôr em debate e efetivar a garantia constitucional contra a dispensa arbitrária. Conseguimos, até, recriminar moralmente o trabalho escravo (que insiste em não nos abandonar) e a exploração do trabalho infantil, mas não somos capazes de dizer, juridicamente, que aquele que escraviza deve perder o seu patrimônio em favor daqueles que escravizou e que o sujeito que explorou o trabalho infantil, às vezes em condições de trabalho degradantes, deve pagar uma vultosa indenização por dano pessoal, por ter agredido o direito fundamental à infância, além de outra de natureza social, já que                 a proteção da infância é uma questão de ordem pública, essencial para a preservação da própria humanidade.

3. REPERCUSSÕES NA EXPERIÊNCIA PROCESSUAL

Analisando-se a experiência vivenciada nas Varas do Trabalho, é fácil perceber a repercussão desse fenômeno do abalo progressivo das garantias trabalhistas.

Primeiramente, muitos empregadores instituíram a prática de não respeitar regularmente os direitos trabalhistas para depois, simplesmente, dispensarem seus empregados sem o correspondente pagamento das verbas rescisórias, forçando os trabalhadores a buscarem a Justiça do Trabalho para reaverem seus direitos, e, nas reclamações trabalhistas propostas, formularem propostas de acordo para pagamento de apenas parte dos direitos devidos, com a obtenção do benefício da quitação do extinto contrato de trabalho.

Essas situações, embora confortáveis para esses empregadores, traziam os incômodos dos efeitos jurídicos do atraso no pagamento das verbas rescisórias (art. 477, § 8º, da CLT) e da necessidade do acerto de tais verbas no momento da realização da audiência, sob pena de incidência da multa prevista no art. 467, da CLT.

Assim, seguindo a linha do ataque à eficácia dos direitos trabalhistas, percebeu-se que melhor seria estabelecer uma controvérsia jurídica a respeito da cessação do vínculo, para evitar a incidência desses dois dispositivos e mesmo para tornar mais nebuloso o direito ao recebimento das demais verbas rescisórias. Passou-se, então, à utilização da dispensa por justa causa, de modo sistemático, como forma de criar, processualmente, uma situação mais favorável para a empresa na formulação da proposta de acordo. Inúmeros foram os acordos formulados na Justiça do Trabalho que previam apenas “reversão da justa causa e liberação do FGTS”, saindo a empresa, inclusive, com o título de bem-feitora. Era comum em nossa realidade (e ainda é) a existência de empresas, ou mesmo de segmentos econômicos inteiros, em que todos (ou quase) todos os contratos de trabalho se encerravam por justa causa do empregado.

Mas, nem todos os empregados faziam acordos. Muitas justas causas eram revertidas e as reclamações trabalhistas não se limitavam ao aspecto das verbas rescisórias, trazendo à discussão, portanto, vários outros institutos jurídicos trabalhistas. Além disso, tendo havido o reconhecimento da relação de emprego, sobre o pagamento dos salários já incidiam contribuições sociais e FGTS.

Diante da falência estrutural dos entes de fiscalização, percebeu-se que melhor mesmo seria não registrar o empregado, pois nenhuma incidência tributária precisaria ser respeitada e em eventual futura reclamação trabalhista, movida pelo “ex-empregado”, o próprio vínculo poderia ser posto em discussão. O acordo, então, passava a ter uma abrangência global. Pagamento de um valor “x” pela “quitação” de tudo, incluindo a própria natureza do vínculo. Inúmeros são os acordos na Justiça do Trabalho em que por conta de uma soma em dinheiro são “quitados” todos os direitos trabalhistas que pudessem advir de uma relação de emprego, inclusive de natureza previdenciária, não se reconhecendo, ademais, ter existido relação de emprego.

Mesmo sem a concretização do acordo, a situação configurava-se vantajosa porque parcela da Justiça do Trabalho, um tanto quanto desatenta à realidade social e aos preceitos da teoria geral do processo, considerava que o vínculo jurídico declarado em juízo não gerava incidência das multas pertinentes aos descumprimentos da legislação trabalhista. Assim, quem registrava seus empregados e pagasse as verbas rescisórias com um dia de atraso estava sujeito a pagar a multa prevista no § 8º, do art. 477, da CLT. Já, quem não registrava e, conseqüentemente, sequer pagava verbas rescisórias, não estava sujeito a multa alguma.

No processo, quem não pagou as verbas rescisórias vê-se, de certo modo, protegido pelas garantias do “devido processo legal” e o trabalhador que não as recebeu é obrigado a submeter-se à demora do processo ou aceitar receber menos do que lhe é devido em um “acordo”. Assistimos, diariamente, trabalhadores tendo que suportar intermináveis ritos processuais para receber verbas alimentares incontroversas (ou com controvérsia habilmente instaurada) e tendemos a achar isso normal, mas se um trabalhador resiste em não deixar o imóvel no qual reside em função da relação de emprego finda, somos induzidos a pensar que a situação exige imediata correção, sendo imperdoável qualquer tipo de demora processual. Se uma execução se arrasta por longos anos e culmina com a penhora on line das contas do devedor (que fez de tudo para enrolar o processo), sendo bloqueado valor superior à execução, em razão do saldo existente em várias contas diversas, exige-se a imediata liberação dos valores bloqueados a mais, inclusive pela via do “remédio heróico” do mandado de segurança. Se o juiz, em audiência, determina o pagamento em 24 horas das verbas rescisórias incontroversas, declarando a responsabilidade do tomador dos serviços diante do sumiço da prestadora ou da sua notória insolvência, sai-se da audiência batendo o pé e acusando o juiz de arbitrário… E o direito à sobrevivência do mais novo desempregado, oh!

A visão distorcida da ordem jurídica fez com que se tenha institucionalizado entre nós, na prática processual, uma espécie de “direito a descumprir o direito”. Em reclamações trabalhistas é comum ver empresas invocando a ordem jurídica para se verem livres de efeitos pelo descumprimento do direito. Acredita-se, em geral, que se não houve o pagamento das horas extras, tendo estas sido prestadas de forma habitual e em quantidade superior ao limite de duas horas, legalmente previsto, o máximo que pode advir, em termos jurídicos, é uma condenação ao pagamento das horas extras não pagas, com a incidência de juros de 1% não capitalizados e correção monetária.

A inversão de valores, incentivada pela teoria do “direito à ilegalidade” na esfera trabalhista vai tão longe, que muitas vezes se pensa que a criação de intermináveis incidentes processuais protelatórios está inserida na cláusula do devido processo legal e que o renitente e contumaz na prática de atos que tumultuam o processo tem o direito de apenas ser condenado a uma multa de 1% sobre o valor da causa e assim a má-fé processual não tem fim. Outro dia uma reclamada ofereceu em audiência uma exceção de incompetência em razão do lugar, aduzindo que o reclamante não trabalhou em cidades abrangidas pela jurisdição da Vara. Indagado o reclamante, este disse que trabalhou em duas obras na cidade da sede da Vara, versão que, imediatamente, confirmada pelo preposto da reclamada. Alguém pode, então, dizer, trata-se de má-fé e nada mais. Tudo bem, imaginemos, então, que se limite a isso. Mas, e se adicionarmos à história o dado, efetivamente ocorrido, de conhecimento da reclamada e propositalmente omitido, de que aquela reclamação tinha vindo de outra Vara, após acolhimento de sua exceção de incompetência lá apresentada, o que se vai dizer? É a mesma má-fé? É só má-fé no sentido dos arts. 17 e 18 do CPC? A pensar!

4. A FUNÇÃO DA EXPRESSÃO PARASSUBORDINAÇÃO

Juridicamente, para tentar legitimar os tipos de trabalho fugidios da relação de emprego, criou-se um bonito nome: parassubordinação.

Sob uma crítica mais severa, no entanto, pode-se dizer que o parassubordinado é um ser da mitologia jurídica moderna. Uma espécie de trabalhador minotauro, meio subordinado, meio autônomo. Só não se sabe se da metade para cima ou da metade para baixo…

A nominação em questão não guarda nenhuma correspondência com a realidade. Diz-se que a utilidade da criação de uma espécie intermediária entre subordinados e autônomos é a de eliminar a zona cinzenta que muitas vezes se forma na separação dos dois, facilitando a aplicação do direito do trabalho em relações de trabalho não abrangidas por este. No entanto, o efeito concreto é o de se criar mais uma linha de fronteira, também cinzenta, entre o empregado e o parassubordinado, além daquela que separa este do autônomo (verdadeiramente, autônomo).

Além disso, a proteção jurídica daquele a que se atribui o nome de parassubordinado, até para manter a pertinência da divisão, acaba sendo, necessariamente, inferior que a dos subordinados. O capital, que é quem controla a forma de correlação entre si e o trabalho, sabendo do parâmetro jurídico intermediário criado, no qual os direitos trabalhistas são menos evidentes, trata, então, de transferir todos os antigos empregados para a “nova” situação. Assim, do ponto de vista geral, em vez de se ampliar o leque social de incidência do Direito do Trabalho, caminha-se em direção contrária. Lembre-se, a propósito, o que se passou, no Brasil, com as cooperativas de trabalho: os “cooperados”, em geral, não eram desempregados que adquiriram um trabalho ainda que juridicamente menos protegido, eram os antigos empregados.

Em recente palestra proferida na Faculdade de Direito da USP, o professor italiano, Luigi Mariucci, destacou que após anos de desenvolvimento da tese da parassubordinação na Itália constatou-se que todos os que se anunciavam como trabalhadores parassubordinados eram autênticos empregados.

Na perspectiva da teoria da parassubordinação há, por certo, o reconhecimento da existência de um movimento de fuga da configuração da relação de emprego, mas a teoria em vez de servir para apontar os equívocos da situação, do ponto de vista da preservação do pacto do Estado Social Democrático de Direito, simplesmente acaba representando uma mera adaptação à situação imposta pelos arranjos econômicos. Assim, até se tenta fazer uma leitura correta da realidade, mas comete-se o sério equívoco de apenas legitimá-la, oferecendo-lhe um tipo jurídico específico.

Essa legitimação, por óbvio, não inverte o caminho acima destacado. Vai na mesma linha da regressão de direitos, pois, como dito, o parassubordinado, coerentemente com a sua nomenclatura, não se equipara ao subordinado, possuindo, por isso mesmo, direitos trabalhistas menores, atraindo o grave problema da indefinição quanto aos seus direitos. Assim, tais direitos nem são direitos, são dádivas que a jurisprudência lhes concede, mas que, ao mesmo tempo, pode não conceder porque não está juridicamente obrigada a fazê-lo.

A parassubordinação, desse modo, exerce uma função de evitar, cirando um obstáculo teórico, que o Direito do Trabalho atinja por completo os novos modos que o capital encontra para explorar o trabalho.

É exatamente por isso que, data venia, é equivocado o pressuposto de que o Direito do Trabalho deve se adaptar à realidade, amoldando-se a ela numa perspectiva da inevitabilidade da linha regressiva de direitos. O Direito do Trabalho, ademais, só existe, na qualidade de ramo autônomo do Direito, ligado à raiz do Direito Social, por conta da sua finalidade específica de impor limites ao poder econômico e promover a justiça social, que é o fundamento da garantia da paz mundial, conforme revela o preâmbulo da Constituição da OIT, fixado no Tratado de Versalhes:

 

“Considerando que a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social;

Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio ‘para igual trabalho, mesmo salário’, à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas;

Considerando que a não adoção por qualquer nação de um regime              de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios.

AS ALTAS PARTES CONTRATANTES, movidas por sentimentos de justiça e humanidade e pelo desejo de assegurar uma paz mundial duradoura, visando os fins enunciados neste preâmbulo, aprovam a presente Constituição da Organização Internacional do Trabalho.”

 

Assim, contraria à própria lógica de sua existência dizer que, malgrado os desajustes provocados no mercado de trabalho pelos arranjos econômicos, a regulação do Direito do Trabalho deve seguir o parâmetro fático posto, que propugna uma progressiva redução das garantias sociais.

Para isso, ou seja, para seguir os efeitos das correlações naturais entre o capital e o trabalho, que tenderão sempre a favorecer o detentor do capital[7], não se precisa manter vivo o Direito do Trabalho.

Em relações entre desiguais, o Direito deve interferir na realidade, forjando-a, para o fim da produção da justiça social. Para legitimar a lei                do mais forte não se precisa de um Direito Social. Aliás, para a produção            de injustiças não se precisa do Direito. Pode deixar que as injustiças se produzem por si.

Se as objeções quanto à necessária interferência do Direito na realidade forem de natureza econômica, aduzindo-se que ela impede o desenvolvimento econômico ou que gera custo contrário ao interesse da concorrência internacional, então é o mesmo, primeiro, que negar a utilidade do Direito Social para a realização da tarefa que se propôs realizar e que, aliás, foi a causa principal da supressão do projeto revolucionário de natureza socialista, e, segundo, assumir a inevitabilidade do caráter autodestrutivo do capitalismo, inviabilizando-o como projeto de sociedade.

Se dentro da lógica capitalista só é possível raciocinar na perspectiva da redução das garantias sociais, aprofundando as desigualdades e reduzindo o nível da condição humana, então por que continuar seguindo esse sistema?

Por todas essas razões, a figura da parassubordinação, que nos impõe um modo de pensar que meramente acompanha a lógica da destruição dos parâmetros sociais vislumbrados como essenciais a partir de meados do século passado, não tem utilidade jurídica para o Direito Social, não passando de um belo nome (nem tão belo assim), utilizado somente para mascarar ou fantasiar a realidade. Claro, se por um lado, serve para tentar legitimar práticas reducionistas de direitos trabalhistas, por outro, há de se reconhecer, é fonte econômica relevante, pois favorece a elaboração, a edição e a comercialização de teses, livros, cursos, seminários etc.

5. REVERTENDO A LÓGICA REDUCIONISTA

Não pretendo apenas destacar os equívocos da parassubordinação. Seguindo o itinerário do texto, quero também exercer o meu direito de inventar um nomezinho, conforme item seguinte.

Antes, porém, cumpre esclarecer que essa preocupação não é apenas para satisfação do ego. É fruto da constatação de que precisamos traçar, de uma vez, um caminho em sentido contrário ao da precarização dos Direitos Sociais. Um pressuposto importante neste aspecto é o de que a reversão da lógica reducionista não se fará apenas com condenações que buscam a mera reposição da ordem jurídica que fora desrespeitada.

Diante de uma situação em que se constata que uma determinada empresa deliberadamente se utilizou de mecanismos fraudulentos para evitar a incidência dos Direitos Sociais, condená-la unicamente a pagar tudo           aquilo que já deveria ter pago é o mesmo que dizer que se a ausência do cumprimento do direito não é um ilícito.

O não pagamento sistemático de horas extras, examinado com os olhos não impregnados pela epidemia da precarização, não é simplesmente um inadimplemento contratual. Trata-se de um ilícito grave, pois além de representar um furto no que tange ao patrimônio alheio ainda fere preceitos fundamentais da livre concorrência e do desenvolvimento do tão preconizado capitalismo socialmente responsável. E, esse ilícito, por óbvio, deve ter  efeito específico[8].

Pensemos bem: quando uma empresa contrata um trabalhador para lhe prestar serviços e, respeitando a lei, efetiva o seu registro na condição de empregado, com anotação na CTPS, deve pagar-lhe todos os direitos trabalhistas inclusive de natureza coletiva. A visualização da regularidade da situação se faz de forma estrita. Qualquer deslize é punível pelo Ministério do Trabalho, pelo Sindicato de trabalhadores e, eventualmente, pela Justiça do Trabalho, em reclamação trabalhista. Há reclamações trabalhistas em que as discussões jurídicas são bastante limitadas: supressão do intervalo; ou até supressão parcial do intervalo; validade do acordo de compensação. Todos os direitos foram pagos e sobre o que resta há rigor de avaliação (como deve ser mesmo).

Mas, inversamente, se uma empresa sequer registra o empregado, não lhe

pagando férias, 13º salário, direitos coletivos, FGTS e até verbas rescisórias, por ocasião de uma futura reclamação trabalhista, o valor pago em acordo engloba tudo, sem multas e ainda com isenções tributárias e das custas do processo. Ou seja, acaba-se sendo menos rigoroso com quem descumpre o Direito do Trabalho do que com quem quase não o descumpre ou mesmo que não o descumpre de modo algum (quantas vezes já não ouvi em audiência uma espécie de “pedido” para o empregador pagar algum valor para acordo mesmo após ter este demonstrado a regularidade do pagamento com relação aos pedidos formulados pelo reclamante!).

Mas, a lógica regressiva, não encontrando limites, aperfeiçoa-se. Assim, para criar uma situação mais confortável, muitas empresas passaram a engendrar vinculações com o trabalho por intermédio de negócios jurídicos que             negam na aparência a relação de emprego. Mesmo sabendo da irregularidade, a controvérsia lhes é benéfica, porque dificulta a ação do Ministério do Trabalho e dos sindicatos.

Em eventuais reclamações trabalhistas, então, o único “risco” que se corre, ironicamente falando, é o da tese jurídica “colar” e não haver o constrangimento quando ao cumprimento de qualquer obrigação trabalhista, ou de se ver unicamente obrigado, por meio de uma responsabilidade de natureza secundária, ao adimplemento, ao adimplemento de parcos valores, nas denominadas “terceirizações”. Por isso, na formulação de névoas para negação da relação de emprego ou no desenvolvimento de teses jurídicas quanto a legitimação da terceirização muitas empresas estão cada vez mais criativas. A última que eu vi, foi a de um lava-carro que “alugava” parte do seu pátio para os lavadores, que, assim, eram considerados trabalhadores autônomos, trabalhando para pagar o aluguel e extrair como ganho a sobra mensal.

Do ponto de vista de uma avaliação técnico-jurídica, deve-se lembrar que trabalhador autônomo é apenas aquele que ostenta os meios de produção e trabalha para si, sem intermediários, junto ao mercado de consumo, usufruindo, integral e livremente, do fruto de seu trabalho.

Pessoas que trabalham por comissão para outras, mesmo que não recebam ordens diretas, não tenham horário fixo de trabalho…, são trabalhadores subordinados, aos quais se deve aplicar o Direito do Trabalho.

Cada vez que se nega, jurisprudencialmente, a existência da relação de emprego em relações de trabalho não-autônomos, ou seja, naquelas em que uma pessoa vende sua força de trabalho com habitualidade a outrem, que explora economicamente o resultado do trabalho, ou que o utiliza para satisfação de um interesse particular, tomando-se por base um dado periférico (não cumprimento de horário fixo, não recebimento de ordens diretas, recebimento por comissão, recebimento de alta remuneração) estabelece-se uma abertura no padrão jurídico da configuração da relação de emprego que vai sendo apropriado pelo capital. Com isso, a relação de emprego tende mesmo a uma situação excepcional.

Este caminho é muito sério porque toda a construção do Estado Social baseia-se na política do pleno emprego, que atrai a incidência de garantias trabalhistas e previdenciárias, com a efetiva possibilidade de efetuar o custeio conseqüente. Na ilusão da generalização de relações de trabalho semi-autônomo, com semi-direitos, toda a lógica do Estado Social se perde e nada se põe no lugar. Nosso projeto de sociedade está fincado na eficácia dos Direitos Sociais: interferência concreta do Estado nas relações de produção capitalista, visando a construção obrigatória do solidarismo social. Não será com políticas privadas de solidariedade que o Estado Social vai se concretizar. Não se constrói uma nação apenas com “HSBCs Solidariedades…” (tiiiiiiirghirghirghri… passado o cartão de crédito e pronto: o nosso compromisso frente aos problemas sociais está satisfeito!)

É sumamente importante compreender que se um determinado segmento do capital pudesse se correlacionar com o trabalho sem a contrapartida das obrigações fiscais e sociais, todos os demais segmentos também poderiam. Desse modo, sem construção de uma política social concreta, a única coisa que se produz é a reconstrução da barbárie, que ainda não se instalou porque as instituições estão funcionando.

O padrão estabelecido para desenvolvimento da sociedade capitalista  foi o da eficácia dos Direitos Sociais. Este sistema econômico tem como fundamento de sua própria existência a acumulação de um capital que permite a seu possuidor, o capitalista, utilizar a força de trabalho livre, dita “assalariada”, para incremento de uma atividade que lhe permita adicionar mais capital (obter lucro), exatamente pela utilização do trabalho alheio.               A venda da força de trabalho no mercado produtivo, para um capitalista que extrai do trabalho prestado a fórmula da reprodução de seu capital, com vistas à sobrevivência e à aquisição de valor monetário necessário ao consumo, foi o alvo principal da incidência das normas jurídicas, criadas, na Europa, desde o final do século XIX, com difusão no século XX para outras regiões do mundo, transformando-se mais tarde naquilo que hoje concebemos como direito do trabalho. A relação de trabalho, formada com essas características, foi identificada como relação de emprego.

O surgimento do Direito do Trabalho, ademais, importante dizer, não  foi uma conseqüência natural do modelo. Fora, sobretudo, uma reação aos movimentos sociais de cunho revolucionário[9], que, baseados em teorias de cunho marxista, buscaram pela tomada de consciência da classe proletária, a superação da sociedade de classes, com a conseqüente eliminação da própria classe burguesa dominante.

O Direito do Trabalho constitui-se, portanto, uma forma de proteção e ampliação dos direitos da classe trabalhadora, servindo, ao mesmo tempo,              à manutenção do próprio sistema. Não se trata, portanto, meramente, da quantificação econômica do trabalho no contexto da produção capitalista. Trata-se de um fenômeno jurídico que envolve aspectos sociais, macro-econômicos e políticos extremante relevantes. Base dos Direitos Sociais, o Direito do Trabalho acabou representando a imposição de limites necessários ao capitalismo, servindo-lhe, ao mesmo tempo, como oxigênio.

Esta relação de trabalho básica do desenvolvimento do modelo foi identificada como relação de emprego, exatamente para se distinguir de outras relações de trabalho que estavam, e estão, fora desta correlação de forças. Assim, enquanto se mantiver o sistema capitalista haverá relação de emprego. Como explica Riva Sanseverino, “Havendo atividade produtiva organizada em forma de empresa, o seu titular há de servir-se de mão-de-obra alheia, que sendo destituída de capacidade técnica e econômica para assumir riscos, coloca à disposição de outrem esses serviços, livrando-se, assim, dos referidos riscos. A presença de massas de trabalhadores subordinados atende, aliás, às exigências da técnica produtiva e do seu natural progresso e, a seu turno, o trabalhador autônomo e, também, com maior razão, o empresário representam, em certo sentido, o resultado de seleção natural na luta pela vida”[10].

Neste sentido, impõe-se concordar com Mário de La Cueva, quando diz que o essencial para o Direito do Trabalho é ocupar-se do trabalho no contexto da empresa capitalista, ou mais propriamente, nas formas como este modelo se baseia e se reproduz: a indústria, a agricultura e o comércio.

Claro, há de se reconhecer, o Direito do Trabalho, inicialmente, foi pensado apenas na perspectiva do operário das grandes fábricas, tanto que a legislação correspondente era denominada de legislação industrial ou legislação operária. O próprio direito do trabalho, no momento de sua formação, era, por muitos, denominado “direito operário” e com o tempo o direito do trabalho foi se expandindo para outras relações de trabalho no comércio, na agricultura, no âmbito familiar, no trabalho prestado a domicílio, eliminando-se, aliás, a diferença entre trabalho manual e intelectual etc. Mas, não se perdeu, neste caminho expansivo, a linha mestra da existência do direito do trabalho que foi a identificação da exploração da força de trabalho para a satisfação do interesse de outrem, interesse este que, conforme qualificação jurídica, deixou de ser, unicamente, o econômico.

Desse modo, a verificação da relação de emprego é, efetivamente, uma questão de ordem pública e sua configuração parte do pressuposto jurídico do elemento “subordinação”, entendida, como “estado de sujeição”, ou integração à estrutura empresarial alheia (subordinação integrativa ou subordinação estrutural).

Mas, a subordinação, há de se reconhecer, é apenas um nome, criado no meio jurídico para fins metodológicos. A idéia central da incidência do Direito do Trabalho é o trabalho sob dependência alheia. É a proteção jurídica daquele que serve (com seu trabalho somente) ao implemento das relações de produção capitalista. A subordinação, embora traga essa conotação semântica do trabalho sob as ordens de outrem, não se limita a isso, pois a razão de ser do Direito do Trabalho, como visto, está muito além do aspecto de uma pessoa, individualmente considerada, submeter sua atividade aos comandos alheios.

A propósito, oportuno dizer que o empregado não é submisso, do ponto de vista pessoal, ao empregador. A relação de emprego é de natureza objetiva e não subjetiva, tendo como ponto identificador a venda habitual da força de trabalho de uma pessoa para a satisfação dos interesses organizacionais e produtivos de outrem. E, mesmo nas ditas mudanças do mundo do trabalho esse elemento não se perde.

Não se está negando que muitas mudanças no mundo do trabalho possam ter, efetivamente, trazido alguns aspectos positivos, sobretudo no que tange à amenização da penosidade do trabalho. Não se está, igualmente, saindo em defesa do elemento subordinação, desconsiderando o aspecto hierárquico, pelo menos do ponto de vista semântico, que traz consigo.

Parece evidente que do ponto de vista de uma avaliação comparativa não se pode deixar de reconhecer os benefícios da eliminação do trabalho nas fábricas, prestado em condições insalubres e perigosas, inseridos em uma estrutura hierárquica, quase sempre não-democrática. Neste sentido, um trabalho prestado com maiores liberdades pode se constituir um avanço.

Como já explicava Riva Sanseverino, em obra publicada na década de 70: “…na evolução histórica, o trabalho demonstra certa tendência a se tornar autônomo. De fato, o evolver da civilização exerce influência direta sobre o desenvolvimento da personalidade, também sob o aspecto de suas manifestações econômicas, tanto que, ao lado das grandes empresas concentradas, existem as pequenas e médias, hoje, em grande número, e representam em muitos países, como na Itália, o núcleo central da economia do país. De igual modo, ao lado da tendência da economia política que divisa o futuro no desfrute ao máximo do progresso técnico – o qual somente pode ser realizado por meio de grandes empresas – outras tendências se manifestam contrárias à concentração da atividade econômica, e consideram preferível seja dado impulso às médias e pequenas empresas. O incremento do artesanato e o fracionamento do latifúndio constituem realizações práticas desta última tendência”[11].

Nesta perspectiva até se pode compreender um pouco a idéia da parassubordinação, para identificação de uma espécie de “porta de saída” da condição de empregado, mas isso, repare-se, para falar de uma situação sócio-econômica que fosse, efetivamente, mais favorável ao trabalhador. De todo modo, há vários problemas insuperáveis aí: primeiro, gera uma tendência de se confundir com autonomia o mero aumento na liberdade na execução de serviços (identifica-se nesse aspecto formal uma mudança na posição social, que, de fato, não houve, pois o trabalhador, embora mais livre, não atingiu a condição de capitalista); segundo, fomenta a desconsideração da relação de emprego, fazendo supor que pela condição de empregado não se pode atingir um patamar digno dos pontos de vistas social, econômico e humano.

Assim, o pressuposto da melhoria da condição social e econômica do trabalhador não seria mais que mera figura de retórica e todo o Direito Social uma fórmula de suprimir a dignidade humana. Só haveria liberdade e dignidade fora do trabalho subordinado e tudo aquilo que apregoa o Direito do Trabalho seria uma farsa. O grande propósito dos Direitos Sociais, portanto, seria o de extrair o trabalhador da condição de empregado, conferindo-lhe, enfim, a tão almejada autonomia econômica e abominado estaria o modelo capitalista…

Mas, será factível uma sociedade capitalista só com trabalhadores verdadeiramente autônomos?

Certamente não, pois as diversas oportunidades geradas pelo livre aproveitamento do mercado de consumo, típico desse modelo de sociedade, geram, naturalmente, diferenças econômicas entre as pessoas e essas tendem a aproveitar-se da situação, sobretudo se forem antigos trabalhadores que tenham, digamos assim, “subido na vida”. Como dizia La Boétie, a tirania se instala no próprio desejo que todos têm de ser tiranos também[12].

Os “novos” autônomos, para incremento de sua atividade, acabam utilizando mão-de-obra alheia, passando a ostentar, eles próprios, a condição de empregadores, conforme esclarece Riva Sanseverino, na mesma obra acima citada: “Todavia, também as médias e pequenas empresas necessitam, sempre, de trabalhadores subordinados, e, malgrado o grande desenvolvimento da civilização e do individualismo, haverá sempre uma parte respeitável de trabalhadores que prefere, ou a isso é constrangida, a não suportar os riscos inerentes ao trabalho autônomo, optando pelo serviço prestado a outrem.”[13]

Desse modo, em uma sociedade capitalista ter-se-á sempre a exploração do trabalho alheio como forma de desenvolvimento do sistema econômico, mantendo-se, por conseqüência, a pertinência da inserção do Direito do Trabalho na realidade social.

Pior, ainda, é falar de parassubordinação para estabelecer um óbice à configuração da relação de emprego, apregoando a redução da subordinação a partir, pura e simplesmente, da forma de execução do serviço.

A expansão do Direito do Trabalho deve seguir caminho diverso, partindo do pressuposto de uma compreensão instrumental, numa perspectiva integrativa, dos elementos que caracterizam a relação de emprego.

A “diarista”, por exemplo, sempre apontada como exemplo de trabalhador que se encontrava na porta de entrada da relação de emprego, e para a qual, se dizia, a teoria da parassubordinação era útil, começa a ser, como devido, integrada ao contexto da relação de emprego.

Vide, neste sentido, a seguinte Ementa:

 

“RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO – DIARISTA – TRABALHO SEMANAL PRESTADO AO LONGO DE VINTE SETE ANOS PARA A MESMA EMPREGADORA CONTEMPLANDO TODAS AS SUAS NECESSIDADES BÁSICAS E COTIDIANAS DO SERVIÇO DOMÉSTICO – A Reclamada não conseguiu demonstrar a existência de pressupostos válidos contidos no art. 896 da CLT, visto que, in casu, não restou demonstrada afronta ao art. 3º da CLT e nem ao art. 1º da Lei nº 5.859/72, porquanto consignou o Regional que a continuidade da prestação de trabalho não quer dizer ininterruptividade, pois trabalhar um dia por semana, em todas as semanas do ano, durante 27 anos e contemplando suas necessidades básicas e cotidianas do serviço doméstico é, sem dúvida, prova de continuidade. Ademais, no Dicionário Aurélio, o vocabulário contínuo significa seguido, sucessivo. Melhor dizendo, não há necessidade de que o labor ocorra todos os dias da semana, e, sim, de que, na forma contratada pelas partes, seja habitual, conforme o caso dos autos. Recurso não conhecido.” (TST, RR-18756/2003-002-09-00.0, 2ª Turma, Rel. Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, DJ 30.05.2008)

 

O maior problema da distorção causada pela crítica à subordinação, no entanto, é o de considerar que as preconizadas mudanças no mundo do trabalho geraram, automaticamente, como um passe de mágica, a eliminação do dado concreto pertinente à exploração do trabalho, isto é, que a correlação do trabalho com o capital não se desenvolve mais na perspectiva da utilização do trabalho alheio para satisfação de interesses econômicos de uma classe dominante.

Essa situação não é factível em um mundo ainda capitalista e não será deixando de falar da subordinação ou tratando-a com um nome mais ameno que o dado concreto da exploração do trabalho alheio, para o qual deve estar voltado, necessariamente, o Direito do Trabalho, terá deixado de existir.

A melhora em certas condições de trabalho, acompanhada de um traço de liberdade, traz uma perigosa aparência de que a correlação entre capital e trabalho deixou de representar aquilo que efetivamente é: a mera venda da força de trabalho, ou o trabalho em troca de salário (daí porque até mais correto do que falar em trabalhador subordinado é tratá-lo, como antigamente, de trabalhador assalariado).

Importante perceber, também, que a mudança do modo de execução de trabalho muitas vezes é acompanhada de outras perversidades que precisam ser visualizados, sob pena de partirmos de um pressuposto ilógico de que toda novidade é boa só pelo fato de ser nova. Como dito por Chico Buarque de Holanda, para rebater as críticas dos tropicalistas, “Nem toda loucura           é genial, nem toda lucidez é velha” (o que cito não para tomar partido no embate musical).

Não trabalhar na fábrica, sob os comandos diretos de um “capataz”, que impõe multas só porque se olha para o lado, e trabalhar com maior liberdade em um ambiente menor e mais humano, é, evidentemente, um avanço, mas não raro o benefício traz consigo inúmeros complicadores.

O trabalhador que leva o trabalho para casa, por exemplo, quebra o ambiente familiar, traz para si, sem perceber, parte dos custos da produção (conta de luz etc.), e não vislumbra a responsabilidade daquele que explora economicamente seu trabalho quanto ao meio-ambiente do trabalho, no que tange ao aspecto ergonômico e no que diz respeito à limitação da jornada               de trabalho.

Esses novos arranjos acabam provocando novos problemas, mas sempre ligados à mesma lógica. Isso explica, em certa medida, um efeito não previsível da pretensa liberdade de trabalhar em casa, conforme noticia reportagem da Revista Veja (edição nº 2072, de 6.08.2008), “Saudosos do Escritório”:

 

Trabalhar em casa era um sonho acalentado por funcionários de algumas das maiores multinacionais na década passada. Com o surgimento da internet, parte delas aderiu ao home office, modalidade que deu àquelas pessoas, pela primeira vez, a alternativa de executar tarefas longe do escritório. Nos Estados Unidos, 10 milhões de empregados passaram a cumprir parte do expediente em casa. No Brasil, foram 4 milhões. Depois de uma década levando uma vida que eles próprios definiam como “mais livre” e “menos entediante”, a novidade é que uma parcela começa a dar inesperados sinais de nostalgia em relação aos tempos de escritório. É o que explica o fato de algo como 10% desses brasileiros terem saído em busca de uma alternativa. Eles estão alugando salas em espaços povoados por centenas de pessoas. Lembra o passado, mas com uma diferença fundamental: essas pessoas permanecem fora das empresas para as quais trabalham. A experiência é relatada com grande entusiasmo por profissionais como o engenheiro Cledson Sakurai, 36 anos, desde 2002 numa multinacional francesa na área de tecnologia. Ele trocou o silêncio do home office por um desses escritórios abarrotados de gente. “Trabalhar sem ninguém ao lado pode se tornar solitário e improdutivo.”

O modelo de escritórios compartilhados, nos quais atuam pessoas das mais diversas empresas e áreas, popularizou-se nos Estados Unidos de três anos para cá, quando firmas especializadas no aluguel de salas comerciais perceberam estar diante de um novo fenômeno. Pessoas que haviam conquistado o direito de trabalhar em casa começavam a se queixar do isolamento e de certa falta de infra-estrutura. Em pesquisas, esses profissionais diziam sentir saudade da secretária e da velha sala de reuniões (“tratar de negócios em casa nunca deu certo”). Mas não queriam voltar à vigilância dos chefes. Os novos escritórios suprem tais demandas – e têm se revelado ainda ambientes favoráveis à produtividade tão almejada pelas empresas. É por isso que algumas delas, as mesmas que haviam liberado seus funcionários para trabalhar em casa, patrocinam sua estada nas salas compartilhadas. Lincoln Brasil, diretor da Silva Rosa, consultoria na área de tecnologia, diz que, há dois anos, banca o aluguel de empregados nessas salas. “Eles passaram a organizar melhor o tempo e a respeitar mais os prazos.” Houve também um ganho financeiro para      a empresa. “Enxugamos a estrutura fixa e, com isso, cortamos 85%  dos gastos.”

 

Esse modelo, muitas vezes incentivado pelas próprias empresas que             se ocupam, à distância, de tais trabalhadores, por óbvio, tende a tornar-se mais uma estrutura organizada, com novas correlações de trabalho e capital.         As salas coletivas atraem a necessidade de contratação de secretárias e demais serviços. Além disso, geram um novo nicho de mercado, desenvolvendo-se um segmento empresarial, de natureza locatícia, para atender essa demanda.

Essa tentativa de reconstrução do “local de trabalho” é feita, no entanto, sem vinculação direta do trabalho ao capital e sem se perceber que relevante parcela do custo do trabalho é transferido para os próprios trabalhadores.

Não raro, ademais, a pulverização da fábrica se dá com a criação de “corpos intermediários”. O antigo empregador não contrata mais empregados, contrata contratantes, para usar feliz figuração do professor Carlos Chiarelli. Esses contratantes, uma vez contratados, contratam trabalhadores ou até mesmo outros contratantes, instaurando-se uma rede de subcontratações que provocam, na essência, uma desvinculação, em razão da distância física, entre o capital e o trabalho. O dado da exploração se esfumaça, tornando muito difícil a responsabilização, pois o empregador aparente, que se apresenta de forma imediata, é, quase sempre, desprovido de capacidade econômica.

Esse modelo provoca o esfacelamento da noção de classe política entre os trabalhadores. Esses não se vinculam por similitude de condições de vida e de trabalho. Pelo contrário, tendem a concorrer uns com outros pelos postos de serviço oferecidos, pouco importando as suas condições e garantias trabalhistas asseguradas. O sistema favorece a uma espécie de “dumping social” no nível do próprio trabalho.

Ou seja, o novo modelo, que esfumaça a relação de emprego, gera: excessivas jornadas de trabalho; usurpação do domicílio; mascaramento das responsabilidades do poder econômico frente ao meio ambiente do trabalho; aumento das doenças do trabalho (com relevante custo social e humano); afastamento do capital frente ao trabalho; eliminação do antagonismo de classes, mantendo-se apenas com tal feição a classe dominante; extinção da consciência de classe daqueles que não ostentam a condição de capitalistas e que têm como alternativa de sobrevivência a venda da força de trabalho.

O necessário confronto democrático entre os interesses do capital e do trabalho (peças fundamentais numa sociedade capitalista), que se constitui a base de formação e de desenvolvimento do Estado Social, tende a ser eliminado. Neste sentido, funciona, ademais, a retórica da colaboração…

Se pensarmos bem, não há, verdadeiramente, nada de novo nisso, pois que se trata da reprise da eterna de intenção do capital de fugir das obrigações determinadas pelo Direito Social.

Mas, há efeitos sociais relevantes que precisam ser reconhecidos para que possam ser enfrentados. Com efeito, as relações sociais, como fruto da forma de organização do trabalho, também se precarizam. O raciocínio efêmero norteia as relações entre as pessoas. Vide, neste aspecto, a interessante obra de Richard Sennett, “A Corrosão do Caráter”.

Concretamente, por uma maior liberdade na execução do trabalho paga-se um alto preço.

O mais grave equívoco que se pode cometer na análise das complexidades atuais é não entender que as aparentes mudanças, justificadas por belos nomes, escondem a reprodução da mesma razão que justificou, historicamente, a criação de um Direito do Trabalho numa perspectiva estrutural e estruturante.

Identificar a subordinação nestes novos arranjos do mundo do trabalho é relevante não para se fazer uma apologia da subordinação, mas para deixar claro que ela existe e, assim, para que se faça a necessária incidência das garantias do Direito Social na realidade, pois, afinal, foi essa a ficção jurídica que se criou para identificar a relação de emprego, que, por sua vez, representa a expressão que retrata a exploração do trabalho alheio numa lógica produtiva.

Bem se poderia dizer, tentando simplificar as coisas, que o Direito do Trabalho deve ser aplicado em qualquer relação de trabalho, mas essa afirmação, muitas vezes bem intencionada, faz uma indevida equiparação entre um autêntico trabalho autônomo, que efetivamente existe, e outros, de natureza puramente assalariada, que apenas têm aparência de autonomia.

Talvez o ideal fosse que todos pudessem ser donos do resultado de seu trabalho, mas isso, dentro de uma lógica capitalista não ocorrerá sem que, antes, o próprio modelo se tenha rompido e não se pode imaginar que meramente negar, do ponto de vista teórico, a existência da subordinação seja uma atitude revolucionária.

Falar da subordinação e apontar sua existência não é evitar que se possa avançar nesse aspecto da correlação entre capital e trabalho, muito pelo contrário, pois só se pode mudar uma realidade que se conheça. As aparências, determinadas por nomes e codinomes, fazem com que se vislumbre uma realidade que de fato não existe.

Por exemplo, estamos aqui fazendo uma interlocução com a tese das mudanças no mundo do trabalho, mas, perceba-se, a partir dessa discussão, estamos formalizando uma generalização completamente alheia à realidade. Diz-se que o mundo do trabalho mudou e pronto, atraindo a formação de vínculos autônomos. Mas, a realidade demonstra que, do ponto de vista geral, as mudanças atingem um pequeno número de trabalhadores. A maior parcela ainda está vinculada, certamente, a profissões que nenhum efeito sofrem dessas alterações (a não ser no prisma da realidade virtual típica de filmes como Matrix): cortadores de cana, colhedores de laranja, escritutários em bancos, secretárias, pedreiros, serventes, ajudantes, telefonistas, operadores de telemarketing, vendedores, balconistas, escriturários, faxineiros, operários, auxiliares de toda espécie, forneiros, operadores de máquinas, operadores de empilhadeira, torneiros mecânicos; açougueiros; padeiros; porteiros; vigias; vigilantes; enfermeiros, auxiliares de enfermagem, cozinheiros, garçons, caixas, carpinteiros, montadores, carregadores, azulejistas, cabeleireiros, manicures, cobradores, mecânicos de manutenção, estoquistas, repositores, professores, eletricistas, digitadores, maquinistas, técnicos em eletrônica, motoristas, gerentes, sub-gerentes, chefes de seção, lixeiros, domésticos, isso sem falar nas profissões liberais (médicos, engenheiros, advogados) tantas vezes utilizadas no contexto do empreendimento alheio…

6. A SUPERSUBORDINAÇÃO: INSTRUMENTALIZANDO A REVERSÃO

Pois bem, o que fazer?

Inicialmente, há de se reconhecer que toda essa análise, para efeitos jurídicos, não pode se limitar à constatação dos fatos como são. Não se trata da realização de um roteiro de novela: “A vida como ela é!”

Essa avaliação deve instigar a busca de soluções concretas para os problemas detectados. A fórmula, no entanto, já está dada: a efetivação dos Direitos Sociais.

Ou seja, o que precisamos, urgentemente, constatando que na essência  o modelo de sociedade é ainda o mesmo, é recobrar a autoridade dos dispositivos constitucionais do Direito Social, postos para a formação de um regime capitalista com responsabilidade social[14].

Em segundo lugar, é importante reconhecer que a reconstrução da ordem jurídica não se dará com a mera declaração judicial de vínculos de emprego cuja configuração fora fraudada, pois isso apenas incentiva a repetição do mesmo fato, ou seja, apenas dá seguimento a lógica da mesma linha de destruição dos Direitos Sociais. Ora, se o único risco que o empresário que não registra corre é o de se ver condenado a registrar e pagar o que deveria já ter pago, então, vale a pena não cumprir, imediatamente, o direito.

Para mudar o rumo dessa história, é preciso não se deixar levar por cantos da sereia. As palavras, como estamos vendo, exercem grande influência em nosso raciocínio. Avaliamos os fatos por um aspecto pré-determinado e não somos capazes de enxergá-los por outros ângulos. Ficamos enquadrando o mundo nas palavras que criamos.

Em épocas distintas muito próximas, cumpriram esse papel de nos cegar, palavras como “globalização”, “modernidade”, “pós-modernidade”, “positivismo”, “flexibilização”, “parassubordinação”…

Juridicamente, para caminhar, efetivamente, em sentido contrário, é essencial que se diga, por exemplo, que a mera contratação de um trabalhador, com as características do empregado, sem o devido reconhecimento jurídico dessa relação (registro e anotação da CTPS) não é simples irregularidade formal. Trata-se, isto sim, de uma ilegalidade que gera, por si, autêntico dano de natureza pessoal (não é, propriamente, um dano moral, embora com tal designação insista a doutrina) e social, sendo o infrator sujeito passivo de demandas reparatórias nestes dois sentidos. Não é somente de interesses individuais que se cuida, pois a eficácia do Direito do Trabalho está ligada à formula de sobrevivência do próprio modelo de sociedade.

Lembre-se que o Direito do Trabalho é o retorno de natureza sócio-econômica que se confere ao trabalhador para que este venda a sua força de trabalho ao modelo de produção capitalista. A economia se desenvolve à custa dos serviços dos trabalhadores. Vislumbre-se, por exemplo, uma cidade como São Paulo: tudo que se nela vê – e não é pouca coisa – foi fruto do trabalho (muito trabalho) – quase sempre trabalho por conta alheia. E o tudo que se vê não são apenas as pontes, as ruas, os carros (muito carros), praças, túneis, edifícios (muitos edifícios)… São também as roupas e alimentos (muitos alimentos…)

Só se chegou a esse resultado pela possibilidade da exploração do trabalho alheio no contexto de atividades capitalistas. Mas, essa exploração foi acordada (e assim aceita) pela promessa de projeto social. A exploração, desse modo, deve ser amenizada pelas garantias trabalhistas e sociais que se conferem, pelo todo social, ao trabalhador.

É imperativo inverter a lógica do raciocínio que nos tem sido imposta e que, como dito, nos cega. De tanto falar em “flexibilização” esquecemos que a função essencial do Direito do Trabalho é melhorar a condição social e econômica do trabalhador, considerando que já seria uma grande conquista garantir os direitos mínimos consagrados nas leis e na Constituição, os quais, de direitos mínimos foram transformados, então, em direitos máximos; ao analisarmos os aspectos formais da compensação de jornada não mais colocamos em discussão a ilegalidade da utilização de trabalho em horas extras de forma ordinária e até legitimamos a situação criando o instituto das “horas extras habituais”…

Assim, se há uma relação de trabalho, pela qual o trabalho alheio é utilizado para o desenvolvimento de um projeto de acumulação de capital, sem o efetivo respeito aos direitos sociais (que servem, muitos deles, para preservação da saúde e para o convívio social e familiar), quebra-se o vínculo básico de uma sociedade sob a égide do Estado de Direito Social. O dado              da exploração é o único que sobressai. É a exploração pela exploração,            nada mais. Aliás, a compensação de natureza social não existindo gera uma             super-exploração. Juridicamente falando, a subordinação se potencializa, fazendo surgir, então, a figura da supersubordinação.

O supersubordinado, portanto, é o trabalhador, ser humano, reduzido à condição de força de trabalho.

O supersubordinado não é um tipo específico de trabalhador. É a designação do trabalhador, em qualquer relação de emprego, que tenha tido            a sua cidadania negada pelo desrespeito deliberado e inescusável aos                seus direitos constitucionalmente consagrados, entendidos, lembre-se, como direitos fundamentais[15].

Aquele a quem se denomina parassubordinado é, na verdade, quase sempre, um supersubordinado.

Cumpre esclarecer que não é meramente a falta do registro que delimita a figura aqui tratada. Um empregado, devidamente registrado, por óbvio, pode ser um supersubordinado quando seus demais direitos sejam pura e simplesmente desconsiderados, como, por exemplo, trabalho em horas extras de forma ordinária com ausência do pagamento correspondente ou até mesmo com o pagamento respectivo se prestadas as horas extras de forma ordinária (variando, neste caso, apenas o grau da supersubordinação); instituição de um banco de horas que se desenvolve com nítido propósito de fraudar o direito ao recebimento de horas extras; terceirização, que nada mais é que a mercantilização do ser humano; terceirização no setor público etc.

Há, evidentemente, graus de supersubordinação, mas em todas as situações destaca-se o ponto em comum que é o da tentativa deliberada de fraudar a concreta e devida aplicação dos Direitos Sociais. Uma desconsideração pura e simples do parâmetro jurídico da cidadania em termos trabalhistas, visando obter vantagem econômica a partir disso.

Deve-se perceber que todo vínculo humano precisa ser pautado pela boa-fé, sendo este um dos postulados mais importantes da vida em sociedade. Ora, se alguém busca, intencionalmente, conduzir outra pessoa a firmar um negócio pelo qual esta se vê obrigada a abrir mão de direitos fundamentais, não se pode deixar de reconhecer que, no mínimo, houve agressão ao princípio da boa-fé, que requer uma repercussão jurídica específica.

Há pouco tempo atrás, um amigo de um amigo, médico, que reside em Passárgada, perguntou-me o que ele poderia fazer diante da proposta de um hospital de que ele constituísse uma pessoa jurídica para continuar trabalhando no hospital executando os mesmos serviços, mediante salário, e realizando plantões… Em situações como esta o trabalhador, mesmo de alto nível cultural e econômico, tende a aceitar a proposta pois, na verdade, não tem alternativa: é pegar ou largar[16]. Instaura-se, assim, nítida coação moral qualificada, pois que se busca obter proveito da impossibilidade concreta de reação da vítima.

Importante recordar, ainda, que nos casos específicos da ausência de registro, em muitas situações o trabalhador se vê privado também dos direitos previdenciários. Passa, posteriormente, por uma verdadeira saga para conseguir reconhecer seu tempo de serviço perante a Previdência Social e auferir seus benefícios. Mesmo que o venha a conseguir, sabe-se lá quanto tempo depois, isso não retira o dano pessoal experimentado durante o tempo em que se viu privado de tais direitos, mesmo que deles, efetivamente, não tenha necessitado, pois a idéia principal da noção de seguro, e, por óbvio, também do seguro social, é conferir conforto (segurança) à pessoa, fruto da consciência de que poderá contar com o benefício acaso dele precise.

É evidente que nem toda ausência de registro ou descumprimento de direitos trabalhistas pode ser entendida como fraude a ponto de se identificar a supersubordinação. Bem se sabe que há negócios jurídicos mal formados, seja por uma leitura equivocada dos preceitos jurídicos, seja por conta até de uma razoável controvérsia acerca de um instituto jurídico específico, seja, ainda, pela própria dinâmica das relações de trabalho, que às vezes se iniciam de um modo, com nítidas características de um trabalho não subordinado (eventual) e depois vai transmudando sem uma percepção plena das partes.

Mas, é impossível negar ter havido má-fé e, conseqüentemente, a ocorrência da supersubordinação nas situações em que o empregador é reincidente[17] na conduta já declarada ilegal ou mesmo nas hipóteses em que, do conjunto da obra, não se possa deixar de extrair a sua verdadeira vontade[18] de meramente vilipendiar (negar por convicção) a ordem jurídica social.

Um raciocínio induzido pela busca da identificação da supersubordinação permitirá perceber, ademais, que não raro quanto maior a liberdade maior o estado de sujeição ao trabalho, sendo que, na busca de elementos jurídicos para a correção da realidade, possibilitará recobrar que o bem jurídico do Direito do Trabalho não é o trabalho e sim o ser humano…

Permite, ainda, constatar que em muitas situações o supersubordinado não é meramente o trabalhador subordinado transformado, formalmente, “autônomo”. Supersubordinado, também, e até em grau mais elevado, é aquele a quem se confere, por relações negociais em rede, a aparência de empregador.

Importa saber que quando partes da produção deixaram as grandes fábricas, passando a ser realizadas em pequenas unidades, houve uma grave repercussão na condição pessoal de inúmeros trabalhadores. Tais atividades passaram a ser geridas por ex-empregados da grande empresa, quase sempre o gerente, o supervisor, ou o chefe de seção, os quais foram transformados em empresários, mas mantendo-se na execução das mesmas tarefas anteriores de organizar a produção, subordinando mão-de-obra alheia.

Esse “empresário” é um empresário aparente. Não é um micro empresário, é um nano empresário, ou um pseudo-empresário. Não possui capital, embora o ostente pelos utensílios que lhe são transferidos, e sua atividade empresarial limita-se a se inserir no contexto do interesse econômico de outra empresa, ou empresas, que lhe exploram os serviços.

É a esse fenômeno que o Direito do Trabalho, modernamente, precisa estar voltado e isto implica, necessariamente, uma releitura do pressuposto básico de que uma pessoa jurídica não pode ser empregado. O fato é que este empresário é tão empregado da grande empresa como seria se estivesse dentro da fábrica, exercendo a função de gerente (ou supervisor) de uma unidade ou seção específica, organizando os fatores da produção, nele inclusos a subordinação da mão-de-obra.

Na verdade, não se trata de uma alteração do pressuposto jurídico de que a pessoa jurídica não se integra numa relação de emprego na condição de empregado, até porque a proteção do ser humano constitui a essência do Direito do Trabalho, e sim de fixar o alerta de que mesmo a transformação do trabalhador em empresário não muda a sua vinculação jurídica ao capital.

Como efeito, não se dirá que a pessoa jurídica em questão é empregada da outra empresa que toma os seus serviços, e sim que a pessoa cujo trabalho sirva à satisfação do interesse econômico de outrem é empregado, ainda que ostente, do ponto de vista fático e jurídico, a condição de empresário. Imaginemos a seguinte situação: uma pequena empresa cuja atividade seja admitir pessoas para costurar calçados, sendo que estes calçados são direcionados (ou mesmo vendidos) a uma grande empresa, que os comercializa livremente no mercado, adicionando-lhes o valor da marca. A própria estipulação do valor dos calçados costurados (ou mesmo prontos) é uma via de mão única, ou seja, uma manifestação unilateral de vontade da grande empresa. Ao pequeno empresário resta, como se diz popularmente, fazer um milagre, para que possa pagar os salários daqueles que lhe prestam serviços, satisfazer os custos da produção no que se refere à matéria-prima, aluguel do imóvel, contas de água, luz, telefone e tributos diversos e ainda extrair uma parcela de lucro, que, no fundo, não é, propriamente, um lucro, é a remuneração do seu próprio trabalho. Essa situação, não raramente, força o pequeno empresário a descumprir algum dispositivo legal de nível social ou tributário, para que possa extrair o seu pagamento.

É assim que muitas vezes se apresentam perante o juiz do trabalho, em uma reclamação trabalhista, de um lado, um empregado, naturalmente, miserável, e, de outro, um “empregador” tão ou, às vezes, ainda mais miserável, o que induz à aparência de que o Direito do Trabalho gera um custo excessivo para o empregador.

Esse empresário não é, propriamente, um capitalista. Trata-se, isto sim, de um trabalhador travestido de empresário. Ele possui apenas a aparência de empregador e não o é porque lhe falta a essência da aquisição desta condição, qual seja, o capital. Do ponto de vista da sociedade de classes, ele se insere, inquestionavelmente, na classe trabalhadora, não se confundindo, nem de longe, com o autêntico capitalista, embora até possa ter prazer em ostentar a condição de “empregador”[19].

Adite-se, no que se refere ao empresário aparente, que sua exploração embute, ainda, um aspecto ainda pior que é o de lhe ter sido transferida parcela do risco econômico, que era próprio da grande empresa, situação que, para ser corrigida, requer uma indenização específica de cunho pessoal, além de outra de natureza social, já que a formalização do negócio jurídico por parte da grande empresa teve apenas o condão de evitar a sua responsabilidade com o custo social do trabalho.

Destaque-se, por fim, que muitas vezes ao próprio trabalhador pode parecer interessante ostentar a condição de pessoa jurídica ou empresário, seja pelo aspecto da capitis diminutio que, culturalmente, se atribuiu ao termo empregado, seja por conta do proveito tributário que possa auferir, qual seja, deixar de pagar imposto de renda referente à pessoa física, pagando apenas imposto de pessoa jurídica, que possui, como se sabe, várias possibilidades de descontos de despesas.

No entanto, como por várias vezes já manifestado, nem mesmo o interesse do trabalhador pode ser invocado como causa excludente da relação de emprego, já que o custo social do trabalho, que incide sobre a relação de emprego serve (ou deve servir) a toda à sociedade, sobretudo àqueles que não conseguem se inserir no mercado de trabalho.

Nessas situações, portanto, há de se reconhecer que esse “empresário” é empregado da empresa que se vale da sua atividade, não inibindo tal configuração o fato de executar esses serviços a mais de uma empresa, integrando-se todas, para fins trabalhistas, ao conceito de grupo econômico. Por conseqüência, os empregados do tal “empresário” serão, verdadeiramente, empregados da empresa final.

A situação refletida na supersubordinação, nas hipóteses de mascaramento da relação de emprego por intermédio de negócios jurídicos fraudulentos, de mera ausência de registro, de desrespeito deliberado e contumaz de direitos trabalhistas mesmo em relações de emprego assumidas como tais e de transferência do risco econômico para parcela de trabalhadores, transformados, formalmente, em falsos autônomos, pessoas jurídicas ou empregadores aparentes, revela, portanto, claramente, um dano à dignidade humana que deve ser reparado, além de um inquestionável dano de natureza social

Na perspectiva da repercussão social, é evidente que o reconhecimento da supersubordinação e a determinação de sua reparação não devem estar sujeitos ao interesse particular do trabalhador lesado. Lembre-se que a fiscalização do trabalho é um dever do Estado, já instituído como direito fundamental no Tratado de Versalhes, de 1919.

A situação, portanto, requer atuação ex officio do juiz, que é um ente, igualmente, estatal. Dizer que o juiz não pode atuar neste sentido é negar-lhe a condição de representante do Estado. É uma mera discussão a respeito de distribuição de competências, que se utiliza apenas para negar eficácia a atuação do Estado.

A Consolidação das Leis do Trabalho, aliás, possui várias determinações de atuação de ofício do juiz a respeito: arts. 39[20], 832, § 1º[21], e 652, “d”[22], da CLT, por exemplo.

Na mesma linha, o art. 81, do Código de Defesa do Consumidor, garantiu ao juiz a possibilidade de proferir decisão alheia ao pedido formulado, visando a assegurar o resultado equivalente ao do adimplemento: “Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou                 não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.” Permite-lhe, ainda, “impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito” (§ 4º). Acrescenta o § 5° que “Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial”.

Em âmbito mundial, vários são os exemplos de penalização de empresas que descumprem seus compromissos sociais em termos de preservação de direitos humanos. Muito se fala a respeito da proteção do meio-ambiente, mas é óbvio que a proteção do ser humano está em primeiro plano, pois               um meio ambiente saudável sem homens saudáveis que dele possam usufruir nada vale.

Roberto Basilone Leite, em sua obra, Introdução do Estudo do Consumidor[23], traz uma análise de caso paradigmático dessa atuação jurisdicional corretiva, ocorrido nos EUA. Trata-se do caso Gore vs BMW, do qual se extraiu o princípio jurídico do desestímulo, que é “princípio oriundo do Direito Penal, apropriado pela doutrina civilista que trata da responsabilidade por danos metapatrimoniais”. Esclarece o autor que “diante de uma lei destinada a garantir determinado direito consumerístico, tanto individual, quanto difuso ou coletivo, presume-se implícito, nas punições nela estipuladas, o intuito de desestimular o possível infrator à prática do                ato ou omissão lesivos”.

Dada a pertinência, convém reproduzir o relato de Basilone:

 

“Exemplo bem ilustrativo da aplicação do princípio do desestímulo, colhido por Paulo Soares Bugarin, consiste na decisão prolatada no caso BMW of North America, Inc. versus Gore. Após[24] adquirir um veículo BMW novo de um revendedor do Estado do Alabama, Gore descobriu que o carro fora repintado. Ajuizou ação de ressarcimento de danos (compensatory damages) e de punição por danos (punitive damages) contra a American Distributor of BMW, em que a empresa foi condenada ao pagamento de US$ 4.000,00 a título de compensatory damages e mais US$ 4 milhões a título de punitive damages.

A sanção foi reduzida posteriormente pelas Cortes superiores, mas o que interessa, neste passo, é apenas destacar o raciocínio lógico da primeira decisão. US$ 4 milhões teria sido o valor dos lucros obtidos pela empresa com a venda de todo o lote ‘condenado’ de veículos repintados. Com tal punição, pretendia o juiz criar um precedente tendente a eliminar no produtor justamente o interesse econômico da assunção do risco de lançar produto defeituoso no mercado.

É comum o empresário pautar suas decisões exclusivamente com base em cálculos financeiros. Suponhamos que, num lote de determinada mercadoria pronto para a comercialização, o produtor constate um certo defeito em todas as unidades. O cálculo das probabilidades, no entanto, indica que poucos consumidores acabarão notando ou sofrendo prejuízos em decorrência desse defeito. O empresário poderá sentir-se tentado a ceder ao seguinte raciocínio: se vier a ocorrer dano a uns poucos consumidores e o ressarcimento das respectivas despesas for pequeno em relação aos lucros obtidos com a colocação daquele lote no mercado, compensa a ele correr o risco.

Contudo, se ele souber que a ocorrência de lesão a um único consumidor o sujeitará a uma pena pecuniária equivalente ou até superior aos referidos lucros, não valerá mais a pena correr o risco: estará eliminada a própria vantagem subjacente à decisão de risco de comercializar o lote “defeituoso” que seria a certeza de algum lucro. O fator psicológico instaurador da tentação restará bastante enfraquecido, pois seu objeto principal ‘a certeza do lucro’ terá sido eliminado. Nisso consiste o princípio do desestímulo.

Pode-se concluir, afinal, este tópico, mencionando que a indenização de desestímulo tem três funções distintas: a) a função reparatória ou compensatória, conforme se trate, respectivamente, de dano material ou imaterial; b) a função pedagógica ou didática, que procura sanar as eficiências culturais do lesante; c) a função punitiva ou de desestímulo, que diminui no lesante a pulsão para a prática lesiva.”

 

Recentemente, a Microsoft foi multada pela Comissão Européia da Concorrência em 899 milhões de euros, por ter quebrado regras da livre concorrência, conforme revela a reportagem do Portal da Revista Exame na internet (http://portalexame.abril.com.br/ae/economia/m0152907.html).

No Brasil, em março de 2008, o PROCON do Distrito Federal notificou a TAM em razão da alegação de ter servido lanche com data vencida aos passageiros de um vôo. O fato, segundo noticia o PROCON, sujeita a TAM ao pagamento de uma multa que varia de R$ 212,00 (duzentos e doze reais) a R$ 3.1000.000,00 (três milhões e cem mil reais).

Em abril de 2008, a Volkswagen assinou acordo com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça, pelo qual se fixou o prazo de 30 dias, prorrogáveis por mais 30, para que a Volkswagen desse início ao procedimento de recall dos 477 mil Fox produzidos pela empresa desde 2003, além da obrigação da empresa “recolher R$ 3 milhões ao Fundo Federal de Defesa de Direitos Difusos, uma espécie de multa ou compensação por ter exposto os consumidores a risco” [25], representado pelo fato de que o manuseio do banco traseiro teria machucado e até mutilado dedos de usuários.

A adoção das práticas acima indicadas, identificadas como hipóteses de supersubordinação, gerando indenizações em nível pessoal e social, passa, assim, a ser um efetivo risco para seus autores e não mais um prêmio, risco este, aliás, que deve servir como desestímulo para a reiteração das atitudes fraudulentas. A repercussão econômica do ilícito, em termos de indenização, não se destina, propriamente, a enriquecer a vítima e sim punir o agressor da ordem jurídica social, para que a situação, efetivamente, se altere. Para a consecução dos fins próprios do projeto de Estado Social, a maior relevância é a real aplicação dos preceitos jurídicos trabalhistas, que não são, vale lembrar, revolucionários, mas contribuem sobremaneira para o implemento de uma sociedade capitalista mais saudável e humana.

As fórmulas jurídicas, para se trilhar um caminho em sentido contrário ao do movimento reducionista, são: a) a do dano social[26], configurado pela deliberada ou reincidente agressão à ordem jurídica dirigente econômico-social estabelecida na Constituição Federal e nos mais diversos tratados internacionais sobre a questão trabalhista; b) a do dano pessoal, vislumbrado na supersubordinação a que se submetem os trabalhadores cujos direitos trabalhistas são vilipendiados como estratégia de obtenção de benefício concorrencial ou de auferir maior lucro e, principalmente, aqueles que são transformados, formalmente, em pessoas jurídicas ou em empresários aparentes; c) a da subordinação estrutural, integrativa ou reticular, para ligar, efetivamente, numa perspectiva obrigacional, o autêntico capital ao trabalho, suplantando as aparências.

A respeito da subordinação reticular destaca-se a Ementa a seguir transcrita:

 

‘SUBORDINAÇÃO RETICULAR’ – TERCEIRIZAÇÃO – EXTERNALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES ESSENCIAIS – EMPRESA-REDE – VÍNCULO DE EMPREGO COM BANCO – 1. A nova organização produtiva concebeu a empresa-rede que se irradia por meio de um processo aparentemente paradoxal, de expansão e fragmentação, que, por seu turno, tem necessidade de desenvolver uma nova forma correlata de subordinação: a ‘reticular’. 2. O poder de organização dos fatores da produção é, sobretudo, poder, e inclusive poder empregatício de ordenação do fator-trabalho. E a todo poder corresponde uma antítese necessária de subordinação, já que não existe poder, enquanto tal, sem uma contrapartida de sujeição. Daí que é decorrência lógica concluir que o poder empregatício do empreendimento financeiro subsiste, ainda que aparentemente obstado pela interposição de empresa prestadora de serviço. O primado da realidade produtiva contemporânea impõe reconhecer a latência e o diferimento da subordinação direta. (Processo nº 01251-2007-110-03-00-5, Partes Recorrentes: 1. BANCO ABN AMRO REAL S/A. 2. RODRIGO JOSÉ MACHADO. Recorridos: OS MESMOS e FIDELITY NATIONAL SERVIÇOS DE TRATAMENTO DE DOCUMENTOS  E INFORMAÇÕES LTDA. TRT 3ª Região, 1ª Turma, Relator José Eduardo de R. Chaves Jr.)

 

Não se querendo ir muito longe em argumentos teóricos para se chegar à configuração da relação de emprego nas contratações em rede, basta lembrar que o art. 2º, da CLT, considera empregador a empresa que assume os riscos da atividade econômica. Ou seja, em palavras mais diretas: é empregador               o capital e não a pessoa física ou jurídica que pura e simplesmente emite ordens ao trabalhador. Fosse assim, o chefe de seção, que aluga do supermercado a seção de frios, seria o empregador e não o supermercado. Lembre-se, ainda, do § 2º, do mesmo artigo, que considera, para fins trabalhistas, solidariamente responsáveis a empresa principal e todas as demais que com ela se interliguem na forma de um grupo econômico.

Cabe aos que constroem e aplicam o Direito do Trabalho terem a visão da necessária reconstrução jurídica da relação entre o capital e o trabalho, pois esse ramo do direito, para ser eficaz, depende – e só tem sentido neste contexto –, logicamente, do capital que o sustenta.

CONCLUSÃO

A compreensão do novo instituto proposto, a supersubordinação, é extremamente útil, pois que se apresenta ao Direito do Trabalho como um instrumento eficaz para uma inserção adequada desse ramo jurídico na realidade atual no sentido da proteção da dignidade humana em face do trabalho.

O mundo do trabalho está cada vez mais complexo e embora as novidades na maioria das vezes apenas signifiquem a criação de uma roupagem diversa para a mesma situação, não se pode deixar de reconhecer que para que o Direito do Trabalho cumpra o seu papel de regulador do mundo do trabalho de forma clara, direta, contundente, eficaz os seus institutos, sem criar fantasias que o afastem da realidade, devem ser constantemente atualizados.

Muitas vezes somos induzidos a acreditar em autênticos fatalismos históricos, como se nosso percurso na Terra já estivesse traçado. É evidente que não se pode ceder a esse tipo de raciocínio. Em termos de relações de trabalho, não se há de supor que as complexidades produtivas gerem, naturalmente, um mundo onde o desrespeito à condição humana seja visto como algo natural. Uma sociedade assim não tem como sobreviver e nem merece ser defendida.

Devemos sempre pensar na perspectiva do ideal. Mas, se nosso raciocínio estiver viciado em uma lógica de valores invertidos, seremos induzidos a considerar que o ideal é apenas um sonho, uma ilusão. A realidade, a vida como ela é, será sempre o avesso do ideal. Mas, que mundo é esse em que a justiça é um sonho e a injustiça algo natural?

Pensando, restritamente, nas relações de trabalho, o ideal é o império absoluto da boa fé, da confiança, e do respeito mútuo, onde as divergências, naturalmente existentes, por incidência dos postulados democráticos, sejam instigadas apenas pelo debate em busca da melhor forma de aperfeiçoar            as relações humanas e não a partir dos propósitos de enganar e de levar vantagem sobre o outro.

Não se pode, jamais, conceber como natural essa inversão e muito menos que o direito e seus “operadores” estejam a serviço de sua perpetuação.              Os direitos trabalhistas, constitucionalmente assegurados, foram consagrados como direitos fundamentais. Para usar expressão do prof. Maurício Godinho Delgado, os direitos sociais trabalhistas constituem o patamar mínimo civilizatório. Querer obter vantagem econômica com o sacrifício desses direitos é, claramente, portanto, uma ofensa de caráter pessoal e social.

Impõe-se, de uma vez por todas, uma mudança de perspectiva no Judiciário trabalhista a respeito da eficácia dos direitos sociais, até por conta da alteração constitucional imposta pela EC nº 45 ao art. 114, vez que foi retirada a ênfase que antes existia sobre a conciliação. A Justiça do Trabalho, que era competente, para conciliar e julgar, agora deve “processar julgar”.

O fato é que enquanto o mundo do trabalho passa por enormes efervescências, exigindo uma visão estrutural do modelo de produção (sobretudo por conta da reiterada iniciativa de diversos segmentos econômicos de terceirizar sua produção ao infinito, de utilizar de trabalhadores sem o devido reconhecimento da relação de emprego, de desenvolver sua atividade por intermédio de contratos precários ou por meio de uma política de rotatividade da mão-de-obra) não há como seguirem-se reproduzindo incontáveis esforços mentais, de pessoas extremamente capazes e inteligentes, na Justiça do Trabalho, em discussões diárias para definir se o intervalo para refeição e descanso não cumprido gera reflexos em FGTS, férias e 13º salário, ou se há, ou não, incidência de INSS sobre aviso prévio indenizado…

A propósito da terceirização, por exemplo, reconhecida como juridicamente válida pela Justiça do Trabalho, por intermédio da Súmula 331, do TST,    tem-se difundido um autêntico canto da sereia. A formalização do contrato de emprego e a declaração da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços fornecem a ilusão de que o terceirizado está devidamente protegido e em situação muito melhor que a do cooperado ou a do suposto autônomo, que sequer são registrados. Mas, por detrás dessa aparente situação favorável escondem-se discriminações, desconsideração da condição humana, insegurança social, econômica e jurídica para os trabalhadores, que “pingam” de um local para outro, ineficácia das normas trabalhistas e redução constante de direitos. Trata-se de um sistema extremamente perverso vez que descansa sobre a retórica do fornecimento de oportunidade de trabalho, mas que aniquila toda a base existencial das garantias trabalhistas.

A própria terceirização já aperfeiçoou seu dado de perversidade, gerando a expulsão dos trabalhadores do âmbito da fábrica pelo processo de subcontratações acima referido. Onde antes havia uma fábrica, na qual se efetivava toda execução das tarefas necessárias para a consecução de um produto, agora há apenas uma espécie de montagem do produto final a partir de componentes que foram fabricados sabe-se lá aonde. Esse sistema tem o nítido propósito de desvincular o capital do trabalho, dificultando sobremaneira a vida dos trabalhadores, que se vêem diante de um empregador aparente, desprovido de capital, com relação ao qual não têm sequer como exigir o cumprimento de direitos, sendo impensável, então, engajarem-se em um movimento associativo para busca de melhores condições de trabalho.

Está mesmo na hora de dar outro nome para nossa história. Somos instigados a pensar que nada muda para melhor e que todos os arranjos sócio-econômicos conduzem à degradação dos valores humanos. Mas, devemos acreditar que seja exatamente o contrário.

A inteligência humana, ademais, só pode ser exercida em prol da construção de uma sociedade mais justa. Este é o postulado necessário de todo raciocínio jurídico, conforme imperativo do art. 1º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no sentido de que todos os homens são dotados de razão e consciência e que devem utilizá-las para agir, concretamente, em relação aos outros, considerados membros de uma família, a família humana, com espírito de fraternidade e com respeito aos seus direitos e à sua dignidade. Vimos, recentemente, que estamos sendo capazes de produzir atletas com super-poderes. Será que estamos avançando, na mesma proporção, na formação de seres humanos, ou o raciocínio reducionista tem nos impulsionado a reduzir o próprio nível de consciência da condição humana?

Em termos jurídicos trabalhistas, diante das perplexidades provocadas pelos arranjos propositalmente complexos do mundo do trabalho, para que                o Direito do Trabalho possa, de forma eficaz, cumprir seu relevante papel              de preservação do padrão mínimo de civilidade, caminhando em direção progressiva no sentido da elevação da condição humana, é essencial e  urgente uma mudança de postura na avaliação desses arranjos, partindo do reconhecimento de que habita entre nós a supersubordinação, que merece efeito jurídico específico como imperativo da efetivação dos Direitos Humanos e da necessária reversão da lógica de um jogo perverso cuja              reta final é a destruição da sociedade.


[1] A conhecida letra de uma das músicas do Chico Buarque, para os padrões oficiais atuais e considerando também a falta de emprego, não seria mais “vai trabalhar vagabundo”, mas sim “vai procurar emprego vagabundo”…

[2] O nome do Delegado responsável, Protógenes, é mera coincidência. Não faz parte do enigma…

[3] http://pepe-ponto-rede.blogspot.com/2008/01/o-brega-jurdico-em-2008.html

[4] Que sugerem um bom tema para uma dissertação: Proporcionalidade, ponderação e outras dissimulações.

[5] Héctor-Hugo Barbagelata. O Particularismo do Direito do Trabalho. Revisão técnica de Irany Ferrari. Tradução de Edilson Alkimim Cunha. São Paulo: LTr, 1996, p. 141.

[6] Idem, pp. 141-2.

[7] Vide neste sentido interessante passagem de Adam Smith: “Os trabalhadores desejam ganhar o máximo possível, os patrões pagar o mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se entre si para levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para baixá-los. Não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com as suas próprias cláusulas.” (A Riqueza das Nações. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 92)

[8] Falando de ilícito e da lógica de achar que direitos podem advir da prática ilícita, vale lembrar, sobretudo no contexto desse estudo, do trabalho externo. Imagina-se que a previsão do art. 62, I, da CLT, possa ser suficiente para negar ao trabalhador o direito constitucional à limitação da jornada de trabalho, também assegurado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. A consciência desse pretenso direito é               tão forte que muitas empresas, em suas defesas apresentadas em reclamações trabalhistas, assumem, claramente, que o reclamante, porque trabalhava externamente, mesmo que fosse dirigindo veículo com carga de propriedade da reclamada, poderia fazer “o horário que bem entendesse”…

[9] Sem se desprezar, por óbvio, a importância dos movimentos operários reivindicatórios, na busca de melhores condições de trabalho.

[10] Curso de Direito do Trabalho. Tradução de Elson Gottschalk. São Paulo: LTr, 1976, pp. 55-6.

[11] Curso de Direito do Trabalho. Tradução de Elson Gottschalk. São Paulo, LTr, 1976, p. 57.

[12] Apud Marilena Chauí. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 1995, p. 407.

[13] Idem, p. 57.

[14] Lembre-se que a Constituição Federal consagrou em seu artigo 1o. como princípios fundamentais da República, a proteção da “dignidade da pessoa humana” e os “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. No artigo 170, caput, estabeleceu que a ordem econômica deve seguir os ditames da “justiça social”, observando o valor social da propriedade (inciso III) e a busca do pleno emprego (inciso VIII).            E, fixou os direitos dos trabalhadores, art. 7º a 9º, como direitos fundamentais.

[15] Não se pode conceber que o ordenamento jurídico agasalhe um pretenso “direito a desrespeitar direitos fundamentais”.

[16] E largar emprego não é mesmo uma atitude muito sensata, ainda mais em mundo onde se difunde a idéia de que o emprego não mais existe.

[17] A noção jurídica da reincidência, vale lembrar, foi trazida, expressamente, no art. 59, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e, no Direito Penal, constitui circunstância agravante da pena (art. 61, I, CP) e impede a concessão de fiança (art. 323, III, CPP).

[18] A atitude deliberada e assumida de desrespeito à ordem jurídica, é um valor jurídico, haja vista o disposto no inciso LXVII, do art. 5º, da CF.

[19] Quantos não são os “empresários”, proprietários de empresas de terceirização, por exemplo, que se apresentam em reclamações trabalhistas completamente desprovidos de capacidade econômica, embora tenham colocado inúmeros trabalhadores a serviço de grandes empresas?

[20] “Verificando-se que as alegações feitas pelo reclamado versam sobre a não existência de relação de emprego ou sendo impossível verificar essa condição pelos meios administrativos, será o processo encaminhado a Justiça do Trabalho ficando, nesse caso, sobrestado o julgamento do auto de infração que houver sido lavrado.

§ 1º. Se não houver acordo, a Junta de Conciliação e Julgamento, em sua sentença ordenará que a Secretaria efetue as devidas anotações uma vez transitada em julgado, e faça a comunicação à autoridade competente para o fim de aplicar a multa cabível.

§ 2º. Igual procedimento observar-se-á no caso de processo trabalhista de qualquer natureza, quando fôr verificada a falta de anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social, devendo o Juiz, nesta hipótese, mandar proceder, desde logo, àquelas sobre as quais não houver controvérsia.”

[21] “Quando a decisão concluir pela procedência do pedido, determinará o prazo e as condições para o seu cumprimento.”

[22] “Art. 652 – Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento:

(….)

d) impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência”.

[23] LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao direito do consumidor. São Paulo: LTr, 2002. pp. 97-100.

[24] BUGARIN, Paulo Soares. “O direito do consumidor e o devido processo legal na moderna jurisprudência constitucional norte-americana: o caso BMW of North America, Inc. V. Gore”. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 36, nº 143, jul./set. 1999, p. 234.

[25] Segundo: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u392014.shtml

[26] Para maiores considerações sobre o dano social vide SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, “O dano social e sua reparação”, in Revista LTr: Legislação do Trabalho, v. 71 nº 11 nov. 2007, Revista Justiça do Trabalho,   nº 228, dez/07, Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, ano 19, nº 225, março/08, pp. 58-72.

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