Caderno 14
Apresentação
Prezados leitores,
Os temas que envolvem o mundo do trabalho têm despertado interesse não só naqueles que lidam com a matéria, mas também ao leigo, porque são questões que circundam o seu cotidiano, quando não estão no seu próprio núcleo.
A linguagem doutrinária, nesse contexto, aproxima o leitor – independente da sua segmentação profissional – de uma realidade que está muito próxima e ligada a sua rotina: a legislação trabalhista. Uma vez inserido no mercado de trabalho, o cidadão está sob as suas regras e proteção, e é por meio dela que garantirá os seus direitos mais básicos e elementares enquanto ser humano.
Nesta nova edição dos Cadernos, a primeira da atual gestão 2010/2012, buscamos a afirmação dessa linha de atuação, trazendo temas de interesse geral, não restrito ao universo profissional. Perseguimos o reconhecimento dos Cadernos pela atualidade e clareza na exposição dos temas e pela afirmação permanente do Direito do Trabalho como disciplina jurídica.
A Saúde do Trabalhador como Direito Fundamental, Direitos do Trabalhador Autônomo, Redução da Jornada de Trabalho, Direitos do Trabalhador Portador de Deficiência, Acordos Coletivos, Nova Lei Processual, Terceirização, Prescrição e Proteção Social, são temas tratados nesta edição.
Os Cadernos da AMATRA IV chegam a sua 14ª Edição.
Não se trata de uma publicação jurisprudencial, em que pese alguns artigos serem assinados por Juízes do Trabalho. Boa leitura.
MARCOS FAGUNDES SALOMÃO
Presidente da AMATRA IV
A Saúde do Trabalhador como Direito Fundamental (no Brasil)
Francisco Rossal de Araújo
Juiz do Trabalho na 4ª Região – RS
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
Pesquisador do CETRA
Mestre em Direito Público pela UFRGS
Doutorando em Direito do Trabalho pela Universidade Pompeu Fabra/Espanha
SUMÁRIO: Introdução; I. Evolução; II. Pressupostos Normativos: O direito fundamental à saúde do trabalhador na Constituição e nas Normas Infraconstitucionais; Conclusão, Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Vida, saúde e dignidade são bens jurídicos fundamentais do ser humano.
O ordenamento jurídico responde na proteção de forma ampla a todos os indivíduos, procurando garantir a sobrevivência dentro de patamares mínimos de razoabilidade e equilíbrio. A condição de trabalhador, dentro das condições específicas da prestação de trabalho, enseja um tratamento jurídico especial, mais detalhado do que a proteção jurídica dada a qualquer cidadão. Dito de outro modo, proteger a vida, a saúde e dignidade são ideais perseguidos de um modo geral para toda a cidadania, mas com um matiz especial quando no tocante ao trabalho. Isso ocorre em função das condições de risco em que se encontram determinadas atividades laborais. Por essa razão, o tema da saúde do trabalhador foi elevado ao nível constitucional[1], tanto no que diz respeito às proteções aos riscos inerentes ao trabalho quanto no tange à seguridade social e às indenizações decorrentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
O objetivo do presente trabalho é traçar um panorama sobre a evolução normativa da proteção à saúde do trabalhador no Brasil e oferecer uma visão sobre a atuação dos Tribunais Trabalhistas, por intermédio do estudo de sua jurisprudência.
O tema se relaciona com outros âmbitos do conhecimento, além das normas jurídicas. Noções de Medicina do Trabalho serão utilizadas como base e fonte de argumentação. Por outro lado, também serão referidos argumentos de Economia do Trabalho, em especial no que diz respeito às estatísticas sobre os custos dos acidentes de trabalho no Brasil[2]. As patologias do trabalho também produzem estudos na área da Sociologia do Trabalho. Entretanto, a análise a ser feita no presente estudo tem finalidade normativa, ou seja, o objetivo é verificar quais os reflexos que a situação fática produz no plano das normas jurídicas. Serão abordadas as normas jurídicas de hierarquia constitucional, ainda que, quando necessário, poderão ser feitas referências a normas de hierarquia legal ou regulamentar. Também serão feitas referências às Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil.
O estudo se subdivide em duas partes. Na primeira, será abordada a evolução normativa sobre o tema da proteção à saúde do trabalhador. Na segunda, serão analisados os pressupostos normativos e a sua base de direito positivo atual.
I. EVOLUÇÃO
A noção de que o trabalho pode ser responsável pela doença e pela morte não é uma descoberta recente. Existem registros de Hipócrates sobre as doenças acometidas nos mineiros e Heródoto narra doenças pulmonares em escravos que lidavam com mortalhas de cadáveres. Também são bastante conhecidas as narrativas sobre doenças de marinheiros, em especial o escorbuto, pela falta de vitamina C nas dietas deficientes das longas travessias. Durante muito tempo o ser humano tem trabalhado exposto a todo tipo de riscos, mas somente de forma recente é que o Poder Público se volta para disciplinar esta situação e combater de forma mais incisiva os acidentes do trabalho e as doenças profissionais[3].
A Revolução Industrial expôs o problema na sua face mais dramática. As longas jornadas e as condições precárias de trabalho fizeram com que se discutisse de forma mais explícita as condições de trabalho. Alguns autores chegaram a falar, ao invés de “luta pela saúde”, em “luta sobrevivência” [4]. A partir destas manifestações surge o que se convenciona chamar de movimento ludista e trabalhista, pelos quais se corporifica a reação às precárias condições de trabalho. De um modo geral, as primeiras leis de higiene e segurança vão aparecer somente na segunda metade do séc. XIX[5], mas a legislação mais abrangente e detalhada, com características atuais somente vai aparecer no séc. XX, consolidando-se somente após o aparecimento da OIT, em 1919.
No início do séc. XX vão aparecer as primeiras legislações sociais específicas sobre saúde do trabalhador, voltadas à reparação dos danos causados, cujo foco é a proteção do corpo (atributo físico) do trabalhador. Nesse primeiro momento, o corpo humano (o corpo do trabalhador) é considerado como o “ponto de impacto da exploração”. É a parte física que se degrada com a exploração massiva trazida pelas extensas jornadas, falta de segurança nas máquinas e ausência de uso de equipamentos de proteção. Ainda não se pensa na saúde mental do trabalhador e, por este motivo, as leis voltam-se para a descrição do acidente típico de trabalho e a responsabilidade do empregador está baseada na culpa grave ou no dolo.
Somente na segunda metade do séc. XX é que vai aparecer a preocupação com a saúde mental e também vão ser aprofundados os estudos sobre doenças decorrentes do trabalho e suas causas diretas e indiretas, expandindo-se as noções de doenças profissionais, concausas e acidentes in itinere. Nesse momento, cogita-se a responsabilidade do empregador ora por culpa, em todos os seus graus (grave, leve ou levíssima), ora por risco, sendo que, no segundo caso, esta é a teoria dominante para os benefícios prestados pela Seguridade Social.
No Brasil, a evolução normativa também apresenta etapas.
A fase mais primitiva pode ser considerada como a da vigência das leis comerciais e civis, sem uma preocupação específica sobre o tema, recaindo o resultado do infortúnio laboral nas regras gerais do Código Comercial e do Código Civil. Alguns artigos do Código Comercial de 1850 tratam de acidentes “imprevistos e inculpados” que possam impedir os prepostos “do exercício de suas funções”, que não interromperão os vencimentos até 3 (três) meses e normas sobre acidentes em navios e embarcações[6].
O Decreto Legislativo nº 3.724/19 é considerada a primeira norma específica sobre acidentes do trabalho. Esta norma marca o princípio da responsabilização do empregador, abrindo caminhos para uma visão autônoma dos acidentes de trabalho, com tratamento especial em relação ao Direito Privado Comum (Civil ou Comercial). A base da responsabilidade é a culpa, não havendo nenhuma ingerência do Estado. Outra característica deste Decreto Legislativo é a obrigatoriedade do seguro mercantil de acidente do trabalho em todas as empresas[7].
Houve uma expansão do conceito de acidentes do trabalho, abrangendo o conceito de doenças profissionais atípicas, por meio do Decreto nº 24.637/34, considerada a segunda lei sobre acidentes no Brasil[8]. Esta norma jurídica prevê a obrigação de um seguro privado ou depósito em dinheiro na Caixa Econômica Federal ou no Banco do Brasil. Apesar da evolução, o Decreto nº 24.637/34 ainda excluía parcelas significativas de trabalhadores, tais como profissionais recebessem mais de cem contos de réis, técnicos e contratados com benefícios superiores aos previstos em lei, agentes e prepostos que recebessem por comissões ou gorjetas, os profissionais autônomos e consultores técnicos[9].
O Decreto nº 7.036/44 trouxe nova ampliação no conceito de acidente de trabalho, incorporando a noção de concausa e os acidentes in itinere. Também dispôs sobre a responsabilidade do empregador por danos ocasionados a terceiros. Pela primeira vez procura-se dar um caráter social à indenização previdenciária, diferenciando-se da responsabilidade civil e permitindo, expressamente, o concurso de ambas[10]. Pela primeira vez a legislação permite a participação dos trabalhadores na atividade preventiva, com a criação das CIPA’s (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) para empresas com mais de 100 (cem) empregados[11]. Outras disposições deste diploma legal são no sentido da obrigatoriedade do uso de EPI (Equipamento de Proteção Individual) pelo empregado, a criação da FUNDACENTRO, fundação que valorizou as políticas de prevenção e o SESMT (Serviços Especializados em Engenharia e Medicina do Trabalho), com a finalidade de formação de profissionais especializados em Segurança e Medicina do Trabalho[12]. Foi durante a vigência do Decreto nº 7.036/44 que se firmou a jurisprudência que veio a ser representada pela Súmula nº 229 do Supremo Tribunal Federal – STF, no sentido de fixar como devido a indenização por acidente do trabalho no caso de dolo ou culpa grave do empregador, sendo permitida a cumulação da indenização paga pela Seguridade Social com a indenização prevista no Direito Comum[13].
Em 1967 houve duas legislações sobre o tema. A primeira, o Decreto-Lei nº 293/67, por força do Ato Institucional nº 4, durou apenas seis meses e trouxe de volta o princípio de que o seguro social para acidentes do trabalho deveria ser unicamente privado, permitindo ao então INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) atuar como concorrente das seguradoras privadas. Este Decreto-Lei mantinha a possibilidade de cumulação das indenizações.
A segunda foi a Lei nº 5.316/67, que pode ser considerada como a legislação que lança as bases do modelo atual de regulação dos efeitos previdenciários e patrimoniais dos acidentes do trabalho. Por esta lei, cria-se um modelo bipartido de responsabilidade, com diferentes inspirações teóricas: de um lado a concessão de benefícios por meio da Seguridade Social, baseada na teoria do risco social; de outro, o que exceder em termos de reparação é de responsabilidade do empregador, desde que tenha agido com culpa grave ou dolo, inspirada na teoria subjetiva da responsabilidade civil. Outra característica é o custeio do seguro acidentário por parte do empregador, com uma certa ênfase concepção monetarista do risco. Na vigência desta legislação e alterações posteriores, como a Lei nº 6.367/76 e a Portaria nº 3.214/78, do Ministério do Trabalho, ocorre a regulamentação das CIPA´s (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), que, a partir de então, são obrigatórias para empresas com mais de 50 (cinquenta) empregados e regula-se a atuação do SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho), por via NR-4[14], que é conhecido como o serviço de saúde com caráter preventivo, voltado para a conscientização, educação e orientação quanto aos riscos do meio ambiente do trabalho[15]. Aos poucos vai se percebendo na legislação um aumento no conjunto de medidas relativas à segurança e saúde do trabalhador, bem como o desenvolvimento de uma noção de “meio ambiente do trabalho”, que se revela em norma objetivas, como a NR-9, que introduz o PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, e a NR-7, com a obrigatoriedade de o empregador implantar o PCMSO – Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional, que tem a importante missão de diagnosticar os danos à saúde do trabalhador, assim como as doenças profissionais[16]. Também poderia ser enquadrada neste contexto a NR-17, que trata sobre Ergonomia.
O atual sistema normativo está baseado na Lei nº 8.213/91, que é a Lei de Benefícios da Previdência Social. Esta, por sua vez, compõe um verdadeiro sistema normativo previdenciário juntamente com a Lei nº 8.212/91, que é chamada de Lei de Custeio. Ambas formam um par (Custeio/Benefícios) que é a espinha dorsal do sistema previdenciário brasileiro.
No sistema vigente, segue a dicotomia vigente desde a década de 60. De um lado, o acidente de trabalho gera um tipo de reparação previdenciária (benefício previdenciário), que tem natureza de obrigação de Direito Público, tendo em vista a existência de um sistema de custeio público de Seguridade Social, alicerçado em contribuições dos empregados e das empresas, tendo por base a relação objetiva. De outro, o acidente do trabalho gera a responsabilidade civil do empregador (indenização de Direito Privado) quando houver responsabilidade subjetiva (culpa ou dolo)[17].
As normas trabalhistas típicas sobre segurança e medicina do trabalho estão nos artigos 154 a 201 da CLT. Entretanto, muitos dos dispositivos legais encontram-se desatualizados e todo o aspecto técnico da proteção à saúde do trabalhador deve ser analisado pela via das Normas Regulamentares. Essas normas de hierarquia regulamentar são derivadas a partir do art. 200 da CLT, que dá ao Ministério do Trabalho a possibilidade de estabelecer disposições complementares[18]. Como o texto legal é vago ou está desatualizado em face das inovações tecnológicas e das mudanças da forma de trabalhar, não há questões relevantes levantadas na jurisprudência sobre a usurpação de competência legal por parte dos Regulamentos do Poder executivo (NR’s). Tratam-se mais de uma relação de complementaridade e suplementariedade, e não de conflito.
Em resumo, o ordenamento jurídico brasileiro evoluiu muito no que diz respeito à proteção à saúde do trabalhador. De um sistema exclusivamente privatista, no início do séc. XX, chegou-se a um sistema misto com normas de obrigação pública e normas de obrigação privada, que dão uma razoável proteção no que diz respeito a benefícios de natureza previdenciária e indenizações civis pela perda da capacidade laboral. Por outro lado, as Normas Regulamentadoras do Poder Executivo, exercendo competência derivada da lei, atuam fortemente na prevenção de acidentes e na criação de uma consciência de meio ambiente de trabalho, cuja principal preocupação é diminuir o número de acidentes. Embora o número de acidentes de trabalho no Brasil ainda seja alto, houve uma visível diminuição nos últimos anos, conforme demonstram as estatísticas[19].
II. PRESSUPOSTOS NORMATIVOS: O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE DO TRABALHADOR NA CONSTITUIÇÃO E NAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS
A segunda parte deste trabalho tem por objetivo situar quais são os pressupostos normativos, ou seja, as regras positivadas e seus respectivos sistemas que dispõem sobre a saúde do trabalhador. Será subdividida em três partes: a primeira refere-se às normas constitucionais e o direito fundamental à saúde e ao meio ambiente sadio de trabalho; a segunda, o sistema de reparação de danos do Código Civil; e a terceira, as normas de natureza trabalhista e previdenciária.
A) Normas de proteção à saúde na Constituição Federal
A saúde é considerada um direito fundamental, conforme disposto no art. 6º da Constituição[20]. Outras normas constitucionais garantem o direito à vida e à integridade física (art. 5º)[21], no campo dos direitos individuais, também conhecidos como direitos de primeira geração. No que tange aos direitos sociais, mais especificamente sobre os direitos dos trabalhadores, o art. 7º dispõe sobre a saúde do trabalhador em dois momentos. No inciso XXII, declara que ao trabalhador se estende a proteção contra os riscos inerentes ao trabalho[22] e no inciso XXVIII dá aos trabalhadores o direito ao seguro social (benefício previdenciário), sem prejuízo da indenização pelo empregador por dolo e culpa, em caso de acidente do trabalho[23]. Inserir a saúde do trabalhador como direito fundamental é fruto de uma longa luta e ampliação de consciência, que pode ser vista na evolução normativa[24]. O certo é que esse direito está dentro do catálogo de direito e liberdades positivadas que compõem o conjunto de direitos fundamentais na Constituição Brasileira, tanto no que diz respeito ao seu individualista – o direito à vida e à integridade física – quanto ao seu aspecto social: direito à saúde e ao meio ambiente de trabalho sadio. Além disso, a título de reparação, o sistema constitucional brasileiro oferece um sistema duplo, constituído de benefícios previdenciários (aposentadoria, pensões e auxílio acidente) e indenizações civis (responsabilidade civil do empregador).
Na doutrina de Direito Constitucional, existe a separação conceitual entre direitos humanos e direitos fundamentais. Direitos humanos seriam aqueles direitos reconhecidos por convenções e tratados internacionais, enquanto que a expressão direitos fundamentais ficaria reservada para aquele catálogo de direitos positivados na Constituição de cada país[25]. Embora tenham, muitas vezes, conteúdo semelhante, direitos humanos e direitos fundamentais não são excludentes e não são exaustivos. O próprio ordenamento constitucional brasileiro não exclui a adoção de outros direitos fundamentais oriundos de tratados internacionais que o Brasil for signatário[26]. Este problema não chega a ser relevante no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que o Brasil além de ter elevado o direito à saúde do trabalhador à condição de direito fundamental por disposição expressa da Constituição, também é signatário das principais Convenções da OIT sobre o tema[27]. Portanto, para o ordenamento jurídico brasileiro é indiferente referir-se ao tema como parte dos direitos humanos ou direitos fundamentais.
A regra que dispõe sobre a proteção dos riscos inerentes ao trabalho tem caráter prospectivo (art. 7º, XXII, CF/88), pois se constitui um comando para o legislador futuro observar em termos de desenvolvimento normativo[28]. O Brasil sempre teve altos índices de acidente de trabalho, sendo que os óbitos alcançavam a casa de 5.000 por ano, na década de 80, quando foi redigida a Constituição. Os debates constituintes não desconheciam esta realidade e, por este motivo, foi incluído tal disposição. Por outro lado, sabe-se que a regra constitucional pode sofrer diferentes interpretações como o passar do tempo, desconectando-se de sua interpretação original. Também é certo que nenhuma norma Constitucional é puramente programática ou prospectiva, sempre possuindo um mínimo de eficácia. Juntando-se estas duas constatações, verifica-se que a palavra “risco” pode ser interpretada como a adoção de uma postura mais objetiva em relação às consequências dos acidentes de trabalho. Senão, o legislador constituinte poderia ter redigido “proteção contra os danos inerentes ao trabalho”, e não “proteção contra os riscos inerentes ao trabalho”. Esse segundo tipo de interpretação tem sido utilizado para confrontar a teoria objetiva da reparação do dano com a teoria subjetiva, calcada no art. 7º, XXVIII, da mesma Constituição.
O art. 7º, XXVIII, é fruto de uma longa evolução doutrinária e jurisprudencial narrada na primeira parte deste trabalho. A adoção da teoria subjetiva, ou seja, responsabilidade civil do empregador por dolo ou culpa, no caso de acidente do trabalho, se deve ao fato de que, ao lado da responsabilidade civil, existem os benefícios previdenciários decorrentes dos
acidentes de trabalho, que são inspirados na teoria objetiva (teoria do risco social). Por outro lado, desde a década de 60 do séc. XX, com a Súmula nº 229 do STF, se permite cumular as reparações previdenciárias e civis decorrentes do trabalho. Se a reparação previdenciária é cumulável com a reparação civil, e ela é baseada na teoria objetiva, ao empregador somente seria obrigatório indenizar quando o feito ultrapassasse o risco natural da relação de trabalho. Por essa razão se entendeu que a reparação básica (previdenciária) seria orientada pela teoria do risco e a reparação mais severa (responsabilidade civil) teria que demonstrar culpa ou dolo do empregador. Saliente-se que Constituição de 1988 trouxe um avanço, mesmo dentro da teoria subjetiva, ao afastar o conceito de culpa grave previsto na Súmula nº 229 do STF e dispor ser devida a reparação apenas por culpa (levíssima, leve ou grave).
Se fosse interpretado isoladamente, não haveria dúvidas que o art. 7º, XXVIII, da Constituição brasileira consagra uma subjetiva da responsabilidade civil do empregador por acidente do trabalho. O problema é que a interpretação sistemática com o art. 7º, XXII, que consagra a visão do risco. Este é o debate atual na doutrina e na jurisprudência brasileiras. Na condição atual, ainda prepondera a visão da responsabilidade subjetiva[29], mas começam a aparecer acórdãos no sentido da responsabilidade objetiva[30].
Cabe, ainda, uma referência ao sistema previdenciário e à teoria do risco. O art. 201, §10[31], refere que a lei disciplinará a cobertura do risco de acidente de trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo Regime Geral da Previdência Social e pelo setor privado. O uso da palavra “concorrentemente” poderia levar à conclusão de que também o setor privado estava sujeito à teoria do risco, a reforçar a tese de aplicação do art. 7º, XXII, e não do art. 7º, XXVIII. O problema é que, levado às ultimas consequências, o argumento da teoria do risco deixa como letra morta o art. 7º, XXVIII, da Constituição e ter-se-ia um caso de revogação de norma constitucional por falta de aplicação por parte dos tribunais.
B) O Código Civil de 2002 – Direitos de personalidade, função social da propriedade, função social do contrato e indenizações por perda da capacidade laborativa
O Código Civil de 2002 representa um avanço significativo para o Direito Privado brasileiro. Em linhas gerais, a intenção foi conservar o que havia de bom do Código de 1916 e adaptar a evolução jurisprudencial ocorrida no séc XX, aperfeiçoando os institutos que ficaram defasados. Para projetar a adaptação do Código ao século XXI, foram colocadas várias cláusulas gerais, que permitem o desenvolvimento jurisprudencial e a adaptação aos novos desafios. Destacam-se, para os fins do presente estudo, as cláusulas de boa-fé[32]; função social da propriedade[33] e função social do contrato[34].
Embora o Código Civil não seja legislação especifica sobre proteção à saúde do trabalhador, é certo que alguns de seus dispositivos, principalmente no que se refere aos direitos de personalidade, são aplicáveis às demandas judiciais e administrativas que envolvem acidentes do trabalho e eventos a ele equiparados. Além disso, todas as normas sobre responsabilidade civil, incluindo as noções de ato ilícito, culpa, responsabilidade objetiva, dano material, dano moral, culpa concorrente e redução da capacidade laborativa, estão presentes no grande diploma de Direito Privado. Por ultimo, cabe a lembrança de temas relacionados como a disciplina dos seguros privados e a prescrição e decadência.
O primeiro aspecto a destacar são os direitos de personalidade. Antes mesmo da constitucionalização destes direitos, no final do séc. XVIII e início do séc. XIX, a legislação civil, a seu modo e com um claro viés patrimonialista, tratava destes temas, adotando regras para solucionar conflitos surgidos da interpretação desses direitos. A vida e a integridade física eram regulados, não como direito à saúde, mas como bens a serem ressarcidos na hipótese da ocorrência de algum dano. Tudo isso era baseado na velha noção romana de “neminem laedere” – não causar dano a outrem e na clássica divisão entre obrigações por contrato e obrigações por direito. Essa realidade se mantém na Idade Média, recebendo importantes contribuições teóricas da religião cristã, em especial no que diz respeito ao desenvolvimento da noção de culpa e na noção de dano. Os códigos do séc. XIX sistematizaram e aperfeiçoaram a lenta evolução ocorrida com a redescoberta dos textos romanos, fixando uma visão individualista e patrimonialista do corpo do indivíduo e dos possíveis danos a ele causados. Da mesma forma a vontade é tratada apenas como integrante de uma declaração apta a produzir efeitos jurídicos através de um contrato ou como estado de consciência do indivíduo nos casos de culpa ou dolo. Até meados do séc. XX, a vontade e seu elemento imaterial não eram considerados para fins de mensuração de danos, pois somente nas últimas décadas que se firmou o conceito de dano imaterial (danos morais). Em todo o caso, é importante salientar que a evolução dos conceitos de Direito Privado teve importantes reflexos na reparação de danos à integridade física do indivíduo, em especial no que toca à reparabilidade da perda da capacidade laborativa, tanto nos aspectos materiais (dano emergente e lucro cessante) quanto nos aspectos imateriais (danos morais decorrentes de acidente do trabalho).
No que diz respeito ao direito de personalidade, atualmente a legislação civil brasileira acompanha os preceitos constantes do art. 5º da Constituição. Nos artigos 11 a 21, o Código Civil reafirma direito à integridade física, honra, imagem, privacidade e intimidade. Dá ao juiz um amplo leque de meios jurídicos para a proteção destes direitos[35], estendendo a possibilidade de defesa desses direitos inclusive para depois da morte de seu titular[36]. Tais preceitos são extremamente importantes para garantir a viabilidade de demandar em juízo por parte dos familiares de um trabalhador vítima fatal de acidente do trabalho.
O conjunto de preceitos a respeito dos direitos de personalidade cria todo um ambiente jurídico propício a reflexões mais amplas sobre a reparabilidade, previsão e dimensionamento de danos à integridade física do trabalhador. O direito à imagem[37], por exemplo, é fundamental para compor a noção de dano estético, que tem sido visto pela jurisprudência como um fator autônomo em relação ao dano moral, e que pode levar a um aumento quantitativo das indenizações[38]. Além disso, a conscientização a respeito do valor da personalidade aumenta a possibilidade de medidas acautelatórias, no sentido de, primeiro, evitar o dano e, somente num segundo momento, pensar na indenização.
A cláusula geral de boa-fé, constante nos artigos 113 e 422[39] do Código
Civil de 2002, também trazem importantes reflexos no que diz respeito à interpretação geral das condutas no contrato de emprego e seus reflexos na proteção à saúde do trabalhador. No Código de 1916, não havia disposição expressa sobre a boa-fé objetiva, com seus deveres de lealdade e confiança, mas apenas referência à boa-fé subjetiva, assim compreendida como o estado de consciência do indivíduo. A inserção de uma regra geral de boa-fé, em que as partes devem guardá-lo tanto na formação quanto na execução dos contratos, reforça a possibilidade de interpretação geral das condutas das partes, no sentido de dar-lhes a real finalidade, suprir declarações de vontade não inscritas, estabelecer deveres de informação e esclarecimentos e fixar pautas de procedimento de acordo com o senso comum e a noção geral de agir civilizada inciviliter agere. A boa-fé objetiva também é importante no que diz respeito a combater a incongruência do com a própria conduta (venire contra factum proprium), ou seja, não é possível permitir que uma parte crie uma expectativa para a outra e depois, de forma injustificada, passe a agir em sentido contrário.
As aplicações concretas da cláusula de boa-fé, no campo da proteção à saúde do trabalhador, podem ser vistas no que diz respeito às informações e treinamento que o empregador tem de dar ao seu empregado no uso de máquinas, equipamentos, manuseio de substâncias e demais procedimentos de trabalho. Essas explicações e esclarecimentos devem ser prestados da forma mais clara possível, para evitar acidentes de trabalho ou doenças profissionais. No mesmo sentido se pode afirmar pela aplicação da cláusula de boa-fé quanto ao uso de EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual). O dever de tais equipamentos decorre de norma legal que vincula tanto o empregador[40] quanto o empregado[41]. A jurisprudência do TST (Tribunal Superior do Trabalho) é no sentido de que ao empregador não cabe apenas o dever de fornecer ao empregado o equipamento de proteção em boas condições e de acordo com as especificações técnicas, mas também deve fiscalizar o seu uso[42]. A cláusula geral de boa-fé entraria na interpretação das atividades das partes no decorrer do contrato, suprindo a falta de declarações de vontade expressas e auxiliando na interpretação das diversas manifestações e condutas, inclusive as manifestações de vontade tácitas e o silêncio[43].
Uma referência necessária no que diz respeito ao Código Civil de 2002, são as cláusulas gerais de função social dos contratos[44] e função social da propriedade[45]. Em primeiro lugar, convém recordar que tais dispositivos, pelo menos no que se refere ao direito de propriedade, já se encontravam disciplinados por norma constitucional[46]. Quando se refere à função social da propriedade e à função social dos contratos não se está referindo apenas no sentido retórico, pois as normas devem ter, sempre, um mínimo de eficácia. Além disso, mesmo no sistema capitalista, a propriedade não é um direito absoluto, havendo sua submissão ao interesse público e ao interesse social, como no caso das desapropriações ou submissão à vida e à integridade física, como na legítima defesa para excludente de ato ilícito[47]. É longa a discussão sobre a possibilidade de o Poder Público intervir na propriedade para disciplinar questões de saúde pública, segurança, educação, patrimônio histórico e meio ambiente, entre outros. Em todos os casos, ressalta-se que o direito de propriedade deve ser exercitado nos limites e nos interesses do ordenamento jurídico, para favorecer a harmonia social e melhor distribuição da riqueza.
A empresa é a expressão máxima do direito de propriedade no sentido de que consiste na junção de capital e trabalho para produzir bens e serviços e repassá-los à sociedade com o intuito de lucro. No sistema capitalista é permitido ao permitido ao proprietário dos meios de produção organizar o trabalho, dividir funções e hierarquizá-las, remunerar o trabalho e estabelecer o preço final dos bens e serviços comercializados, salvo algum tipo de intervenção direta do Estado no próprio mercado. A empresa interage e necessita com a sociedade, pois esta, ao mesmo tempo, lhe fornece a mão-de-obra e os consumidores. A empresa gera empregos e impostos, mas ao mesmo tempo pode receber benefícios fiscais e incentivos para produzir determinado tipo de bem ou produzir em determinado local. Toda esta interação é caracterizada pela chamada função social da empresa ou função social da propriedade. O instrumento jurídico básico de vinculação entre as empresas e outras empresas e entre as empresas e os consumidores são os negócios jurídicos. Nenhuma empresa vive isolada e a propriedade não pode permanecer estática. A forma de circulação da propriedade na sociedade, no meio privado, é majoritariamente nos contratos. Por essa razão, assim como a propriedade deve cumprir a sua função social, também os contratos, que dão o elemento dinâmico da propriedade, devem cumprir a sua função social. Quando uma empresa se relaciona de forma massiva com a sociedade, o uso dos contratos se torna massivo e sua função deve cumprir uma característica social, contribuindo para o seu desenvolvimento equilibrado. Assim, os contratos devem respeitar os princípios constitucionais, os direitos de personalidade, a boa-fé e o meio ambiente, inclusive o meio ambiente de trabalho. As empresas, ao auferirem lucro de uma relação com a sociedade devem fazê-lo com um mínimo de equilíbrio e razoabilidade, respeitando direitos de preservação da saúde de seus empregados. Esse é o sentido das regras dos artigos 1228 e 421 do Código Civil. Esses dispositivos legais servem como cláusula geral de interpretação e reforçam a interpretação sistemática das demais normas sobre medicina e segurança do trabalho.
Por último, uma referência ao conceito de dano no Código Civil e às ofensas à saúde com perda de capacidade laborativa. O Código Civil de 2002 dispõe que a indenização mede-se pela extensão do dano[48].
Ao adotar tal locução, verifica-se que a norma opta pela reparação integral do dano, em todos os pontos que constituem a sua extensão. Isso inclui os efeitos pretéritos do dano (dano emergente), com a reposição do equilíbrio rompido, assim como a sua projeção futura (lucro cessante). Ademais da recomposição material pretérita e futura, o Código Civil também inclui na noção de dano, os danos morais diretos e indiretos, bem como as despesas com honorários advocatícios, atualização monetária e juros. Tudo isso não afasta a possibilidade de a reparação ter uma função pedagógica e punitiva.
No caso de haver ofensa à saúde, o texto legal é específico ao dispor que o ofensor deverá indenizar o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, sem prejuízo de que o ofensor prove outros danos[49]. Se dessa ofensa resultar perda da capacidade laborativa, a indenização incluirá a pensão correspondente, sem prejuízo das despesas com tratamento até a convalescença e os lucros cessantes. Faculta-se ao prejudicado solicitar que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez[50]. O Código de Processo Civil disciplina o cumprimento da sentença, permitindo a constituição de capital para garantir o pagamento da indenização[51].
Esses dispositivos do Código Civil são a base das chamadas ações indenizatórias contra o empregador por acidentes do trabalho, e estão relacionados como o mencionado art. 7º, XXVIII, da Constituição, que remete o dever de indenizar do empregador para os casos de culpa e dolo ou, segundo antes referido, para os casos de responsabilidade objetiva, de acordo com o disposto no art. 7º, XXII, da mesma Constituição.
C) Normas de natureza trabalhista e previdenciária
Os acidentes de trabalho e a proteção à saúde dos trabalhadores são objeto de legislação específica, de natureza trabalhista e previdenciária. A definição de acidente de trabalho e toda a extensão de seu conceito, incluindo as doenças profissionais, acidente de trajeto e concausas estão na Lei nº 8.213/91, que é a Lei de Benefícios da Previdência Social. Esta lei é que também vai trazer as principais prestações pecuniárias pagas pelo sistema de Seguridade Social, nas chamadas ações acidentárias, e também o período de garantia de emprego do empregado recebeu benefício previdenciário por acidente de trabalho.
1) Caracterização do acidente do trabalho
A caracterização de acidente do trabalho na legislação brasileira começa pela definição de acidente típico no art. 19 da Lei nº 8.213/91[52].
Acidente típico é o que provoca lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. O Decreto nº 3.048/99, que regulamenta a Lei nº 8.213/91, refere-se a evento de qualquer natureza ou causa, de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa. É necessário que este evento tenha nexo causal com a atividade laborativa, ou seja, o acidente deve decorrer de um risco específico relacionado com o trabalho, e não o risco geral que qualquer indivíduo possui, no dia-a-dia, de sofrer um acidente comum[53].
As doenças ocupacionais não referidas no art. 20 da Lei nº 8.213/91[54] se subdividem em doenças profissionais e doenças do trabalho. As doenças profissionais (idiopatias) são as produzidas ou desencadeadas pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho. São doenças próprias de um determinado tipo de atividade e que por sua incidência estatística passam a ser relacionadas em uma norma jurídica (Decreto nº3.048/99, Anexo II). As doenças do trabalho (mesopatias) são patologias comuns, que podem afetar a qualquer indivíduo, mas que aparecem por condições especiais em que o trabalho é realizado. Em geral admite-se que as doenças profissionais (idiopatias) são objeto de relação normativa, enquanto que as doenças do trabalho (mesopatias) devem ter seu nexo de causalidade verificado no caso concreto. Isso traz consequências práticas no que diz respeito ao ônus da prova, pois as doenças profissionais têm presunção de nexo de causalidade e, somente em casos especiais, a empresa poderá questionar a exclusão do nexo[55]. Além disso, em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista no artigo 20, seja ela doença profissional (idiopatia – inciso I) ou doença do trabalho (mesopatia – inciso II), possa ela vir a ser reconhecida como doença ocupacional, desde que reconhecido, no caso concreto, o nexo de causalidade entre a doença e a atividade laborativa. Dito de outro modo, a listagem de doenças ocupacionais é uma presunção relativa de nexo de causalidade, invertendo o ônus da prova, e admite interpretação extensiva desde que seja demonstrado o nexo de causalidade no caso concreto de alguma doença não constante da relação elaborada pelo Ministério da Previdência.
Para a Lei nº 8.213/91, não são consideradas doenças do trabalho as doenças degenerativas, as doenças inerentes à grupo etário, as doenças que não produzam incapacidade laborativa e as doenças endêmicas adquiridas por segurado habitante na região geográfica em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho[56]. O critério determinante das hipóteses de exclusão é a presunção de ausência de nexo de causalidade, pois estas enfermidades poderiam se manifestar estando presente, ou não, a atividade laborativa. Pode-se verificar, entretanto, a existência de concausa entre a atividade laboral e o agravamento de uma doença degenerativa ou inerente a certo grupo etário, por exemplo. Isso pode levar a uma indenização proporcional ao percentual de participação da concausa no agravamento ou desencadeamento da enfermidade. Da mesma forma, é preciso lembrar que muitas doenças ocupacionais são de natureza degenerativa e, provada sua relação direta com a atividade laborativa, o processo degenerativo deve ser caracterizado como doença do trabalho[57].
As doenças que não produzem incapacidade laborativa são excluídas por um critério de relevância. Enfermidades leves e passageiras não produzem lesões significativas que impeçam o trabalho, ainda que de forma temporária. Essa gradação valorativa pode ser observada também no período dos primeiros pagamentos do salário sob a responsabilidade do empregador. Somente após os 15 (quinze) dias iniciais, ou seja, em casos mais graves, é que a incapacidade laboral gera o pagamento do benefício previdenciário (auxílio acidente). É como se o empregador e o Estado dividissem o risco: nos primeiros 15 dias de afastamento, normalmente associados a acidentes e doenças de menor gravidade, o risco é suportado pelos empregadores. São casos mais comuns, mas de menor relevância econômica; nos casos mais graves, com afastamento superior a 15 (quinze) dias, o estado assume o risco, com base nos valores arrecadados pela Previdência no seu Regime Geral.
Nas doenças endêmicas, a norma legal exclui o nexo de causalidade, salvo se houver exposição do trabalhador ao agente causador da doença em função de seu trabalho. A doença endêmica está relacionada no tempo e no espaço, existindo de forma usual em uma determinada região, sem que tenha sido controlada ou erradicada por ação humana organizada. São os casos de cólera, malária, mal de chagas, dengue, leptospirose, entre outros. Para sua caracterização é preciso levar em conta as estatísticas da região geográfica em que se situa. Por essa razão, presente o quadro de doença endêmica, não há nexo de causalidade entre a incapacidade laborativa e a enfermidade. Entretanto, a própria Lei nº 8.213/91 excepciona o caso, prevendo a possibilidade de que o trabalhador seja exposto em função das más condições de trabalho. Normalmente, o exemplo citado são os dos trabalhadores da área da saúde ou de campanhas de combates a doenças endêmicas que, por sua própria atividade, ficam mais expostos aos agentes patogênicos. No ano de 2009, os trabalhadores em hospitais de determinadas regiões do Brasil foram incluídos nessa condição em função do surto de gripe A (gripe suína), caracterizando-se eventual contágio destes trabalhadores como acidente de trabalho, em função da alta probabilidade a que estavam expostos, pelo contato direito com pessoas infectadas[58].
As concausas são as causas concorrentes ao acidente do trabalho. Não são a causa principal, mas juntam-se à ela para a verificação do resultado, podendo ocorrer por fatores preexistentes, concomitantes ou supervenientes[59]. A concausa exige um nexo lógico com a causa principal. Isso ocorre porque muitas vezes, ou mesmo na maioria das vezes, um acidente de trabalho não possui apenas uma causa, caracterizando-se como um encadeamento de eventos para os quais concorrem várias ações ou omissões, vários ambientes e condições de trabalho. Para se ter uma ideia geral do que levou ao evento danoso, é preciso estudar todas as variantes e possibilidades, traçando-se um mapa de todas as possíveis relações de causa e efeito. Sob o ponto de vista da política legislativa, a adoção de concausas como um dos elementos caracterizadores dos acidentes de trabalho, representa um grande avanço no sentido de compreender uma realidade variada e com múltiplas faces, e com essa compreensão, aumentar o número de hipóteses enquadráveis como acidente de trabalho e, por consequência, aumentar o caráter protetivo da legislação. A aceitação das concausas parte do pressuposto de que a causa traumática ou o fator patogênico não geram idênticas consequências na totalidade das pessoas, diante da possibilidade de reações distintas e diferentes fatores agressivos[60]. Assim, as concausas além de aumentar a proteção aos trabalhadores, por força da ampliação dos casos possíveis de caracterização de acidentes de trabalho, também propiciam uma melhor adaptação ao caso concreto, por atribuir as consequências específicas a múltiplos fatores agressivos à saúde do trabalhador.
Outra espécie de acidente de trabalho previsto na legislação brasileira são os acidentes in itinere, ou acidentes de trajeto. A inclusão ocorre pelos elevados índices de acidentes de trânsito que decorrem da atividade profissional, e não estão relacionadas com a condução de veículos por força de interesse puramente particular. Pela Lei nº 8.213/91, o acidente de trajeto inclui o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho, no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado[61].
Em princípio, o deslocamento do trabalhador para o local de trabalho, por meio próprio, não é de responsabilidade do empregador. A primeira noção de responsabilidade do empregador surge quando ele passa a fornecer a condução, atraindo para si o dever de indenizar eventuais danos pela responsabilidade pela culpa in eligendo[62]. A regra geral do tempo à disposição, caracterizado como tempo de serviço tanto aquele de efetivo trabalho como quanto aquele em que o trabalhador estiver à disposição do empregador, previsto no art. 4º da CLT (1943)[63], reforça a ideia de que o empregador só deveria indenizar por acidente de trajeto quando ele próprio fornecesse o meio de transporte. Após alguma evolução legislativa, o modelo atual parte dos pressupostos de que a indenização por acidentes de trajeto de que trata o art. 21, IV, d, da Lei nº 8.213/91, é de natureza previdenciária e está inspirada pela teoria do risco. Por esta razão menciona o trajeto de ida e vinda e qualquer meio de locomoção. Haverá de ter apenas o nexo de causalidade (nexo topográfico e nexo cronológico) e a comprovação do dano, para fins de gozo de benefício previdenciário. Dito de outro modo, a concepção ampla de acidentes de trajeto se aplica para fins de caracterização de acidente de trabalho e, por consequência, para a concessão de benefícios previdenciários. Para fins de indenização paga diretamente pelo empregador, exige-se um nexo de causalidade qualificado ou, segundo outro entendimento, a ocorrência de culpa ou dolo do empregador (art. 7º, XXVIII, da CF/88 antes mencionado). Se não for desta maneira, todos os acidentes de trânsito ocorridos com transporte coletivo (ônibus, trens, metrôs, barcas, etc.) ensejariam a possibilidade de indenização acidentária (benefícios pagos pelo INSS) e também indenizações pelas pelos empregadores. Isso levaria a transferir a responsabilidade de todos os infortúnios de trânsito para os empregadores, o que levaria a um sério questionamento sobre o equilíbrio do sistema.
O conceito de acidente de trabalho ocorrido fora do local de trabalho ainda inclui acidentes ocorridos de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa[64]; na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito[65] e em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo, quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação de mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado[66]. Como se vê, o nexo de causalidade é bastante extenso com relação aos motivos dos deslocamentos do trabalhador em função de seu trabalho para a empresa. Somente não haveria acidente de trabalho se demonstrada a ausência do nexo de causalidade por desvio de rota (ausência de nexo topográfico) ou por desvio de finalidade (ausência de nexo cronológico). São casos de interrupções, desvios ou prolongamentos do itinerário realizados por iniciativa do empregado, sem nexo de causalidade com o seu trabalho.
Por último, duas hipóteses equiparadas a acidentes de trabalho: os fatos acidentais sem nexo de causalidade com o trabalho em si, mas ocorridos no local de trabalho e as doenças provenientes de contaminação acidental.
Os fatos acidentais sem nexo direto com o trabalho em si, mas ocorridos no local de trabalho estão enumerados[67] como: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, negligência ou imperícia de terceiro ou companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior. Todas essas hipóteses ocorrem por fatos alheios à vontade das partes da relação de emprego (empregado e empregador), mas o evento danoso ocorre dentro do local de trabalho ou fora dele, mas em função do trabalho. Uma vez verificado, ensejará reparação via benefício previdenciário e, se provada a inexistência de medidas protetivas, também poderá atrair a responsabilidade civil do empregador. Como se sabe, o caso fortuito e a força maior são fatores excludentes do nexo de causalidade na reparação civil, mas o enquadramento como tal dependerá da natureza da atividade de empregador e das circunstâncias do caso concreto. A legislação, por exemplo, inclui como acidente de trabalho por equiparação os danos causados ao trabalhador por ato de pessoa privada do uso da razão. Entretanto, uma coisa é este ato ocorrer em um local de trabalho como o comércio e outra é o fato ocorrer dentro de uma clínica de recuperação de dependentes químicos. No primeiro caso, uma agressão por pessoa privada do uso da razão será, na grande maioria das vezes, um caso fortuito, decorrente de uma causalidade. No segundo, a probabilidade do trabalhador estar em contato com pessoas com surtos de insanidade ou surtos de abstinência é muito maior, devendo ser tomadas providências específicas para evitar acidentes.
Esse mesmo raciocínio se aplica às doenças provenientes de contaminação acidental. Em princípio, própria definição traz o elemento fortuito ao descrever o fato como acidental, ou seja, independente de intenção humana. Sempre haverá a possibilidade de se discutir se, no caso concreto, houve negligência, imprudência ou imperícia, que são os elementos caracterizadores da culpa ou se na hipótese em questão pode se cogitar em risco da atividade, em face da alta probabilidade de contaminação acidental ou da noção de perigo extremado, em face do contato com vírus ou bactéria de altíssimo poder letal.
2) Outras normas trabalhistas e previdenciárias
Além das disposições sobre a caracterização dos acidentes de trabalho, podem ser destacadas algumas normas que disciplinam tratamentos jurídicos específicos para a ocorrência de infortúnios laborais.
A primeira norma a ser destacada é a estabilidade no emprego para o empregado vítima de acidente do trabalho e que entrou em gozo de benefício previdenciário[68]. A legislação prevê a garantia da manutenção do contrato de trabalho, pelo prazo mínimo de 12 (doze) meses após a cessação do auxílio doença acidentário, independentemente da percepção de auxílio acidente. Esta hipótese é uma exceção no sistema de leis laborais do Brasil, pois a estabilidade no emprego não é regra no sistema legal. A redação original da CLT previa a estabilidade decenal, assim entendida como aquela obtida a partir de serem completados 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa, não podendo o empregado ser despedido senão por motivo de falta grave ou força maior devidamente comprovados[69]. Para que houvesse o rompimento do vínculo era necessário o ajuizamento de uma ação especial, o inquérito de apuração de falta grave[70], com tramitação semelhante a uma ação comum e com maior número de testemunhas[71]. A partir da Lei nº 5.107/66, que instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o antigo sistema da estabilidade decenal passou a conviver com um sistema pelo qual o trabalhador tinha depositado pelo empregador em uma conta vinculada a seu nome, anualmente, a importância de 8% (oito por cento) de seu salário mensal e também sobre a gratificação de natal, incluídas todas as parcelas de natureza salarial (gratificações, prêmios, comissões, entre outros)[72]. Na hipótese da rescisão do contrato, além de levantar o valor depositado, atualizado monetariamente, tinha o trabalhador o direito de receber uma multa sobre o montante total inicialmente no valor de 10% (dez por cento) e, a partir da Constituição Federal de 1988[73], no valor de 40%. Em troca dessa indenização, não haveria estabilidade no emprego. Em tese, pelo texto formal da lei, de 1967 a 1988, os sistemas de estabilidade decenal e do FGTS conviveram de forma opcional, cabendo ao trabalhador fazer a escolha pois, ainda em tese acaso fosse despedido antes de 10 (dez) anos de serviço, não teria estabilidade e a indenização seria menor[74]. Na prática, porém, os empregadores “forçavam” a opção pelo sistema do FGTS, o que lhes facilitava a dispensa dos empregados.
A partir de 1988, com a Constituição Federal, entende-se que o antigo sistema de estabilidade decenal deixou de ser optativo, passando a existir apenas o sistema do FGTS, por força do disposto no art. 7º, III, combinado com o art. 10 do ADCT[75].
Assim, todo o sistema de garantia de emprego no Brasil se resumiu a um pequeno número de exceções legais como o dirigente sindical[76], o membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes[77], a gestante[78], e outras hipóteses excepcionais[79].
A garantia de emprego do empregado vítima de acidente do trabalho e que tenha percebido benefício previdenciário insere-se num contexto de garantias de emprego excepcionais, uma vez que a regra é a denúncia vazia do contrato. Entretanto, mesmo sendo exceção, não deixa de ser importante, pois visa a proteger o acidentado da discriminação do mercado de trabalho, em face do preconceito e da possível diminuição da capacidade laborativa. A garantia do emprego é cumulável com a percepção de benefício previdenciário de auxilio-acidente[80].
Em geral, entende-se pela leitura do art. 118 da Lei nº 8.213/91, que o trabalhador tinha de ter um afastamento do trabalho, por força do acidente, por mais de 15 (quinze) dias, pois este é o prazo mínimo para fazer jus ao benefício previdenciário. Afastamentos inferiores a 15 (quinze) dias (pequenas lesões, por exemplo) não geram benefícios previdenciários e o pagamento destes dias parados fica por conta do empregador. Esta circunstância pode levar o empregador a uma tentativa de fraude, negando-se a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para evitar a caracterização do acidente de trabalho e a respectiva incidência do art. 118 da Lei nº 8.213/91, com a respectiva garantia de emprego. Nesse caso, o empregado poderá requerer a emissão da CAT no seu respectivo sindicato ou em outros médicos credenciados pela Previdência, vindo a discutir em ação trabalhista própria a existência, ou não, do direito a estabilidade no emprego no período de 1 (um) ano determinado pela lei.
O empregado vítima de acidente do trabalho não precisa cumprir período de carência para ter direito ao benefício previdenciário, ou seja, ainda que tenha entrado a pouco tempo no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), não precisará de período mínimo de contribuição para perceber o benefício[81]. Também terá direito à aposentadoria por invalidez calculado pelo critério mais benéfico[82] e preferência no julgamento administrativo de seus recursos[83]. Por último, a contagem do tempo de serviço para aposentadoria será normal durante o período em que o segurado esteve percebendo benefício por acidente de trabalho, intercalado, ou não[84].
CONCLUSÃO
Uma vez feitas as abordagens da evolução e dos pressupostos normativos da proteção à saúde do trabalhador no Brasil, verificou-se que a preocupação com a saúde dos trabalhadores deixou de ser assunto exclusivamente privado, discutido apenas entre empresas e trabalhadores, para também ser uma questão de interesse coletivo. Abandonando a concepção liberal, observou-se que os estados, em especial o brasileiro, assumiram a função de garantidores do bem-estar social dos cidadãos, passando a tutelar o trabalho e a saúde dos trabalhadores de forma específica, através de legislações de cunho social voltadas para a reparação dos danos causados ao trabalhador e, mais tarde, para a proteção da saúde deste, com medidas de prevenção a acidentes, normas de segurança e higiene no trabalho, bem como do desenvolvimento de uma noção de meio ambiente de trabalho.
A proteção à saúde do trabalhador brasileiro vem sendo implementada de maneira gradativa pelo estado, através de uma farta legislação a respeito de medicina e segurança do trabalho. Contudo, ainda se está longe do estágio ideal de proteção, pois na realidade ainda se observam índices de acidente do trabalho bastante elevados. Importantes contribuições têm vindo dos tribunais e do meio acadêmico, no sentido de admitir a responsabilização do empregador com base na teoria objetiva da responsabilidade, ou até mesmo por meio da técnica processual de inversão do ônus da prova, segundo a qual caberia ao empregador provar que cumpriu seu dever contratual de preservação da integridade física do empregado, respeitando as normas de segurança e medicina do trabalho.
O direito à saúde representa uma consequência constitucional indissociável do direito à vida, não se constituindo uma proteção ao trabalhador em si mesmo, mas sim uma proteção ao cidadão. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade o Estado deve velar de maneira responsável, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, não só sua sobrevivência, mas também o acesso a uma vida digna.
O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A proteção à saúde e o direito ao meio ambiente equilibrado também vai ao encontro do princípio da dignidade da pessoa humana e da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano, justiça social e defesa do meio ambiente.
Sendo a saúde um direito humano, portanto, um valor fundamental no ordenamento jurídico, é preciso que este direito seja efetivado na sua forma mais ampla, no sentido de que os riscos de acidente sejam reduzidos ao menor patamar possível, para que os índices de acidentes sejam reduzidos drasticamente. Não se pode perder de vista que a reparação dos danos ao trabalhador e a punição das empresas é apenas um meio de se cumprir o comando da norma constitucional, mas não é o melhor. Neste caso, políticas públicas preventivas contra riscos no ambiente de trabalho seriam muito mais eficazes. Dito de outra maneira, não basta a criação de normas ou de teorias que visem reparar os danos causados ao trabalhador; o melhor é que tais danos não ocorram.
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[1] Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
[2] Segundo o sociólogo José Pastore, em artigo publicado no Jornal da Tarde no ano de 2001, os acidentes do trabalho estariam gerando para as empresas um custo de R$ 12,5 bilhões por ano. Pastore ainda avaliou que os acidentes do trabalho no Brasil estariam gerando uma despesa de R$ 20 bilhões por ano, se considerado os gastos dos próprios trabalhadores acidentados e de suas famílias e os custos gerados para o Estado.
[3] cf. SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 42. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 249. O autor refere que a legislação trabalhista primeiro disciplinou aspectos como remuneração e duração e jornada para, depois, dispor sobre higiene e segurança do trabalho.
[4] Foi Ramazzini, médico italiano do início do séc. XVIII, quem primeiro relata a presença de lesão osteo-musculares em tipógrafos e escriturários. Faz a conexão causal destas doenças com as longas jornadas e a permanência em determinada posição. Mais adiante, F. Engels vai registrar mais críticas às condições de saúde dos trabalhadores. Sobre a evolução histórica, ver SUSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, pp. 45/54 e BRANDÃO, Cláudio. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 2. ed. São Paulo: LTr, pp. 43/45.
[5] A primeira legislação específica a respeito de acidentes do trabalho aparece na Alemanha, em 1884. cf. SAAD, Teresinha Lorena P. Responsabilidade Civil da empresa nos acidentes do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 35. A autora narra a expansão por outros países europeus como Noruega, Áustria, Inglaterra, França, entre outros.
[6] A citação é feita em OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenização por acidentes do trabalho ou doença ocupacional. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008, pp. 33/34.
Código Comercial de 1850:
“Art. 79 – Os acidentes imprevistos e inculpados, que impedirem aos prepostos o exercício de suas funções, não interromperão o vencimento do seu salário, contanto que a inabilitação não exceda a 3 (três) meses contínuos”.
“Art. 80 – Se no serviço do preponente acontecer aos prepostos algum dano extraordinário, o preponente será obrigado a indenizá-lo, a juízo de arbitradores”.
[7] cf. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de, ob. cit., p. 34 e BRANDÃO, Cláudio, ob. cit., p. 119.
[8] Idem, p. 34 e idem, p. 119.
[9] cf. BRANDÃO, Cláudio. ob. cit., p. 119. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de, ob. cit., p.35.
[10] Idem, p. 120.
[11] A autonomia das CIPA’s estava limitada à investigação das causas dos acidentes e investigação de fatores de risco no local de trabalho. Nesse sentido, ver BRANDÃO, Cláudio. ob. cit, pp. 120/121.
[12] Idem, p. 121.
[13] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 229. “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=229.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 20 fev. 2010.
[14] NR’s ou Normas Regulamentadoras são regulamentos técnicos do Poder executivo, de hierarquia infralegal, cuja competência decorre do art. 200 da CLT.
[15] Ver BRANDÃO, Cláudio. ob. cit., p. 122/123.
[16] Idem, p. 123.
[17] A responsabilidade civil subjetiva do empregador tem como fundamento o art. 7º, XXVIII, da CF/88, cujo texto é o seguinte:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”. Entretanto, como será visto mais adiante, uma parte da doutrina e da jurisprudência começa a defender, também nesse caso, a responsabilidade objetiva, com base na redação do art. 7º, XXI, da CF. Existe uma lenta evolução conceitual que parte do conceito de culpa, para culpa presumida até chegar ao conceito de risco criado. Sobre a evolução jurisprudencial ver OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de, ob. cit., pp. 74/78.
[18] O texto legal é o seguinte:
“Art . 200 – Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:
I – medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos;
II – depósitos, armazenagem e manuseio de combustíveis, inflamáveis e explosivos, bem como trânsito e permanência nas áreas respectivas;
III – trabalho em escavações, túneis, galerias, minas e pedreiras, sobretudo quanto à prevenção de explosões, incêndios, desmoronamentos e soterramentos, eliminação de poeiras, gases, etc. e facilidades de rápida saída dos empregados;
IV – proteção contra incêndio em geral e as medidas preventivas adequadas, com exigências ao especial revestimento de portas e paredes, construção de paredes contra-fogo, diques e outros anteparos, assim como garantia geral de fácil circulação, corredores de acesso e saídas amplas e protegidas, com suficiente sinalização;
V – proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no trabalho a céu aberto, com provisão, quanto a este, de água potável, alojamento profilaxia de endemias
VI – proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas, radiações ionizantes e não ionizantes, ruídos, vibrações e trepidações ou pressões anormais ao ambiente de trabalho, com especificação das medidas cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos limites máximos quanto ao tempo de exposição, à intensidade da ação ou de seus efeitos sobre o organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios, limites de idade controle permanente dos locais de trabalho e das demais exigências que se façam necessárias;
VII – higiene nos locais de trabalho, com discriminação das exigências, instalações sanitárias, com separação de sexos, chuveiros, lavatórios, vestiários e armários individuais, refeitórios ou condições de conforto por ocasião das refeições, fornecimento de água potável, condições de limpeza dos locais de trabalho e modo de sua execução, tratamento de resíduos industriais;
VIII – emprego das cores nos locais de trabalho, inclusive nas sinalizações de perigo.
Parágrafo único – Tratando-se de radiações ionizantes e explosivos, as normas a que se referem este artigo serão expedidas de acordo com as resoluções a respeito adotadas pelo órgão técnico”.
[19] Anuário Estatístico da Previdência Social: Suplemento Histórico (1988 à 2008)/Ministério da Previdência Social, Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social – V.5 (1988/2008) – Brasília : MPS/ DATAPREV, 2008. Disponível em:
http://www.previdenciasocial.gov.br/conteudoDinamico.php?id=423>. Acesso em: 27 fev. 2010.
Quantidade de acidentes do trabalho |
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Ano Total |
Ano Total |
1988 ……………………………….. 991.581 |
1995 ……………………………….. 424.137 |
1989 ……………………………….. 888.443 |
1996 ……………………………….. 395.455 |
1990 ……………………………….. 693.572 |
1997 ……………………………….. 421.343 |
1991 ……………………………….. 632.322 |
1998 ……………………………….. 414.341 |
1992 ……………………………….. 532.514 |
1999 ……………………………….. 387.820 |
1993 ……………………………….. 412.293 |
2000 ……………………………….. 363.868 |
1994 ……………………………….. 388.304 |
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FONTE: Boletim Estatístico de Acidentes do Trabalho – BEAT, INSS, Divisão de Planejamento e Estudos Estratégicos, DATAPREV, CAT,SUB.
NOTA: Os dados são parciais, estando sujeitos a correções.
[20] O texto Constitucional é o seguinte:
“Art. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição:”
[21] O texto Constitucional é o seguinte:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)”.
[22] O texto Constitucional é o seguinte:
“Art. 7º. XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;”
[23] O texto Constitucional é o seguinte:
“Art. 7º. XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
[24] Sobre o conceito de direito fundamental, ver SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pp. 27/35.
[25] É conhecida a discussão sobre o fundamento último dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, que revelam certa inclinação jusnaturalista. De outro lado, para certas correntes positivistas, apenas seriam aceitos aqueles direitos positivados.
[26] cf. Art. 5, §2º e §3º da Cf/88. O texto é o seguinte:
Art. 5º.
§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
[27] Convenções: 102, 113, 115, 119, 120, 124, 127, 134, 136, 139, 148, 152, 155, 159, 161, 163 e 182.
[28] Nesse sentido ver SUSSEKIND, Arnaldo, apud BRANDÃO, Cláudio. ob. cit., p. 108.
[29] Recurso de Revista. Indenização por danos provenientes de infortúnios do trabalho. Responsabilidade subjetiva do empregador de que trata o artigo 7º, inciso XXVII da Constituição em detrimento da responsabilidade objetiva consagrada no § único do artigo 927 do Código Civil de 2002. Supremacia da norma constitucional. Inaplicabilidade da regra de direito intertemporal do § 1º do artigo 2º da LICC. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR nº 1832.2006.026.12.00-4. Data de Julgamento: 15.10.08, Relator Ministro Antonio José de Barros Levenhagen, 4ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 24.10.08). Disponível em: <http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-brs?s1= (4547082.nia.)&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1>. Acesso em: 12 mar. 2010.
Recurso de Revista. Indenização por danos morais – Inexistência de culpa ou dolo da reclamada – Responsabilidade objetiva – Impossibilidade. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR nº 00995.2007.120.08.40-7. Data de julgamento: 27.05.09. Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho, 7ª Turma, Data de divulgação: DEJT 29.05.09). Disponível em: <http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-brs?s1=(4788527.nia.)&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d= blnk&f=g&r=1>. Acesso em: 10 mar. 2010.
[30] Recurso de Revista – Dano moral. Acidente de trabalho. Responsabilidade objetiva do empregador. Art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Conceito de atividade habitualmente desenvolvida. Direito do consumidor. Direito do trabalho. Princípio constitucional solidarista – Incidência. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR nº 00946.2006.025.12.00-0. Data do Julgamento: 17.12.2008, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 20.02.09). Disponível em: <http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-brs? s1=(4638217.nia.)&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1>. Acesso em: 10 mar. 2010.
Recurso Especial. Direito civil. Acidente do trabalho. Indenização. Responsabilidade civil do empregador. Natureza. Preservação da integridade física do empregado. Presunção relativa de culpa do empregador. Inversão do ônus da prova. Cabe ao empregador provar que cumpriu seu dever contratual de preservação da integridade física do empregado, respeitando as normas de segurança e medicina do trabalho. Em outras palavras, fica estabelecida a presunção relativa de culpa do empregador. Recurso especial provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1067738/GO, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 26/05/2009, DJe 25/06/2009). Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=responsabilidade+objetiva+acidente+&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=9#>. Acesso em 10 mar. 2010.
[31] O texto legal é o seguinte:
Art. 201.
§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo Regime Geral de Previdência Social e pelo setor privado.
[32] A norma citada é o art. 113. do Código Civil, que dispõe que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
[33] O texto legal é o seguinte:
“Art. 1.228.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
[34] O texto legal é o seguinte:
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
[35] O art. 11 do Código Civil de 2002 dispõe:
“Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
[36] Ver, nesse sentido, o art. 11 e o art. 21 do CC/2002:
“Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”
[37] Ver art. 20 do CC/2002:
“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.”
[38] Recurso de Revista da AES SUL Distribuidora Gaúcha de Energia S.A. Indenização por danos moral e estético – cumulação e valor. I – Evidenciado pelo Regional que a indenização por dano moral tivera por objetivo compensar a dor sofrida pela vítima, ao passo que a indenização por dano estético decorrera da lesão que alterara o seu aspecto físico, não há falar em identidade de fundamento, a partir da qual a recorrente invocara a ofensa ao art. 884 do CC. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR – 103200.55.2005.5.04.0731, Relator Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 24/02/2010, 4ª Turma, Data de Publicação: 05/03/2010). Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do? action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR-103200-55.2005. 5.04.0731&base=acordao&rowid=AAAdFEACOAAABMNAAD&dataPublicacao=05/03/2010&query=dano estetico e acidente>. Acesso em: 12 mar. 2010.
[39] O texto legal são os seguintes:
Art. 113. “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
Art. 422. “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
[40] O texto legal é o seguinte:
“Art. 157 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Cabe às empresas:
I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente”.
[41] O texto legal é o seguinte:
“Art. 158 da CLT – Cabe aos empregados:
I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior;
Il – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.
Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:
a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;
b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa”.
[42] A Súmula nº 289 do TST dispõe: “O simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade, cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, dentre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado”.
[43] O Código Civil dispõe sobre o silêncio como manifestação de vontade da seguinte forma:
“Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.
[44] O texto legal é o seguinte:
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
[45] O texto legal é o seguinte:
“Art. 1.228.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
[46] Os incisos XXII e XXII do art. 5º da Constituição têm o seguinte texto:
“XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social”;
[47] O art. 188 do Código Civil assim dispõe:
“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente”.
O Decreto-lei nº 3.365/1941 dispõe sobre os casos de desapropriação por utilidade pública, englobando aí os casos de necessidade pública (art. 5º), e a Lei nº 4.132/1962 define os casos de desapropriação por interesse social.
[48] O texto legal é o seguinte:
“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano”.
[49] O texto legal é o seguinte:
“Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.
[50] O texto legal é o seguinte:
“Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez”.
[51] O texto legal é o seguinte:
“Art. 475-Q do CPC. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão”.
[52] O texto legal é o seguinte:
“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.
[53] Sobre a questão do risco e suas especificidades ver BRANDÃO, Cláudio, ob. cit., pp. 247/262.
[54] O texto legal é o seguinte:
“Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I”.
[55] Nesse sentido, o art. 21-A da Lei nº 8.213/91, cujo texto legal é o seguinte:
“Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças-CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento”.
A inclusão das doenças do trabalho (mesopatias) também em lista de nexo de causalidade presumido não é impossível, porquanto se trata de uma questão estatística. O exemplo mais evidente são as LER/DORT em trabalhos repetitivos, que, por sua alta incidência, perfeitamente poderiam ser enquadradas como presunção, ao menos relativa, invertendo-se o ônus da prova. Trata-se de uma opção valorativa legislador. Aliás, o texto legal permite tal interpretação ao incluir, no art. 20, § 2º, da Lei nº 8.213/91, a possibilidade de que tanto doenças profissionais (idiopatias – inciso I) quanto doenças do trabalho (mesopatias – inciso II) possam ter interpretação extensiva e sejam caracterizadas como doenças ocupacionais, mesmo quando não constem da relação elaborada pelo Ministério da Previdência.
[56] Nesse sentido dispõe o §1º do art. 20 da Lei nº 8.213/91, cujo texto legal é o seguinte:
“Art. 20.
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”.
[57] Nesse sentido, ver BRANDIMILER, Primo, apud OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de, ob. cit., p. 50.
[58] Outros exemplos podem ser encontrados em BRANDÃO, Cláudio, ob. cit, pp. 195/196.
[59] O texto legal é o seguinte:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação”.
[60] cf. NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do apud BRANDÃO, Cláudio, ob. cit., p. 198.
[61] O texto legal é o seguinte:
“Lei nº 8.213/91. Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
(…)
IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
(…)
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”.
[62] Nesse sentido, o art. 2º do Decreto nº 24.637/34.
[63] O texto legal é o seguinte:
“Art. 4º – Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”.
[64] Art. 21, IV, a, da Lei nº 8.213/91
[65] Art. 21, IV, b, da Lei nº 8.213/91
[66] Art. 21, IV, c, da Lei nº 8.213/91
[67] O texto legal é o seguinte:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior”;
[68] A previsão legal está no art. 118 da Lei nº 8.213/91 e o texto legal é o seguinte:
“Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.”
[69] O texto legal é o seguinte:
Art. 492 da CLT- “O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.
Parágrafo único – Considera-se como de serviço todo o tempo em que o empregado esteja à disposição do empregador”.
[70] O processamento do inquérito de apuração de falta grave está disciplinado nos artigos 853 a 855 da CLT. O texto legal são os seguintes:
“Art. 853 – Para a instauração do inquérito para apuração de falta grave contra empregado garantido com estabilidade, o empregador apresentará reclamação por escrito à Junta ou Juízo de Direito, dentro de 30 (trinta) dias, contados da data da suspensão do empregado.
Art. 854 – O processo do inquérito perante a Junta ou Juízo obedecerá às normas estabelecidas no presente Capítulo, observadas as disposições desta Seção.
Art. 855 – Se tiver havido prévio reconhecimento da estabilidade do empregado, o julgamento do inquérito pela Junta ou Juízo não prejudicará a execução para pagamento dos salários devidos ao empregado, até a data da instauração do mesmo inquérito”.
[71] Nos dissídios individuais o número de testemunhas é de 3 (três) por parte, enquanto que no inquérito é de 6 (seis), conforme o art. 821 da CLT. O texto legal é o seguinte: “Art. 821 – Cada uma das partes não poderá indicar mais de 3 (três) testemunhas, salvo quando se tratar de inquérito, caso em que esse número poderá ser elevado a 6 (seis)”.
[72] Atualmente, a Lei nº 8.036/90 disciplina o FGTS e a previsão legal do depósito em conta vinculada está no art. 15, cujo texto legal é o seguinte:
“Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965”.
[73] O art. 10 do ADCT dispõe:
“Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, “caput” e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966”.
No mesmo sentido, a atual redação do art. 18 da Lei nº 8.036/90:
“Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais.
§ 1º Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros”.
[74] Nesse caso, seria devida na forma do art. 478 da CLT, cujo texto legal é o seguinte:
“Art. 478 – A indenização devida pela rescisão de contrato por prazo indeterminado será de 1 (um) mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a 6 (seis) meses”.
[75] Os textos legais são os seguintes:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
III – fundo de garantia do tempo de serviço;”
“Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato;
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”.
[76] Nesse sentido, ver o art. 543, § 3º, da CLT, cujo texto legal é o seguinte:
“Art. 543.
§ 3º – Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação”.
[77] Art. 10, II, a, do ADCT da CF/88.
[78] Art. 10, II, b, do ADCT da CF/88.
[79] Os exemplos mencionados são de ROCHA, Daniel Machado e BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de benefícios da Previdência Social. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 113.
[80] Cf. Súmula nº 378 do TST:
“Estabilidade Provisória – Acidente do Trabalho – Constitucionalidade – Pressupostos.
I – É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado”.
[81] Os textos legais são os seguintes:
“Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”.
“Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
II – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado”.
[82] O texto legal é o seguinte:
“Art. 44. A aposentadoria por invalidez, inclusive a decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei”.
[83] O texto legal é o seguinte:
“Art. 129. Os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:
I – na esfera administrativa, pelos órgãos da Previdência Social, segundo as regras e prazos aplicáveis às demais prestações, com prioridade para conclusão”.
[84] Art. 60, inciso IX, do Decreto nº 3.048/99, cujo texto legal é o seguinte:
“Art. 60. Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros:
IX – o período em que o segurado esteve recebendo benefício por incapacidade por acidente do trabalho, intercalado ou não”;
OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DO TRABALHADOR AUTÔNOMO
Leandro Krebs Gonçalves
Juiz do Trabalho na 4ª Região – RS
SUMÁRIO: Introdução; I. A Regulamentação do Trabalho Autônomo; II. O Futuro do Direito do Trabalho; Referências.
INTRODUÇÃO
Quando a Constituição Federal de 1988 define como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana[1] e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, revela-se claro o papel do Estado: mediante prestações positivas, assegurar direitos mínimos aos trabalhadores em geral e, por via de consequência, melhores condições de vida. Na perspectiva dos direitos sociais, o trabalho é expressão indelével do homem e de sua participação na vida em sociedade, em que o sucesso do todo depende da colaboração de cada um dos seus membros. Circunscrito ao aspecto examinado, valem os ensinamentos de José Afonso da Silva:
Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.[2]
O Direito do Trabalho surge para impedir a predominância do capital e de padrões de melhor rentabilidade das empresas sobre o elemento humano. A humanização do capitalismo por preceitos de solidariedade faz emergir tutela jurídica ao hipossuficiente da relação de trabalho, para garantia de uma subsistência digna. Sobre o assunto, comenta Jorge Luiz Souto Maior:
(…) O Direito do Trabalho procura impor ao sistema capitalista um retorno de cunho social, transformando a solidariedade em um valor jurídico. Ao mesmo tempo em que organiza o sistema de produção capitalista, viabilizando-o, o Direito do Trabalho busca humanizar o sistema, estabelecendo as bases de uma almejada justiça social. O Direito do Trabalho, também, em certa medida, limita a própria vontade do trabalhador, coibindo-lhe a venda da força de trabalho em quaisquer padrões socioeconômicos. Por isto o Direito do Trabalho é um direito social e sua inserção na realidade é uma questão de ordem pública.[3]
Ocorre que o art. 7º da Constituição Federal define rol de direitos mínimos dos trabalhadores urbanos e rurais, sem qualquer distinção. Quanto ao alcance da palavra trabalhador, esclarece Homero Batista Mateus da Silva:
No campo jurídico, trabalhador se tornou um conjunto maior, em que cabem todas as espécies de atividade humana – trabalho autônomo, ocasional, voluntário, impessoal – dentre as quais se inclui o trabalho prestado sob a forma de uma relação de emprego, ou seja, o trabalho subordinado e habitual. Nem todo o trabalhador é empregado, mas todo empregado certamente é um trabalhador.[4]
Nesse encadeamento, permite-se afirmar que sua abrangência atingiria não só os empregados subordinados, ainda que isso possa parecer redundância, como também os autônomos. Ademais, até mesmo diante dos avanços da consciência mundial de civilidade, não se admitiria sustentar que os subordinados gozariam de dignidade distinta dos autônomos, a justificar uma tutela diferente. Acerca dos elementos necessários a um eficaz Plano Nacional de Fomento ao Emprego, comenta Enoque Ribeiro dos Santos:
(…) Modernização dos institutos do Direito do Trabalho, consubstanciados na CLT e nas leis esparsas, compatibilizando-se com os princípios e valores estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Aqui não há espaço para retirar direitos fundamentais dos trabalhadores, em face dos Princípios do Não Retrocesso Social e do ‘patamar mínimo de civilidade’, ou ‘mínimo existencial’, já que os baixos salários pagos no Brasil procuram compensar o custo dos encargos sociais.[5]
O presente estudo objetiva provocar a discussão sobre a abrangência do texto constitucional. Enquanto em outros países se debate a existência da parassubordinação, estaria nosso ordenamento à frente de ditas discussões, definindo direitos genéricos a todos os trabalhadores? Ou deve-se interpretar o texto constitucional, além de sua literalidade, mas como espécie de norma programática, em que os direitos dos trabalhadores autônomos continuariam dependendo de uma regulamentação específica? Esse é o objeto de nossa reflexão.
I. A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO AUTÔNOMO
Nas últimas décadas, a legislação extravagante tornou-se mais extensa do que a própria CLT, na tentativa de atualizar, modernizar e adequar aos avanços tecnológicos e às novas dinâmicas trabalhistas que surgiram no mercado. Além disso, a proteção constitucional do trabalho humano tem sido alvo de questionamento pelos operadores do Direito, para definição e solução das controvérsias daí decorrentes. Os dispositivos previstos na Constituição Federal são, por sua vez, apontados como justificadores de direitos discutidos na doutrina e como fundamento de pretensões veiculadas na Justiça do Trabalho, em especial, após as alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que determinou a ampliação da competência material desta Justiça Especializada e consequente rediscussão dos paradigmas até então adotados, inclusive sobre o direito aplicável a cada espécie de trabalhador.
Deparamo-nos com interpretações divergentes sobre eventual regulamentação do labor autônomo, caracterizado pela sua prestação por conta própria e com a assunção dos riscos pelo trabalhador. Em ordenamento jurídico baseado na norma positivada, a CLT não exaure a regulação de todas as espécies de relação de trabalho, buscando-se, para tanto, o amparo da Lei Maior. Muitas vezes, são invocados normas e princípios constitucionais que parecem antagônicos. Todavia, nessa contraposição de bens jurídicos e valores, deve ser ponderada a aplicação aos casos concretos, com base em preceitos maiores de justiça, e porque não dizer, de justiça social, que orienta a ordem econômica para o bem comum.
Considerando debates em curso e tendência mundial de se dar maior efetividade aos direitos sociais como um todo, inclusive ao trabalho, justifica-se a necessidade de proteger gama maior de trabalhadores, diante de novos parâmetros jurídicos, sem que isso implique desregulamentação do Direito do Trabalho originário. A relação de emprego típica (isto é, subordinada, não-eventual, pessoal e onerosa) continua existindo, o que não impediu o desenvolvimento de outras formas de realização de serviços. Assim, a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho passam a determinar a atuação estatal, em prestações positivas, implementando direitos dos trabalhadores, sejam eles subordinados ou autônomos. Sobre o assunto, comenta José Felipe Ledur:
De seu característico valor moral, alheio à regulação pelo Direito, na ordem política, a dignidade da pessoa humana passou, pois, a norma jurídico-positiva, obrigando o Estado a preservá-la e a protegê-la. Além de tratar-se de um direito inviolável e inalienável, o respeito à dignidade humana converteu-se em princípio supremo a presidir a ação estatal. E não se trata tão-só da proteção contra a ação do Estado, como se poderia supor partindo-se da concepção liberal. Ao Estado passaram a incumbir, igualmente, deveres positivos voltados para a proteção da dignidade. O respeito e a proteção constituem uma diretriz que vincula toda a atividade do Estado, seja no sentido de lhe estar vedada a invasão da pessoa, seja no de promoção de medidas que asseguram a esta a possibilidade de viver com dignidade.[6]
Destacam-se, também, os ensinamentos de Ari Possidonio Beltran:
A nova sociedade eleva, pois, ao primeiro plano do ordenamento jurídico-político e em nova dimensão, o valor da pessoa humana – da criança, do adolescente e do jovem trabalhador ao idoso –, desde seus direitos da subjetividade aos interesses mais elevados dessa mesma sociedade. O direito ao trabalho não constitui simples direito social, mas insere-se entre os direitos e garantias fundamentais. O presente momento histórico evidencia que o novo Direito do Trabalho está intimamente vinculado aos Direitos do Homem. A experiência jurídica é marcada, assim, por nova compreensão e pela visão do direito em termos axiológicos, como nunca antes visto.[7]
A análise dos objetivos buscados pela Constituição Federal de 1988 pode-nos levar a melhor compreensão do porque termos, hoje, uma Justiça do Trabalho em sentido mais amplo e sua repercussão na esfera dos trabalhadores em geral. O Direito do Trabalho, por sua vez, é revitalizado frente às novas discussões, para limitar a exploração do trabalho humano e preservar a dignidade do trabalhador, com a elevação de sua condição econômica e social. Cabe destacar a importância do trabalho e do Direito do Trabalho dentro do capitalismo, inclusive para manter o sistema assentado no lucro e na propriedade privada.[8] Em sociedade nitidamente de consumo, é indispensável a circulação de riquezas entre os indivíduos e inquestionável a importância dos trabalhadores na movimentação desse mercado.
Desde o início do processo industrial, novos parâmetros de relações de trabalho surgiram, ficando à margem de regulação legal, o que acabou evidenciando as limitações do Direito do Trabalho, já que o contrato de emprego não conseguiu abranger, nem se compatibilizar, com todas essas formas de pactuação dos indivíduos dentro da sociedade. Especialmente a partir da década de 1970, quando do surgimento entre os doutrinadores italianos da terminologia direito do trabalho de emergência, registra-se uma transição do pleno emprego para os contratos de baixa garantia, que culminou, ao menos em um primeiro momento, na precarização do trabalho.
Após o processo de humanização do capitalismo e do Estado Liberal, que vai além dos direitos fundamentais do Homem de primeira geração, consistentes nas máximas de liberdade, igualdade e fraternidade (Constituição Federal, art. 5º), chega-se à concepção de Estado Social de Direito, no qual a interferência estatal na economia se dá em função de princípios indeclináveis de Justiça. Mais uma vez, sobre o tema, esclarece Ari Possidonio Beltran:
(…) Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, são direitos de resistência ou de oposição frente ao Estado. Os direitos da segunda geração são os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo do Estado Social, ‘nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar’.[9]
O Direito, como agente regulador das relações humanas, tendo a coerção como um de seus elementos essenciais, atua, pois, como instrumento a influir na sociedade, visando preservar valores primordiais à construção de uma comunidade justa e atenuar distorções do sistema, além de diferenças inerentes aos indivíduos e às classes. Não basta, portanto, a isonomia formal. São imprescindíveis instrumentos que possibilitem mesmo nível substancial de acesso aos bens da vida. A igualização das desigualdades, por sua vez, dá-se pela outorga dos direitos sociais, ou seja, prestações estatais mínimas que proporcionam uma existência digna ao ser humano. Cabe aqui mencionar o pensamento de José Eduardo de Faria:
Se os direitos humanos foram originariamente constituídos como forma de proteção contra o risco de abusos e arbítrios praticados pelo Estado, os direitos sociais surgiram juridicamente como prerrogativas dos segmentos mais desfavoráveis – sob a forma normativa de obrigações do Executivo, entre outros motivos porque, para que possam ser materialmente eficazes, tais direitos implicam uma intervenção ativa e continuada por parte dos poderes públicos. (…) Ao contrário da maioria dos direitos individuais tradicionais, cuja proteção exige apenas que o Estado jamais permita sua violação, os direitos sociais não podem simplesmente ser ‘atribuídos’ aos cidadãos; cada vez mais elevados à condição de direitos constitucionais, os direitos sociais requerem do Estado um amplo rol de políticas públicas dirigidas a segmentos específicos da sociedade – políticas essas que têm por objetivo fundamentar esses direitos a atender às expectativas por eles geradas com sua positivação.[10]
Da contextualização histórica, chega-se às relações de trabalho. A discussão do assunto voltou com vigoroso impulso, depois de alterada a redação do art. 114 da Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que demarca as relações de trabalho como gênero, em que as relações de emprego constituem apenas uma de suas espécies. Considerando a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho no Brasil, atrelada ao seu suposto fortalecimento dentro do Poder Judiciário, o que não é pacífico, inicia-se um novo período de debates sobre as relações de trabalho, as suas espécies e a regulação que deve incidir sobre elas, a observância dos princípios que as norteiam e a solução das suas controvérsias pela Justiça competente, em atenção a preceitos constitucionais vigentes. Comentando essas alterações, elucida Manoel Antônio Teixeira Filho:
A propósito da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, duas correntes de opinião, algo antagônicas, se formaram: a) para uma delas, esse fato veio a descaracterizar a Justiça do Trabalho, pois esta, historicamente, foi instituída para solucionar conflitos de interesses ocorrentes entre empregados ou empregadores, ou seja, entre pessoas vinculadas por um contrato de trabalho; b) para outra, o mesmo fato veio valorizar a Justiça do Trabalho, que, agora sim, alcançou a plenitude de sua especialização, pois passará a julgar lides decorrentes das relações de trabalho, em sentido amplo.[11]
Além de aumentar a competência da Justiça do Trabalho no Brasil, dita mudança veio a reunir, em um mesmo segmento do Poder Judiciário, a solução de demandas envolvendo trabalhadores subordinados e autônomos. Considerando tal distinção, ensina Maurício Godinho Delgado:
A diferenciação central entre as figuras situa-se, porém, repita-se, na ‘subordinação’. Fundamentalmente, trabalho autônomo é aquele que se realiza sem subordinação do trabalhador ao tomador de serviços. Autonomia é conceito antitético ao de subordinação. Enquanto esta traduz a circunstância juridicamente assentada de que o trabalhador acolhe a direção empresarial no tocante ao modo de concretização cotidiana dos seus serviços, a ‘autonomia traduz a noção de que o próprio prestador é que estabelece e concretiza, cotidianamente, a forma de realização dos serviços que pactuou prestar’. Na subordinação, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços transfere-se ao tomador; ‘na autonomia, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços preserva-se com o prestador de trabalho’.[12]
Ocorre que, quando se fala na proteção constitucional do trabalho, deve-se buscar o seu maior alcance dentro da sociedade, com vistas à redução do trabalho informal. Para tanto, faz-se necessário definir em que consiste esse contrato mínimo legal, não só para os empregados, mas também para os autônomos e parassubordinados, até porque em todos os casos citados existe certo grau de submetimento de uma parte (trabalhadora) em relação à outra (tomadora dos serviços)[13]. Quanto ao conceito de parassubordinação, esclarece Otávio Pinto e Silva:
A noção de parassubordinação foi desenvolvida pela doutrina italiana, tendo em vista uma série de relações jurídicas heterogêneas que têm por objeto a prestação de trabalho. São relações de trabalho de natureza contínua, nas quais os trabalhadores desenvolvem atividades que se enquadram nas necessidades organizacionais dos tomadores de seus serviços, tudo conforme estipulado no contrato, visando colaborar para os fins do empreendimento.[14]
Sobre essa tutela jurídica mínima, comenta Sérgio Pinto Martins:
Os princípios de Direito do Trabalho são fundamentais para preservar os direitos do trabalhador. A dúvida, que não resta esclarecida, é saber quais os direitos que o trabalhador deveria ter garantidos, inclusive quais seriam os seus direitos mínimos, que já poderiam ser os previstos nos arts. 7º a 11 da Constituição e na CLT. (…) O Estado deve abster-se de ferir direitos individuais contidos no art. 5º da Constituição, tratando-se de obrigação de fazer, enquanto as normas de direitos sociais contidos no art. 7º são destinados ao empregador, que não poderá desrespeitar tais direitos mínimos.[15]
O trabalho autônomo carece de maior atenção no ordenamento jurídico, especialmente no que diz respeito aos direitos porventura estendidos a tais trabalhadores. Analisando os seus elementos definidores, compõe-se a sua conceituação, que difere de simples válvula de escape da incidência das leis e do custo do contrato de emprego. Seguindo ensinamentos de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena[16], fundamenta-se na liberdade de execução do próprio trabalho e de sua organização, na liberdade de disposição do resultado do trabalho e na autonomia do prestador de obra em duplo sentido (manifestação da capacidade profissional ou artística individual, além da assunção dos riscos do trabalho desenvolvido). De acordo com o exposto, comenta Amauri Mascaro Nascimento:
O que se vê é uma crescente massa de pessoas de diversas qualificações profissionais fora da profissão para a qual receberam um diploma e que não conseguiram emprego. Recorrem, nesse caso, a uma atividade por conta própria. Procuram meios de subsistências além dos empregos assalariados. (…) A razão de ser dessa atenção para o mesmo voltada situa-se na precarização desse trabalho, que passou a ser em diversos casos praticados em piores condições que as dos empregos e a ser utilizado como uma válvula de escape para escapar das exigências legais e do custo do trabalho subordinado.[17]
Com a consequente distinção do trabalho subordinado, revela-se a zona gris, que consiste, conforme definição doutrinária, na parassubordinação. Atualmente, vem sendo visualizada naquele trabalhador que desenvolve seu ofício, de modo regular e continuado, preferencialmente em favor de determinada empresa, o que acaba aproximando-o da figura do empregado. Entretanto, possui organização produtiva própria que o distingue dos demais empregados. Conforme recente Estatuto do Trabalho Autônomo Espanhol (Lei nº 20/2007), o enquadramento como autônomo dependente decorre do fato de que 75% de seus rendimentos se originam de um mesmo cliente.
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, as bases e valores da ordem econômica brasileira “inspiram o reconhecimento de direitos especiais ao trabalhador. Tais direitos são enumerados principalmente no art. 7º que fixa as bases do Direito do Trabalho”[18]. Portanto, não é de estranhar uma interpretação extensiva dessas garantias aos trabalhadores em geral. Não se está discutindo, ao menos por ora, a forma de implementar tais direitos, mas tão-somente a determinação constitucional a assegurar sua observância irrestrita. A propósito, é relevante lembrar a Tese nº 5 do 2º Pré-Conamat da 15ª Região, formulada pelo Juiz do Trabalho Genésio Vivanco Solano Sobrinho:
1) Ao assegurar a todos os trabalhadores urbanos e rurais direitos trabalhistas a CF/88 visou assegurar direitos aos não empregados.
2) Existe assim, atualmente um direito do trabalho subordinado a par de um direito do trabalho insubordinado (trabalho não subordinado) (como os de prestação de serviço autônomo, de empregados de lavor, de representação comercial, etc.)
3) Cabe, pois, uma modernização das normas jurídicas do trabalho para garantir a efetividade de tais direitos trabalhistas aos trabalhadores não empregados.
O assunto é extremamente polêmico. Em sentido contrário à formulação recém referida, respondendo questionamento sobre que trabalhadores desfrutariam desses direitos, Uadi Lammêgo Bulos é categórico ao afirmar que “são os trabalhadores subordinados, aqueles que nutrem vínculo empregatício, que prestam serviços por conta e sob a direção de pessoas físicas ou jurídicas, entidades públicas ou privadas”[19]. Seguindo a mesma linha de opinião, Alexandre de Moraes assevera que, “por ausência de um conceito constitucional de trabalhador, para determinação dos beneficiários dos direitos sociais constitucionais, devemos nos socorrer ao conceito infraconstitucional do termo, considerando para os efeitos constitucionais o trabalhador subordinado”[20]. Entretanto, pergunta-se: onde está expressa tal limitação? Essa interpretação restritiva não vai de encontro à concretização da igualdade social e à melhoria das condições de vida dos trabalhadores hipossuficientes?
Vale dizer que a Tese nº 5 não chegou a ser aprovada pelos Juízes do Trabalho da 15ª Região. Além disso, é inquestionável que prevalece, hoje, o entendimento de que o art. 7º da Constituição Federal possui aplicação limitada aos trabalhadores subordinados. Sob certo aspecto, nos dias de hoje, a discussão permanece, quando se fala em trabalhadores parassubordinados, nos direitos que lhe seriam porventura estendidos e no risco de fraude na incidência da norma trabalhista tutelar. Na verdade, o foco do debate deveria ser a almejada ampliação da tutela constitucional, ao invés de apontar os eleitos que seriam privilegiados com essa proteção. Acredita-se que a tendência é definir direitos mínimos a todos os trabalhadores, pouco importando se são autônomos ou subordinados, para que realmente se dê eficácia aos preceitos constitucionais em voga.
II. O FUTURO DO DIREITO DO TRABALHO
As organizações patronais são geralmente hostis à criação de um Estatuto do Trabalhador Independente, pois consistiria em mais um entrave à iniciativa econômica. Da mesma forma, as entidades sindicais encontram-se hesitantes, diante do risco de legitimar proteção inferior àquela despendida aos empregados subordinados, além do medo de que se multipliquem os falsos autônomos. Entretanto, eventuais casos de fraude à lei continuarão sendo analisados e passíveis de requalificação pela Justiça do Trabalho. Torna-se necessário, acima de tais riscos, dar vida a um novo Direito do Trabalho mais amplo, visto que não reconhecer essas formas atípicas de labor seria abandonar esses trabalhadores à própria sorte.
Os debates acerca das fronteiras do Direito do Trabalho passam pela problemática da metamorfose do poder econômico e de um realinhamento da noção de subordinação. A discussão das relações de trabalho subordinado ou autônomo não se resume à existência de uma categoria intermediária da parassubordinação, mas ao próprio futuro do Direito do Trabalho. É certo que o empregado típico foi afetado pelas novas formas de organização dos negócios, embora não tenha deixado de existir, o que justifica a permanência de preceitos já existentes quanto à proteção do trabalho humano subordinado.
Essas questões levam a crer que o Direito do Trabalho tende a se tornar um direito de todas as relações de trabalho, subordinadas e autônomas. Os direitos à seguridade social, sindical, de formação profissional e de negociação coletiva já estão sendo estendidos aos trabalhadores autônomos, em diversos ordenamentos jurídicos. A distinção desse terceiro gênero implica a própria reserva de parte de direitos fundamentais e de princípios gerais aplicáveis a todas as relações de trabalho, além do reconhecimento de outra parte de direitos especiais dirigidos apenas a determinadas espécies de trabalhadores.
Com relação aos dependentes econômicos, podemos visualizar três caminhos a serem seguidos: 1) extensão das disposições protetivas que beneficiam os empregados às novas formas de trabalho que implicam dependência econômica; 2) definição de uma terceira categoria intermediária entre empregados e autônomos, que se beneficiam de nível intermediário de regulamentação e proteção; 3) elaboração de uma série de direitos e proteções fundamentais comuns, que se aplicam a todos os trabalhadores, com ênfase à cobertura em matéria de seguro social, saúde e segurança.[21]
Paul-Henri Antonmattei e Jean-Christophe Sciberras, por sua vez, apontam as seguintes opções a serem seguidas pelo Direito do Trabalho Francês: 1) extensão do domínio dos assalariados (a exemplo da integração de categorias particulares de trabalhadores já existente na sétima parte do Código do Trabalho); 2) construção de um direito à atividade profissional (direitos fundamentais aplicáveis a todos os trabalhadores); 3) criação de uma categoria intermediária entre dependentes e autônomos (que não impede a emergência de um direito à atividade profissional).[22]
Por outro lado, segundo Alain Supiot[23], o direito fundamental do Homem ao trabalho deve provocar a criação de instrumentos jurídicos que viabilizem direitos aos trabalhadores autônomos. Discute-se quanto à elaboração de uma Carta do Trabalho, que seja capaz de definir parâmetros a todas as relações dessa espécie, fundamentada basicamente em quatro tipos de direitos: 1) seguridade social; 2) formação profissional permanente; 3) participação na definição do objeto do trabalho e das condições de execução; 4) estabilidade dos contratos profissionais (proteção contra resilições injustificadas). Paul-Henri Antonmattei e Jean-Christophe Sciberras, a seu turno, destacam a necessidade de regras protetivas relacionadas à formação profissional, remuneração, conclusão e ruptura do contrato, saúde e segurança do trabalhador, além de períodos mínimos de descanso.[24] Neste sentido, um Direito Comum do Trabalho irá assegurar o bom funcionamento do mercado de trabalho, atendendo a preceitos indeléveis de Justiça Social.
Vivemos um período de transição e de grandes debates, sendo que divisar o alcance dessa reforma passa pela profunda discussão de características, elementos e conceituação das relações de trabalho e de suas subespécies. Até mesmo o fundamento de existência da Justiça do Trabalho, como segmento especializado do Poder Judiciário, é novamente lembrado, para que não se desvie, nem se perca o caráter tutelar ao trabalhador hipossuficiente. A abrangência do trabalho autônomo e a falta de regulação legal obrigam-nos a aprender com a experiência estrangeira, inclusive no que tange às reformas trabalhistas adotadas até a definição do trabalho parassubordinado, como forma de melhor efetivar ditames de valorização social do trabalho e de dignidade da pessoa humana. Mauro Schiavi comenta sobre esse cenário:
Atualmente, tanto a doutrina como a jurisprudência se esforçam para definir o alcance do termo ‘relação de trabalho’. Entretanto, divergências de interpretação são próprias do Direito, e em especial do Direito do Trabalho que é uma ciência em constante mutação. Antes da EC n. 45/04 que dilatou a competência da Justiça do Trabalho, a definição não tinha muita razão de existir, porque a Justiça do Trabalho, praticamente, só se ocupava das controvérsias atinentes à relação de emprego. Grande parte da doutrina limitava-se a dizer que relação de trabalho é gênero, do qual relação de emprego é espécie. A própria doutrina muitas vezes utilizava as expressões relação de trabalho e relação de emprego para designar o trabalho prestado sob o prisma dos arts. 2º e 3º, ambos da CLT. A própria CLT utiliza indistintamente as expressões relação de emprego e contrato de trabalho (vide arts. 442, 443, 447 e 448). Também a Constituição Federal no art. 7º caput e inciso XXIX, utiliza as expressões trabalhadores e relação de trabalho, como sinônimas de empregado e relação de emprego, respectivamente.[25]
A Constituição Federal de 1988 defende a valorização do trabalho e a construção de sociedade justa e solidária. A partir desta abordagem e da reflexão inserida neste estudo, não se pode mais ignorar o contingente cada vez maior de trabalhadores desprovidos de tutela em nosso ordenamento jurídico. É certo que existe tendência das empresas transferirem o fator trabalho para áreas com menor custo, muitas vezes, aproximando-o da informalidade. Em contrapartida, a reforma da legislação trabalhista passa pela ampliação do seu raio de proteção, atingindo não somente os empregados, como também os autônomos. A transposição dos direitos já previstos no art. 7º da Constituição Federal aos autônomos ou a regulamentação de outros direitos que lhe sejam compatíveis pela natureza das suas atividades ainda será objeto de profícuos debates e de grandes divergências.
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VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de Emprego – Estrutura Legal e Supostos. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.
[1] Luís Roberto Barroso afirma que “o princípio da dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios que se pode considerar incorporado ao patrimônio jurídico da humanidade, sem prejuízo da persistência de violações cotidianas ao seu conteúdo. Dele se extrai o sentido mais nuclear dos direitos fundamentais, para tutela da liberdade, da igualdade e para promoção da justiça. No seu âmbito se inclui a proteção do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõem o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui, pelo menos: renda mínima, saúde básica e educação fundamental”. (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 253)
[2] Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 289-290.
[3] Curso de Direito do Trabalho – A Relação de Emprego. Volume II, São Paulo: LTr, 2008, p. 45.
[4] Curso de Direito do Trabalho Aplicado – Parte Geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 22-23.
[5] Revisitando um Plano Nacional de Ação Diante do Desemprego. In: Temas Controvertidos de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p. 89.
[6] A Realização do Direito do Trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 81-82.
[7] Direito do Trabalho e Direitos Fundamentais. São Paulo: LTr, 2002, p. 318.
[8] Jorge Luiz Souto Maior comenta: “A questão é que a relação de emprego se forma por uma razão de ordem pública, tomando em conta muito mais a realidade fática que a vontade expressa ou tácita das partes e o conteúdo normativo que sobre si incide também não leva em consideração os interesses individuais, mas sobretudo o interesse social, com finalidade não apenas de proteger o trabalhador contra a exploração desumana, mas para promover atos tendentes à melhoria constante da condição social e econômica do empregado, numa perspectiva da socialização dos bens de produção e distribuição da riqueza produzida na sociedade capitalista. O Direito do Trabalho nesse contexto exerce um papel socializante dos meios de produção e da riqueza proporcionada pelo modelo, representando a superação da luta ideológica pela realização dos objetivos buscados pelo socialismo dentro da própria lógica capitalista.” (op. cit. p. 36.)
[9] Op. cit. p. 197-198.
[10] Direitos Humanos, Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 105.
[11] Breves Comentários à Reforma do Poder Judiciário. São Paulo: LTr, 2005, p. 129.
[12] Curso de Direito do Trabalho. 4. ed., São Paulo: LTr, 2005, p. 334.
[13] A respeito do tema, ensina Homero Mateus Batista Silva: “(…) é importante notar que alguns
graus de submetimento de uma parte em relação a outra existem em todas as relações civis e comerciais, não se tratando de uma exclusividade do direito do trabalho. O que diferencia a subordinação jurídica trabalhista das demais formas de subordinação é exatamente sua dimensão, a que chamaremos de grau de subordinação. Propõe-se que, para definir a relação de emprego, seja utilizada a expressão subordinação em grau máximo ou em grau maior, aos passo que as formas de trabalho autônomo se mostram dotadas de subordinação em grau médio e algumas formas de contratos civis mais fugazes se revestem de subordinação em grau mínimo.” (op. cit. p. 29)
[14] Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 102.
[15] Os Princípios do Direito do Trabalho e os direitos fundamentais do trabalhador. In: Os Novos Paradigmas do Direito do Trabalho (homenagem a VALENTIM CARRION). São Paulo: Saraiva, 2001, p. 226-227.
[16] Relação de Emprego – Estrutura Legal e Supostos. 2. ed., São Paulo: LTr, 1999, p. 482-485.
[17] O Autônomo Dependente Econômico na Nova Lei da Espanha. In: Temas Controvertidos de Direito do Trabalho. p. 49.
[18] Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 362.
[19] Curso de Direito Constitucional. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 785.
[20] Direito Constitucional. 20. ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 180.
[21] PEDERSINI, Roberto. Travailleurs économiquement dépendants, droit du travail et relations industrielles. p. 26-27.
[22] ANTONMATTEI, Paul-Henri e SCIBERRAS, Jean-Christophe. Le travailleur économiquement dépendant: quelle protection? – Rapport à M. le Ministre du Travail, des Relations socials, de la Famille et de la Solidarité. Novembro, 2008, p. 22.
[23] Les nouveaux visages de la subordination. Droit Social. 2000.
[24] ANTONMATTEI, Paul-Henri e SCIBERRAS, Jean-Christophe. op. cit. p. 5.
[25] Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 77-78.
UM OLHAR SOBRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (PLS n. 166/2010) NA PERSPECTIVA DAS PRERROGATIVAS DA MAGISTRATURA NACIONAL (ESPECIALMENTE NA JUSTIÇA DO TRABALHO)
Guilherme Guimarães Feliciano
Professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté – SP
Membro da Comissão Nacional de Prerrogativas da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA)
Vice-Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (AMATRA XV)
Doutor em Direito Penal e Livre-Docente em Direito do Trabalho pela FDUSP
RESUMO: O presente artigo examina os termos do novo Código de Processo Civil, tal como encaminhado ao Congresso Nacional brasileiro (PLS nº 166/2010), na especial perspectiva das prerrogativas da Magistratura nacional. Conquanto reconheça a excelência global do projeto, notadamente no propósito de reformular o binômio processo/procedimento para engendrar uma técnica processual de feitio mais instrumental e dinâmico, aponta aspectos que reclamam reparos, seja pela inconstitucionalidade da norma proposta, seja pela sua inconveniência político-legislativa.
PALAVRAS-CHAVE: 1. Novo Código de Processo Civil. 2. PLS n. 166/2010. 3. Magistratura: prerrogativas. 4. Estatuto da Magistratura.
SUMÁRIO: I. O anteprojeto do novo Código de Processo Civil, à guisa de introdução. Aspectos positivos; II. Introdução crítica às razões de resistência. A questão da independência judicial; III. O anteprojeto de Código de Processo Civil: pontos críticos; Conclusões; Bibliografia.
I. O ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, À GUISA DE INTRODUÇÃO. ASPECTOS POSITIVOS
O anteprojeto do novo Código de Processo Civil, elaborado pela Comissão de Juristas instituída pelo Ato n. 379/2009 da Presidência do Senado Federal e convolado no Projeto de Lei do Senado n. 166/2010 (do Senador JOSÉ SARNEY)[1], nasce com o propósito primeiro de atender ao princípio do artigo 5º, LXXVIII, da CRFB. Nas palavras do Min. LUIZ FUX, presidente daquela comissão, “o cerne do novo CPC é o ideário da duração razoável dos processos”. Para esse efeito, entre outras medidas, elimina-se a figura da ação cautelar como entidade autônoma (excluindo-se o atual Livro III e regulamentando-se difusamente a “tutela de urgência e tutela da evidência”), restringe-se ainda mais a utilização do agravo de instrumento e cria-se o “incidente de resolução de demandas repetitivas” (artigos 895 a 906). Por outro lado, perde-se grande oportunidade de adequar a norma-base do processo civil brasileiro ao novo paradigma digital, estabelecendo o diálogo com a Lei n. 11.419/2006. A omissão, ao que parece, foi intencional, tendo em conta que a inclusão digital ainda não alcançou todo o Poder Judiciário, nem tampouco todos os quadros da advocacia.
De outra parte, o novo texto já nasce sob o pálio da crítica. Diz-se dele, por exemplo, ser de duvidosa necessidade, na medida em que simplesmente revisita, em variegadas matérias, o que hoje já dispõe o Código de Processo Civil de 1973 (cerca de 80% dos dispositivos do novo código – num total de 970 – reproduzem ipsis litteris os artigos do Código BUZAID). Sugere-se, por isso, que melhor seria prosseguir com a estratégia das minirreformas, hábil a produzir iguais efeitos de renovação, sem todavia impactar o meio forense com a revogação integral de um texto legislativo já consagrado e curtido nas caldeiras do tempo, pela obra da doutrina e da jurisprudência.
Mais pontualmente, certo segmento da doutrina tem apontado retrocessos em aspectos que dizem com a instrumentalidade do procedimento e com os poderes instrutórios do magistrado, pela perda de referenciais seguros e pela possível contradição com princípios constitucionais como os do contraditório e da ampla defesa. Recentemente, tal crítica exsurgiu bem condensada na pena de COSTA MACHADO[2]:
E agora, para finalizar este pequeno e despretensioso artigo, elencamos as propostas que, a nosso ver, desqualificam o anteprojeto do CPC: 1) o poder atribuído ao juiz para “adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito” (art. 107, V); “quando o procedimento ou os atos a serem realizados se revelarem inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e ampla defesa, promover o necessário ajuste” (art. 151, § 1º); 2) a eliminação do efeito suspensivo da apelação (“os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão”- art. 908, caput); 3) o poder concedido ao relator para atribuir o efeito suspensivo à apelação (art. 908, §§ 1º e 2º); 4) a eliminação dos embargos infringentes; 5) fixação de nova verba advocatícia pela instância recursal quando o tribunal não admitir recursos ou negar provimento por unanimidade (arts. 73, § 6º e 922); 6) a previsão de que “os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados” (art. 847, II); 7) a concessão generalizada de liminares sem exigência de periculum in mora quando “a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca” (art. 285, III); 8) disciplina da multa cominatória sem estabelecimento de limite de tempo e de valor (art. 503 e parágrafos); 9) eliminação do direito da parte a um certo número de testemunhas; 10) o levantamento de dinheiro depositado a título de segurança do juízo pelo credor (art. 829).
De se ver, pelo excerto, que muitas dessas críticas pontuais – que não têm foros de universalidade – dizem com aquilo que tende a representar justamente o maior sopro de novidade desse novo regramento: a subordinação do procedimento à necessidade do direito material[3] (artigo 107, V – a que equivale, p.ex., o «princípio da adequação formal» artigo 265º-A do Código de Processo Civil português[4]), caminhando para um conceito de justa jurisdição, i.e., de jurisdição como estrita função de tutela de direitos materiais[5]. Para esse fim, incrementam-se os poderes diretivos e instrutórios do juiz (v., e.g., os artigos 151, §1º, e 285, III, do anteprojeto), aproximando-se do chamado «modelo de Sttutgart» – e, por essa via, consubstanciando um importante passo qualitativo no sistema processual brasileiro, a romper com certa visão formalista, mecanicista e positivista do processo que ainda impregnava o próprio Código BUZAID.
Nesse plano, portanto, a Magistratura nacional ganha com a edição do novo Código de Processo Civil. Ganha em termos de instrumentalidade processual, em termos de ductibilidade procedimental e em termos de eticidade do discurso. E também ganha, por consequência, em matéria de prerrogativas, notadamente em relação àquelas que só se exercem no processo: a prerrogativa de dirigir o processo (artigos 125, 445 e 446 do atual CPC) e a prerrogativa de instruir e decidir a causa conforme o seu livre convencimento motivado (artigos 130 e 131 do atual CPC), o que é especialmente relevante em sede processual trabalhista, mercê dos amplos poderes de instrução historicamente acometidos aos juízes do Trabalho (artigo 765 da CLT). Significa, em última análise, prestigiar a ação e a decisão em primeiro grau de jurisdição. São, pois, pontos do anteprojeto que devem ser preservados.
Por outro turno, o anteprojeto tenciona inovar, em alguns contextos, em posição de invadir indisfarçavelmente matérias privativas de lei complementar (artigo 93, caput, da CRFB) e/ou em desacordo com o desiderato constitucional maior de incolumidade da independência judicial. Nisso, inova mal. Vejamos a seguir.
II. INTRODUÇÃO CRÍTICA ÀS RAZÕES DE RESISTÊNCIA. A QUESTÃO DA INDEPENDÊNCIA JUDICIAL
Como é sabido, magistrados devem gozar de plena liberdade de convicção, para instruir e julgar, e de autonomia pessoal no exercício do mister jurisdicional. Sua liberdade de convicção não pode ser arrostada sequer pela instância superior (tanto que lhe é dado ressalvar o próprio entendimento, no 1º grau ou nos órgãos colegiados, ainda quando se curve ao entendimento dissidente). E, por conseguinte, não pode ser punido administrativamente pelas teses jurídicas que perfilhar ou externar, ainda que incomuns ou minoritárias. Não fosse assim, teríamos «não-juízes»: servidores autômatos que, em 1º grau de jurisdição, limitar-se-iam necessariamente a repetir as teses do 2º grau e a reproduzir as emendas das súmulas dos tribunais superiores. Essa certamente não seria uma Magistratura democrática. O que significa dizer, “a contrario sensu”, que a liberdade de convicção e a autonomia pessoal dos magistrados, ambas radicadas na base axiológica das normas-regras constitucionalizadas no artigo 95, I a III, da Constituição, perfazem verdadeira condição para um Estado Democrático de Direito.
É exatamente por conta dessa percepção que tanto se debate, no âmbito das associações de juízes, a impropriedade da expressão “hierarquia judiciária” – ainda muito comum nos regimentos internos dos tribunais – e da própria normativa a ela relacionada. Não convém confundir competências funcionais, como são aquelas exercidas pelos tribunais para a revisão das decisões de primeiro grau, com anteposição hierárquica, conceito admissível e até mesmo natural em algumas instituições (como, p.ex., nas Forças Armadas, a ponto de se excepcionar a regra da limitação das prisões aos casos de flagrante delito e mandado judicial – veja-se, e.g., o artigo 5º, LXI, in fine, da CRFB), mas absolutamente impróprio para definir a natureza das relações entre juízes de 1º e 2º grau de jurisdição (ou entre esses e os juízes dos tribunais superiores). Não se discute, nos limites do sistema processual, o poder de revisão dos tribunais, imanente ao próprio “procedural due process of law” (artigo 5º, LIV, da CRFB); nem tampouco o dever intraprocessual de respeito às decisões judiciais de grau superior, no plano jurídico-decisório (o que não significa, entenda-se bem, capitulação no plano jurídico-argumentativo); mas tudo isso nos limites subjetivo-objetivos do processo (ou toda súmula de jurisprudência seria necessariamente vinculativa). Nada mais que isso. O magistrado de 1º grau pode discordar das subsunções jurídicas e das razões de fato e de direito do “decisum” de 2º grau ou até mesmo das instâncias superiores; pode, por isso mesmo, ressalvar seus entendimentos; e, nos casos excepcionais, pode inclusive se escusar de julgar, por entender malferida a sua independência funcional, em razão do tipo de decisão a que terminou «confinado» em razão de decisões superiores (valendo-se, para tanto, do artigo 135, par. único, do CPC)[6]. Apenas não pode rever intraprocessualmente o que foi decidido nas instâncias superiores, ainda que violentem o seu convencimento. Quanto ao mais, porém, não há hierarquias. Leia-se, por todos, em NERY DE OLIVEIRA:
A tal modo, se resulta lógico que a administração centralizada nos Tribunais pressupõe uma obediência aos comandos de gestão e administração por tais Cortes enunciadas, logicamente tais atos administrativos não ensejam qualquer perda dos atributos de independência do juiz, notadamente na sua atividade-fim, mas também indiretamente qualquer ingerência que possa pretender vir a perturbar aquela, ainda que emanada de órgãos internos do Judiciário. Para que assim fosse, o artigo 95 haveria de comportar exceções, e tais não existem para permitir que juízes de Cortes superiores sejam maiores que outros.
Na verdade, todos os juízes são iguais, mesmo aquele magistrado da comarca mais humilde e longínqua do País em relação ao ministro do Supremo Tribunal Federal – o que os distingue, basicamente, são as competências jurisdicionais distintas, que confere a uns e outros, em dados momentos, maior status social (e não pouco é lembrar que muitas vezes o juiz da comarca do interior, quase esquecida por todos, é muito mais prestigiado na sua localidade que qualquer ministro do STF, pois são as suas decisões que influem diretamente no cotidiano daquela comunidade).
Ainda que possa parecer absurdo, a inexistência de qualquer hierarquia entre os Juízes vem capitulada no artigo 6º da Lei 8.906/94, exatamente o Estatuto da Advocacia, quando assevera que «não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos», havendo que se ponderar que tal dispositivo não se dirige apenas à inexistência de subordinação e hierarquia dos advogados em relação a juízes e membros do Ministério Público, mas também entre estes, sob pena também da regra primeira acabar desvirtuada”[7].
Ainda, no escólio de GOMES DA CRUZ[8]:
Temos feito várias referências à independência do magistrado, salientando que as garantias constitucionais se voltam para preservar tão fundamental atributo da magistratura. Logo, todo juiz deve agir com independência, até em relação à instância superior, sabido que esta só possui, em relação ao órgão de grau inferior, competência de derrogação. Claro, não se exclui o poder disciplinar, mas não interferindo diretamente na atuação do juiz em matéria processual.
Mais além, em plagas europeias – e há décadas –, o insuperável GOMES CANOTILHO[9] identificou, no princípio constitucional da independência dos órgãos judiciais (consagrado na Constituição portuguesa de 1976 e inerente a todos os Estados Democráticos de Direito), três corolários: o da independência pessoal (donde a impraticabilidade das nomeações interinas e das transferências, suspensões, aposentações e demissões à margem da lei ou em razão das decisões emanadas), o da independência coletiva (autonomia da judicatura – inclusive orçamentária – em relação aos demais poderes da República) e o da independência funcional. Quanto a essa última, assere que:
A independência funcional é uma das dimensões tradicionalmente apontadas como constituindo o núcleo duro do princípio da independência. Significa ela que o juiz está apenas submetido à lei – ou melhor, às fontes de direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas – no exercício da sua função jurisdicional”.
Consequentemente, o juiz de 1º grau não está obrigado a acatar teses ou entendimentos de instância superiores, se pessoalmente não os crê conformes às fontes de direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas (a não ser, no caso brasileiro, em hipóteses cobertas por súmulas vinculantes exaradas pelo Supremo Tribunal Federal, mercê da norma ínsita ao artigo 103-A da CRFB). Está, sim, obrigado a acatar o resultado dos arestos que lhe reformam as decisões, nos limites de seus comandos dispositivos concretos. Não mais do que isso. Não se obriga, p. ex., a reproduzir, em nova sentença, os conceitos, as teses e as convicções perfilhadas pelo relator na fundamentação do voto. Nem a seguir a súmula de jurisprudência dos tribunais aos quais se vincula, se o entendimento ali vazado violenta-lhe a convicção. E, por isso mesmo, andou mal o Conselho Nacional de Justiça ao erigir a “obediência a súmulas” como um requisito objetivo de aferição do «merecimento» do magistrado ao tempo da sua promoção (cfr. artigo 93, II e III, da CRFB c.c. artigo 5º, «d» e «e», da Resolução CNJ nº 106/2010[10]).
Nesse sentido, aliás, tem se pronunciado iterativamente o próprio Conselho Nacional de Justiça, excluindo a possibilidade de se recorrer à instância administrativa disciplinar e/ou revisional para «corrigir» ou «punir» os assim chamados “errores in judicando” (i.e., erros de julgamento – que nada mais são que convicções jurídicas derrubadas em superior instância). Veja-se:
Recurso Administrativo em Revisão Disciplinar. Insurgência contra decisão monocrática que indeferiu pedido de apuração da responsabilidade dos magistrados que atuam em processos judiciais de interesse da requerente e contra o indeferimento de afastamento destes e do desembargador que é parte nos processos na defesa da guarda de seu neto. Recurso não provido. A Revisão Disciplinar não se presta à indagação de quaestionis juris, nem ao ataque do error in judicando do magistrado. A pretensão de incursão em atos judiciais proferidos em juízo constitui matéria que se posta fora do âmbito de competência do CNJ. Essa atuação no plano judicial só se revê através dos meios postos na legislação processual, pela via do recurso judicial cabível, sendo inadequada e incabível a Revisão Disciplinar para essa finalidade” (CNJ, REVDIS n. 200810000005120 e REP n. 200810000005118, Rel. Cons. RUI STOCO, 65ª Sessão, J. 24.06.2008, in DJU 05.08.2008 – g.n.).
Recurso Administrativo em Reclamação Disciplinar. Arquivamento. Atos judiciais passíveis de recurso. Inexistência de infração funcional. 1) O CNJ não é instância de revisão de decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário no exercício da típica atividade jurisdicional. 2) Os fatos trazidos aos autos pelo reclamante não apresentam cometimento de infração funcional. Recurso a que se nega provimento” (CNJ – RD 391 – Rel. Cons. JOSÉ ADONIS CALLOU DE ARAÚJO SÁ, 69ª Sessão, J. 09.09.2008, in DJU 26.09.2008 – g.n.).
Magistrado. Descumprimento de dever funcional. Art. 35, I, da LOMAN. Inexistência. Regular exercício da atividade jurisdicional. Princípio do livre convencimento motivado. Error in judicando. O Juiz tem o dever legal de observar as suas obrigações, no que se inclui ‘cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício’ (LOMAN, art. 35, I). É-lhe assegurado, todavia, o exercício da função com liberdade de convencimento (CPC, art. 131) e independência, de modo a garantir, em última análise, a autonomia e independência do próprio Poder Judiciário (CF, art. 95). Constatado, no caso concreto, que, conquanto se possa considerar equivocada a decisão que condenou terceiro não integrante da relação processual, o ato em questão foi praticado no regular exercício da função e de acordo com a convicção do magistrado sobre a matéria. Não há falar, portanto, em descumprimento de dever funcional e de responsabilização do magistrado. Revisão Disciplinar de que se conhece e que se julga improcedente” (CNJ, RD n. 200830000000760, Rel. Cons. ALTINO PEDROZO DOS SANTOS, 80ª Sessão, J. 17.03.2009, in DJU 06.04.2009 – g.n.)
E – antecipo-me – se é assim no plano administrativo disciplinar, não há como ser diferente no plano jurídico-civil ou jurídico-penal, nem se justifica eticamente que se haja de modo diverso no plano administrativo promocional (i.e., na consideração do “merecimento” do agente público para efeito de promoção ou de percepção de vantagens quaisquer).
Aliás, a própria Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar n. 35/79) prevê, em seu artigo 41, que o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir, salvo no caso de impropriedade ou excesso de linguagem. In verbis:
Artigo 41. Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem, o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.
E, na mesma alheta, a LOMAN dispõe, no seu artigo 40, que a atividade censória dos tribunais não pode cercear a independência ou malferir a dignidade do magistrado. In verbis:
Artigo 40. A atividade censória de Tribunais e Conselhos é exercida com o resguardo devido à dignidade e à independência do magistrado.
Se tudo isso é verdadeiro no plano judicial e administrativo, entre magistrados dos diversos níveis da carreira da Magistratura e dos Tribunais Superiores, não pode ser menos verdadeiro em relação a terceiros. Se o magistrado instrui e julga de acordo com a sua convicção, reportando-se à Constituição da República e às leis do país (da maneira como as lê, inclusive em perspectiva sistemática e/ou teleológica), e se assim fundamenta a sua decisão (porque é exatamente aqui – na fundamentação judicial, não na positividade das leis infra constitucionais – onde tem assento, nos Estados Democráticos de Direito, a maior garantia do jurisdicionado contra as possíveis arbitrariedades do próprio Poder Judiciário), não pode ser responsabilizado, seja no campo administrativo, seja no campo cível, seja ainda – e com maior razão – no campo criminal. Pregar o contrário é pregar uma jurisdição covarde, porque a decisão judicial preocupar-se-á primeiramente com a indenidade do próprio prolator e somente depois com a justiça do caso concreto. É pregar, ainda, uma jurisdição tacanha, repetidora de verbetes que não raro se empedram no tempo. É pregar, por fim, uma jurisdição eficientista (mas não eficaz), que se ocupa de decidir mais e mais rapidamente, produzindo números, resultados e relatórios; mas que, ao cabo e ao fim, já não produz justiça social.
Mas é precisamente neste ponto que peca o anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Eis o que diremos na sequência.
III. O ANTEPROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: PONTOS CRÍTICOS
Na linha do quanto exposto em tópico anterior, encontram-se desconformidades formais e materiais, na perspectiva das prerrogativas da Magistratura nacional, em raros preceitos do texto sob tramitação legislativa. Nada obstante, ainda que poucas, lá estão presentes. Por isso, será útil repará-las antes de eventual promulgação do diploma. Dois dispositivos do Anteprojeto de Código de Processo Civil (atual Projeto de Lei n. 166/2010, do Senado Federal) chamam a atenção, em particular, pela referida desconformidade. São eles:
Artigo 10:
O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício.
Artigo 192:
Qualquer das partes ou o Ministério Público poderá representar ao Presidente do Tribunal de Justiça contra o juiz que excedeu os prazos previstos em lei.
§ 1º. Distribuída a representação ao órgão competente, será instaurado procedimento para apuração da responsabilidade.
§ 2º. O Presidente do Tribunal, conforme as circunstâncias, poderá avocar os autos em que ocorreu excesso de prazo, remetendo-os ao substituto legal do juiz contra o qual se representou, sem prejuízo das providências administrativas.
No que diz respeito ao artigo 10, impende registrar que, a despeito de suas excelentes intenções (na esteira do artigo 5º, LV, da CRFB), termina consumando um retrocesso no plano da aplicação judiciária da norma jurídica, notadamente quando se trata de preceito de ordem pública (de que se invariavelmente se revestem as chamadas “objeções processuais”, às quais se reporta o artigo 10). É da tradição do processo – em especial no âmbito do processo penal e dos mecanismos processuais de tutela de direitos fundamentais – a parêmia latina “iura novit curia”, a significar que o juiz pode aplicar o Direito em conformidade com a configuração factual que se lhe apresenta, desde que nisso não desborde dos limites objetivos e subjetivos da lide (a que DINAMARCO denomina princípio da correlação entre a demanda e a sentença); ao desbordar – aí sim – seria imprescindível a imediata dilação adversarial para efeito de contraditório (como se dá, no processo penal, com a chamada “mutatio libelli” – art. 384 do CPP). Com mesma ou maior razão, não há necessidade de se limitar o poder decisório do juiz, quando à mercê de objeções processuais, a um procedimento contraditório prévio. O princípio do contraditório (artigo 5º, LV, CRFB) já estará atendido com a inarredável possibilidade de revisão do “decisum”, em sede de recurso, caso uma das partes se entenda “surpreendida” ou contrariada com a subsunção jurídica que o magistrado imprimiu a determinado fato ou circunstância (decadência, coisa julgada, litispendência, carência de ação, etc.). Desse modo, obrigar o juiz a abrir contraditório sempre que pretenda decidir com base em normatividade cogente e cognoscível “ex officio” é limitar a extensão do seu poder de direção processual, circunscrevendo-o a limites que hoje não se impõem e que, inexistentes, nem por isso têm suscitado discussões de fulcro constitucional; e, num certo sentido, é comprometer o próprio princípio da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII, da CRFB).
Não bastasse, a própria sistemática do novo CPC parece transigir com a saudável e necessária possibilidade de decisão imediata com base em matéria de ordem pública, sem prejuízo de eventual contraditório diferido. Vejam-se, por exemplo, os casos do artigo 241, par. único (quanto às nulidades absolutas, cognoscíveis de ofício), do artigo 249, par. único (quanto à decisão de mandar anotar “ex officio” quaisquer intervenções de terceiros), do artigo 258, caput (quanto à determinação “ex officio” de produção de quaisquer provas que julgar necessárias para o julgamento da lide), do artigo 278, par. único (quanto à substituição das medidas acautelatórias por prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido) e, por fim, do artigo 284 (quanto às medidas urgentes de ofício). Ao que se lê nas redações desses preceitos – que sempre preordenam, em alguma medida, «decisão» judicial nos autos –, poderá o magistrado, em qualquer daqueles casos, decidir de ofício (para declarar a nulidade, anotar a intervenção, produzir a prova, substituir ou conceder a medida de urgência, etc.), independentemente de oitiva do “ex adverso”. Ou acaso se sustentará que, por força do artigo 10, deverá o juiz, em todos esses casos, ouvir antecipadamente a(s) parte(s)? A ser assim, a hermenêutica sacrificaria amiúde a duração razoável do processo. Em alguns casos, o contraditório prévio seria inclusive contraproducente, quando não impeditivo dos efeitos pretendidos (assim, e.g., nas hipóteses do artigo 284, 1ª parte – excepcionalidade da urgência – ou do artigo 258, caput). Ora, se é dado ao juiz, ao menos nessas situações específicas, decidir “inaudita altera parte”, por que não poderá fazê-lo quando estiverem presentes as mesmas razões que aqui justificarão o diferimento do contraditório (a saber, a defesa da ordem pública e/ou a preservação da utilidade e da celeridade do processo)? «Ubi eadem ratio ibi idem ius».
Está claro que, a depender do caso concreto, poderá o juiz entremear o contraditório, com proporção e utilidade, entre a identificação de objeções processuais incidentes e a sua decisão a respeito. É o que se dá, aliás, com as próprias nulidades absolutas; e, nada obstante, o novo codex autorizará o seu decreto de ofício (artigo 241, par. único), aparentemente sem necessidade de prévia manifestação das partes (a não ser, insista-se, que se pretenda aplicar o artigo 10 à hipótese do artigo 241, par. único; mas, sendo assim, haveremos de aplicá-lo também às hipóteses dos artigos 258 e 284, ainda que isso prejudique a finalidade da norma?). Vê-se, pois, que a melhor sistemática será sempre deixar a critério do magistrado, na direção do processo em cada caso concreto, decidir sobre a necessidade (no aspecto técnico-jurídico, i.e., quanto à constitucionalidade/legalidade de eventual mitigação ou diferimento) e também sobre a conveniência (aspecto político-processual) do contraditório prévio. É, aliás, o que naturalmente decorreria da excelente norma inserta no artigo 107, V, quanto à adequação das fases e dos atos processuais às especificações do conflito, de modo a “conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico”. Daí porque, ao que nos parece, melhor será eliminar do projeto o seu atual artigo 10, a bem da preservação dos poderes de direção do juiz no processo e do seu próprio livre convencimento motivado.
Deve-se, ademais, debelar os preconceitos que ainda existem quanto à figura do contraditório mitigado ou diferido. Fiel às lições do grande OVÍDIO BAPTISTA[11], é mister reconhecer que a dignidade e a urgência do bem da vida perseguido (i.e., do “direito material”) não apenas justifica como muitas vezes impõe um procedimento contraditório diferenciado, sem que isso represente qualquer violência à cláusula constitucional vazada no artigo 5º, LV, da CRFB). Desse modo, pode bem o juiz, deparando-se com objeções processuais ou outras matérias de que deva conhecer “ex officio”, decidi-las de plano, mercê do princípio do livre convencimento motivado, quando for essa a melhor solução para a preservação da utilidade do processo e/ou para a sua duração razoável (mais: a depender do bem da vida em jogo e das circunstâncias do caso, terá de fazê-lo). E o fará sem prejuízo do contraditório, que todavia será diferido (mas nem por isso mitigado: mesmo no processo do trabalho, mais infenso a incidentes processuais, a parte insatisfeita poderá registrar seus protestos, na audiência ou no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos, com vistas à ulterior impugnação em sede de recurso ordinário[12]; e, no processo civil – mesmo neste que agora se anuncia –, haverá sempre a possibilidade dos agravos[13]).
Podem-se, ademais, antecipar possíveis gargalos de interpretação com outros preceitos do anteprojeto que reproduzem ou revisitam essas mesmas idéias de «audição prévia e necessária das partes» antes de qualquer ato judicial decisório, mesmo naquilo que o juiz tenha de conhecer de ofício (como, p. ex., o artigo 110, par. único). Entretanto, a bem de uma abordagem sintética e com o propósito de não comprometer o foco da crítica – que deve mesmo privilegiar as questões principais (supra) –, encerramos aqui esta incursão.
No que diz com o novel artigo 192 e com a «responsabilidade» disciplinar dos magistrados pelos excessos de prazo, o problema é ainda mais gritante. Como é de sabença geral, o regime disciplinar da Magistratura não pode ser objeto de lei ordinária federal (como deverá ser, se a final aprovado, o PLS n. 166/2010). As normas de conduta da Magistratura nacional e o respectivo regime disciplinar são – e devem ser – objeto do Estatuto da Magistratura, que hoje tem corpo na Lei Complementar n. 35/79 (LOMAN). E, não bastasse a questão do quórum especial (artigo 69 da CRFB), é certo que, para tanto disciplinar, a iniciativa legislativa jamais poderia ser de um senador da República. Haveria de ser do Supremo Tribunal Federal. É o que dita o próprio artigo 93, caput, da Constituição Federal:
Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios […] (g.n.).
Nessa alheta, está claro que haverão de ser flagrantemente inconstitucionais (= inconstitucionalidade formal, por vícios de espécie e de iniciativa) as normas vazadas no artigo 192 do anteprojeto, tencionando regular a responsabilidade disciplinar do magistrado pelo excesso dos prazos legais, inclusive com um arremedo de rito para essa específica finalidade (distribuição ao órgão competente, instauração do procedimento disciplinar sem prévia oitiva do acusado, avocação discricionária dos autos em que se der o atraso para efeito de remessa a substituto legal – o que põe em xeque, teoricamente, a própria garantia do juiz natural[14] –, etc.). Com efeito, os deveres dos magistrados estão atualmente dispostos no artigo 35 da LOMAN (sendo certo que o excesso de prazos está contemplado já no inciso segundo, mas com a modulação necessária do advérbio “injustificadamente”, que sequer aparece no artigo 192 do PLS n. 166/2010). Por sua vez, a responsabilidade disciplinar do juiz pela inobservância desse dever está regulada entre os artigos 40 e 48 da mesma LOMAN, sendo certo que, para o caso em testilha – que importa em “negligência no cumprimento dos deveres do cargo” (desde que os excessos sejam injustificados) –, a lei prevê penas de advertência (nas situações isoladas) e de censura (no caso de reiteração), quando aos juízes de primeiro grau (ut artigos 42, par. único, 43 e 44), sendo discutível a natureza da sanção quando se tratar de juízes de segundo grau (vez que, por um lado, não se justificaria aplicar-lhes pena mais grave que a reservada para juízes de 1º grau; mas, por outro, tampouco seria juridicamente aceitável que estivessem ao abrigo de qualquer responsabilidade disciplinar em semelhantes casos).
Ademais, o rito para a aplicação de sanções disciplinares a magistrados está igualmente esboçado pela lei em vigor, ao menos para os casos mais graves, nos termos de seus artigos 27 c.c. 46 da LOMAN (recepcionada que foi, às sabenças, como lei complementar). Não poderia a lei ordinária federal fazê-lo, ainda que residualmente, para os casos mais singelos, até porque a delegação legislativa, nesse particular, foi feita aos regimentos internos dos tribunais (artigo 48). Por conseguinte, não pode ser outra a conclusão, senão a de que a tentativa de regular matéria disciplinar afeta à Magistratura nacional no Anteprojeto de Código de Processo Civil – que perfará lei ordinária federal – não resiste ao mais comezinho exame de constitucionalidade.
Nesse diapasão, e em casos muito semelhantes, pronunciou-se outrora o Excelso Pretório, em variegadas ocasiões (nalgumas, inclusive, por provocação de associações de magistrados, como a Associação dos Magistrados do Brasil e a própria Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). Vejam-se, por amostragem, as seguintes ementas (de três casos distintos, envolvendo a criação ou o regramento de infrações disciplinares fora do Estatuto da Magistratura, o regramento dos consequentes procedimentos e a competência legalmente delegada aos regimentos internos):
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – PROVIMENTO Nº 8, DE 25.09.2001, DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 20ª REGIÃO – SENTENÇA ANULADA PELO TRT – NOVA DECISÃO A QUO QUE REPRODUZ OS MESMOS FUNDAMENTOS QUE MOTIVARAM A ANULAÇÃO DA SENTENÇA ANTERIOR – ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DO TRIBUNAL – MATÉRIA RELATIVA AOS DEVERES FUNCIONAIS DO JUIZ – ESTATUTO DA MAGISTRATURA – ART. 93, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – 1. A decisão do Tribunal que dá provimento ao recurso para anular a decisão impugnada não substitui o ato recorrido, mas se restringe a cassá-lo, por ilegalidade, após reconhecer a existência de vício de atividade ou error in procedendo. 2. Se, por um lado, o magistrado é livre para reapreciar o mérito da causa, podendo, até mesmo, chegar a veredicto coincidente àquele emitido anteriormente (momento em que se estará dando plena aplicabilidade ao princípio da independência do magistrado na apreciação da lide), por outro, de acordo com sistemática processual vigente, a ele é vedado alterar, modificar ou anular decisões tomadas pelo órgão superior por lhe faltar competência funcional para tanto. A ele cabe cumprir a decisão da Corte ad quem, sob pena de ofensa à sistemática constitucional da repartição de competência dos órgãos do Poder Judiciário. Fenômeno da preclusão consumativa pro iudicato. 3. Longe de configurar uma mera explicitação ou uma recomendação reforçativa da obrigação do magistrado de obediência às disposições legais, recortou o ato impugnado determinada conduta do universo das ações que traduzem violação àquele dever, atribuindo a esta autônoma infração grave e exclusiva valoração negativa que se destaca do comando genérico do dever de respeito à lei, dirigido a todos os juízes. 4. Ao criar, mediante Provimento, infração nova e destacada, com conseqüências obviamente disciplinares, incorreu a Corte requerida em inconstitucionalidade formal, tendo em vista o disposto no art. 93, caput da Carta Magna. 5. Ação direta cujo pedido se julga procedente.[15]
PROVIMENTO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE PROÍBE OS JUÍZES DE SE AUSENTAREM DAS COMARCAS, SOB PENA DE PERDA DE SUBSÍDIOS: MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DIRETA PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO PROVIMENTO IMPUGNADO – O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação e declarou a inconstitucionalidade dos artigos 1º e 2º do Provimento nº 001, de 31 de julho de 2003, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim.[16]
CONSTITUCIONAL – MAGISTRADO: PENAS DISCIPLINARES – COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL – C.F., art. 93, X, art. 96, I, a. Lei Complementar 35, de 1979 – LOMAN – arts. 40, 42, parág. único, 46 e 48 – I. Aos Tribunais compete, privativamente, elaborar seus regimentos internos, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. C.F., art. 96, I, a. A competência e o funcionamento do Conselho Superior da Magistratura devem ser estabelecidas pelo Tribunal de Justiça, em regimento interno. II. As penas de advertência e de censura são aplicáveis aos juízes de 1º grau, pelo Tribunal, pelo voto da maioria absoluta de seus membros. C.F., art. 93, X. III. Recepção, pela CF/88, da LOMAN, Lei Orgânica da Magistratura: C.F., art. 93. IV. Os regimentos internos dos Tribunais estabelecerão o procedimento para a apuração de faltas puníveis com advertência ou censura. LOMAN, art. 48. V. Regimento Interno, artigos 37 e 40: inconstitucionais em face do art. 96, I, a, da Constituição Federal (maioria). Voto do Relator: empresta-se interpretação conforme a Constituição para estabelecer que citados artigos 37 e 40 dizem respeito apenas às penas de advertência e censura. VI. ADIn não conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada procedente.[17]
Não restam dúvidas, pois, de que o texto do artigo 192 do Anteprojeto de CPC não pode subsistir.
Revistas essas disposições – nomeadamente a última (artigo 192), que se nos afigura a mais perniciosa –, para o restante bastarão, amiúde, algumas singelas adaptações. Vejamos.
Do ponto de vista estritamente hermenêutico – dizendo, pois, menos com as prerrogativas da Magistratura nacional e mais com a própria atividade judicante diuturna do juiz do Trabalho –, o artigo 14 do PLS n. 166/2010 deverá causar alguma perplexidade, abalando talvez o próprio edifício jurisprudencial que ao longo dos anos se construiu, na Justiça do Trabalho, em torno do artigo 769 da CLT. Por isso mesmo, convirá desde logo adaptá-lo para que, no futuro, sua redação não justifique arroubos de interpretação incoerentes com a sistemática e a principiologia da Consolidação das Leis do Trabalho (ou do diploma legislativo que venha a substituí-la no plano processual), aptos a causar, nos jurisdicionados, polêmica e assombro – e, por essa via, mais demandas em corregedorias.
É que o artigo 14 está assim vazado:
Na ausência de normas que regulem processos penais, eleitorais, administrativos ou trabalhistas, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletivamente (g.n.).
Ditada desta maneira, a norma termina por ignorar o clássico binômio clausular de subsidiariedade que a jurisprudência e a doutrina processual trabalhista construiu a partir do artigo 769 da CLT: para que a norma de direito processual comum (i.e., o Direito Processual Civil, ao menos pela interpretação hoje corrente[18]) possa ser aplicada ao processo do trabalho, há que ter omissão (da legislação processual trabalhista) e compatibilidade (entre a norma importada do processo comum e a própria sistemática/principiologia do processo do trabalho). Bem se vê que o artigo 14 ignora, ao menos textualmente, o segundo elemento do binômio (i.e., a compatibilidade). Dir-se-ia que a inferência é óbvia. Mas, se tão óbvia fosse, não constaria expressamente do texto celetário de 1943 (“…exceto naquilo em que for incompatível…”).
Mantida nesses termos, a norma parece permitir, por exemplo, que um juiz do Trabalho admita agravo de instrumento contra decisão liquidatária de sentença (artigo 494, § 7º, do PLS n. 166/2010[19]), já que a Consolidação das Leis do Trabalho hoje é omissa a respeito dos métodos de liquidação sentencial (exceto quanto à liquidação por cálculos, “ex vi” do artigo 879, mas sem qualquer referência aos respectivos modos de impugnação). Poder-se-ia, mais, entender que, diante do silêncio da CLT, o «incidente de desconsideração da personalidade jurídica» previsto entre os artigos 62 e 64 do novo CPC seria integralmente aplicável ao processo do trabalho, inclusive quanto ao “prazo comum” de quinze dias (maior que qualquer dos prazos celetários em fase de conhecimento) para que terceiros e pessoas jurídicas manifestem-se previamente e requeiram a produção de provas, até prolação de decisão final, a desafiar agravo de instrumento (artigo 65)… Tais exegeses, se levadas a cabo na esfera do processo laboral, representariam odiosos retrocessos (notadamente nas execuções trabalhistas). Isso porque, sem sombra de dúvidas, essas interpretações – que decorreriam da mera omissão da CLT a respeito – estariam em desacordo com a principiologia do processo laboral, notadamente em razão dos princípios da celeridade processual, da concentração dos atos processuais, da oficialidade da execução e da irrecorribilidade das decisões interlocutórias (ut artigo 893, §1º, da CLT). Em outras tantas matérias, dúvidas similares poderiam ser levantadas, especialmente por aqueles que pretendessem advogar já não ser mais a compatibilidade principiológica um daqueles pressupostos de aplicação subsidiária das normas de processo comum ao processo do trabalho (o que significaria dizer, na prática, que o artigo 14 do PLS n. 166/2010 viria a derrogar a norma do artigo 769 da CLT). Em verdade, nalgumas falas públicas, o próprio presidente da Comissão de Juristas, Ministro LUIZ FUX, deixou transparecer tal pretensão, na evidente propósito de auxiliar o operador do Direito Processual do Trabalho, às voltas com um diploma legislativo que caminha para o seu septuagésimo aniversário (já inapto, pois, a atender às demandas da modernidade). Mas o fato é que, sem o indispensável pressuposto da compatibilidade principiológica, a norma do artigo 14 do vindouro CPC trará muito mais confusões do que equacionamentos, ao menos em seara processual laboral.
Para evitar semelhantes dificuldades, que no limite fariam vir abaixo todo o pórtico de intelecção jurisprudencial já erigido sobre o artigo 769 consolidado, é de toda conveniência emendar a redação do artigo 14 do anteprojeto, para que seja promulgado com o seguinte texto:
Na ausência de normas que regulem processos penais, eleitorais, administrativos ou trabalhistas, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletivamente, exceto naquilo em que forem incompatíveis com os respectivos sistemas ou princípios.
Com isso, já não restarão dúvidas de que, tanto no processo do trabalho como nos demais ramos da processualística contemporânea (processo administrativo, penal, penal militar, eleitoral, etc.), a norma processual civil só poderá ser “importada” quando não conflitar com os princípios e a sistemática própria de cada um daqueles ramos. No caso específico da Justiça do Trabalho, preserva-se a jurisprudência já construída para a matéria (e, com isso, incrementa-se, num primeiro momento, a segurança jurídica, tão importante nos períodos de transição legislativa), sem prejuízo da renovação que decerto advirá dos novos princípios positivados pelo PLS n. 166 (especialmente em seu artigo 107).
Valeria ainda uma última palavra quanto à força das decisões judiciais, em especial nas hipóteses de liminares em tutelas de urgência e de evidência, no âmbito do Anteprojeto de Código de Processual Civil. Em certas passagens, o descumprimento de ordens judiciais é tratado como crime de desobediência (atualmente, o artigo 330 do Código Penal[20]). Assim ocorre com o artigo 503, § 8º, do PLS n. 166/2010 (quanto ao descumprimento de providência mandamental dada em sentença de cumprimento de obrigação de fazer ou de não-fazer), como também no artigo 382, caput (quanto ao descumprimento de ordem de exibição de documento). Leiam-se:
Art. 382. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz ordenar-lhe-á que proceda ao respectivo depósito em cartório ou em outro lugar designado, no prazo de cinco dias, impondo ao requerente que o embolse das despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa e outras medidas mandamentais, sub-rogatórias, indutivas e coercitivas.
Parágrafo único. Das decisões proferidas com fundamento no art. 381 e no caput deste artigo caberá agravo de instrumento (g.n.).
Adiante:
Art. 503. A multa periódica imposta ao devedor independe de pedido do credor e poderá se dar em liminar, na sentença ou na execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 1º A multa fixada liminarmente ou na sentença se aplica na execução provisória, devendo ser depositada em juízo, permitido o seu levantamento após o trânsito em julgado ou na pendência de agravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial ou extraordinário.
§ 2º O requerimento de execução da multa abrange aquelas que se vencerem ao longo do processo, enquanto não cumprida pelo réu a decisão que a cominou.
§ 3º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I – se tornou insuficiente ou excessiva;
II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
§ 4º A multa periódica incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.
§ 5º O valor da multa será devido ao autor até o montante equivalente ao valor da obrigação, destinando-se o excedente à unidade da Federação onde se situa o juízo no qual tramita o processo ou à União, sendo inscrito como dívida ativa.
§ 6º Sendo o valor da obrigação inestimável, deverá o juiz estabelecer o montante que será devido ao autor, incidindo a regra do § 5º no que diz respeito à parte excedente.
§ 7º O disposto no § 5º é inaplicável quando o devedor for a Fazenda Pública, hipótese em que a multa será integralmente devida ao credor.
§ 8º Sempre que o descumprimento da obrigação pelo réu puder prejudicar diretamente a saúde, a liberdade ou a vida, poderá o juiz conceder, em decisão fundamentada, providência de caráter mandamental, cujo descumprimento será considerado crime de desobediência (g.n.).
Tais normas, vazadas nesses termos, podem comprometer a própria autoridade do julgado. O crime de desobediência é delito de menor potencial ofensivo (artigo 61 da Lei n. 9.099/95, na redação da Lei n. 11.313/2006); logo, sequer admite prisão em flagrante, se o acusado assumir o compromisso de comparecer perante a autoridade judiciária penalmente competente (artigo 69, par. único, da Lei n. 9.099/95). A depender da hipótese – imagine-se, por exemplo, a recente decisão prolatada pela 2ª Vara do Trabalho de Paulínia no rumoroso caso do “Recanto dos Pássaros”, impingindo gastos de grande expressão a multinacionais (SHELL e BASF)[21] –, o staff corporativo poderá até mesmo compreender ser “vantajoso” o descumprimento de uma ordem judicial exarada com efeitos imediatos, pois a consequência mais grave da desobediência seria a mera lavratura de um termo circunstanciado contra preposto da empresa (sem considerar a natural dificuldade de individualização de condutas em casos desse jaez). Por outro lado, se o órgão do Ministério Público pretender subsumir a conduta em questão a delito mais grave, poderá encontrar inusitada resistência pelo viés do princípio da estrita legalidade penal (“lex certa et stricta”), já que a lei federal posterior (i.e., o PLS n. 166/2010) terá vinculado tal conduta ao tipo penal do artigo 330 do CP, sem ressalvas.
Para evitar semelhantes subterfúgios, importa ressalvar a responsabilidade por crime mais grave, estabelecendo textualmente o caráter subsidiário do crime de desobediência. Observe-se que, ao menos no caso do artigo 382, caput, ressalvou-se expressamente o “pagamento de multa e outras medidas mandamentais, sub-rogatórias e coercitivas” (o que permite supor inclusas outras medidas de coerção penal). Já no caso do artigo 503, § 8º, sequer isso se fez (conquanto a hipótese, aqui, seja potencialmente mais grave, por envolver “diretamente a saúde, a liberdade ou a vida”). Daí a sugestão de se acrescer à parte final do artigo 503, § 8º, a tradicional locução “se o fato não constituir crime mais grave”, tantas vezes utilizada pelo Código Penal em vigor (e.g., artigo 132, artigo 163, par. único, II, artigo 238, artigo 307, artigo 314, etc.).
CONCLUSÕES
Pelo quanto exposto, impende pontuar, acrescer e concluir como segue.
1. Do ponto de vista das prerrogativas da Magistratura nacional, tal como disciplinadas nos artigos 93 a 95 da Constituição Federal e na Lei Complementar n. 35/79 (LOMAN), os principais cuidados que a redação de um novo Código de Processo Civil deve guardar dizem respeito à preservação da independência funcional do magistrado, tanto perante os órgãos judiciais revisores (excetuada, é claro, a sua própria função revisora, que está igualmente sob a guarida da independência funcional, desde que não se desdobre em constrangimento para que o juiz de 1º grau reproduza teses que não perfilha) como perante órgãos correicionais (inclusive quanto ao tempo concretamente razoável para a distribuição de justiça) e também perante pessoas ou entidades externas (inclusive quanto à sua imunidade pelas decisões prolatadas).
2. Violam a cláusula constitucional da independência judicial quaisquer gestões ou preceitos que priorizem prazos, números e “metas” em detrimento das necessidades instrutórias ou persecutórias concretas de cada causa, a serem aquilatadas primeira e precipuamente pelo seu juiz natural (no 1º ou 2º graus). «Eficientismo» descalibrado sacrifica o conceito mesmo de ordem jurídica justa.
3. Também violam a cláusula constitucional de independência judicial os preceitos legais que vulnerabilizam as imunidades do magistrado, sujeitando-o a sanções de qualquer ordem (criminal, civil ou administrativa) pelo mero exercício consciente de suas convicções jurídicas, ainda quando contrárias à jurisprudência pacificada nos tribunais – o que inclui todos os enunciados de súmulas não-vinculantes – ou aos modelos de gestão adotados pelos vários órgãos de administração judiciária (conselhos e administrações de tribunais). Nesse diapasão, o “excesso dos prazos previstos em lei” não pode ser causa única e isolada para a punição ou para a responsabilização do juiz, notadamente quando tal excesso se justifica pelo exercício de suas convicções quando aos efeitos jurídicos de atos ou fatos jurídicos externos (como, e.g., nas hipóteses de prejudicialidade externa), quando à necessidade de dilação instrutória, quando à extensão do contraditório, etc.
4. Quanto ao mais, porém, e na perspectiva global, registre-se tratar-se de texto muito bem afinado com a processualística contemporânea, consentâneo com o novo perfil da Magistratura nacional (proativa, jusgarantista e conciliatória) e sensível a princípios de direito material e processual intensamente repercutidos pela doutrina de vanguarda, conquanto atualmente ignorados pela letra da legislação processual em vigor. Nessa ensancha, cite-se, p.ex., a recepção formal (textual ou contextual) do princípio da cooperação processual (artigos 8º e 107, III)[22], do princípio da adequação material dos atos e procedimentos (artigo 107, V), do princípio da proporcionalidade – em geral (artigo 472, par. único) e aplicado à valoração das provas obtidas por meio ilícito (artigo 257, par. único)[23] – e até mesmo do princípio geral da razoabilidade (artigo 6º), entre outros. Converge-se mesmo para uma abordagem hermenêutica pós-positivista (artigo 108). Por essa ancoragem principiológica tão rica, e somente por isso, a proposta já nos mereceria os melhores encômios.
5. Nesse diapasão, e adstrito aos lindes propostos (âmbito das prerrogativas da Magistratura nacional), recomenda-se a exclusão peremptória do texto do artigo 192 do Anteprojeto de Código de Processo Civil (atual PLS nº 166/2010); a exclusão ou, ao menos, a adequação material do texto vazado no artigo 192 do anteprojeto, assim como naqueles que reproduzem seu espírito (como, e.g., o artigo 110, par. único); e, bem assim, a adequação material dos artigos 14 e 503, § 8º, tudo isso sem qualquer prejuízo à elevada conveniência da aprovação global do texto (notadamente para a Teoria Geral do Processo), uma vez feitos esses reparos.
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FELICIANO, Guilherme Guimarães. Direito à Prova e Dignidade Humana. São Paulo: LTr, 2008.
FELICIANO, Guilherme Guimarães. PISTORI, Gerson Lacerda. MAIOR, Jorge Luiz Souto; TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. Fênix – por um um novo processo do trabalho: a proposta dos juízes do Trabalho da 15ª Região para a reforma do processo laboral (comentada pelos autores). São Paulo: [s.e.], 2010 (no prelo).
MARINONI, Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. v. I, São Paulo: Malheiros, 2008.
OLIVEIRA, Alexandre Nery de. “Hierarquia e subordinação judiciárias. Inconstitucionalidade”. In: Jus Navigandi. Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=246 (Acesso em 17.06.2010).
[1] Adiante, referiremos indistintamente “projeto” e “anteprojeto de lei”, remetendo sempre ao
mesmo texto, uma vez que o PLS n. 166/2010 corresponde integralmente ao anteprojeto de lei apresentado pela Comissão de Juristas, sem alterações relevantes.
[2] COSTA MACHADO, Antonio Claudio da. “Um Novo Código de Processo Civil?”. In: Jornal Carta Forense. São Paulo: Stanich & Maia, 05.07.2010 (Legislação).
[3] O que está decerto conforme à melhor doutrina. Por todos, confira-se, com MARINONI: “a norma constitucional que afirma a ação institui o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, e, dessa forma, confere a devida oportunidade da prática de atos capazes de influir sobre o convencimento judicial, assim como a possibilidade do uso das técnicas processuais adequadas à situação conflitiva concreta. […] O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva obriga o juiz a garantir todos os seus corolários, como o direito ao meio executivo capaz de permitir a tutela do direito, além de obrigar o legislador a desenhar os procedimentos e as técnicas processuais adequadas às diferentes situações de direito substancial. […]As novas técnicas processuais, partindo do pressuposto de que o direito de ação não pode ficar na dependência de técnicas processuais ditadas de maneira uniforme para todos os casos ou para alguns casos específicos, incorporam normas abertas, isto é, normas voltadas para a realidade, deixando claro que a ação pode ser construída conforme as necessidades do caso conflitivo” (MARINONI, Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. v. I. pp. 285-291 – g.n.).
[4] “Quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações”.
[5] MARINONI, op.cit., p. 176.
[6] Assim, p. ex., o magistrado que se vir instado a decidir litígio para o qual se julga legalmente suspeito (artigo 135 do CPC), por ter o tribunal, em mandado de segurança, entendido o contrário. Não se trata de hipótese acadêmica, havendo precedentes na própria Justiça do Trabalho.
[7] OLIVEIRA, Alexandre Nery de. “Hierarquia e subordinação judiciárias. Inconstitucionalidade”. In: Jus Navigandi. Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=246 (acesso em 17.06.2010 – g.n.). O autor, não por acaso citado, é desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.
[8] CRUZ, José Raimundo Gomes da. Lei Orgânica da Magistratura Nacional Interpretada. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p.44 (g.n.).
[9] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998, pp.617-618 (g.n.).
[10] Aliás, quanto à alínea «d», restaria a esclarecer – e isto tanto poderia ser tentado mediante sucessivas incursões nos recônditos da Filosofia do Direito como ainda, mais intimamente, mediante sucessivas visitas ao divã do psicanalista, tal a extensão e as possibilidades da ideia contida – o que vem a ser a «pertinência» da doutrina ou da jurisprudência citada. Com toda vênia, conceito assim aberto jamais poderia ser eleito como “critério objetivo” de promoção de magistrados.
[11] BAPTISTA SILVA, Ovídio Araújo. Processo e Ideologia: o paradigma racionalista. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. pp.112 e ss.; pp. 128-129.
[12] Ver artigo 795 c.c. artigo 893, §1º, da CLT.
[13] Ver, no atual CPC, os artigos 522 a 529. No PLS n. 166/2010, vide artigos 929 a 936.
[14] Cfr. artigo 5º, incisos e XXXVII, LIII e LIV da CRFB.
[15] STF, ADI n. 2885/SE (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA vs. Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região), Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, J. 18.10.2006, in DJ 23.02.2007, p. 16 (g.n.).
[16] STF, ADI n. 3053/PA (Associação dos Magistrados do Brasil – AMB vs. Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior do Estado do Pará), Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 11.11.2004, in RTJ 193/129 (g.n.).
[17] STF, ADI n. 2580/CE (Procurador-Geral da República vs. Assembléia Legislativa do Estado do Ceará e Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará), Rel. Min. Carlos Velloso, J. 26.09.2002, in DJ 21.02.2003, p. 27 (g.n.).
[18] Com a qual, diga-se, não concordamos. A rigor, tanto o processo civil quanto o processo penal poderiam ser considerados, em um sentido mais amplo, «direito processual comum». Quanto a isso, v. “Fênix – por um um novo processo do trabalho: a proposta dos juízes do Trabalho da 15ª Região para a reforma do processo laboral (comentada pelos autores)”, ainda no prelo, de nossa lavra (em coautoria com os juízes Gerson Lacerda Pistori, Jorge Luiz Souto Maior e Manoel Carlos Toledo Filho).
[19] A que atualmente corresponderia, “mutatis mutandi”, o artigo 475-H do Código de Processo Civil em vigor.
[20] “Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos”.
[21] Processo n. 000222-2007-126-15-00-6 (2ª Vara do Trabalho de Paulínia). A liminar deferida, depois confirmada com pequenas modulações (MS n. 0005200-24.2009.5.15.0000), beneficia cerca de 3,5 mil ex-empregados e parentes (a cada qual, por sentença, será devido o valor de R$ 64,5 mil). Segundo estimativas do Ministério Público do Trabalho, cerca de sessenta e seis trabalhadores perderam a vida no local, por exposição a agentes tóxicos.
[22] Sobre isso, de nossa lavra, v. Direito à prova e dignidade humana. São Paulo: LTr, 2008. passim.
[23] Idem, ibidem.
A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO: DA LUTA PELA SAÚDE À LUTA PELO EMPREGO
Marluce de Oliveira Rodrigues
Mestranda em Sociologia e Direito pelo PPGSD – Universidade Federal Fluminense/RJ
RESUMO: A redução da jornada de trabalho, alvo de inúmeros debates desde a Revolução Industrial, agora é vista como mecanismo de combate ao desemprego estrutural. O tempo efetivamente trabalhado é a temática, cujas variantes são o emprego, as horas extras, a reorganização produtiva e a produtividade alcançada pelo capital nas duas últimas décadas. Nesse sentido, a pesquisa levanta dados e produção teórica para a análise do tema central e seu desenvolvimento histórico, assim como inventaria alguns casos concretos de diminuição da jornada realizadas no Brasil, por meio de negociações coletivas. Além disso, analisa-se os resultados colhidos pela realidade brasileira, quando da redução da jornada de 48 para 44 horas semanais, em 1988. Para, por fim, trazer ao debate os possíveis reflexos que uma diminuição de 44 para 40 horas semanais, na jornada de trabalho dos trabalhadores brasileiros, poderia acarretar à economia.
PALAVRAS-CHAVE: Redução; Jornada de trabalho; Horas extras; Criação de emprego.
SUMÁRIO: Introdução; 1. As Propostas em tramitação na Câmara dos Deputados; 2. A reestruturação produtiva e a redução da Jornada de Trabalho como opção ao desemprego; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A discussão em torno do tema “jornada de trabalho” é muito antiga, tendo se iniciado logo após o incremento da primeira Revolução Industrial, onde notadamente houve uma mobilização dos trabalhadores em prol de jornadas de trabalho mais justas e menos destrutivas à saúde.
À época, homens, mulheres e até crianças laboravam no limite de sua exaustão física, cumprindo jornadas de 14 a 16 horas por dia, o que acabava por gerar acidentes, mutilações e mortes em serviço. Daí as primeiras reduções – no tempo efetivamente trabalhado – ocorrerem através de movimentos populares que visavam à sobrevivência física.
A França, assim, desde 1806, implantou os chamados Conseils de prud’homme. Estes, constituídos de empregadores e empregados, tinham como atribuições conciliar e decidir questões oriundas do trabalho, tais como a proibição do trabalho de crianças em minas de subsolo, em 1813, e o trabalho em domingos e feriados, em 1814. Ademais, ainda em 1814, serviram para proibir o trabalho de menores de 08 anos e limitar a 08 horas diárias a jornada de trabalho dos menores com idade entre 08 a 12 anos. Para os menores com idade entre 12 a 16 anos, fixaram a jornada máxima diária em 12 horas.
Na Inglaterra, em 1833, foi proibido o trabalho do menor de 09 anos. Além disso, a jornada máxima diária foi limitada em 09 horas para os menores de 13 anos e em 12 horas para os menores de 18 anos. E, em 1844, limitou-se a prestação do trabalho feminino em 10 horas diárias.
Na Alemanha, em 1839, foi vetado o trabalho do menor de 09 anos e fixada em 10 horas a jornada de trabalho do menor de 16 anos. E, em 1853, voltando a lei a beneficiar a classe trabalhadora, se elevou a idade mínima do menor-operário para 12 anos e limitou-se a jornada de trabalho dos menores de 14 anos em 06 horas diárias (SÜSSEKIND, 2002, p.18).
Assim, somente em 1847 é que a Inglaterra – berço da 1ª Revolução Industrial – aprovava a primeira lei que fixava em 10 horas diárias a jornada máxima de trabalho, sendo seguida posteriormente pela França que estabeleceu, em 1848, em 10 horas a jornada máxima de trabalho em Paris e em 11 horas a jornada máxima das demais províncias.
O Congresso Geral dos Trabalhadores Norte-Americanos, celebrado em Baltimore no ano de 1866, aprovou uma resolução no sentido de que “a primeira e grande exigência para libertar o trabalhador da escravidão capitalista, nos Estados Unidos, era a promulgação de uma lei pela qual a jornada normal, em todos os Estados da União Americana, fosse de 08 horas”.
No mês seguinte, o Congresso Operário Internacional de Genebra ressaltava que “a limitação da jornada de trabalho era uma condição prévia, sem a qual fracassariam todos os outros esforços pela emancipação e que as 08 horas deveriam ser o limite legal da jornada”. Assim, a Internacional Socialista fez da jornada de 08 horas de trabalho uma das bandeiras destinadas a despertar o interesse do proletariado pelo Marxismo (SÜSSEKIND, MARANHÃO, VIANNA E TEIXEIRA, 2003, p. 795).
Seguidamente, em 1º de maio de 1886, ocorreram diversas manifestações nos Estados Unidos, em que eram pleiteadas a redução da jornada de trabalho para 08 horas. Mas essas mobilizações acabaram por terminar com seis trabalhadores mortos, oito presos e cinco deles condenados posteriormente à forca. Nascia aí o Dia Mundial do Trabalho, sendo comemorado em todos os países, menos nos Estados Unidos.
Em 1889, reunidos em Londres por ocasião da criação da Segunda Internacional, representantes de centenas de entidades de trabalhadores aprovaram uma resolução estabelecendo que, em todos os países, em todas as cidades, os trabalhadores iriam lutar pela redução da jornada de trabalho para 08 horas diárias e que se consagrasse o 1º de maio de cada ano a essa luta.
Assim, o desafio dos trabalhadores americanos não terminou. E, em 1890, enfim, conseguiram que o Congresso Norte Americano votasse a Lei que veio a fixar em 08 horas diárias a duração da jornada de trabalho.
O Papa Leão XIII, da mesma forma, já na Carta Encíclica “Rerum Novarum” (1891), estipulava que a jornada diária de trabalho não deveria exceder a força dos trabalhadores.
E, dessa forma, foram se desenrolando as lutas por melhores condições de trabalho, até que mais tarde, após a 2ª Guerra Mundial, já no período chamado de terceira Revolução Industrial, a motivação da luta pela redução das jornadas passou a ser outra: a geração de novos postos de trabalho.
Isso porque, na medida em que foram desenvolvidas novas tecnologias produtivas, houve também um aumento na automação e uma modificação nas técnicas de organização do trabalho, redundando num incremento da produtividade e do lucro pelos empresários, ao mesmo tempo em que se contribui para o chamado desemprego estrutural. Ou seja, este nada mais é do que reflexo do sistema capitalista, cuja lógica essencial é a maximização do lucro – ainda que seja em detrimento do trabalhador.
Dessa forma, nas duas primeiras revoluções tecnológicas, o resultado que se viu foi de um aumento do desemprego, visto que, para gerar o mesmo volume de emprego, era necessário um crescimento do Produto Interno Bruto superior àqueles verificados durante as décadas anteriores, ou uma mudança nos parâmetros institucionais da economia com relação à jornada de trabalho e o emprego de horas extras.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratando do tema logo quando foi criada, primeiramente em 1919, veio a estabelecer a jornada máxima de trabalho em 08 horas diárias e 48 horas semanais para a indústria. Posteriormente, em 1930, estendeu tal garantia ao comércio e escritórios. E, logo depois, em 1935, resolveu na “Conferência Internacional do Trabalho” adotar a semana de 40 horas, sob a forma da Convenção nº 47 – que, no entanto, só foi ratificada por quatro países.
A medida visava combater o desemprego proveniente da grande crise de 1929, mas, como foi pouco recepcionada, voltou a ser confirmada através da Recomendação de nº 116, de 1962, a qual propôs o limite de 40 horas semanais como “um padrão social a ser perseguido” (SÜSSEKIND, MARANHÃO, VIANNA E TEIXEIRA, 2003, p. 797).
Assim, a jornada de trabalho especificamente no Brasil, neste enfoque considerada como medida de tempo em que o trabalhador se coloca à disposição de seu empregador, é no presente momento tratada pela Constituição em seu art. 7º, XIII, e pela Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 58.
Atualmente ela está fixada em no máximo 8 horas diárias e 44 horas semanais, podendo ser prorrogada diariamente em 02 horas, desde que pagas tais horas com adicional de 50%, quando prestadas em dias úteis, e 100%, quando prestadas aos domingos e feriados. É facultada ainda sua compensação ou redução mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
A legislação fixa ainda jornada especial de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento. E caracteriza, como hora extraordinária, todo lapso temporal de trabalho ou disponibilidade do empregado, perante o empregador, que ultrapasse a jornada-padrão fixada em regra jurídica ou em cláusula contratual.
Além disso, a CLT, em consonância com a Constituição da República, permite a realização de horas extraordinárias em 05 (cinco) modalidades: acordo de prorrogação de jornada; regime de compensação de jornada; prorrogação em virtude de força maior; prorrogação para reposição de paralisações empresariais; e prorrogação em virtude de serviços inadiáveis.
O art. 7º, XIII, da Constituição, e o art. 59, § 2º, da CLT, também preveem que através de acordo ou convenção coletiva, o empregador está autorizado a compensar os excessos das jornadas, com folgas ou diminuições destas, criando assim os chamados “bancos de horas”. Estes, por meio do sistema de compensação, dão à empresa a possibilidade de flexibilizar a jornada de trabalho de seus funcionários, diminuindo ou aumentando-a durante os períodos de baixa ou alta na produção, mediante a compensação dessas horas em outros períodos – e sem custo adicional em suas folhas de pagamento.
Mas como o “banco de horas” possui atualmente um módulo de doze meses para sua compensação, esse período extenso muitas vezes é utilizado como um mecanismo extremamente negativo, visto que dificulta a fiscalização tanto por parte do Estado, através de seus órgãos de controle, quanto por parte dos próprios trabalhadores, uma vez que estes, após alguns meses, acabam por esquecer-se de tal contabilização. Isso dá margem à fraude.
Assim, a jornada de trabalho engloba, além das horas efetivamente trabalhadas, as chamadas horas à disposição do empregador, incluindo-se nesse rol as horas in itinere; os intervalos intrajornadas; as horas extraordinárias prestadas; além do tempo de prontidão e o tempo de sobreaviso, característicos de algumas categorias profissionais.
No entanto, tal jornada nem sempre foi assim. O padrão de 44 horas semanais somente foi estabelecido em 1988, com a promulgação da Constituição Federal atual. Antes disso, a determinação da jornada semanal era de 48 horas, limite este estabelecido pela constituição de 1934, porém só regulamentado com a entrada em vigor da CLT, em 1943.
E, como antes do ano de 1943 não havia um limite legalmente estabelecido para todas as categorias de trabalhadores, praticava-se, em média, uma jornada de 10 a 12 horas de trabalho, acrescida de horas extraordinárias de forma indiscriminada, o que acabou por gerar constantes greves.
Nesse contexto, desde o Império que os trabalhadores vinham se manifestando no sentido de reivindicar seus direitos através de algumas Ligas e do apoio de alguns jornais. Entretanto, foi somente com o advento da República que os movimentos operários começaram a ganhar corpo e ser representados por Entidades.
Nascia a partir daí o Partido Operário, criado em 1890; o Partido Socialista Brasileiro, que já pregava a luta de classes em 1902, e alguns Sindicatos profissionais cuja oficialização começou em 1907.
Foi também em 1907 que ocorreu a primeira grande greve geral, tendo como principal reivindicação a redução da jornada de trabalho para 08 horas diárias. Essa greve, iniciada em São Paulo, irradiou-se por algumas grandes cidades do interior paulista, atingindo também o Rio de Janeiro. À época, contou com a adesão das principais categorias profissionais que conquistaram, principalmente nas pequenas empresas, uma redução da jornada diária de trabalho para cerca de 10 horas (DIEESE, 1997).
Em 1911, foi apresentado ao Congresso Nacional um projeto de lei que previa a fixação da jornada normal de trabalho em 08 horas diárias, mas naquele momento tal projeto foi considerado pelas classes dominantes como subversivo e anárquico, não sendo nem sequer analisado pelos parlamentares (DIEESE, 1997).
Assim, o ano de 1917 veio a se caracterizar como um marco importante dos movimentos operários da República Velha. A classe operária mais consciente e organizada começou, naquele ano, um movimento grevista que se alastrou por todo o país. A greve, iniciada em 12 de junho de 1917, no bairro da Mooca – São Paulo, propagou-se e tornou-se uma greve de abrangência nacional, onde os operários reivindicavam, dentre outras coisas, uma jornada de 8 horas de trabalho e o adicional de 50% no valor das horas extras (SILVA, 1992).
Nesse mesmo sentido, novamente foi apresentado no Congresso Nacional um projeto de lei para estabelecer a jornada de trabalho. No entanto, a proposta foi mais uma vez rejeitada pelos setores conservadores da sociedade. Tudo isso, somado à conjuntura econômica nacional, fomentou a eclosão de novas greves que marcaram principalmente o ano de 1919 e o início de 1920, quando o movimento operário declinou sensivelmente, vindo a se reerguer somente após a Revolução de 1930 – contexto no qual o Estado passou a regulamentar a jornada de trabalho por meio de Decretos.
A Constituição Federal de 1934, portanto, foi a primeira legislação a abranger todo o proletariado, fixando, em seu art. 121, a jornada diária de trabalho em 08 horas e 48 horas semanais, além de estabelecer o repouso semanal remunerado e propor controles sobre o trabalho do adolescente e sobre o trabalho noturno.
Contudo, como a Constituição repassou para a lei ordinária a faculdade de regulamentar as hipóteses em que seria permitida a prorrogação do trabalho, somente em 1943, com a entrada em vigor da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), essa jornada foi regulamentada.
A partir desse arcabouço jurídico, fixou-se o limite de 02 horas extras diárias, pagas com adicional de 20%, excetuando-se, porém, algumas categorias de trabalhadores urbanos que adotaram uma jornada de trabalho diferenciada, além das atividades agropecuárias e outras do setor primário da economia – tais como a extração mineral, vegetal e a pesca, que já possuíam legislação específica (DAL ROSSO, 1996, p. 242).
Portanto, a CLT preservou os dispositivos dos inúmeros Decretos, Leis e Decretos-Leis editados ao longo do Governo Provisório de Getúlio Vargas, fixando, como princípio, as 08 horas diárias e 48 horas semanais (art. 58), mas abriu tantas exceções, que acabou por permitir jornadas de trabalho bem mais longas do que as previstas no texto constitucional (DAL ROSSO, 1996, p. 242).
A CLT estabeleceu ainda disposições especiais para diversas categorias, tais como a dos bancários, criando para eles uma jornada reduzida especial de 6 horas diárias e 30 horas semanais. Para os Empregados nos Serviços de Telefonia, Telegrafia Submarina e Subfluvial, de Radiotelegrafia e Radiotelefonia, a CLT estabeleceu carga horária de 6 horas diárias e 36 horas semanais, pelas condições especiais do trabalho.
E, dentro dessa mesma linha, agiu com os trabalhadores de minas e subsolo que, exercendo trabalho perigoso e penoso, tiveram sua jornada de trabalho diminuída para 6 horas diárias e 36 horas semanais, com intervalo de 15 minutos para cada 3 horas trabalhadas ininterruptamente.
Por fim, muitas outras categorias de trabalhadores, ao longo dos anos que se seguiram, conseguiram conquistas semelhantes, podendo-se citar os funcionários públicos que, desde a Constituição de 1967, começaram a trabalhar com a jornada de 40 horas semanais.
Em 1985, devido à conjuntura política extremamente difícil e delicada, o Brasil viu-se novamente invadido por um forte Movimento Sindical que levou à eclosão de diversas greves, com destaque para a do ABC Paulista, principal região da indústria automobilística do País.
A greve, que contou com a adesão de 290 mil Metalúrgicos, reivindicava redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, dentre outros itens, e paralisou quase que por completo a categoria por 54 dias. Mas, apesar de fortemente reprimida pela polícia, acabou se saindo vitoriosa, pois, embora não tenha alcançado sua meta, obteve inúmeros acordos descentralizados.
Por consequência, mais de 120 mil trabalhadores conquistaram a redução da jornada e os reajustes trimestrais, dentre outras reivindicações, principalmente junto às empresas de pequeno e médio porte, tais como a Atlas Copco, Conforja, Termomecânica, APV do Brasil, Echilin e EEG Elotherm, estabelecendo reduções na jornada de trabalho que variaram de 47 horas até às 40 horas semanais pretendidas – o que influenciou grandemente as discussões que antecederam a promulgação da Constituição de 1988.
Assim, com a Constituição de 1988, a jornada foi definitivamente reduzida para 44 horas semanais. Fora isso, o custo das horas extras foi aumentado de 20% para 50%, ainda no limite máximo diário de duas horas.
2. AS PROPOSTAS EM TRAMITAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Atualmente ganha força uma Campanha unificada das principais Centrais Sindicais que visa apoiar a Proposta de Emenda Constitucional n° 231-B, de 1995, cuja autoria é dos Senadores Paulo Paim e Inácio Arruda.
A Campanha, que se propõe a lutar pela redução da jornada de trabalho como forma de gerar 2 milhões de empregos, recolheu 1,6 milhões de assinaturas em um abaixo-assinado que dá sustentação à referida Proposta de Emenda Constitucional. Esta preconiza alterar os incisos XIII e XVI do art. 7º da Constituição Federal, para que a jornada máxima de trabalho seja reduzida de 44 horas para 40 horas semanais, enquanto a remuneração de serviço extraordinário passaria de 50% para 75%.
Além do Projeto de Emenda à Constituição nº 231-B, atualmente aguardando pauta na Câmara dos Deputados, tramita apensado a ele a PEC nº 393/2001, dos mesmos autores, que visa introduzir o inciso XIII-A ao art. 7º da Constituição Federal, e a PEC nº 271/1995, de autoria do ex-Deputado Eduardo Jorge (PT/SP), a qual visa alterar a redação do art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal.
Assim, a PEC nº 393, de 07 de agosto de 2001, apresentada junto às mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, visa introduzir o inciso XIII-A ao art. 7º da Constituição Federal. Propondo, com isso, uma redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais, a partir de 1º de janeiro de 2004, precedida de uma jornada de trabalho de 40 horas semanais, a partir de 1º de janeiro de 2002, datas estas prejudicadas pela falta de conclusão do respectivo Processo Legislativo.
Sugere, ainda, que nova redação seja dada ao inciso XVI do art. 7º da Constituição Federal, a fim de alterar os percentuais remuneratórios das horas extras, fixando-os em 100%, quando prestados em dias úteis, e, em 200%, quando prestados aos domingos e feriados.
Enquanto – segundo a PEC nº 271/95 – a jornada de trabalho seria reduzida de 08 horas diárias para 06 horas diárias e de 44 horas para 30 horas semanais. Além disso, fixa que a redução deve ocorrer em quatorze anos, à razão de uma hora da jornada semanal por ano, sem redução salarial.
Por fim, impõe que seria facultada a ampliação da jornada por um breve período, até o limite de 08 horas diárias e 40 semanais, mediante acordo ou convenção coletiva – a critério dos empregados e empregadores.
Desse modo, como a matéria tratada pela Proposta de Emenda nº 231/95 está sujeita à norma especial, primeiramente foi submetida à apreciação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 26.11.1996, tendo esta opinado, unanimemente, por sua admissibilidade. E, posteriormente, determinou-se o apensamento das duas outras Propostas de Emenda à Constituição, já citadas.
Nesse momento, a mesma Comissão já havia também opinado pela admissibilidade da PEC nº 271/95, porém com substitutivos que visavam adequar a proposta à técnica legislativa, analisado-se posteriormente, em 17.09.2003, a PEC nº 393/2001, em que opinou também pela admissibilidade com substitutivos.
No caso da PEC 393/2001, o substitutivo retiraria o inciso XIII-A incluído pela proposta, passando seu conteúdo para dispositivo autônomo, constituindo assim disposição transitória.
Finalmente, em 08 de dezembro de 2008, constituiu-se uma Comissão Especial, a partir da qual proferiu-se parecer, em 30 de junho de 2009, após a realização de algumas audiências públicas.
Assim, a Comissão se manifestou favoravelmente à aprovação da PEC nº 231-A, de 1995, com uma pequena emenda para adequar a técnica legislativa à vigência da Lei Complementar nº 951/98, rejeitando-se as duas outras propostas – a PEC nº 271/95 e a PEC nº 393/01. E, após todos esses trâmites, encontra-se a matéria aguardando pauta na Câmara dos Deputados – necessitando ainda ser apreciada em dois turnos de seu Plenário.
Dito isso, dentre as questões mais relevantes a serem abordadas na análise do tema em foco, está a necessidade de mobilização da população economicamente ativa em se discutir 03 aspectos essenciais: a inserção crescente da informática no nosso sistema econômico; os reflexos de um possível aumento dos lucros auferidos pelos empregadores em geral; e, por fim, o problema central: qual seria o impacto para a economia brasileira, de uma redução inicial da jornada legal de trabalho de 44 horas para 40 horas semanais.
3. A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO COMO OPÇÃO AO DESEMPREGO
Independentemente do crescimento econômico do País, o processo de globalização, de transformação dos modelos produtivos e da organização do trabalho fazem gerar uma forte competição entre as empresas, observando-se como estratégia destas o alongamento das jornadas de trabalho através do emprego de horas extras, em vez da contratação de novos trabalhadores.
Assim, a partir desse novo modelo econômico, a política do governo passa a ser de enfatizar a supremacia dos mecanismos de mercado, a retirada do Estado da economia e o incentivo aos círculos de excelência produtiva, o que viabiliza o crescimento econômico mas exclui parcelas crescentes da população – aumentando assustadoramente os níveis de desemprego.
Os anos 90 marcam essa nova fase. As empresas passam a introduzir inovações tecnológicas acompanhadas – e subordinadas – à implementação de novas formas de organização da produção e do trabalho. Surgem assim as “células ou ilhas de produção”, grupos de trabalho participativos e polivalentes – além de inúmeros programas de controle e desenvolvimento da qualidade.
O sistema just in time, por exemplo, passa a controlar a produção com o objetivo básico de atender o cliente da empresa o mais rápido possível. Assim, ao envolver as várias etapas da produção no interior das empresas – assim como os fornecedores externos –, faz gerar alterações na natureza do trabalho e das funções laborais.
Os trabalhadores, além de responsáveis por múltiplas funções de operação e controle de qualidade, passam agora a ser submetidos a ritmos muito mais intensos de trabalho. E essa intensificação do trabalho acaba por gerar, a longo prazo, um aumento da exaustão física e psíquica dos trabalhadores, gerando as chamadas “doenças ocupacionais”.
A terceirização – outra invenção do sistema capitalista – passa a possibilitar ao empregador a concentração de suas pesquisas, planejamentos e investimentos, tão-somente na atividade-fim de sua empresa. O que significa dizer que se transfere o conjunto das atividades, seja de apoio ou mesmo de produção, para outras empresas, objetivando reduzir custos e simplificar o processo produtivo. Tal medida fez gerar rebaixamento salarial e informalização das relações de trabalho, colaborando para o que se chama de “precarização dos postos de trabalho”.
A partir daí, o que se observa é que tais mudanças fazem gerar períodos de crescimento sustentado das taxas de produtividade, diminuindo os custos relativos da força de trabalho, além do tempo necessário da produção. E, nesse sentido, dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (DIEESE, 2004) destacam que, somente na indústria, a produtividade já dobrou nos últimos dez anos, o que possibilitaria aos trabalhadores reivindicarem jornadas de trabalho menores – sem se falar em aumento demasiado de custos pelos empresários.
Para as Centrais Sindicais, a implementação da redução de jornada serviria como um mecanismo eficaz de abertura de novos postos de trabalho, pois novos trabalhadores poderiam desempenhar as tarefas anteriormente realizadas no período suprimido.
Ademais, considerando a exigência cada vez maior de qualificação profissional para preenchimento de novos postos de trabalho e daqueles já ocupados, o tempo livre possibilitaria a milhares de pessoas a disponibilidade de carga horária para tal especialização.
O desfecho desse quadro seria a retirada de milhões de pessoas da situação de desemprego, problema este que tanto colabora para o aumento da violência, da evasão escolar, além de inúmeras outras questões, tais como a perda de recolhimentos à Previdência Social – esta já tão debilitada.
Partindo-se do pressuposto que a redução da jornada de trabalho diminuiria o desemprego, defendem os Sindicalistas que haveria um aumento da massa salarial, o que causaria elevação do consumo e do crescimento econômico, além da ampliação da arrecadação dos impostos e a diminuição dos gastos sociais, como o seguro-desemprego.
Contudo, a análise não é tão simples assim. É necessário a consideração de algumas questões paralelas que o tema abarca, tais como a interferência do mecanismo das horas extras e o controle governamental do incremento tecnológico.
Isso porque, da análise da redução da jornada semanal de trabalho ocorrida no Brasil, em 1988, quando então a jornada máxima legal passou de 48 para 44 horas semanais, surgem indícios que muitos postos de trabalho foram perdidos em razão da desconsideração dessas questões.
SADI DAL ROSSO (1998, p. 78), verificando os efeitos sofridos pelo Brasil quando da redução da jornada de trabalho implementada pela Constituição Federal de 1988, estuda detalhadamente a diminuição da jornada e seu efeito no emprego, fazendo uma análise em termos quantitativos. E, como resultado de seu estudo, conclui que a alteração elevou a oferta de novos postos de trabalho.
Entretanto, ressalta que o “efeito emprego” ficou em torno de 0,7%, o que estaria muito abaixo dos 8,33% esperados. Diante desse quadro, como aponta o autor, é primordial que se controle as horas extras, pois o que se observou foi que, logo após a promulgação da Constituição de 1988, a utilização de jornadas extraordinárias pelo setor de empregos formais pulou de 24,4% para 41,2%. E, como esse aumento assustador ocorreu logo após a entrada em vigor da nova legislação, houve uma conclusão lógica, por parte do autor, que tal mecanismo serviu como válvula de escape para as empresas deixarem de contratar novos funcionários.
Outro importante estudo foi feito por economistas da USP e PUC-RJ (GONZAGA, MENEZES FILHO E CAMARGO, 2003). Os pesquisadores, ao estudarem os efeitos da redução da jornada de trabalho prescrita pela Constituição Federal de 1988 sobre o mercado de trabalho, chegaram a conclusões igualmente satisfatórias.
Os autores, por meio de resultados empíricos, conseguiram demonstrar que a alteração da Constituição provocou uma diminuição da jornada efetiva de trabalho, além de ter aumentado o salário-hora dos trabalhadores empregados na época.
Fora isso, descobriram que tal alteração não afetou a probabilidade de o trabalhador ficar desempregado em 1989. O emprego, muito pelo contrário, se tornou mais estável no referido ano, porquanto houve uma diminuição da probabilidade de o trabalhador afetado ficar sem emprego. E, por tudo isso, concluíram os autores que, pelo menos no período de 1988 a 1989, não foram constatados efeitos negativos na questão do emprego.
Assim, todos esses estudos mostram-se importantes, pois existe também um movimento em sentido contrário ao Sindicalismo, representado principalmente pela Confederação Nacional da Indústria e pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Estas pressupõem um aumento da folha de pagamento das empresas, e, como resultado disso, há a ocorrência de demissões, perda de competitividade do Brasil no mercado internacional e aumento da automatização nas indústrias.
O setor empresarial, dessa forma, quando não comprometido com a causa de “gerar novos postos de trabalho”, acaba por aumentar a carga horária de seus empregados, em vez de contratar novos funcionários. Visam ao máximo diminuir suas perdas, disseminando a ideia de que a saída para o problema não estaria em se mudar a legislação nacional, e sim flexibilizar a jornada de trabalho e se negociar através de acordos e convenções coletivas.
Mas a realidade é outra. Dados apurados pelo DIEESE (1997) constataram (em 1988) que, dos documentos firmados entre empregados e empregadores no setor privado – registrados pelo Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas-SACC/DIEESE, entre 1993 e 1995 –, 51 instrumentos apresentaram pelo menos uma cláusula relativa à jornada de trabalho – porém apenas 11 continham efetivamente algum tipo de redução do tempo laboral.
Consequentemente, desses 11 instrumentos encontrados, 05 referiam-se a categorias diferenciadas; 01 instrumento reduzia a jornada apenas em um período do ano; um único instrumento vinculava a redução da jornada de trabalho à sua flexibilização; e 03 implantavam a redução da jornada no seu setor administrativo.
Para aqueles que reduziram a jornada de seu setor administrativo, um exemplo foi o caso da ex-Coperbo (PE), que, em 1993, instituiu uma jornada de 42 horas semanais para os seus empregados e, em 1995, baixou essa jornada para 40 horas semanais. A Acesita e a Bahia Sul Celulose também – em 1993 – instituíram uma jornada para os seus empregados de 43,5 horas semanais e, em 1994, reduziram-na para 41 horas, adotando mais à frente – em 1995 – a jornada de 40 horas semanais.
Todavia, apenas 01 instrumento estendeu a redução da jornada para todos os seus empregados, sem falar em qualquer tipo de flexibilização, que foi a negociação conquistada pelos trabalhadores do setor de papel e papelão de Lajes, em Santa Catarina – a qual implantou a redução da jornada para 42,5 horas semanais, em 1994.
Por fim, o DIEESE (1997) constatou que, do conteúdo das cláusulas pesquisadas nos acordos e convenções coletivas de trabalho nos últimos anos, nenhuma negociação tratou da regulamentação da adoção desses processos de inovação tecnológica e organizacional pelas empresas, o que faz gerar um impacto extremamente negativo sobre o nível de emprego, significando a eliminação de muitos postos de trabalho.
Ademais, nesse mesmo sentido, buscando tornar mais concreta essa ideia da redução da jornada de trabalho, vale ressaltar ainda algumas experiências já ocorridas no Brasil.
SADI DAL ROSSO (1996, p. 328) analisa, assim, uma Indústria do ABC Paulista que, desde a sua instalação no Brasil, introduziu a jornada de trabalho de 40 horas semanais, seguindo o padrão de trabalho norte-americano.
A “Equipamentos Metal Ltda”, nome fictício dado a essa empresa no intuito de evitar sua identificação, instalou-se em Diadema, São Paulo, em 1978 – tendo como produção máquinas de largo porte, para varrer, lavar e secar grandes áreas como fábricas, rodoviárias, aeroportos e hospitais.
A empresa multinacional que conta com capital norte-americano tem outras fábricas localizadas nos EUA, Inglaterra, Holanda, Japão, Canadá e Austrália, e sempre manteve a jornada de 40 horas semanais sem problemas. Seu diretor de pessoal, inclusive, chegou a afirmar que “a jornada de quarenta horas é vantajosa para a empresa porque o pessoal se interessa muito mais, porque é uma vantagem oferecida quando se quer contratar e porque aumenta o emprego”; ou seja, os trabalhadores mantêm maior atenção, concentração e menor cansaço – o que acaba por gerar uma maior produtividade.
A Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, uma das maiores empresas automobilísticas do País, também já fechou diversos acordos com o Sindicato de seus trabalhadores, versando sobre jornada de trabalho. E foi assim que, em novembro de 2001, firmou uma redução na jornada de trabalho dos seus empregados para 34 horas semanais (CHAIM, 2002).
Desse modo, na ocasião, o acordo levou em consideração a demanda da fábrica, estipulando, em 2002, jornadas diferenciadas por mês. Assim, fixou-se 34 horas para os meses de janeiro e fevereiro; 40 horas para os meses de março e abril; 42 horas para maio; 40 horas em junho; e 34 horas para os meses de julho a novembro. Em dezembro, para compensar os 15 dias de férias do final de ano, a jornada semanal ficou fixada em 40 horas.
Nesse caso, a redução da jornada foi acompanhada por uma redução do salário em 12,5%, aplicando-se, ademais, o banco de horas como forma de flexibilização da duração da jornada de trabalho. À época, o seu vice-presidente chegou a afirmar que a redução dava fôlego para a empresa e qualidade de vida aos funcionários – mas infelizmente tais conquistas acabaram por retroceder nos anos seguintes.
Na Cofap, de São Bernardo do Campo, a reivindicação histórica dos metalúrgicos do ABC também já obteve conquistas. Em 1º de março de 2004, começou a valer a redução da jornada de trabalho – porém sem diminuição de salário – para 40 horas e 40 minutos, enfatizando a Empresa o enfoque na geração de novos postos de trabalho. Contudo, da mesma forma que a Volks, tal conquista acabou se mostrando temporária.
Mais recentemente, os trabalhadores da Metalúrgica Gestamp, em São José dos Pinhais/PR, firmaram um acordo de redução da jornada, sem redução salarial, de 42 horas para 40 horas. A medida, que começou a valer em janeiro de 2010, também foi seguida por outras fábricas situadas em Curitiba, tais como a TK Sofedit, Aethra e Keiper, o que acabou por totalizar um montante de 2 mil trabalhadores beneficiados.
Por fim, vale ressaltar que não é só na Metalurgia que foram firmados acordos de redução da jornada de trabalho. O Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do Estado de São Paulo fechou um acordo com o Sindicato das Empresas de Processamento de Dados que concedeu reajuste de 6% nos salários e redução de 40 horas semanais a partir de janeiro de 2011.
Mas analisando-se a tese Patronal da preferência pelas negociações coletivas, constata-se que, apesar de o Brasil apresentar inúmeras negociações coletivas bem-sucedidas, no que diz respeito à redução da jornada de trabalho, tal mecanismo ainda se mostra impotente e insuficiente frente à totalidade das empresas e da população economicamente ativa que compõem a economia brasileira.
Como bem define a CLT, no seu art. 611, a Convenção Coletiva de Trabalho “é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”, sendo “facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho”.
Assim, tais negociações coletivas se apresentam limitadas, na medida em que se mostram necessariamente temporárias e reversíveis, ou seja, possuem prazo máximo de vigência de 02 anos, segundo consta da redação do art. 614, § 3º, da CLT. Ademais, abrangem somente os sujeitos aptos a negociar, quais sejam, as categorias profissionais, setores da atividade econômica ou empresas – o que acaba por excluir grande parte da população ativa brasileira, principalmente os trabalhadores de pequenos estabelecimentos não representados por grandes Sindicatos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, é importante enfatizar que a redução da jornada nos moldes em que está sendo proposta, ou seja, de uma diminuição legal da jornada semanal dos trabalhadores de 44 horas para 40 horas, não reverterá em um número de contratações nessa mesma proporção, isto é, na proporção de 10%.
As experiências já implementadas demonstram que a dinâmica é complexa, envolvendo a questão da produtividade das empresas e do próprio trabalhador; do emprego das horas extras; dos mecanismos de flexibilização, tais como o banco de horas, contratos em regime de tempo parcial, contratos por tempo determinado – dentre outras inúmeras estratégias que as empresas podem lançar mão.
Além disso, deve-se observar que tal legislação não atingirá toda população economicamente ativa, visto que os trabalhadores autônomos não possuem restrições legais quanto a seus horários de trabalho. Os Servidores Públicos seguem seus respectivos Estatutos, com jornada de 40 horas semanais, além de diversas outras categorias profissionais que já possuem leis específicas, as quais contemplam uma jornada reduzida.
Observa-se também que sempre que a redução da jornada de trabalho foi imposta ao empresariado, uma das primeiras medidas utilizadas juntamente com o recurso às horas extras foi a reestruturação produtiva.
As empresas analisadas por SADI DAL ROSSO (1996, p. 333), após terem diminuído a jornada de trabalho dos seus empregados para 40 horas semanais, em 1985, procuraram em um primeiro momento redistribuir as tarefas entre os seus trabalhadores, adotando para tanto processos de reestruturação interna, revisão das atribuições, racionalização das atividades – além do caminho da modernização da produção, por meio da modernização técnica.
Em tais condições, a intensificação do processo do trabalho acompanhou a redistribuição das tarefas, reestruturando o conjunto das atividades produtivas, sem que muitas vezes fossem necessárias mudanças tecnológicas.
A produtividade também merece relevo, pois sofre alterações na medida em que a redução da jornada de trabalho permite um aumento na produtividade total do trabalhador, que, estando mais descansado, labora com mais atenção – reduzindo assim os erros cometidos durante a produção e, consequentemente, seus custos.
Outra implicação que se mostra presente nesse contexto é a eficácia de tal redução como forma de se reduzir os riscos e malefícios inerentes ao ambiente de prestação de serviços. Nesse enfoque, funciona como um mecanismo extremamente eficaz para a medicina e segurança do trabalho, tendo em vista que diminui consideravelmente as probabilidades de ocorrência de doenças profissionais e acidentes do trabalho.
Portanto, evidencia-se que diversos fatores tendem a influenciar na produção final dos trabalhadores, o que faz com que o efeito emprego, nesses casos, seja menor que a redução da jornada de trabalho.
Uma redução na base de 10% provavelmente não se converterá em 10% a mais de empregos, o que não quer dizer que esse efeito emprego não exista. Daí a importância de se discutir tal alteração juntamente com a limitação do uso das horas extras, do banco de horas e com incentivos por parte do Governo.
A este pode, por exemplo, caber o estímulo aos empregadores, para que eles não deixem de empregar em razão da aquisição de novos aparatos tecnológicos, gestão da produção, dentre tantos outros artifícios utilizados para amenizar a perda de sua lucratividade.
GIUSEPPINA DE GRAZIA (2009), ao analisar a redução do tempo de trabalho e associá-lo ao combate do desemprego, atesta que o período atual possui base material e justificativa muito mais consolidada que em outros períodos históricos. E isso se dá, como já observado, pelo avanço do sistema produtivo e sua capacidade de gerar mais riqueza em menos tempo.
Debate, portanto, a viabilidade da diminuição da jornada de trabalho, passando por uma análise da lei das 35 horas da França, até chegar às condições que lhe parecem ser fundamentais à eficácia de geração de novos postos de trabalho.
São elas: 1) a redução deve ser quantitativamente significante e realizada, de preferência, de forma brusca; 2) a redução deve se dar através de legislação nacional, para assim produzir melhores resultados; 3) deve haver uma diminuição efetiva das horas trabalhadas; 4) no caso de subsídios fornecidos pelo Governo, estes devem vir condicionados à abertura de novos postos de trabalho, por parte das empresas beneficiadas; e, por fim, 5) mobilização e organização da classe trabalhadora.
Tal posicionamento é extremamente válido para se pensar em políticas públicas de combate ao desemprego, como bem pontua MÁRCIO POCHMANN (2008), ao defender não só a redução da jornada de trabalho, mas também que esta deveria ser de 12 horas semanais.
O economista, através do que chama de trabalho imaterial, defende que a produtividade cada vez mais se separa do local de trabalho, estando presente em muitos locais ao mesmo tempo – o que faz com que se acumule riqueza mais facilmente.
Assim, conclui ser absurdo que as 50 maiores empresas do mundo tenham um faturamento superior a 100 países. Daí entender que uma redução drástica da jornada serviria para repartir melhor a renda e a riqueza produzida pelo sistema capitalista.
Quanto à redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, o autor, em entrevista fornecida ao site do Instituto Humanitas Unisinos, em 2008, declarou que entende toda essa mobilização como positiva, pois abre espaço para negociação e para se “repensar todo sistema capitalista” no Brasil.
Por tudo isso, e levando-se em consideração que a efetivação da redução da jornada no Brasil sempre exigiu a intervenção do Estado ao longo das décadas, entende-se completamente necessária a mobilização da sociedade, sendo imprescindível o protagonismo desta na cobrança pela continuidade desse processo legislativo de alteração constitucional – e assim consolidar diversos ganhos setoriais a todo o restante da população economicamente ativa.
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A CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 617 DA CLT
Marcelo Caon Pereira
Juiz do Trabalho Titular da Vara do Trabalho de Cruz Alta – RS
SUMÁRIO: Introdução; 1. Convenções e acordos coletivos de trabalho; 2. Participação dos Sindicatos nos acordos; 3. A negociação coletiva sem o Sindicato Profissional; 4. As decisões do TST; 5. A posição do Ministério do Trabalho e Emprego; Conclusão; Bibliografia.
INTRODUÇÃO
O modelo de negociação coletiva hoje vigente no Brasil ainda data da época do Estado Novo (1937-1945), no qual a influência das ideias corporativistas da Constituição Federal de 1937 dava a entender que o sindicato, por exercer funções delegadas do poder público, estava ao Estado atrelado e deste podia sofrer limitações e intervenções.
Embora a Constituição Federal de 1946 contivesse cunho democrático, a concepção do sindicalismo permaneceu a mesma da época anterior, no que também foi seguida pelo período de regime militar. Nesse contexto nasceu o artigo 617 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cuja redação atual data do Decreto-lei nº 229/67. Esse dispositivo autoriza os grupos de empregados que desejarem celebrar acordos coletivos com as suas empresas eventualmente o fazerem sem a participação das entidades sindicais da sua categoria, bastando, para tanto, que os sindicatos se neguem a representá-los. Se, por cerca de trinta anos, essa regra jamais foi questionada no sistema jurídico brasileiro, a nova ordem constitucional de 1988 afirmou no seu artigo 8º a liberdade de associação sindical e a obrigatoriedade de participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Essa obrigatoriedade, expressão até então inexistente no direito constitucional brasileiro, veio a levantar sérias dúvidas sobre a recepção do artigo de lei anteriormente citado, na medida que ele trata de hipótese de exclusão do sindicato da negociação coletiva.
Nesse estudo, pretendemos fazer esse xeque de constitucionalidade, verificando se realmente há incompatibilidade entre o princípio de obrigatoriedade de participação do sindicato na negociação coletiva e a regra de exceção que permite aos empregados realizar diretamente acordos coletivos com seus empregadores.
- 1. CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO
A CLT, no que diz respeito às possibilidades de formulação de contratos coletivos, abre para as partes interessadas duas formas de contratação: a convenção coletiva de trabalho e o acordo coletivo de trabalho. Enquanto a primeira vem conceituada no caput do artigo 611 consolidado[1] como sendo o ajuste normativo entre um ou mais sindicatos da categoria profissional com um ou mais sindicatos da categoria econômica, o segundo encontra seu fundamento de validade no §1º de tal artigo[2]. Segundo prevê esse parágrafo, as empresas podem, sem a participação do sindicato representativo da sua categoria econômica, celebrar acordos coletivos diretamente com um ou mais sindicatos da categoria profissional, os quais serão aplicáveis exclusivamente aos contratos de trabalho dos seus empregados. Assim, diante de um rápido exame da lei, podemos concluir que o sistema de contratos coletivos vigente no país prevê a possibilidade de dois tipos normativos que podem, inclusive, coexistir ao mesmo tempo.
No que diz respeito ao procedimento para se chegar a cada um deles, as normas consolidadas também são bem claras. Na hipótese de convenção coletiva, a iniciativa é dos sindicatos das categorias profissional e econômica que, para celebrarem esse instrumento deverão convocar uma prévia assembléia geral, na qual seus associados deliberarão sobre quais as matérias que deverão tornar-se objeto de negociação (artigo 612 da CLT)[3]. Já no caso de acordo coletivo, é preciso ressaltar que a iniciativa originária pertence aos não propriamente aos sindicatos, mas aos empregados e às empresas. Contudo, mesmo tendo a possibilidade de tomarem a iniciativa, operários e patrões que desejarem celebrar esse instrumento devem primeiro dar ciência da sua resolução aos sindicatos representativos das suas categorias, a fim de que estes, verdadeiros titulares legais do direito de negociação coletiva, possam comparecer e assumir a direção dos entendimentos. Essa é a regra do artigo 617 da CLT, que, antes de estabelecer um procedimento de exceção para os acordos coletivos, fixa de quem é a iniciativa para a sua celebração. Seu texto diz o seguinte:
“Art. 617. Os empregados de uma ou mais empresas que decidirem celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas empresas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas empresas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica.
§ 1º. Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federação a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assumas a direção dos entendimentos. Esgotado esse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva, até o final.
§ 2º. Para o fim de deliberar sobre o Acordo, a entidade sindical convocará assembléia geral dos diretamente interessados, sindicalizados ou não, nos termos do art. 612.”
A sistemática de funcionamento desse dispositivo é relativamente simples e decorre quase que da interpretação gramatical da lei. Olhando a questão pela ótica dos operários, podemos dizer que, sempre que os empregados de uma ou mais empresas decidirem celebrar acordos coletivos com seus patrões, deverão notificar o sindicato que representa a sua categoria para que, no prazo de oito dias, assuma a direção da negociação. Se o sindicato aceitar o encargo, marcará assembléia geral dos diretamente interessados para deliberar sobre o acordo, ou seja, para esclarecer os trabalhadores, associados ou não, sobre as vantagens e desvantagens da realização do acordo coletivo. Se, por outro lado, houver inércia ou negativa do sindicato, os empregados interessados repetirão igual procedimento em relação à federação e à confederação, as quais, se também se negarem a negociar ou se mantiverem inertes, chancelariam a possibilidade de negociação direta entre operários e patrões.
- 2. PARTICIPAÇÃO DOS SINDICATOS NOS ACORDOS
A mecânica de exceção acima descrita faz parte da redação da CLT dada pelo Decreto-lei nº 229/67. Isso quer dizer, e é importante salientar, que o modelo de negociação coletiva vigente no Brasil, mesmo antes da Constituição Federal de 1988, perseguia a participação obrigatória dos sindicatos nos procedimentos tendentes à celebração de acordos coletivos. O artigo 616[4] da CLT sempre conteve a regra de que os sindicatos profissionais e econômicos, bem como as empresas, não podiam se recusar à negociação coletiva. A norma do artigo 617, § 1º, da CLT sempre foi encarada pela doutrina como verdadeira regra de exceção, como válvula de escape para grupos de empregados que encontravam posições recalcitrantes em seus sindicatos quando o assunto era a negociação com as empresas. Por isso, em tese, não deveria causar significativa modificação no sistema a inserção no texto constitucional de uma regra já assimilada pela legislação ordinária.
Mas não foi isso que ocorreu. O dispositivo constitucional que prevê ser “obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho” ensejou desde logo controvérsias de duas ordens. A primeira versava sobre eventual não-recepção de todos os regramentos da CLT acerca dos acordos coletivos, já que a nova ordem constitucional passava a exigir, sem qualquer exceção, a presença dos sindicatos, sejam eles de empregados ou empregadores, nas negociações coletivas. A segunda é a que hoje debatemos nesse artigo.
Em pouquíssimo tempo dissipou-se a querela doutrinária acerca da não-recepção dos dispositivos da CLT que versavam sobre acordos coletivos. Na medida que a nova regra constitucional de obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletivas estava inserida no Capítulo dos Direitos Sociais, ela tão-somente poderia ter um caráter tuitivo, ou seja, destinava-se exclusivamente a proteger os empregados. Ficou logo assente que a leitura dessa norma deveria ser feita em conformidade com o sistema que a criou.
Segundo a doutrina, estavam, pois, recepcionados todos os artigos da CLT que permitiam às empresas fazerem negociações coletivas sem a presença dos sindicatos da sua categoria econômica, já que elas não eram as destinatárias naturais da nova norma do inciso VI do artigo 8º da Constituição Federal.
Restou a segunda questão: se o novo sistema constitucional comporta interpretação no sentido de que ainda é permitido às empresas celebrarem acordos coletivos sem a presença dos seus sindicatos, será que persistiria o direito de exceção dos trabalhadores em fazerem o mesmo? O Ex-Ministro do TST, Arnaldo Süssekind, sempre sustentou que não. Para ele, o novo sistema constitucional não havia recepcionado a regra do artigo 617 da CLT:
“O principal requisito de validade dos instrumentos normativos autocompostos é que sejam subscritos por entidades sindicais, com existência legal, isto é, com atos constitutivos registrados em Cartório. Só as entidades regularmente constituídas estão legitimadas a vocalizar os interesses da categoria, prerrogativa constitucionalmente conferida ao sindicato (art. 8º, VI, da CF). Precisamente porque a negociação coletiva é monopólio sindical, entendemos que a Carta de 88 não recepcionou a previsão de empregados interessados entabularem negociação direta com o empregador ou sindicato patronal caso as entidades que os representem, nos diversos graus de estrutura, refuguem no cumprimento de sua missão precípua (parte final do art. 617, § 1º, da CLT)”.[5]
“É obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho, sejam simples acordos, convenções ou contratos coletivos”.[6]
A posição do eminente jurista baseia-se em uma interpretação quase que literal da carta magna. Para Arnaldo Süssekind, se a Constituição Federal fixa peremptoriamente que é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho e, mais do que isso, não estabelece nenhuma possibilidade de afastamento desse comando, não poderia a lei ordinária (CLT) fazê-lo. Decorrência dessa situação é a de que, se, por hipótese, os empregados de uma determinada empresa pretendessem com ela negociar coletivamente condições de trabalho (p. ex., redução de jornada com redução de salário), tão-somente poderiam fazê-lo através de seu sindicato. Se este se recusasse a fazer a negociação com a empresa por entender, p. ex., que o objeto de negociação seria prejudicial aos empregados, e se fosse acompanhado, em momentos posteriores, pela federação e pela confederação, aqueles nada poderiam fazer. Teriam de se conformar com a impossibilidade jurídica de confecção de norma coletiva com seu empregador, pela negativa dos seus titulares em fazê-lo.
Nessa posição contrária à recepção do artigo 617, § 1º, da CLT, Arnaldo Süssekind foi acompanhado do também Ministro do TST, Maurício Godinho Delgado, que de maneira detalhada também trouxe os argumentos que o levavam a concluir pela incompatibilidade entre as normas:
“O princípio da interveniência sindical na normatização coletiva propõe que a validade do processo negocial coletivo submeta-se à necessária intervenção do ser coletivo institucionalizado obreiro – no caso brasileiro, o sindicato.
Assumido pela Carta Constitucional de 1988 (art. 8º, III e VI, CF/88), o princípio visa a assegurar a existência de efetiva equivalência entre os sujeitos contrapostos, evitando a negociação informal do empregador com grupos coletivos obreiros estruturados apenas de modo episódico, eventual, sem a força de uma institucionalização democrática como a propiciada pelo sindicato (com garantias especiais de emprego, transparência negocial, etc.).
Em face de tal princípio não constitui, para o Direito, negociação coletiva trabalhista qualquer fórmula de tratamento direto entre o empregador e seus empregados, ainda que se trate de fórmula formalmente democrática (um plebiscito intraempresarial, por exemplo). Os poderes da autonomia privada coletiva, no Direito brasileiro, passam necessariamente pelas entidades sindicais obreiras.
Neste quadro, qualquer ajuste feito informalmente entre empregador e empregado terá caráter de mera cláusula contratual, sem o condão de instituir norma jurídica coletiva negociada. Na qualidade jurídica de mera cláusula contratual, este ajuste informal submete-se a todas as restrições postas pelo ramo justrabalhista às alterações do contrato de trabalho, inclusive o rigoroso princípio da inalterabilidade contratual lesiva.
A presente diretriz atua, pois, como verdadeiro princípio de resistência trabalhista. E corretamente, pois não pode a ordem jurídica conferir a particulares o poderoso veículo de criação de normas jurídicas (e não simples cláusulas contratuais) sem uma consistente garantia de que os interesses sociais mais amplos não estejam sendo adequadamente resguardados. E a presença e a atuação dos sindicatos têm sido consideradas na história do Direito do Trabalho uma das mais significativas garantias alcançadas pelos trabalhadores em suas relações com o poder empresarial”[7].
Como podemos notar da leitura desse excerto, Maurício Godinho Delgado vai além da interpretação literal da Constituição Federal e justifica sua posição com a premissa de desigualdade material que haveria entre os trabalhadores, ainda que em grupo, e a empresa. Para o mencionado doutrinador, torna-se requisito indispensável de validade da negociação coletiva a presença do sindicato profissional, na medida que as comissões provisórias de negociação, que são formadas pelos trabalhadores para negociar diretamente com as empresas quando o sindicato se nega a fazê-lo, não teriam as garantias legais necessárias (garantia de emprego, transparência na negociação, etc.) para discutir ajustes coletivos em condições de igualdade. Em outras palavras, para Maurício Godinho Delgado faltaria a essas comissões de empregados sustentação jurídica para sua condição de negociadores.
Em tese, poder-se-ia dizer que os trabalhadores reunidos em comissão não estariam em condições de recusar as ofertas e propostas dos seus patrões, já que o elemento da coação econômica presumida (perda do emprego dos negociadores, principalmente) estaria sempre presente na mesa de negociação. Levando a hipótese às últimas consequências, o acordo coletivo feito dessa maneira seria sempre prejudicial aos empregados, pois representaria não verdadeiramente a vontade coletiva, mas a vontade da empresa.
Os dois doutrinadores mencionados cercam-se de argumentos razoáveis, porém, mais recentemente, as suas posições passaram a ser questionadas por outros importantes juslaboralistas. Estes enxergam na norma de exceção do artigo 617 da CLT não uma ofensa à regra de obrigatoriedade de participação dos sindicatos profissionais nas negociações coletivas, mas sim uma alternativa àqueles grupos de empregados desdenhados pelo seu sindicato no processo de celebração de acordos coletivos. Para Amauri Mascaro do Nascimento, a previsão do § 1° do referido artigo caracterizaria hipótese de legitimação extraordinária da comissão provisória de negociação, exercitável apenas em caso de recusa de negociação por parte do sindicato profissional:
“Trata-se da atuação das Federações e Confederações no lugar de sindicato desinteressado e não no lugar de sindicato inexiste. Aqui, há um sindicato representativo da categoria na base territorial. Só que, embora provocado pelos trabalhadores, não os representou. Desinteressou-se de fazê-lo. Para que não fique bloqueada a via negocial, a lei permite que as entidades sindicais de grau superior assumam a negociação e assinem a convenção coletiva, que terá total validade. Vai mais além, prevendo a possibilidade de inércia também das entidades sindicais superiores. Autoriza os trabalhadores a, diretamente, negociar, e por meio de uma representação, ainda que ad hoc, para o ato, fechar o acordo, caso em que, igualmente, o acordo coletivo será lícito, para todos os efeitos legais. Trata-se de uma hipótese de legitimação extraordinária para negociar à margem da esfera sindical.”[8]
A proposição de Amauri Mascaro do Nascimento encampa a ideia de que o artigo 8º, inciso VI, da Constituição Federal comportaria sim exceção legal, baseada na inércia de um sindicato profissional que, embora provocado pelos trabalhadores, se desinteressou a fazê-lo. Interpretando o texto do importante doutrinador, verificamos que o que ele não deseja é fechar a via negocial. Se os empregados de determinada empresa têm interesse em com ela celebrar acordo coletivo, é responsabilidade do sindicato da sua categoria tomar frente nas negociações, já que, segundo o que dispõe o artigo da Constituição acima citado, é dele a legitimação ordinária para promover ajustes coletivos. Contudo, se, por desleixo ou inércia (ou ainda por outro motivo, mesmo que razoável), as entidades sindicais deixarem de fazê-lo, abrir-se-ia uma possibilidade, em prol da manutenção da via negocial, de legitimação extraordinária da comissão provisória de negociação, que ficaria autorizada a celebrar contratos coletivos com o seu empregador. Essa posição traz, ainda que de forma implícita, a ideia de descompasso entre a vontade dos operários e a vontade do sindicato.
Estevão Mallet, outro defensor da tese da constitucionalidade do artigo 617, §1º, da CLT, aborda de maneira mais desenvolvida a questão:
“Havendo divergência entre a vontade expressa pelo sindicato e a verdadeira vontade da categoria, parece fora de dúvida que a última deve prevalecer sobre a primeira. Não se concebe seja o sindicato transformado em árbitro supremo dos interesses da categoria, de tal modo que sua manifestação de vontade fique posta ao abrigo de qualquer questionamento ou revisão. Ato algum deve ou mesmo pode livre de toda espécie de controle ou fiscalização. Não se imagina, pois, o exercício da atividade sindical sem possibilidade de questionamento das decisões tomadas em nome da categoria (…). O questionamento judicial da recusa do sindicato não caracteriza, é bom ressaltar, indevida interferência do Poder Público na organização sindical, o que seria, aliás, ilícito (Constituição, art. 8º, inciso I). Com ele apenas se tutela o interesse final envolvido na relação coletiva de trabalho, que é, como já ressaltado mais de uma vez, não o sindicato, mas o dos integrantes da categoria, prejudicado pela recusa do sindicato. Assim, recusando-se o sindicato a celebrar convenção ou acordo coletivo de trabalho, em contraste com a vontade da categoria, deve-se admitir o suprimento judicial do consentimento recusado, a requerimento do grupo de trabalhadores prejudicado. Com isso se coíbem, tal como no passado já se fazia, em relação a pátrio poder, ‘os abusos e tyrannias’.” [9]
Para Estevão Mallet, quando houver divergência entre a vontade do sindicato e a vontade da categoria, deve esta prevalecer. Seus argumentos de cunho sociológico mostram que os verdadeiros destinatários das normas coletivas são os que devem decidir acerca da conveniência e da oportunidade da sua confecção. É uma sólida defesa, baseada também no raciocínio jurídico de que o sindicato profissional sempre deve estar sujeito às decisões tomadas nas assembléias convocadas para a finalidade de autorizar a negociação coletiva, seja ela destinada a celebrar convenção coletiva (artigo 612 da CLT), seja ela destinada a celebrar acordo coletivo (artigo 617, § 2º, da CLT).
É essa a posição com a qual nos alinhamos. Entendemos que o artigo 617, § 1º, da CLT foi recepcionado pela nova ordem constitucional de 1988 e pretendemos, nas próximas linhas, agregar novas ideias aos argumentos dos doutrinadores que assim também o compreendem.
- 3. A NEGOCIAÇÃO COLETIVA SEM O SINDICATO PROFISSIONAL
A negociação coletiva, como se sabe, não se confunde com o acordo ou a convenção coletiva que dela resultam. Ela é um procedimento envolvendo sindicato de empregados e empresa, ou sindicato de empregados e sindicato de empregadores, que objetiva criar norma coletiva destinada a fixar as condições de trabalho e salário. Acordos e convenções coletivas, portanto, são o resultado positivo da negociação coletiva. E, como foi deixado claro nos tópicos acima, a Constituição Federal prestigiou os sindicatos (mormente os de empregados), elegendo-os como atores da negociação coletiva.
Ocorre que, dentro de uma interpretação sistemática da Constituição Federal e da CLT, passamos a verificar que eles não são os únicos. Haveria também a legitimação extraordinária, mencionada por Amauri Mascaro do Nascimento, dos grupos de trabalhadores organizados, sempre que aqueles ordinariamente legitimados (sindicatos, federações e confederações) se negassem a exercer o direito que a Constituição Federal lhes conferiu.
Sim, porque a regra do seu artigo 8º, inciso VI não pode ser interpretada de forma gramatical ou alijada do sistema no qual ela se insere. A hermenêutica literal da norma, como já observado nesse texto, não logrou êxito em explicar o porquê não seriam dela destinatárias as empresas. Somente a partir do estudo da finalidade da regra constitucional é que se conseguiu concluir que ela não afastaria a legitimidade ordinária da empresa para celebrar acordos coletivos porque teria um caráter tuitivo, ou seja, destinava-se a proteger os empregados, e não os empregadores. A hermenêutica literal dessa mesma norma, que faz com que se entenda que ela não comporta exceções, também não traz bons resultados quando aplicada ao artigo 4º, § 2º da Lei nº 7.783/89[10]. Esse artigo da Lei de Greve permite, na ausência de entidade sindical representando os trabalhadores em estado de paralisação, que eles mesmos constituam comissão de negociação eleita em assembléia para discutir condições de trabalho com seu empregador. Embora esse dispositivo refira-se à ausência de entidade sindical representativa e o artigo 617, § 1º da CLT trate da negativa de um ente sindical existente, o resultado silogístico é o mesmo: a se utilizar da interpretação literal do artigo 8º, inciso VI, da Constituição Federal, nenhum dos dois conseguiria conviver no sistema, pois ambos tratam da possibilidade de negociação coletiva sem o sindicato dos trabalhadores.
É preciso, pois, afastar a simples leitura da norma para tentar compreendê-la dentro do sistema, chamando-se a atenção, aqui, para o disposto no artigo 616 da CLT. Se o regramento constitucional estabelece que “é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”, a norma consolidada vai além: ela explica o conteúdo da obrigação constitucional, prevendo que os sindicatos e empresas, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva. Não poder se recusar, na sistemática da CLT antes da Emenda Constitucional nº 45, significava o seguinte: como os recalcitrantes não podiam ser coagidos moral ou fisicamente a sentar-se nas mesas de negociações, depois de esgotadas todas as tentativas de negociação (inclusive com uma instância de mediação nas Delegacias do Trabalho), era facultado ao interessado o ajuizamento de dissídio coletivo econômico na Justiça do Trabalho. Atualmente, com a inserção da expressão “comum acordo” no artigo 114, §2º, da Constituição Federal, o ajuizamento unilateral de dissídio coletivo parece prejudicado. Todavia, deixada de lado essa questão ainda sem solução satisfatória na jurisprudência, o que pretendemos demonstrar é que o projeto de negociação coletiva elaborado pela CLT não autoriza a qualquer tipo de escusa dos atores coletivos em dialogar porque pretende que tal negociação sempre traga como resultado para os envolvidos uma norma coletiva. Se o resultado for positivo, virão acordos e convenções coletivas. Se for negativo, virá a sentença normativa.
Por conseguinte, obter normas jurídicas a partir do processo negocial sempre foi o objetivo maior da legislação consolidada. É por isso que, ao menos antes da Emenda Constitucional nº 45, mesmo que os sindicatos ou as empresas se negassem em todas as instâncias ao diálogo com seu opositor, seriam – por desrespeito à obrigação do artigo 616 da CLT – obrigados a conviver com uma norma jurídica imposta pelo Poder Judiciário. Essa norma viria a partir do exame de uma pauta de reivindicações elaborada bem antes, quando da realização de uma assembléia entre os filiados (artigo 612 da CLT), para a hipótese de convenção, ou entre os interessados, para o caso de acordo coletivo. De qualquer forma, a sentença normativa imposta pelo Poder Judiciário iria sempre representar o resultado de um exame das pretensões da categoria ou dos interessados. Iria, assim, sempre representar, em última análise, a vontade da categoria. E tal situação repisa-se quando as normas coletivas são confeccionadas pelas partes interessadas: elas sempre representam o somatório das vontades coletivas dos participantes, sejam eles, ao menos no caso dos trabalhadores, toda a categoria, ou um grupo de operários de uma empresa.
Logo, não se pode olvidar que os sindicatos são mandatários das vontades dos seus representados. A negociação por eles proposta deve estar sempre em consonância com as deliberações da assembléia que lhe outorgou esse poder. Cai em excesso de mandato o sindicato que negocia condições de trabalho fora da pauta de reivindicações. Cai, por outro lado, em descumprimento do mandato, o sindicato que simplesmente se nega a negociar condições de trabalho. Nesta senda, o comando constitucional de obrigatoriedade de participação dos sindicatos nas negociações coletivas deve ser entendido como um poder-dever. Os entes sindicais ganharam o poder de fazer normas abstratas que obrigam todos os pertencentes à categoria (artigo 611 da CLT), com o dever de exercitá-lo sempre que os outorgantes do mandato (empregados e empregadores) assim os solicitarem.
Consequência lógica disso é que descumpre o mandamento constitucional o sindicato de empregados que se nega a negociar em nome de um grupo deles com uma empresa, autorizando, nesse caso, que surja a hipótese de legitimação da comissão provisória de negociação, na medida que é finalidade do sistema obter normas jurídicas a partir do processo negocial.
Portanto, a exceção do artigo 617, §1º da CLT é perfeitamente compatível com a nova ordem constitucional, já que o artigo 8º, inciso VI, da Constituição Federal permite exceções à participação obrigatória dos sindicatos nas negociações coletivas sempre que estes, ao descumprirem o mandato que lhes foi concedido, negarem-se a negociar com as empresas. Seria, na doutrina de Amauri Mascaro do Nascimento, uma hipótese de legitimação extraordinária dos empregados, que surgiria tão-somente quando as entidades sindicais abrissem mão do seu poder-dever de negociar.
Não podemos concordar com o argumento de Maurício Godinho Delgado de que a comissão provisória de negociação não estaria em igualdade material com a empresa para negociar. Essa assertiva seria integralmente verdadeira se a situação ocorresse no início do processo de negociação coletiva, quando as matérias que vão ser objeto de discussão ainda são muito difusas. Na situação limítrofe que tratamos nesse texto, por certo o âmbito de negociação é muito restrito e as matérias já foram amplamente debatidas pelos empregados interessados. Certamente os limites da comissão provisória de negociação já foram dados pela assembléia de empregados que decidiu pela celebração do acordo coletivo (artigo 617), atuando tal comissão com poderes circunscritos. E, nesse caso, veja-se que a situação é benéfica, pois, quanto menores forem as possibilidades de negociação da comissão, igualmente menor será uma eventual coação econômica presumida do empregador, que poderia trazer o mencionado desequilíbrio entre os negociantes.
De qualquer forma, é de todo importante ressaltar que o sistema não está a salvo de fraudes ou desvirtuamentos a partir do poder econômico da empresa. São essas, contudo, exceções e contrariedades à finalidade da norma, devendo, assim, serem tratadas, sempre com a anulação dos atos cujas vontades estavam viciadas. Nesse diapasão, vale lembrar que os sindicatos também têm papel importante em tais situações. Como a atuação da comissão provisória de negociação é supletiva, eles, se quiserem, podem jamais deixar que ela se forme. Basta que, em vez de simplesmente se negarem a assumir a direção dos entendimentos quando notificados (artigo 617, caput), façam a convocação da assembléia (artigo 617, § 2º), e nela busquem, através da dialética, convencer os empregados envolvidos que a proposta empresarial não é a melhor para eles, ou que ela pode ser modificada para outros termos. O que não podemos aceitar é a atitude passiva ou até rançosa das entidades sindicais profissionais que simplesmente se recusam a conversar com a empresa ou empregados interessados.
Por fim, vale lembrar que a possibilidade extraordinária de negociação coletiva sem a participação de sindicato encontra eco na Convenção nº 154 da OIT e na Recomendação nº 91 da OIT. Esta conceitua a convenção coletiva como o acordo escrito relativo a condições de trabalho celebrado entre uma organização ou grupo de empregadores, de um lado, e, de outro lado, uma organização ou grupo de empregados ou, na ausência de tais organizações, por representantes dos trabalhadores interessados, devidamente eleitos e autorizados pelos últimos. Aquela prevê em seu artigo 3º que:
“1. Quando a lei ou a pratica nacionais reconhecerem a existência de representantes de trabalhadores que correspondam à definição do anexo b) do artigo 3 da Convenção sobre os Representantes dos Trabalhadores, de 1971, a lei ou a prática nacionais poderão determinar até o ponto a expressão “negociação coletiva” pode igualmente se estender, no interesse da presente Convenção, às negociações com tais representantes. 2. Quando, em virtude do que dispõe o parágrafo 1 deste artigo, a expressão “negociação coletiva” incluir também as negociações com os representantes dos trabalhadores a que se refere o parágrafo mencionado, deverão ser adotadas, se necessário, medidas apropriadas para garantir que a existência destes representantes não seja utilizada em detrimento da posição das organizações de trabalhadores interessadas”.
- 4. AS DECISÕES DO TST
O TST raramente foi instado a se manifestar sobre a constitucionalidade do artigo 617, §1º, da CLT, razão pela qual são escassos os acórdãos desse Tribunal sobre o tema. Não obstante, em decisões mais ou menos recentes de Turmas e da própria Seção de Dissídios Coletivos (SDC), obtivemos indicativos muito claros de que a sua orientação é no sentido da recepção do citado dispositivo. Por exemplo, a sua 4ª Turma, no julgamento do RR 640914, acórdão da lavra do Ministro Ives Gandra Martins Filho (DJU 04.06.2004), entendeu que:
“O art. 8º, VI, da Carta Magna, não obstante gize ser obrigatória a participação do sindicato nas negociações coletivas, não disciplina a questão da validade do acordo de compensação de jornada firmado diretamente pelo empregador com seus empregados, formalizado nos moldes do art. 617 da CLT. Aliás, a norma inscrita no art. 7º, XIII, da Constituição da República, consoante o entendimento desta Corte sedimentado na Orientação Jurisprudencial nº 182 da SBDI I do TST, admite a compensação de jornada mediante acordo individual celebrado diretamente pelo empregador com seus empregados. É certo também que as normas inscritas no art. 7º, XIII e XIV, da Constituição da República não prescrevem, de modo expresso, exigência no sentido de que a compensação de jornada no regime de turnos ininterruptos de revezamento tenha que ser formalizada por norma coletiva. Ademais, o art. 617 da CLT não foi revogado pelo art. 8º, VI, da Carta Magna, de modo que, se os sindicatos representativos das categorias econômica e profissional não tiverem interesse na negociação coletiva, esta poderá ser promovida diretamente pelos empregados com seus empregadores, sem a participação sindical.”
Situação semelhante e ocorreu na SDC, no julgamento do ROAA 693/2002-000-12-00-5, acórdão da lavra do Ministro Ronaldo Leal (DJU 17.11.2005). Nesse processo, estava em discussão a validade de cláusulas de acordo coletivo celebrado entre o Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) e seus empregados, no qual fora feita a negociação do plano de demissão incentivada. À preliminar de nulidade do acordo coletivo, invocada pelo então recorrente Ministério Público do Trabalho, respondeu a SDC que:
“Conquanto seja obrigatório, nos termos do art. 8º, VI, da CF, a participação dos sindicatos nas negociações coletivas, de acordo com o que disposto no art. 617 e parágrafos da CLT, existe a possibilidade de prosseguimento das negociações coletivas diretamente com os empregados e empregadores quando a entidade sindical se omite ou se recusa a entabular as negociações. In casu, verificou-se, pelos fundamentos do Regional, que houve evidente resistência do sindicato à oferta patronal, a ponto de negar-se a discuti-la com os empregados. Deste modo não deve ser questionada a decisão dos empregados de escolher uma comissão para, na forma do que dispõe o art. 617 da CLT, efetivamente, representar a legítima vontade dos trabalhadores”.
Essas duas decisões têm como premissa a de que os verdadeiros titulares do acordo coletivo são, em verdade, os empregados, e não o sindicato. Por isso, sempre que houver dissonância entre a vontade dos empregados e a vontade dos dirigentes sindicais, entende o TST que é a primeira que deve prevalecer, tal como defendido acima.
- 5. A POSIÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
Também o Ministério do Trabalho e Emprego acolhe administrativamente a tese da constitucionalidade do artigo 617, §1º, da CLT, embora até algum tempo atrás não tenha sido essa a posição ministerial. Até 25 de maio de 2006, o Ministério do Trabalho e Emprego entendia, através da Ementa nº 10 das Orientações Normativas da SRT/MTE (com redação dada pela Portaria SRT/MTE nº 01/2002) que era obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho, sendo esta pressuposto de validade do acordo ou da convenção coletiva de trabalho. Na primeira data acima citada, contudo, houve a revogação da Portaria SRT/MTE nº 01/2002 pela Portaria SRT/MTE nº 01/2006, que criou a Ementa nº 30 das Orientações Normativas da SRT/MTE, com a seguinte redação:
“Convenção ou acordo coletivo de trabalho. Participação de entidade sindical. É obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Excepcionalmente, no caso de recusa do sindicato, a negociação poderá ser feita pela federação ou pela confederação respectiva, ou mesmo diretamente pelos próprios empregados, desde que respeitadas as formalidades previstas no art. 617 da CLT, quais sejam: I – ciência por escrito, ao sindicato profissional, do interesse dos empregados em firmar acordo coletivo com uma ou mais empresas, para que assuma, em oito dias, a direção dos entendimentos entre os interessados; II – não se manifestando o sindicato no prazo mencionado, os empregados darão ciência do fato à federação respectiva e, na sua inexistência ou falta de manifestação, à correspondente confederação, para que no mesmo prazo assuma a direção da negociação; III – esgotados os prazos acima, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação. Em qualquer caso, a iniciativa da negociação deverá ser sempre dos trabalhadores da empresa. Ref.: art.8º, VI, da CF; arts. 611 e 617 da CLT.”
CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988, diferentemente de todas as outras constituições que a antecederam, trouxe novidades no campo do Direito Coletivo do Trabalho. Embora de forma mitigada, já que manteve a unicidade sindical e a contribuição sindical obrigatória, a nova ordem constitucional consagrou o princípio da liberdade sindical, que tem em uma de suas facetas a obrigatoriedade de participação dos sindicatos nas negociações coletivas. Na medida que o sistema da CLT previa, no seu artigo 617, § 1º, uma possibilidade, ainda que excepcional, de haver negociação coletiva sem a participação do sindicato profissional, era objetivo desse estudo fazer o xeque de constitucionalidade de tal dispositivo, ou seja, verificar se ele havia sido ou não recepcionado pela nova Constituição Federal. Após o exame das posições doutrinárias acerca do tema, entendemos que a mencionada regra continua presente em nosso sistema jurídico, já que o artigo 8º, inciso VI, da Constituição Federal permite exceções à participação obrigatória dos sindicatos nas negociações coletivas sempre que estes, ao descumprirem o mandato que lhes foi concedido, negarem-se a negociar com as empresas. Observamos, finalmente que essa é a atual inclinação da jurisprudência do TST e da administração pública federal.
BIBLIOGRAFIA
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindica. 3. ed. São Paulo: LTr, 2003.
MALLET, Estevão. Temas de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
______, et alii. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 1999.
[1] Art. 611. Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.
[2] § 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais emprêsas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da emprêsa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.
[3] Art. 612. Os Sindicatos só poderão celebrar Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho, por deliberação de Assembléia Geral especialmente convocada para êsse fim, consoante o disposto nos respectivos Estatutos, dependendo a validade da mesma do comparecimento e votação, em primeira convocação, de 2/3 (dois terços) dos associados da entidade, se se tratar de Convenção, e dos interessados, no caso de Acôrdo, e, em segunda, de 1/3 (um têrço) dos mesmos.
[4] Art. 616. Os Sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva.
[5] Direito Constitucional do Trabalho. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 1203.
[6] Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed., São Paulo: LTr, 1999, p. 1118.
[7] Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2002, p. 1290.
[8] Compêndio de Direito Sindical, 3. ed., São Paulo: LTr, 2003, p. 380.
[9] Temas de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 115.
[10] § 2º. Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no caput, constituindo comissão de negociação.
O NOVO CPC E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Leonardo Borges
Magistrado e Professor no RJ
SUMÁRIO: Introdução; 1. Algumas breves considerações sobre o neoconstitucionalismo; 2. A falência do positivismo. Breves considerações; 3. O novo Código de Processo Civil e a efetivação dos direitos constitucionais. O neuroprocessualismo; Conclusão.
INTRODUÇÃO
A verdade é que não conseguimos nos afastar dos modismos. E muitos dizem que é bom que seja assim! A humanidade tem valorizado a moda desde priscas eras. Através da importância que se dá ao modo de se vestir, na utilização de corriqueiras expressões linguísticas, nas notícias, nos esportes, até na cor do carro[1], enfim, nos mais variados segmentos do nosso cotidiano é possível se detectar não só como a vaidade alimenta a mente de muitos, bem como a importância ao extremo consumismo, tudo isso conjugado, resulta no modismo. Por que no Direito seria diferente? Basta lembrarmos que, no universo processual2, já passamos por diversos modismos, com temas que palpitaram plateias em congressos e alavacaram as vendas de muitos livros, como, por exemplo, a ação cautelar, a tutela antecipada, a ação monitória, exceção de pré-executividade, além de inúmeras outras etapas reformistas do Código de Processo Civil. A bola da vez é o neoconstitucionalismo ou, para outros, o pós-positivismo3. Mas não pára por aí. Com o Projeto do novo Código de Processo Civil, já se fala em neoprocessualismo!?!?
Na medida em que os operadores do direito têm despertado para o neoconstitucionalismo – e agora para o neoprocessualismo –, percebemos que não há razão para remar contra maré – até porque nem sempre o mar está ruim para peixe – e arriscamos desenhar algumas linhas acerca do tema, mormente nos dias atuais, em que muito se fala a respeito do Projeto do novo Código de Processo Civil, que nem sabemos ao certo quando – ou se realmente – será aprovado e a sua relação direita e indireta com a Constituição Federal. Enfim, esse é o nosso desafio, por conseguinte, vamos lá!
1. ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O NEOCONSTITUCIONALISMO
Comecemos, então, pelo uso da expressão, que neoligistiacamente caiu no gosto de todos, qual seja ‘neo’. Para os mais desavisados tal expressão mais parece ter sido extraída de um personagem de filme de ficção científica, ou de uma daquelas séries comumente vistas no ‘Animal Planet’, do que propriamente endereçada para o universo jurídico4. A expressão ‘neo’ deve indicar o novo e para nós, operadores do direito, busca demonstrar que estão ocorrendo mutações paradigmáticas.
Mas por que mudar? Poderia indagar, pertinentemente, o leitor! A mudança vem em tempos de crise. Ora, o Direito está em crise, o que não significa sua falência. Significa que ele deve procurar promover ajustes, de modo a se sintonizar com a realidade e a necessidade da vida cotidiana, apresentando soluções mais adequadas para velhos – e para novos – problemas.
O pensamento iluminista do Século XVIII vem sendo afastado das premissas de interpretação e aplicação do Direito atual. É chegado o momento de pensar na concretização do Direito, para que não se frustre a sua compreensão sobre a condição humana, máxime se considerarmos as múltiplas e complexas relações sociais, políticas e econômicas do mundo moderno. Não é por outra razão que os novos juristas, cada vez mais, questionam as bases iluministas.5 Trata-se, portanto, de um verdadeiro desafio que o estudioso moderno tem enfrentado.6 7
Vivemos um momento em que ‘tudo deve ser para ontem’. Mais do que nunca deve ser lembrada a máxima popular: ‘a paciência é uma virtude’. Esquecem-se, com isso, que o Direito, em muitos casos, é fruto de amadurecimento, de reflexão, de argumentação. Olvidam-se que por de trás de cada processo há o drama da vida humana, que não pode ser tratado com um simples apertar de uma tecla do computador. Disse, a propósito, certa feita, lúcido constitucionalista, ao enfrentar a questão relativa ao prefixo ‘neo’ e a velocidade da vida moderna:
“Vivemos a perplexidade e a angústia da aceleração da vida. Os tempos não andam propícios para doutrinas, mas para mensagens de consumo rápido. Para jingles, e não para sinfonias. O Direito vive uma grave crise existencial. Não consegue entregar os dois produtos que fizeram sua reputação ao longo dos séculos. De fato, a injustiça passeia pelas ruas com passos firmes e a insegurança é a característica da nossa era”. E mais adiante: “Na aflição dessa hora, imerso nos acontecimentos, não pode o intérprete beneficiar-se do distanciamento crítico em relação ao fenômeno que lhe cabe analisar. Ao contrário, precisa operar em meio à fumaça e à espuma. Talvez esta seja uma boa explicação para o recurso recorrente aos prefixos pós e neo: pós-modernidade, pós-positivismo, neoliberalismo, neoconstitucionalismo. Sabe-se que veio depois e que tem a pretensão de ser novo. Mas ainda não se sabe bem o que é. Tudo é ainda incerto. Pode ser avanço. Pode ser uma volta ao passado. Pode ser apenas um movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus”8.
A doutrina que enfrenta a questão relativa ao neoconstitucionalismo costuma dividí-la em três aspectos: a) histórico; b) filosófico e c) teórico9.
Com relação ao aspecto histórico consideram-se as transformações ocorridas a partir da Segunda Guerra Mundial, com destaque para a Lei Fundamental de Bonn (1949) e as Constituições da Itália (1947), de Portugal (1976) e da Espanha (1978). Apontam que a derrota dos regimes nazi-fascistas fez com que se observasse a necessidade de criação de um catálogo de direitos e garantias fundamentais, de tal arte que o cidadão pudesse ficar protegido em face de qualquer abuso a ser cometido pelo Estado. Foi o momento de superação do paradigma da validade meramente formal do Direito. A dignidade da pessoa humana passa a ser o núcleo axiológico de toda a tutela jurídica10.
Foi com a Constituição Federal de 1988 que, no Brasil, passamos a sentir os reflexos dessas alterações ocorridas na Europa. Nossa Constituição de 88 patenteou a transição para o atual Estado Democrático de Direito, valorando, ainda que a tímidos passos, o sentimento brasileiro constitucional. O Brasil tem se mostrado razoavelmente maduro, pois passou ileso, nas últimas décadas, por diversas crises institucionais, sem que tivesse ocorrido qualquer abalo a estrutura democrática vigente.
Do ponto de vista filosófico o velho dogma, quase sacro santo, de que a lei é a expressão da vontade geral, tem-se mostrado superado. Vivemos agora a aplicação da hermenêutica jurídica desenvolvida sob a égide separatista entre as regras e os princípios, outorgando a estes últimos a força normativa, de modo a se possibilitar uma concreta efetividade constitucional. Talvez esta tendência seja o ponto central do ‘neoconstitucionalismo’. A premissa é, portanto, muito simples de se entender, malgrado na prática possa se mostrar mais difícil, ou seja, os princípios não são mais chamados ao palco apenas como atores coadjuvantes, mas fazem parte integral do elenco principal. Em outra palavras: deixam de ser aplicados secundariamente, apenas de modo a suprimir eventuais lacunas, e passam a ser utilizados na conformação jurídica dos direitos em si11.
Do ponto de vista teórico é correto afirmar que a Constituição Federal deixou, dentro desse contexto, de ser um documento meramente político, passando a ter força normativa. Desse modo, o raciocínio também é muito simples: se a Constituição tem força normativa, suas regras e princípios também são detentores de normatividade.
Diante das premissas acima levantadas, é interessante notar que o estudo do Direito Constitucional – bem como da própria jurisdição constitucional – nunca recebeu tanto destaque, tendo como uma das explicações para o fenômeno a expansão da litigiosidade, que decorre da ampliação do acesso à justiça12 13.
Essa mudança de foco também tem gerado forte discussão acerca da legitimidade da própria tarefa de julgar. Aliás, trata-se de tarefa extremamente árdua, máxime quando as duas partes contendoras têm razão! A expansão da jurisdição constitucional trouxe uma melhor compreensão da atividade jurisdicional, estabelecendo, inclusive, limites a mesma, levando ao centro da magistratura um padrão de justiça antes desconhecido, agora imposto pela interdisciplinidade que se faz necessária entre o Direito e os demais ramos científicos, como, por exemplo a economia, a política, a filosofia, a sociologia, a ética e até mesmo a psicologia14. Dessa forma, é possível se alcançar um processo justo, já que a toda sociedade é dada ampla participação dos atos judiciais, além do controle que é exercidos pelas partes contendoras.
Alguém poderia dizer que o momento ainda é de incertezas, quanto a aplicação da melhor metodologia nos julgamentos. É verdade. Todavia, há de se ressaltar que a expansão da jurisdição constitucional, ainda pendular, permite o melhor ajuste entre a auto-contenção e o ativismo judicial15.
2. A FALÊNCIA DO POSITIVISMO – BREVE CONSIDERAÇÕES
Parece-nos que ficou claro que o desenvolvimento de uma nova dogmática interpretacional, tendo como ponto de partida a Constituição Federal, também teve como uma de suas raízes a própria falência do positivismo jurídico16.
Tal fato sociológico-jurídico parece-nos que marca o ponto de partida do desenvolvimento do Projeto do Novo Código de Processo Civil. Ora, com o advento de uma interpretação que parte da Constituição Federal, passamos a valorar o que pode ser chamado de constitucionalização dos direitos. Dessa forma, os Códigos deixam de exercer o núcleo hermenêutico do operador do direito, passando este a ser visto através da lente constitucional.
É preciso que não percamos de vista que os elementos clássicos de interpretação da norma não foram relegados ao oblívio. Por conseguinte, a interpretação gramatical, histórica, sistemática, dentre outras, ainda são utilizadas – e provavelmente sempre serão. Todavia, há uma certa tendência em se priorizar os princípios sobre as regras, alcançando-se, dessa forma, soluções conflituais mais justas, mais equânimes.17
Dentro dessa ótica, busca-se a manutenção da chamada unidade da Constituição, evitando-se a aplicação isolada de preceitos constitucionais, tudo devidamente harmonizado, através de uma unidade de regras e princípios, pois se assim não for teremos, ao contrário de justas soluções, verdadeiras contradições e o caos social, afastando-se o chamado efeito integrador da norma, não havendo, desse modo, a menor chance de se chegar a máxima efetividade.18
3. O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS – O NEOPROCESSUALISMO
Todo esse processo de valorização da Constituição Federal acabou por influir diretamente no Direito Processual. É possível se chegar a essa óbvia conclusão através de uma simples análise das diversas garantias constitucionais, que primaziam o que se denominou de tutela constitucional do processo, como, por exemplo, o princípio da inafastabilidade19; o princípio do devido processo legal20; a exigência de se motivar todas as decisões judiciais21 22; tudo sem falarmos mais detidamente na chamada jurisdição constitucional das liberdades, assim compreendida aquela que cuida de dar efetividade aos direitos individuais e coletivos, como no mandado de segurança (individual ou coletivo), habeas corpus, ação civil pública ou nos meios de controle de constitucionalidade, dentre outros.
O neoconstitucionalismo, em uma apertada síntese conceitual, seria a aplicação e o estudo de institutos processuais a partir de premissas ditadas pelo neoconstitucionalismo. Tudo sem perder de vista a boa-fé processual, com tanta ênfase no elemento ético-processual, cujo destaque nos domínios do processo é algo extraordinário.
Tal premissa não passou ao largo da comissão de juristas que confeccionou o pretenso novo Código de Processo Civil, já que logo em seu primeiro Capítulo se reproduz essa idéia, como se pode depreender de seu sugestivo título, qual seja ‘Dos princípios e garantias fundamentais do processo civil’.
Com efeito, como bem lembrado pelo Desembargador Elpídio Donizetti, com a autoridade de quem integrou a Comissão de Juristas encarregada de elaborar o novo Código de Processo Civil, “o uso de terminologias como ‘garantias’ ou ‘princípios’ pode ter o sentido de preservar toda aquela concepção das normas constitucionais, sobretudo aquelas que tratam dos direitos fundamentais”.23
Essa, por assim dizer, adequação das normas processuais à Constituição Federal pode ser sentida logo no primeiro parágrafo da própria Exposição de Motivos, quando aduz que ‘um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.’
A efetividade da norma, a resolução dos conflitos, de fato, somente pode alcançar a sua plenitude, na exata medida de utilidade de um dado sistema processual. Ora, de que adianta um perfeito sistema de normas materiais, se não houver a mínima garantia de sua realização, no empirismo forense, mediante um eficaz modelo processual? Mas não é só. Faz-se necessário que esse novel modelo processual também se harmonize com as ideias mais contemporâneas, desenvolvidas à luz dos novos paradigmas.
‘Há mudanças necessárias, porque reclamadas pela comunidade jurídica, e correspondentes a queixas recorrentes dos jurisdicionados e dos operadores do Direito, ouvidas em todo o País. Na elaboração deste Anteprojeto de Código de Processo Civil, essa foi uma das linhas principais de trabalho: resolver problemas. Deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais.’24
O artigo primeiro do Projeto do Código de Processo Civil não deixa margem de dúvida quanto a mudança de direção, ao estabelecer, com todas as letras, a necessidade de se observar o primado principiológico constitucional:
‘O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.’
Percebe-se, por conseguinte, que a fonte primária de interpretação das regras constitucionais situam-se na Constituição Federal. É a derrocada do artigo 126 do vigente Código de Processo Civil. Desse modo, ao se buscar a interpretação e aplicação da norma processual, deve se deixar de lado a lei, os costumes, a analogia, mas considerar-se o legado que nos é deixado pelos princípios constitucionais.
Na esteira dessa linha de raciocínio, vale a transcrição do artigo 6º do Projeto, a saber:
‘Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.’
No particular o leitor mais atento poderia dizer, ‘não trata esse artigo de norma já prevista na Lei de Introdução do Código Civil, ou seja, o seu artigo 5º.?’ A resposta, em parte, seria sim. Não se nega que a primeira parte do artigo 6º, do novo Código de Processo Civil veio a reboque do que consta no artigo 5º da Lei de Introdução do Código Civil25; entrementes, a parte final do artigo nos remete aos princípios, mais do que isso: coloca-nos diante da necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana. Mas não é só. É igualmente possível se extrair do artigo 6º do Projeto do Código, a necessidade de se levar em conta princípios que não se encontram explicitados na Constituição Federal, como o da razoabilidade26.
Há mais! Longe do capítulo destinado ao setor princípiológico, mais especificamente no artigo 108, vê-se a derradeira prova de que se matou o referido artigo 126 do atual Código de Processo Civil. Pela sugerida redação do artigo 108 do novo Código, vez mais temos, em primeiro lugar, a invocação de princípio constitucional como fonte primária de interpretação da regra, vejamos:
‘O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade da lei, cabendo-lhe, no julgamento da lide, aplicar os princípios constitucionais e as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.’
Alguém até poderia dizer que a parte final do artigo 108 do novo Código menciona, expressamente, a analogia e os costumes. Todavia, diante da primazia na aplicação dos princípios constitucionais, na prática, não haverá lugar para tais processos de preenchimento das lacunas.
Excelente, outrossim, em termos práticos, é a regra do artigo 7º do Projeto do novo Código, quando garante a possibilidade de se resguardar a igualdade dos contendores. Diz o texto legal que ‘é assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz vela pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica.’
Se resolvermos caminhar um pouco mais pelo novo Código de Processo Civil, encontraremos no Capítulo destinado a produção da prova judicial, o enfrentamento da tão controvertida questão relativa a prova ilícita. O Projeto mira na ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos no caso concreto, a saber:
‘A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos.’
Há inúmeras outras questões que recebem um olhar diferenciado, se comparadas com a forma tratada pelo vigente Código, como, por exemplo, a ampliação dos poderes do magistrado, a extinção dos chamados incidentes processuais, dotar a jurisprudência de força normativa, determinar que os prazos processuais passem a correr somente em dias úteis, a redução considerável do número de recursos, principalmente no curso do processo, tudo tendo em mira à maior celeridade do processo judicial. Todavia, não podemos perder de vista que a interpretação e aplicação dessas novas normas que estão por vir, não pode se olvidar da segurança jurídica. Ademais, casos há em que o novo deverá conviver com o velho. É importante encontrar uma fórmula que ao mesmo tempo autorize o término do processo em prazo razoável, com segurança jurídica. Não é por outra razão que disse o Presidente da Comissão, Luiz Fux, que ‘a comissão teve uma dupla percepção. A primeira delas foi a de que não se elabora uma nova lei de forma abrupta e também a de que não se cria uma nova lei com aquele mimetismo de ficar repetindo o que já está na norma em vigor. Então, fizemos formalmente uma modificação com a criação de uma parte geral aplicável a todos os procedimentos, à semelhança do que ocorre com os códigos europeus. Também criamos um livro próprio para os recursos, unificando determinados institutos, dando sistematização às inúmeras alterações realizadas durante as duas últimas décadas, em que o Código veio sendo reformado ponrtualmente, com certa constância. Também faremos uma modificação de ideologia. Criaremos um instituto extremamente novo com o incidente de coletivização, com a eliminação de incidentes. Estamos mudando totalmente o paradigma da recorribilidade constante no Direito brasileiro. No entanto, muita coisa da lei anterior vai permanecer, de sorte a conviver com essa nova ideologia. É um novo Código, mas que, na realidade, é novo na sua ideologia, com uma séria de mudanças recentes e muito bem elaboradas em relação às reformas atuais.’27
É possível que o novo Código não resolva os problemas do Poder Judiciário, como a morosidade, o acesso material à justiça, o excesso de burocracia cartorial ou mesmo o exagerado formalismo, tão a gosto dos operadores do direito. Evidente, outrossim, que o novo Código sofrerá inúmeras críticas, pois como toda obra humana tem falhas. Todavia, as mudanças se fazem necessárias. Não é mais possível se retalhar um texto de lei existente que, na verdade, de há muito deixou de ser um Código para se transformar em uma Consolidação. É chegado o momento do novo. Como bem lembrado pela Comissão de juristas, as modificações estão sendo reclamadas pela comunidade jurídica, e correspondentes a queixas decorrentes dos jurisdicionados e dos operadores do Direito, ouvidas em todo País28 29.
O passo foi dado, as discussões já começam a se travar; o resto é com o tempo.
CONCLUSÃO
O neoconstitucionalismo – considerando-se como premissa maior o fato de que a Constituição passa ao centro das atenções normativas – é uma realidade, da qual o operador do direito não mais pode relegar ao oblívio.
Como corolário lógico do neoconstitucionalismo temos o neoprocessualismo. Assim, não só a Constituição passa a ter um lugar de destaque, como o que dela se expraia acaba por contaminar todos os ramos do Direito, inclusive o processual.
O novo Código de Processo Civil, por conseguinte, preservar com a máxima eficiência os princípios e garantias constitucionais inseridos no ordenamento constitucional, por conta do movimento intitulado de constitucionalização do processo. Desse modo, as novas regras processuais buscam adequar-se à Constituição Federal da República, como um sistema mais coeso, mais ágil e capaz de gerar um processo mais célere e justo.30
[1] Dados estatísticos da indústria automobilística revelam que o brasileiro é o maior consumidor mundial de carros pretos!
2 Para ficarmos apenas no âmbito do processo.
3 Não obstante conhecermos que há doutrinadores que diferenciam o pós-positivismo do neoconstitucionalismo, optamos, sem um maior rigor, pela expressão neoconstitucionalismo. Talvez por uma questão de simpatia!
4 Por que facilitar se é possível complicar?
5 Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. O pós-modernismo jurídico. Porto Alegre: Fabris, 2005.
6 É importante não perder de foco que Constituição coloca, como objetivo fundamental, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I, CF). Premissas estas que servem de base para a nova dogmática jurídica.
7 Luís Roberto Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>.
8 Luís Roberto Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Cit.
9 Luís Roberto Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Cit.
10 Segundo José Carlos Vieira de Andrade, os “particulares poderão, assim, de acordo com a natureza específica, a razão de ser e a intensidade do poder exercido (na falta ou insuficiência da lei ou contra ela, se inconstitucional), invocar os direitos fundamentais que asseguram a sua liberdade, por um lado, e exigir, por outro, uma igualdade de tratamento em relação a outros indivíduos nas mesmas circunstâncias, argüindo a invalidade dos actos e negócios jurídicos que ofendam os princípios constitucionais ou reclamando indemnização dos danos causados. (…) Afinal, bem vistas as coisas, trata-se apenas de assegurar, quando e na medida que isso se justifique, uma proteção mais intensa aos particulares vulneráveis nas relações com privados poderosos – garantia que corresponde, afinal, às preocupações evidenciadas pelas teorias moderadas do dever de protecção -, sem deixar de ter em conta a circunstância de essas entidades privadas poderosas também serem titulares de direitos fundamentais, embora, na maior parte dos casos, lembre-se, uma vez mais, se trate de pessoas colectivas que, afinal, gozam apenas desses direitos parcialmente e por analogia” (Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 286-8).
11 Não é por outra razão que o artigo 126 do Código de Processo Civil tem-se mostrado superado. O magistrado não deve mais aplicar, na suposta ausência de norma legal, a analogia ou os costumes. Tais preceitos normativos não resistem à interpretação evolutiva, nem tampouco a interpretação teleológica. Não há mais a visão de decisão enquanto um silogismo, do qual a premissa maior é a regra jurídica e a premissa menor os fatos, seguida da conclusão. É possível ao juiz moderno negar – tanto no plano forma como no plano material – validade a regra jurídica, quando esta se opuser a um princípio constitucional, máxime se considerarmos que a tendência da moderna técnica legislativa é a de valorizar, cada vez mais, as cláusulas gerais. Assim, considerando-se que os textos legislativos têm-se mostrado polissêmicos, não raro é possível neles se encontrar mais de uma interpretação. Vale lembrar, ademais, que o Projeto do Novo Código de Processo Civil, altera, sobremaneira, essa perspectiva materializada artigo 126 do vigente CPC, como dito, atualmente ultrapassada. Por todos, José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 183.
12 Hodiernamente enfrentado em dois prismas, quais o do acesso formal e acesso material.
13 Acesso amplamente facilitado com a criação, por exemplo, dos Juizados de Pequenas Causas, transformados após a Carta de 88 em Juizados Especiais Cíveis, posteriormente elastecidos a esfera criminal e também da Justiça Federal, com a dispensa, inclusive, do advogado. Também não podemos deixar de mencionar que o reconhecimento da tutela dos interesses coletivos, bem como o novo perfil do Ministério Público, que deixa de participar nos processos apenas como fiscal da lei, além de instrumentos processuais mais expeditos, como a tutela de evidência, mais apurada, ou a criação da tutela de urgência, ajudaram a tornar realidade a tarefa de melhor distribuir a Justiça.
14 Tal questão tem merecido tanta atenção, que nos atuais concursos para ingresso na Magistratura, qualquer que seja ela (Trabalhista, Federal ou Estadual), é, agora, indispensável, o conhecimento de certas materiais humanisticas, distintas do próprio conhecimento jurídico.
15 Evitaremos neste estudo – para não nos afastarmos do foco central – o enfrentamento do tema dedicado ao que se denominou de a reserva do possível e a reserva de consistência, como dois marcos limitativos, entre outros, para a atuação jurisdicional.
16 Ao menos é nesse sentido que se tem buscado caminhar.
17 Estamos a dizer que através da interpretação tradicional, assim compreendida aquela que dá prevalência as regras, tem-se sempre, como resultado, uma decisão kamikasi, ou seja, ou tudo ou nada. Todavia, quando o operador do direito se utiliza da teoria dos princípios, alcança-se, com mais eficácia, resultados que melhor se ajustam aos anseios sociais, fazendo com que a atividade jurisdicional atinja efetivamente um de seus desideratos, qual seja o da pacificação social.
18 Por máxima efetividade, nos domínios constitucionais, temos o fenômeno pelo qual à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe assegure.
19 Art. 5º, XXXV, da CF.
20 Art. 5º, LIV, da CF.
21 Art. 93, IX, da CF.
22 Aliás, outro elemento de legitimação do Poder exercido pelos juízes encontra-se na fundamentação de suas decisões. Afinal de contas, na democracia jamais se poderia conceber a possibilidade de decisões carentes de fundamentação.
23 O Processo como meio de efetivação dos Direitos Fundamentais. Revista de Direito da USP. Ano 35, fev. 2010.
24 Cf. Exposição de Motivos do Novo Código de Processo Civil.
25 Decreto-lei nº 4.657, de 1942.
26 Ultrapassa-se, dessa maneira, os umbrais da marca deixada pela tinta da lei, ou seja, além dos princípios escritos (explícitos para alguns), também merecem destaques os princípios não escritos (ou para alguns: implícitos).
27 Revista Fé Pública. Ed. Justiça e Cidadania: RJ. Ano V, nº 10, jun. 2010, p. 42.
28 Exposição de motivos do CPC.
29 No particular, vale lembrar que o próprio Luiz Fux se disse surpreso, ao constatar que a maior parte dos operadores jurídicos e demais profissionais que participaram dos debates é a favor das soluções apresentadas para conter as demandas de massa e tornar possível o princípio constitucional que determina a razoável duração do processo, vejamos nas suas palavras: ‘temos verificado, com uma surpresa agradável, o fato de que as audiências públicas têm convergido para aquelas soluções adotadas pela Comissão. Em alguns casos há soluções que não são possíveis de serem adotadas, pois demandariam emendas constitucionais ou leis complementares’, texto extraído da Revista Fé Pública. Ed. Justiça e Cidadania: RJ. Ano V, nº 10, jun. 2010, p. 41.
30 Ao menos é o que se extrai da parte final da exposição de motivos.
A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO SUPORTE À RESPONSABILIZAÇÃO DO TOMADOR DE SERVIÇO
Marçal Henri dos Santos Figueiredo
Juiz do Trabalho, Titular da 29ª Vara de Porto Alegre
Especilista em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e
Direito Previdenciário pela UNISC
SUMÁRIO: Introdução; 1. Função Social do Contrato; 2. A responsabilização do tomador de serviço; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
A terceirização adotada como forma de redução do custo de produção já é rotina no meio empresarial. No nosso cotidiano de audiências, naquelas situações onde há demanda contra um tomador de serviços, incluído na lide pelo trabalhador a fim de que possa haver mais um garantidor dos seus direitos, não raras vezes nos deparamos com o argumento de que não cabe a responsabilidade subsidiária porque não há texto legal que a ampare. Da mesma forma, argumentam alguns que o contrato entre as empresas, para a prestação de serviços, é lícito, válido e legal, cabendo somente ao empregador a responsabilidade pelos direitos do empregado autor da ação, conforme ajustado no contrato entre as empresas. Os pedidos de condenação subsidiária e as próprias decisões neste sentido amparam-se na jurisprudência consagrada e sumulada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Com o advento do novo Código Civil, pensamos que cabe uma nova abordagem nesta relação triangular que envolve diretamente o contrato entre as empresas e, passo seguinte, também o empregado, pelos efeitos que este sofre em relação à pactuação das empresas. Com a previsão legal de que o contrato deve ter sua função social, há uma nova leitura da matéria contratual que pode e deve ser transportada para o Direito do Trabalho. O princípio do fim social do contrato é tema que deve ser desenvolvido para solucionar a questão, haja vista a inexistência de legislação específica que regule a terceirização e a própria responsabilidade do tomador de serviço em tais casos.
1. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
O art. 421 do Código Civil[1] estabelece que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Referida norma, cláusula geral inserta no nosso ordenamento jurídico, impõe nova leitura do direito civil porquanto não havia, no Código Civil de 1916, disposição legal semelhante.
Segundo Theodoro Júnior[2], a função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre as partes que o estipulam (contratantes).
A regra do novo Código Civil aponta um novo paradigma jurídico, focado na socialização, fazendo com que o contrato possa se integrar no tecido social de modo a evitar malefícios à sociedade e prejuízo a terceiros não integrantes da pactuação contratual.
Segundo Arnoldo Wald[3], a função social é uma cláusula geral inserida no Código Civil que atribui ao juiz maior liberdade para dar concretude à socialidade que permeia o novo diploma, sem, no entanto, tratar-se de carta branca para que o magistrado decida ao arrepio da lei e de princípios sedimentados. O princípio consagrado no art. 421 do Código Civil já restara previsto no art. 5º da Lei de Introdução ao mesmo Código[4] ao dispor que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Como destaca Álvaro Villaça Azevedo[5], “percebe-se que o novo Código retrata boa orientação ao referir-se à função social do contrato, pois que, embora exista este princípio, reconhecido pela Doutrina, às vezes, ao aplicar da lei, são feridos valores sociais insubstituíveis”.
Perde força o individualismo e freia-se a ampla liberdade de contratar em nome da socialidade e bem comum desejado pela sociedade, o que se verifica também consagrado quando no art. 422[6], há imposição aos contratantes para que guardem os princípios da probidade e da boa-fé.
A função social do contrato atende sempre a exigências éticas e sociais, incorporando valores, princípios e regras de conduta abonadas uniformemente pela sociedade. Reside também no conceito de função social, portanto, a ideia de bem comum, de interesse geral.[7]
Não se busca nessa nova interpretação retirar das partes contratantes a liberdade de pactuação sobre o negócio jurídico envolvido. Pretende-se é que tal contratação siga os parâmetros legais e socialmente admitidos, sem ferir a ordem social e mesmo prejudicar terceiros, individualmente falando, ou a própria coletividade.
É possível haver contrato entre duas partes sem que haja lesão de uma para com a outra, mas lesão ao interesse social. Exemplo disso é a contratação de uma pessoa física por uma jurídica com pagamento da prestação de trabalho sendo feita por contrato de direito de imagem, havendo criação de uma empresa individual pelo prestador do serviço. Válido e indiscutível entre as partes, constata-se a lesão ao interesse social e princípios constitucionais pela sonegação das contribuições para a previdência e imposto de renda. Evidente que havendo o enfrentamento de tal matéria pelo poder judiciário, deve ser invalidada tal pactuação porque fere o princípio geral inserido no Código Civil.
Como acentua Martins-Costa:
Essa norma, posta no art. 421, constitui a projeção do valor constitucional expresso como garantia fundamental dos indivíduos e da coletividade que está no art. 5º, XXIII, da Constituição Federal, uma vez que o contrato tem, entre outras funções, a de instrumentalizar a aquisição da propriedade. Se a esta não é mais reconhecido o caráter absoluto e sagrado, a condição de direito natural e inviolável do indivíduo, correlatamente também inflete sobre o contrato o cometimento – ou o reconhecimento – de desempenhar função que traspassa a esfera dos meros interesses individuais, atribuindo-se ao exercício do poder negocial também funções positivas e negativas.[8]
Conforme menciona Bierwagen, são três as funções principais do contrato:
Uma econômica, na medida em que representa um instrumento de circulação de riquezas e difusão de bens; outra regulatória, enquanto enfeixa direitos e obrigações voluntariamente assumidas pelas partes; e, por fim, social, considerando que seu exercício dirige-se para a satisfação de interesses sociais. Embora no modelo clássico do contrato só se admitissem as funções econômica e regulatória, sendo estranha a ideia de que pudesse ter um reflexo social, mormente por não se conceber que operasse efeitos além das partes (princípio da relatividade dos efeitos), na concepção moderna a função social mostra-se como elemento inafastável de garantia ao justo equilíbrio social.[9]
Como acentua a mesma autora:
Há, pois, ínsita a cada contrato em particular uma função social que só pode dizer-se cumprida quando nele se acomodem tanto a satisfação de interesses das partes como a do interesse coletivo, ou seja, desde que sejam preservadas idêntica igualdade e liberdade aos contratantes, ainda que para isso seja necessária a intervenção de um terceiro, no caso, o Estado.[10]
Ao pensamento antes exposto, complementa-se o argumento proposto por Godoy quando refere que “a função social atua sempre quando presente estejam os interesses metaindividuais mas, também, interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. Ou seja, a função social atuando, primeiro, inter partes”. Acrescenta ainda:
Não se nega, porém, que a tanto não se restrinja o princípio, que ocupa relevante papel ultra partes, vindo a espraiar efeitos sobre terceiros não integrantes da relação contratual. É o que se poderia dizer uma eficácia social do contrato, corolário de sua inserção no tecido social, no mundo das relações, da função que aí ocupa.[11]
Ao tratar do mesmo tema e discorrer sobre a mudança de paradigma em relação do Código Civil de 1916, Enoque R. dos Santos[12] assim comenta:
O Estado acaba de reconhecer a prevalência do social sobre o individual e busca, por meio de normas de ordem pública e cogentes, amparar o hipossuficiente em face do poder econômico do mais forte. Assim, ao mais fraco deve ser conferido um standard mínimo de direitos e de proteção jurídica que possibilite o mínimo indispensável à uma vida digna. E esse standard mínimo de direitos é conferido pela função social do contrato, que vem estampada no novo Código em inúmeras regras, que reprimem os atos não socialmente desejáveis e que objetivam prevenir e punir atos prejudiciais.
A Procuradora do Estado de Minas Gerais Adriana de Mello comenta que o art. 421 e seguintes do novo Código Civil tratam de regras gerais aplicáveis a todos os contratos e que o princípio da função social destina-se a interpretação do “microssistema do direito dos contratos e integrar as suas normas, bem como limitar a liberdade privada, impedindo que se ajustem obrigações atentatórias aos demais princípios, valores e garantias sociais”.[13]
O que se percebe pelo novo princípio adotado pelo Código Civil é que as relações contratuais devem seguir um padrão de comportamento ético, seguido da boa-fé e com um limitador impositivo dado pela função social. Isto é, as partes detém a liberdade de contratar mas não podem extrapolar tais limites de modo a ferir direitos de terceiros e tampouco aos princípios sociais gerais insertos na Constituição Federal.
Decorre de tal princípio a inserção de novos dispositivos legais voltados a dar traços de vitalidade e força cogente ao sistema proposto no Código, como a boa-fé (art. 422), culpa objetiva (art. 927 e parágrafo único), a resolução do contrato por onerosidade excessiva (art. 478) e a conceituação de ato ilícito que gera o direito à reparação (arts. 186 e 187).
Ao contrário do que defende Wald[14], a função social do contrato visa dar equilíbrio ao contrato preservando o interesse social com base nas regras jurídicas aceitas socialmente, estabelecendo igualdade entre as partes, conforme as normas vigentes. Ora, se é necessário restabelecer ou impor o equilíbrio entre as partes, evidente que uma delas se encontra em condição vulnerável e pode ser considerada hipossuficiente. Exemplo disso é a disposição do art. 423 do Código Civil que estabelece: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.
É de ver que mesmo entre empresas pode haver a imposição, pelo economicamente mais forte, de cláusulas contratuais e também de preço, como em ajustes para a prestação de serviço de limpeza, por exemplo, celebrado por empresas de economia mista em nível nacional ou regional, onde o valor do salário que será pago pela empresa prestadora de serviço (aderente) aos seus empregados é ditado pelo que impõe a contratante, assim como sua margem de lucro sobre cada posto de trabalho.
Como afirma Enoque R. dos Santos, “a função social do contrato tem por objetivo evitar a imposição de cláusulas onerosas e danosas aos contratantes economicamente mais fracos”.[15]
Sob outro prisma, Judith Martins-Costa afirma que:
Integrando o próprio conceito de contrato, a função social tem um peso específico, que é o de entender a eventual restrição à liberdade contratual não mais como uma “exceção” a um direito absoluto, mas como expressão da função metaindividual que integra aquele direito. Há, portanto, um valor operativo, regulador da disciplina contratual, que deve ser utilizado não apenas na interpretação dos contratos, mas, por igual, na integração e na concretização das normas contratuais particularmente consideradas.[16]
Como reconhece Eduardo Sens dos Santos, “a função social é o ponto de partida para ao exercício do direito de contratar; ponto de partida esse verificável em determinada época ou sociedade, e do qual se podem extrair outras formulações, de modo a integrar e organizar o sistema, necessariamente aberto, do direito contratual”.[17]
Concluindo o argumento anteriormente exposto, Judith Martins-Costa argumenta que:
Em outras palavras, a concreção especificativa da norma, em vez de já estar pré-constituída, proposta pelo legislador, há de ser construída pelo julgador, a cada novo julgamento, cabendo relevantíssimo papel aos casos precedentes, que auxiliam a fixação da hipótese e à doutrina, no apontar exemplos. A doutrina – sua argúcia e sensibilidade – bem como o sentido de responsabilidade da jurisprudência, não só nesta passagem será convocada a atuar, complementando, atualizando e desenvolvendo a letra da lei.[18]
A apreciação do fim social, no Direito do Trabalho, já antes do advento do novo Código Civil era reconhecida pelos Tribunais, como no exemplo que se indica, dado pelo Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região:
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO TOMADORA DOS SERVIÇOS. A norma do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93, não afasta a responsabilidade subsidiária das entidades da administração pública, direta e indireta, tomadoras dos serviços, consoante orientação consubstanciada no Enunciado nº 11 da Súmula do TRT da 4ª Região. Edifica-se este entendimento na responsabilidade objetiva da administração pública, prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal. Idêntico princípio é consagrado no art. 455 da CLT e no art. 16 da Lei nº 6.019/74, revelando que, em toda a relação trabalhista a três, o beneficiário dos serviços prestados é co-responsável pelo atendimento dos direitos do empregado. É o preço social mínimo da terceirização, que, além de impedir a integração do empregado na empresa, não poderia deixá-lo totalmente à margem de tutela legal, em face da inidoneidade das empresas de prestação de serviços ou locadoras de mão-de-obra (sic). No mesmo sentido, o Enunciado 331, item IV, da Súmula do TST, que, traduzindo o sentir da melhor jurisprudência, corteja a orientação de que, nas hipóteses em que não há mera intermediação de mão-de-obra, mas autêntica prestação de serviços ou subempreitada, a responsabilidade da administração pública é subsidiária.[19]
No mesmo caminho antes mencionado, Teizen Júnior comenta que “examinar a função social do contrato e entendê-la como cláusula geral permitirá ao intérprete habilitar-se a dar interpretação e solução mais justa ao universo jurídico na qual ela se insere”.[20]
Ao referir-se ao sentido funcional do contrato, o mesmo autor afirma que “o contrato, como instrumento da atividade econômica, tem como conseqüência a realização de uma justiça comutativa, cuja finalidade é dar segurança às relações econômicas realizadas”. Conclui seu pensamento dizendo:
Nesse sentido funcional do contrato, é que seus efeitos deverão ser interpretados de forma que, no conceito de “parte”, se incluam pessoas que não consentiram na formação do contrato, mas que estão sujeitas a serem afetadas por ele, cumprindo-se, assim, a função social.[21]
Vale, por fim, lembrar a advertência feita por Theodoro Júnior quando discorre sobre as vantagens e riscos do sistema de cláusulas gerais do novo Código Civil:
Diante dessa moderna postura normativa, gigantesca será, sem dúvida, a tarefa atribuída ao juiz, pois de seu preparo funcional e de sua fidelidade aos valores e princípios consagrados pela Constituição dependerá o sucesso do ambicioso projeto abraçado pela nova codificação, à luz do tríplice alicerce da socialidade, da ética e da concreção.[22]
Vendo-se este novo contrato como instrumento de socialidade do direito, de modo a ser exercido e executado dentro de parâmetros legais e sociais, que devem evitar a lesão a direito de terceiro e mesmo ao interesse social (conforme princípios e regras dispostas na Constituição Federal) é que se transporta esta realidade para o Direito do Trabalho com a finalidade de aplicar o princípio da tutela conferida ao trabalhador e estabelecer-se a base legal para a responsabilização de quem explora a mão-de-obra através de contratos de terceirização. A terceirização, na hipótese, é aquela em sentido amplo, que sob o mesmo título e justificativa abarca a locação de mão-de-obra.
Na ausência de regramento específico a regular a prática sistemática da terceirização e para não ficarmos somente na aplicação da jurisprudência que trata da matéria, mister que se desenvolva, doutrinariamente, o alcance da função social do contrato, partindo da sua inserção no mundo jurídico como regra de caráter geral que permite, por conseqüência, uma interpretação voltada à socialidade.
2. A RESPONSABILIZAÇÃO DO TOMADOR DE SERVIÇO
A responsabilização do tomador de serviço não encontra suporte legislativo específico na CLT. Como a terceirização tomou corpo e difundiu-se no sistema econômico brasileiro, como perspectiva de redução de custo para as empresas, havendo a possibilidade de fraude na contratação de trabalhadores, houve a construção jurisprudencial sobre a matéria, pelo TST, com a revisão da Súmula nº 256 pela edição da Súmula nº 331, através da Resolução Administrativa nº 23/93 (DJU de 21.12.1993), que assim dispôs:
331 – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE – REVISÃO DO ENUNCIADO Nº 256.
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo nos casos de trabalho temporário) Lei 6019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei 7.102, de 20.06.1983), de conservação e limpeza, bem como serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
Posteriormente, o entendimento expresso no inciso IV foi em parte modificado pela Resolução 96/2000 (DJU de 18.09.2000), que assim estabeleceu:
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da Administração Pública direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666/93).
O tomador de serviço aqui considerado é aquele que terceiriza sua atividade, seja pela terceirização típica (lícita), seja por aquela em que contrata mão-de-obra de outra empresa para execução de parte da sua atividade empresária (ilícita, mera locação de mão-de-obra).
Há quem refira que a contratação para serviços na atividade-meio seria a terceirização lícita e para a atividade-fim, terceirização ilícita.[23] Esta, porque geraria a formação do vínculo de emprego com o próprio tomador de serviços. Mas o que se pretende abordar quanto ao item não é sobre a licitude ou não da contratação do trabalho pelo tomador do serviço e, sim, a sua responsabilização na relação contratual com a prestadora do serviço em face dos direitos do empregado, que é terceiro na relação entre as empresas e sobre quem aquele contrato repercute.
É de mencionar que em muitas situações o empregado, ao ajuizar a ação trabalhista, não demanda pelo reconhecimento do vínculo de emprego com o tomador de serviços, buscando deste, apenas, a responsabilização pelos direitos que lhe são devidos. É o caso típico de ações contra entes jurídicos vinculados ao Poder Público, pela impossibilidade legal de reconhecimento do vínculo de emprego com estes, em face da ausência de submissão a concurso público.
Mauricio Delgado[24] indica que a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços é criação da jurisprudência, evidenciado na Súmula 331 do TST e que ampliou-se a possibilidade de sua responsabilização, bastando, para tanto, o inadimplemento de verbas contratuais por parte do empregador. Conforme o mesmo doutrinador, referida Súmula englobou em seu texto a situação prevista relativamente ao trabalho temporário, inserta na Lei 6.019/74[25], que estabelecia a responsabilidade solidária do tomador pelas contribuições previdenciárias, como também pela remuneração e indenização devida ao trabalhador no caso de falência da empresa de trabalho temporário.[26]
Segundo Hinz[27] não há legislação específica sobre a terceirização, havendo construções doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, especificamente a Súmula 331 do TST. Acrescenta que o fundamento jurídico para a responsabilização do tomador de serviços encontra-se no art. 186 do Código Civil, que assim dispõe: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Contudo, tal disposição legal, isoladamente considerada, não gera a abrangência indicada pelo doutrinador referido, pois, não só na ação ilícita surge a responsabilidade do tomador de serviços. Conforme a Súmula 331, basta a inadimplência do empregador (devedor principal) para que se dê a responsabilização. Neste sentido, temos a seguinte decisão que bem ilustra a situação:
TERCEIRIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E PRINCIPAL – DIFERENÇA – Na hipótese de responsabilidade subsidiária, distingue-se o responsável principal – que de regra é o empregador direto – e o responsável secundário que, apesar de não ser o empregador, responde em caso de inadimplemento do empregador direito. A responsabilidade subsidiária possui caráter secundário, sendo utilizada para reforçar a garantia principal.[28]
O tomador do serviço pode não cometer ilícito e assim mesmo ser condenado subsidiariamente. Tal situação decorre da mera inadimplência do empregador, que é o devedor principal. Hipótese típica é aquela em que cessa o contrato entre as empresas e a prestadora do serviços não detém suporte financeiro para arcar com as verbas rescisórias dos empregados que perdem seus postos de trabalho.
A ideia de responsabilidade subsidiária firmada pela jurisprudência do TST encontra algumas resistências. Souto Maior afirma que “quando há pluralidade de devedores e o credor pode exigir de todos a totalidade da dívida, se está diante da hipótese de solidariedade instituto jurídico que traduz tal situação”.[29]
Menciona o mesmo doutrinador que a solidariedade entre o tomador e prestador de serviços resta prevista legalmente, citando a Lei 8.036/90, art. 15, § 1º, art. 2º, I, do Decreto nº 99.684/90, sobre o FGTS e a Ordem de Serviço 87/83, sobre as contribuições previdenciárias. Defende ainda a solidariedade do tomador de serviços com base na culpa in eligendo e arts. 927 e 934 do Código Civil, mencionando que a aplicação analógica do art. 455 da CLT também implica tal reconhecimento quando dispõe que o empregado pode buscar do empreiteiro principal as obrigações do contrato celebradas com o subempreiteiro.[30]
As culpas in eligendo e in vigilando são mencionadas por Hinz como elementos que a doutrina e a jurisprudência adotam para a responsabilização do tomador pelos créditos trabalhistas inadimplidos pelo fornecedor de mão-de-obra.[31]
Com o mesmo ensinamento, Pamplona Filho afirma que “a ideia dessa responsabilização se baseia em uma culpa in eligendo do tomador de serviços, na escolha do prestador, bem como in vigilando da atividade exercida”, aplicando-se analogicamente as disposições da legislação trabalhista, como, por exemplo, o art. 455 da Consolidação das Leis do Trabalho”[32]. Acrescenta que o fundamento para a responsabilização encontra-se na regra da responsabilidade civil do empregador por ato dos seus empregados, admitindo que o prestador de serviços terceirizados nada mais é do que um preposto do tomador de serviços para a execução de uma determinada atividade. A disposição legal que menciona é o art. 932, inciso III do CCB, que assim dispõe:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(…)
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
De forma contrária à construção jurídica reconhecida em Souto Maior, Delgado[33] apregoa que a hipótese do art. 455 da CLT se insere na ideia contida no inciso IV da Súmula 331 do TST, de modo que a responsabilidade do empreiteiro principal seria subsidiária.
Souto Maior também se refere à responsabilidade solidária pela noção da culpa objetiva decorrente da responsabilidade civil, conforme art. 927 e seu parágrafo único[34]. Tal artigo do CCB assim estabelece:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Na atividade de risco, por exemplo, pode-se mencionar aquele exercida nas plataformas/companhias de petróleo, onde parte das atividades são terceirizadas.
A responsabilidade solidária do tomador de serviços, prevista na Lei 6.019/74 também o foi na Lei 8.212/91, versão original do art. 31, com relação às contribuições previdenciárias, o que foi alterado pela Lei 9.711/98, que impôs ao tomador do serviço a retenção da contribuição previdenciária incidente em 11% sobre o valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e seu recolhimento em nome da empresa cedente da mão-de-obra, o que foi em parte modificado pela Lei 9.876/99, que revogou o sistema de retenção na fonte, determinando a incidência da contribuição sobre o valor das notas fiscais ou faturas de serviço emitidas pelas empresas cooperativas às empresas contratantes de seus serviços.[35]
A responsabilização do tomador de serviço pode ocorrer também quando este pratica abuso de direito, como, por exemplo, impor à empresa prestadora de serviço um preço inadequado ao contrato, de modo que esta contrate empregados por salário inferior ao de mercado ou, ainda, para a renovação de contrato de prestação de serviço imponha preço que resulte redução/supressão de direitos dos trabalhadores vinculados à empresa contratada. Outra hipótese é a contratação de serviço global que implique a imposição de preços e volume de trabalho à prestadora de serviço de modo que esta fique sob o completo domínio da tomadora do serviço e, cessada a atividade contratada, aquela que prestava o serviço se torne insolvente ou venha a falir. Neste sentido, reproduz-se decisão do Tribunal Regional do Trabalho desta Quarta Região:
EMENTA: RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. EMPRESA EXPORTADORA DE CALÇADOS. A compra da produção de calçado para exportação significa o interesse recíproco das empresas e a necessidade da prestação de serviço pelos empregados da primeira reclamada (empregadora) em prol, também, da segunda (exportadora). Aplicação do princípio geral da função social do contrato previsto no art. 421 do novo Código Civil, de modo que se deve cuidar não só do interesse das empresas contratantes mas dos efeitos que dele decorrem em face dos empregados que atuam na produção do calçado a ser exportado, ainda mais quando a empregadora admite que encerrou suas atividades e não quitou as verbas rescisórias de seus empregados. Provido. (Proc.01196-2004-341-04-00-0[RO]. Relator Juiz Marçal Henri S. Figueiredo. Publicado em 09.11.2005)[36]
A regra que identifica o abuso de direito é a do art. 187 do Código Civil Brasileiro, que assim estabelece: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Na hipótese retratada na ementa antes indicada se aplicaria também a disposição do art. 186 do Código Civil, que prevê: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ilícito”.
A incidência da regra legal mencionada, segundo pensamos, implica na responsabilização solidária das empresas prestadora e tomadora do serviço. Se a empregadora não paga salário, horas extras ou outros direitos, e a tomadora do serviço não se acautela de fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais empregatícias de quem lhe presta serviço, por certo age com negligência e é omissa, devendo, assim, responder de forma solidária pela obrigação exigida pelo empregado que demandar em juízo.
Vários são os exemplos que se podem extrair de contratos de prestação de serviços/terceirização em que há quebra da harmonia proposta à função social do contrato e a lesão aos interesses dos trabalhadores.
Consagrada a responsabilidade do tomador de serviço na Súmula 331 do TST, de forma subsidiária, cabível a construção doutrinária e legal para também se decidir pela condenação solidária, haja vista que exemplos fáticos para tal reconhecimento existem. Exemplo disso é a revista íntima adotada por empresa tomadora de serviço que impõe este procedimento aos empregados da empresa prestadora do serviço. Vê-se a caracterização de dano moral praticado pelo tomador de serviço sem que haja oposição do empregador. Neste caso, entendemos que a culpa das empresas é solidária.
Como propõe Souto Maior[37], “a responsabilidade, em uma terceirização considerada válida, deve ser sempre solidária, pois de uma forma ou outra as empresas contratantes utilizam o trabalho prestado pelo empregado”.
Para reforçar seu argumento, Souto Maior revela que a “previsão no sentido da solidariedade pode ser encontrada no art. 249 da Lei de Contrato de Trabalho da Argentina”[38]: “La responsabilidad solidária consagrada por este artículo, será también de aplicácion cuando el cambio de empleador fuese motivado por la transferencia de um contrato de locación de obra, de explotación u otro análogo, cualquiera sea la naturaleza y el caráter de los mismos”[39].
De acordo com o ensinamento de Carmen Camino:
É de suma importância destacar que, ao delegar os serviços especializados de apoio em favor de terceiro contratado, o contratante não se exime totalmente das obrigações trabalhistas. Se o fizer a prestador inidôneo, sem o necessário cuidado na escolha, incorrerá em culpa in eligendo; se descurar da fiscalização do cumprimento dos encargos trabalhistas assumidos pelo terceiro contratado com seus empregados, incorrerá em culpa in vigilando. Ambas as espécies o tornarão incurso no art. 927 do Código Civil e demandarão a sua responsabilidade subsidiária. É pacífica a jurisprudência a respeito (Enunciado nº 331, verbete IV, da Súmula de Jurisprudência do TST.[40]
Se em legislação remota, como antes referido, havia a previsão de responsabilidade solidária do tomador de serviço pela contribuição previdenciária[41], seria possível aplicação, por analogia, desta previsão legal em relação aos direitos trabalhistas pela culpa in vigilando.
Ainda em relação à terceirização e responsabilidade do tomador de serviços, Carmen Camino afirma que:
A terceirização não é o meio fácil de eximir o beneficiário da força de trabalho dos encargos trabalhistas que incautos apressam-se em apregoar. Ao contrário, tem a desvantagem de retirar do empresário o poder de comandar diretamente as atividades de apoio de sua empresa e obrigá-lo a responder pela eventual inadimplência do terceiro contratado. De outro lado, adotada a terceirização como forma de fraudar a incidência das normas tutelares, quando utilizado o terceiro contratado como mero “empregador de fachada”, sem delegação de poder de comando pelo contratante dos serviços, incide toda a sua força o preceito do art. 9º da CLT. É nulo de pleno direito o contrato de prestação de serviços mantido com o terceiro e a relação de emprego emerge, à luz do art. 3º da CLT, com o tomador dos serviços fraudulentamente contratados. O terceiro que se prestou à fraude não fica isento de responsabilidade. Será chamado a responder pelos encargos trabalhistas de forma solidária, na forma disciplinada no art. 942 do Código Civil.[42]
O artigo 942 do Código Civil assim dispõe: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.[43]
As decisões que poderiam seguir a tese da solidariedade por prática de ato ilícito, com base na disposição do art. 1518 do Código de 1916, esbarravam na orientação da Súmula 331 do TST.
As disposições do Código Civil acerca da culpa objetiva, dos atos ilícitos, sobre a resolução contratual por onerosidade excessiva, bem como princípios gerais que devem ser observados na formação dos contratos, servem de anteparo à violação dos direitos trabalhistas.
CONCLUSÃO
Diante das referências doutrinárias e da jurisprudência antes mencionadas, constata-se que antes e após o advento do novo Código Civil, não há regramento legal sobre a terceirização e sobre a responsabilização do tomador de serviços. Aplicava-se e ainda se adota como referência o que resta expresso na Súmula 331 do TST. A posição adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho se impôs como freio à fraude ao direito dos trabalhadores e mesmo aos princípios informadores do Direito do Trabalho. Diante da previsão constitucional que consagra a livre iniciativa, a mencionada Súmula não coibiu a terceirização. Apenas atenuou seus efeitos. A partir da visão que se passa a ter da função social do contrato, inserida como regra geral no Código Civil atual, há base jurídica legal como suporte para a condenação do tomador de serviços em face da terceirização, quando violados direitos trabalhistas. Da mesma forma, é possível firmar posição a favor da condenação subsidiária e/ou solidária das empresas prestadora e tomadora de serviço. Tais condenações devem advir da análise a ser feita caso a caso, considerando a ação de cada um dos contratantes quando, do contrato que celebraram, resulte efeito danoso ao empregado. Várias são as normas insertas no Código Civil que visam dar eficácia ao princípio da função social e a devida reparação ao empregado que sofre os efeitos dos contratos de prestação de serviços adotados no sistema de terceirização. Devemos perseguir a prevalência do bom direito, evitando que a terceirização efetive ainda mais a precarização do trabalho. Coibir os abusos que impliquem violação dos direitos trabalhistas é dever que se impõe e para tanto, é possível a aplicação do princípio da função social do contrato como mais um instrumento de tutela aos empregados em situação de vulnerabilidade.
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[1] BRASIL, Código Civil. 56. ed. Org. Ed. Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2005.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função Social. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 31.
[3] WALD, Arnoldo. A dupla função econômica e social do contrato. Consulex, Brasília, n. 175, p. 45-47, abr. 2004.
[4] BRASIL, Código Civil. 56. ed. Org. Ed. Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2005.
[5] AZEVEDO, Álvaro Villaça. O novo Código Civil Brasileiro: Tramitação; função social do contrato; boa-fé objetiva; teoria da imprevisão e, em especial, onerosidade excessiva (laesio enormis). São Paulo: LTr, ano 67, n. 4, abr. 2003, p. 395.
[6] Op. cit. BRASIL. Código Civil. 56. ed. Org. Ed. Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2005.
[7] SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato. Florianópolis: OAB/SC, 2004, p. 156.
[8] MARTINS-COSTA, J.; BRANCO, G.L.C. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 157.
[9] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e Regras de Interpretação dos Contratos no Novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 41.
[10] Ibidem, p. 45.
[11] GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 132.
[12] SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A Função Social do Contrato e o Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, ano 67, dez. 2003, p. 1464-5.
[13] MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. A função social do contrato e o princípio da boa-fé no novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. jul. 2002, vol. 801, p. 18.
[14] Arnaldo Wald afirma que a função social não pode ser sinônimo da defesa do hipossuficiente no regime do Código Civil, op. cit.
[15] Op. cit., p.146-7
[16] Op. cit., p.160
[17] Op. cit., p.158
[18] Loc. Cit.
[19]Ac.01261.332/97-0 REO, julg.: 10.08.1999, 1ª Turma. Publ. DOE-RS: 13.09.1999. Relator Juiz Paulo Caruso. Revista de Jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Ano 32, nº 31. Porto Alegre: Síntese. 2000, p. 788.
[20]TEIZEN JÚNIOR, Augusto Geraldo. A Função Social no Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 132.
[21] Ibidem, p. 169.
[22] Op. cit., p. 133.
[23] HINZ, Henrique Macedo. A terceirização trabalhista e as responsabilidades do fornecedor e do tomador de serviços: um enfoque multidisciplinar. Porto Alegre: Síntese. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Vol. 71, n. 2, maio/ago. 2005, p. 132.
[24] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direto do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr. 2003, p. 462-63.
[25] Ibidem, p. 472.
[26] O art. 16 da L. 6019 tem o seguinte teor: No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta Lei.
[27] Op. cit., p. 139-40.
[28] TRT 14ª Região, RO 0893/02. Ac. 0183/03, 26.2.03. Rel. Juiz Shikou Sadahiro. São Paulo: LTr, ano 67, jul. 2003, p. 864.
[29] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A terceirização sob uma perspectiva humanista. Porto Alegre : Síntese. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Vol. 70, n. 1, jan./jun. 2004, p. 126.
[30] Ibidem, p. 127-28.
[31] Op. cit., p. 140.
[32] PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Responsabilidade civil nas relações de trabalho e o novo Código Civil Brasileiro. Porto Alegre: Síntese. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Vol. 70, n. 1, jan./jul. 2004, p. 117.
[33] Op. cit., p. 473.
[34] Op. cit., p. 127.
[35] POLONIO, Wilson Alves. Terceirização. Aspectos legais, trabalhistas e tributários. São Paulo: Atlas. 2000. p. 84 e 125.
[36] Homepage institucional. TRT4. Desenvolvido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Disponível em <http://www.trt4.gov.br/nj4jurisp/jurisp>. Acesso em: 02 mar. 2006.
[37] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr. 2000. p. 322.
[38] Op. cit.
[39] SOUTO MAIOR apud Juan A. Ensinck, op. cit., p. 322.
[40] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese. 2004, p. 240.
[41] A Lei nº 9.032, de 28.04.1995, inseriu o § 2º no art. 71 da Lei 8.666/93, indicando que a Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato.
[42] Op. cit., p. 240.
[43] A mesma previsão legal, com igual redação, era feita no art. 1518 do Código Civil de 1916.
Seguridad social y Protección social ante el desafío de la extensión de la cobertura
¿Una nueva etapa de la Seguridad social?
Cristina Mangarelli
Abogada Laboralista – Uruguay
SUMARIO: 1. Planteamiento del tema; 2. La baja cobertura; 3. La extensión de la cobertura: La máxima prioridad; 4. Extensión de la cobertura y estratégia de empleo; 5. Extensión de la cobertura y protección social; 6. Seguridad social y protección social. Derechos fundamentales; 7. ¿Protección social, una nueva etapa de la Seguridad social?; Conclusiones.
1. PLANTEAMIENTO DEL TEMA
La noción de seguridad social postula que todos los habitantes de un país se encuentren comprendidos en el sistema de seguridad social, por lo menos en lo que refiere a la cobertura de ciertos riesgos y acontecimientos. Dicha noción afirma la idea de que es la sociedad la que debe asegurar o garantir la percepción de ingresos ante determinadas contingencias.
Sin embargo, un elevado número de personas no se encuentran amparadas en los sistemas de seguridad social. Las investigaciones indican que más de la mitad de la población mundial (trabajadores y familiares a cargo) no tiene cobertura de seguridad social[1].
En América Latina, la dificultad más importante de los sistemas de protección social es la baja cobertura, tanto en extensión (número de trabajadores y familiares amparados, y riesgos cubiertos) como en calidad de la misma[2]. Incluso se ha señalado que dicha cobertura ha disminuido en algunos países en los últimos quince años[3]. Asimismo se ha indicado que los grupos menos vulnerables son los que se encuentran más protegidos[4].
En los países industrializados, en los últimos años también se advierten problemas en cuanto a la extensión de la cobertura de los sistemas de jubilaciones y pensiones[5].
La magnitud del problema ha llevado a reafirmar a nivel mundial la idea de la universalidad de la seguridad social, y a emprender campañas para precisar los mecanismos tendientes a extender la cobertura de los sistemas.
En la actualidad no es posible abordar la temática de la universalidad de la Seguridad social sin tener en cuenta la noción de “Protección social”.
El presente trabajo apunta a enfocar la cuestión de la extensión de la cobertura desde la perspectiva de la estrategia de empleo y de la Protección social. Asimismo cabe preguntarse si estamos transitando una nueva etapa de la Seguridad social.
2. LA BAJA COBERTURA
La baja cobertura de los sistemas de seguridad social obedece a variadas razones. Algunas tienen que ver con cuestiones demográficas, con problemas de financiamiento y de administración de los sistemas, con cambios que se han producido en el mundo del trabajo[6].
Teniendo en cuenta que los sistemas por lo general comprenden a las personas en función de las cotizaciones que se realizan a partir de un empleo formal, las personas no ocupadas y aquellas que trabajan en la informalidad, se encontrarán sin cobertura. Mencionaremos algunas de las posibles causas de esta baja cobertura:
a) Aumento del trabajo informal
En América Latina, el trabajo informal ha aumentado[7]. Los cambios ocurridos en el mundo del trabajo han favorecido la precarización del empleo y han aumentando la informalidad. Asimismo se ha observado que el ingreso de las mujeres al mercado de trabajo en muchos casos se realiza en el trabajo informal.
El empleo informal también plantea dificultades en los países industrializados. Reynaud ha señalado que las transformaciones en materia de empleo han incidido en los sistemas previsionales de los países de la Unión Europea. Se advierte un aumento de la inseguridad laboral y del empleo informal[8].
b) Aumento del trabajo autónomo
El aumento del trabajo autónomo responde a varias causas. En muchos casos se utiliza la forma de trabajo independiente para esconder una relación de trabajo subordinada. En otros, los cambios en los modos de trabajar y en la organización de las empresas han llevado a que muchos trabajos que antes se desempeñaban en forma subordinada, hoy se realicen en forma independiente[9].
c) Trabajos ocasionales y estacionales
Estos trabajos suponen períodos sin ocupación, lo que implica ausencia de cobertura durante la inactividad[10] o inserción inestable en los sistemas.
d) Desempleo
El desempleo sigue siendo un problema de importancia en muchos países[11]. Los cambios tecnológicos también han favorecido el desempleo.
e) Nuevos requisitos de los sistemas
Las reformas de los sistemas de pensiones de América Latina han llevado en muchos casos, a elevar el número de años de trabajo que se requiere para acceder a la jubilación, y han establecido algunas exigencias para acreditar los años de trabajo[12].
f) Trabajadores migrantes.
La inexistencia de normativa que facilite la acreditación de prestaciones de trabajo realizadas en distintos países, conduce, entre otras razones, a que este grupo quede desprotegido[13].
3. LA EXTENSIÓN DE LA COBERTURA: LA MÁXIMA PRIORIDAD
La Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 llegó a varias conclusiones de gran relevancia sobre la seguridad social. También hizo referencia en ellas a la protección social. La importancia de dichas conclusiones queda de manifiesto cuando se observa que los conceptos allí señalados fueron luego compartidos y desarrollados en trabajos posteriores de investigación y académicos sobre la materia.
Una de las conclusiones más importantes a las que arribó la Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 es la necesidad de extender la cobertura de la seguridad social. Teniendo en cuenta el elevado número de personas que no tiene cobertura en los sistemas de seguridad social, la Conferencia señaló que debe darse “máxima prioridad” a las políticas e iniciativas que den seguridad social a los excluidos de los sistemas, y que cada país debería diseñar una estrategia para lograr una “seguridad social para todos”[14].
La Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 también indicó que las actividades de la OIT referidas a la seguridad social deberían basarse en la Declaración de Filadelfia, en la noción de trabajo decente y en las normas de la OIT pertinentes (conclusión nº 17). La Declaración de Filadelfia (1944) reconoce la obligación de la OIT de fomentar programas que permitan “extender las medidas de seguridad social para garantizar ingresos básicos a quienes los necesiten y prestar asistencia médica completa” (III, f).
Dicha Conferencia propuso el inicio de una campaña mundial para “promover la extensión de la cobertura de la seguridad social”. En junio de 2003 el Director General de la OIT lanzó la “Campaña mundial en materia de seguridad social y cobertura para todos.
Varias otras conclusiones de dicha Conferencia se vinculan con la extensión de la cobertura, y deben tenerse en cuenta por ejemplo:
– la afirmación de que no existe un modelo único de seguridad social (nº 4), y que cada sociedad debe determinar la combinación adecuada de regímenes (nº 13);
– que el envejecimiento de la población repercute en todos los sistemas, y que una de las soluciones para hacerle frente es aumentar las tasas de empleo (nº 11), pero en condiciones de trabajo decente (nº 7);
– que las reformas deben instrumentarse a través del diálogo social, de modo de que permanezcan en el tiempo, asegurando la viabilidad financiera de los sistemas (nº 14 y nº 16);
– que los sistemas de seguridad social se basaron en un modelo de familia distinto del actual, por lo que es necesario facilitar el acceso de la mujer al empleo (nº 9)[15].
Hoy se insiste en la idea de que deben independizarse las prestaciones de seguridad social de las contribuciones, por lo menos para cubrir necesidades básicas de determinados grupos.
La utilización de mecanismos no contributivos, permitirá asegurar ciertos mínimos a los sectores de la población más vulnerables[16].
La Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 también señaló que si no era posible la integración de los excluidos al sistema de seguridad social, deberían utilizarse otras medidas como la asistencia social[17].
Claro está, que hay que tener en cuenta la existencia de recursos financieros para satisfacer los objetivos que se planteen. Por esta razón las iniciativas de ampliación de la cobertura del sistema de seguridad social (en el sentido de abarcar a más personas, riesgos y necesidades, y mejorar las prestaciones) deben considerar la eficiencia del sistema en su conjunto[18].
4. EXTENSIÓN DE LA COBERTURA Y ESTRATEGIA DE EMPLEO
Distintos trabajos han señalado los vínculos entre seguridad social y empleo[19].
Muchas de las prestaciones del sistema de seguridad social tienen naturaleza contributiva, de ahí la importancia de que exista trabajo y en condiciones de formalidad.
La ausencia de trabajo (inactividad laboral, desempleo), y la informalidad repercuten en todo el sistema.
La Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 se refirió a este punto en las conclusiones sobre seguridad social, y le asignó tal relevancia que señaló que la ampliación de la cobertura de la seguridad social, de modo de comprender a las personas que el sistema no abarca, debe tener en cuenta el empleo. Se indicó que la estrategia nacional para trabajar por “una seguridad social para todos” se vincula con la estrategia de empleo (conclusión nº 16)[20].
Se ha advertido que en América Latina es necesario que las instituciones de “protección social” tomen en cuenta las relaciones entre el mercado de trabajo, las familias y el Estado[21].
En el caso uruguayo, el tema se debatió recientemente en el Diálogo Nacional sobre Seguridad Social. Allí se señaló que la seguridad social en el Uruguay vincula las prestaciones con la participación en el mercado formal de trabajo. Los cambios ocurridos en el mercado laboral, han llevado a que un grupo numeroso de trabajadores tenga una “inserción inestable” en el mercado laboral, por lo que se encuentran con dificultades para obtener las prestaciones de seguridad social. Se indicó que en dicho contexto es importante analizar el mercado de trabajo[22].
La estrategia en materia de empleo es relevante para lograr que grupos que permanecen fuera del sistema de seguridad social obtengan cobertura. Por esta razón, se presta especial atención a las políticas activas en materia de empleo. Dichas políticas tienen en cuenta la población no ocupada pero en condiciones de trabajar, la desempleada, y la ocupada pero en la informalidad.
La gama de medidas a implementar es amplia, pueden referir a aumentar el número de puestos de trabajo, a que no se pierdan los que existen, a crear nuevas ocupaciones, a ocupar a personas que no trabajan (jóvenes, mujeres, adultos mayores), etc.
Uno de los desafíos a los que se enfrentan los sistemas en la actualidad es la inclusión del trabajo informal. Resulta de interés el diseño de medidas que promuevan el empleo en condiciones de formalidad o que favorezcan el pasaje del trabajo informal al formal[23].
En cuanto a la protección frente al desempleo, además de preverse prestaciones en los períodos de desempleo, se pone el acento en las medidas que vinculen los pagos con la formación y la reconversión profesional[24]. Sin perjuicio de reconocer la importancia de la formación profesional en el caso del desempleado, en un mundo cambiante debe asegurarse la capacitación a todos.
La previsión de sanciones ante los despidos, puede funcionar en algunos casos como freno, y mantener la cobertura.
Para comprender a los trabajadores autónomos, se ha propuesto el seguro obligatorio, o seguros especiales. Diversas investigaciones indican que los trabajadores autónomos estarían dispuestos a aportar, en la medida de que obtuvieran algunas prestaciones básicas[25]. Teniendo en cuenta que en la actualidad, es común en muchos países que bajo la figura del trabajo autónomo se escondan relaciones de trabajo dependiente, se deberían adoptar medidas que facilitaran la determinación de la naturaleza de la relación.
El aumento del empleo (en condiciones de formalidad) también incide en la ampliación de la cobertura en cuanto a los riesgos cubiertos y en la calidad de la misma. Asimismo se considera el aumento de las tasas de empleo para enfrentar el problema del envejecimiento de la población.
5. EXTENSIÓN DE LA COBERTURA Y PROTECCIÓN SOCIAL
Cabe preguntarse ¿qué papel juega la Protección social ante la falta de cobertura de los sistemas de Seguridad social?
Comencemos distinguiendo Protección social de Seguridad social.
En el pasado se propuso utilizar la expresión “protección social”, pero se prefirió la de “seguridad social”[26]. En el momento actual, la temática de la protección social ha cobrado un nuevo impulso. Es común que se analice la protección social cuando se trata la seguridad social[27], pero también numerosos estudios abordan específicamente la protección social[28].
Las diferencias entre seguridad social y protección social parten de la propia denominación utilizada. En la primera aparece la idea de “seguridad”, en la segunda la de “protección”, y en ambas la concepción de que es la sociedad la que responde. Pero también se diferencian en sus contenidos, en los sujetos que intervienen y en las relaciones a las que refieren.
En la noción de seguridad social se encuentra la idea de “carga social”, la sociedad debe responder frente a determinados riesgos a los que están expuestos sus miembros[29]; se trata de una “responsabilidad social”[30]. Las contingencias que por lo general, se entienden comprendidas en la noción de seguridad social son las señaladas en el Convenio Internacional del Trabajo Nº 102 sobre seguridad social (norma mínima): enfermedad, desempleo, maternidad, vejez, invalidez, sobrevivencia, accidente de trabajo y enfermedad profesional, cargas familiares[31].
La protección social es más amplia que la seguridad social porque comprende la seguridad social y además otros riesgos o necesidades (por ejemplo, programas de reducción de la pobreza, etc.).
La protección social también es más amplia que la seguridad social dado que incluye no sólo la intervención del Estado, sino también las acciones de la sociedad civil.
La protección social se independiza de la relación de trabajo abarcando a todos los individuos frente a determinadas necesidades.
Asimismo puede considerarse que la protección social tiene un alcance más restringido que la seguridad social, en la medida de que la protección social (por lo menos en la actual etapa y en los países en desarrollo) cubre algunos riesgos o necesidades básicas, con mínimos.
En este sentido, en el Informe VI a la Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 (Seguridad social: temas, retos y perspectivas) se hace referencia a “una protección social básica”, que brinde “una seguridad mínima” para todos los habitantes, que comprenda servicios básicos de salud, y derechos básicos de alimentación, vivienda y educación en los países en desarrollo[32].
Pero también se observa un interesante vínculo o interacción entre protección social y seguridad social.
Frente a la imposibilidad del cumplimiento del objetivo de universalidad de la cobertura del sistema de seguridad social, se busca amparar a las personas excluidas a través de la protección social, con un ingreso básico ante determinadas situaciones. En cierta forma, la seguridad social recurre a la noción de protección social de modo de extender la cobertura, asegurando por lo menos un mínimo de protección.
La Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 en sus conclusiones sobre seguridad social ante la existencia del elevado número de personas que no se encuentran cubiertas por los sistemas de seguridad social, postula -en un primer momento- brindar protección social a grupos de excluidos (por ejemplo, a través de la asistencia social, o de seguros voluntarios), y en un futuro integrarlos al sistema de seguridad social (conclusiones nº 5 y nº 16)[33].
A la vez, la noción de protección social, amplía la perspectiva de la seguridad social, brindando ingresos seguros en situaciones antes no siempre contempladas.
Es importante que hoy se insista en la idea que es la sociedad la que debe responder y asegurar ingresos frente a determinados riesgos, y también proteger a los grupos más vulnerables, con prestaciones y servicios básicos ante riesgos y necesidades.
La “protección social” no se reduce a la mera asistencia social, y no tiene un sentido paternalista[34] dado que -como vamos a ver a continuación- se trata de un derecho.
6. Seguridad social y Protección social. Derechos fundamentales
La seguridad social es un derecho humano fundamental. La Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 así lo señaló en sus conclusiones sobre seguridad social: “La seguridad social es muy importante para el bienestar de los trabajadores, de sus familias y de toda la sociedad. Es un derecho humano fundamental y un instrumento esencial para crear cohesión social, y de ese modo contribuye a garantizar la paz social y la integración social. Forma parte indispensable de la política social de los gobiernos y es una herramienta importante para evitar y aliviar la pobreza” (nº 2).
Resulta de interés señalar que para Supiot cuando la Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 afirma que la seguridad social es un “derecho humano fundamental”, está completando la lista de derechos fundamentales de la Declaración de 1998. En su criterio, esta interpretación se ve confirmada con otra de las conclusiones de la Conferencia de 2001 en la que se indica que debe darse “máxima prioridad a las políticas e iniciativas que aporten seguridad social” a las personas que no se encuentran cubiertas por los sistemas (conclusión nº 5). Y agrega que se trata de “derechos a la protección social”, que van más allá de la relación de trabajo[35].
Asimismo diversos Pactos y Declaraciones de Derechos Humanos recogen el derecho a la seguridad social como derecho humano fundamental. La Declaración Universal de los Derechos Humanos (O.N.U. 1948) incluye en el elenco de derechos humanos a la seguridad social: “Toda persona, como miembro de la sociedad, tiene derecho a la seguridad social…” (artículo 22).
La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre (O.E.A. 1948) también hizo referencia al derecho de toda persona a la seguridad social: “Toda persona tiene derecho a la seguridad social que lo proteja contra las consecuencias de la desocupación, de la vejez, de la incapacidad, que proveniente de cualquier otra causa ajena a su voluntad, lo imposibilite física o mentalmente para obtener los medios de subsistencia” (artículo XVI).
La Carta Internacional Americana de Garantías Sociales pone el acento en el deber del Estado y en el derecho de los trabajadores al señalar que es “deber del Estado proveer en beneficio de los trabajadores medidas de previsión y seguridad sociales” (artículo 28), y que los trabajadores “tienen derecho a un sistema de seguridad social obligatorio…” (artículo 31).
El “derecho de toda persona a la seguridad social, incluso al seguro social” se encuentra reconocido por los Estados Partes en el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, artículo 9 (O.N.U. 1966).
El Protocolo de San Salvador hace referencia al “derecho” de toda persona a la seguridad social, que la proteja ante la vejez y la incapacidad que la imposibilite para obtener medios para llevar una vida digna. En caso de muerte del beneficiario, las prestaciones se otorgarán a sus dependientes. El “derecho de la seguridad social” cubre en caso de personas que estén trabajando, el accidente de trabajo o enfermedad profesional (asistencia médica y subsidio o jubilación), y la maternidad (licencia retribuida) (artículo 9).
Más recientemente, la Declaración Socio Laboral del MERCOSUR (1998) establece en el artículo 19 que los trabajadores del MERCOSUR tienen “derecho a la seguridad social” de acuerdo a las legislaciones de cada país, y los Estados se comprometen a: “garantizar una red mínima de amparo social que proteja a sus habitantes frente a la contingencia de riesgos sociales, enfermedades, vejez, invalidez y muerte, buscando coordinar las políticas en el área social, de forma de suprimir eventuales discriminaciones derivadas del origen nacional de los beneficiarios”.
La consideración de la seguridad social como derecho humano fundamental hoy no se discute. Como la protección social abarca la seguridad social, en este sentido puede sostenerse que la protección social es un derecho fundamental.
Pero también es posible afirmar que la protección social es un derecho fundamental en áreas que no coinciden con la seguridad social. Se trata del derecho de la persona a recibir un mínimo de amparo de parte de la sociedad, ante algunas situaciones o necesidades[36].
7. ¿Protección social, una nueva etapa de la Seguridad social?
Considero que estamos en presencia de una nueva etapa de la seguridad social. Por varias razones:
– Hay consensos en materia de seguridad social respecto de algunas ideas que están contenidas en las conclusiones de la Conferencia Internacional del Trabajo de 2001, las que aparecen compartidas en los estudios académicos y de investigación sobre esta temática.
– Existe una estrecha relación entre todas las conclusiones de la Conferencia de 2001, de modo tal que deben considerarse cada una de ellas y en su conjunto.
– Una de las principales conclusiones de dicha Conferencia es la que refiere a dar máxima prioridad a la extensión de la cobertura de los sistemas de seguridad social, lo que ha llevado a sostener conjuntamente con la afirmación de la misma Conferencia de que el derecho de la seguridad social constituye un derecho humano fundamental, que se ha ampliado la nómina de derechos fundamentales de la Declaración de la OIT de 1998.
– Hay coincidencia en afirmar que es necesario extender la cobertura de los sistemas de seguridad social para alcanzar a las personas que no están amparadas.
– Un camino hacia la extensión de la cobertura -por lo menos en una primera etapapuede encontrarse a través de la protección social, esto es asegurar a la población más vulnerable mínimos de cobertura ante algunos riesgos y necesidades.
– La consideración de la seguridad social como un derecho humano fundamental si bien no es nueva, aparece en la actualidad con una fuerza singular que acompaña el movimiento mundial en materia de derechos humanos. También la protección social constituye un derecho humano fundamental. No es posible hablar de derechos sin tener en cuenta las obligaciones, no sólo de los sectores trabajador y empleador sino también del Estado y de toda la sociedad.
CONCLUSIONES
Estamos transitando una nueva etapa de la seguridad social, o de una refundación de la misma a través de algunos consensos y de la utilización de la noción de protección social.
Uno de los postulados básicos de esta etapa es la necesidad de extender la cobertura de los sistemas de seguridad social para abarcar a las personas que se encuentran excluidas.
Los mecanismos de generación de empleo, de lucha contra el trabajo informal, de capacitación de los desempleados, y de mantenimiento del empleo, entre otros son relevantes en la ampliación de la cobertura.
También parece firme la idea en esta etapa de asegurar a todas las personas un mínimo de protección social de modo de hacer frente a determinadas necesidades.
La protección social así concebida -al igual que la seguridad social- constituye un derecho humano fundamental.
[1] Ver Informe VI a la Conferencia Internacional del Trabajo 89.ª reunión 2001, cit., p. 38 “Seguridad Social: temas, retos y perspectivas” (Seguridad Social. Un nuevo consenso, Oficina Internacional del Trabajo, Ginebra 2002) p. 38.
[2] Informe sobre el trabajo en el mundo 2000. La seguridad de los ingresos y la protección social en un mundo en plena transformación, Oficina Internacional de Trabajo, Ginebra 2000, p. 211-214; Bertranou, Fabio M., Envejecimiento, empleo y protección social en América Latina, Oficina Internacional del Trabajo, Santiago, 2006. p. 16.
[3] Informe del Director General de la OIT “Trabajo decente en las Américas: una agenda hemisférica, 2006-2015” presentado ante la XVI Reunión Regional de los Estados americanos Miembros de la OIT (mayo 2006), p. 43. Puede verse en
http://www.ili.org/public/spanish/standards/relm/rgmeet/americas.htm.
[4] Bertranou, Fabio M., Envejecimiento…cit., p.16-17.
[5] Dificultades derivadas de las transformaciones tecnológicas, el desempleo y la informalidad. Ver Reynaud, “Reformas previsionales en los países de la Unión Europea: Desafíos, respuestas y el proceso de reforma”, en El futuro de la Previsión Social en Argentina y el mundo: Evaluación y desafíos. Ponencias del Seminario Internacional, Buenos Aires, 20 de abril de 2004, Oficina Internacional del Trabajo, Santiago 2004, p. 35.
[6] Ver nota (5).
[7] Mesa Lago indica que en el período 1990 a 2000 el sector informal aumentó de 42% a 47% del empleo urbano. Lo atribuye “en parte” a la flexibilización, a la globalización y a la competencia mundial (Las reformas de pensiones en América Latina y su impacto en los principios de la seguridad social, Serie Financiamiento del desarrollo Nº 144, Naciones Unidas, CEPAL, Unidad de Estudios Especiales, Santiago de Chile, 2004, p.101). Ver también Informe VI a la Conferencia Internacional del Trabajo 89.ª reunión 2001, cit., p.67.
[8] ob. cit. p. 35.
[9] Incluso se ha advertido que hay nuevas formas de trabajo “a medio camino” entre trabajo dependiente e independiente, ver Informe sobre el trabajo en el mundo 2000, cit. p. 212. Pocos países en América Latina tienen cobertura obligatoria del trabajo autónomo, ver Mesa Lago, ob. cit. p. 101.
[10] Ver Informe sobre el trabajo en el mundo 2000, cit. p. 213.
[11] En el Informe VI a la Conferencia Internacional del Trabajo 89.ª reunión 2001 se indica que el número de desempleados a finales de 1998 era alrededor de 150 millones, cit., p. 58. Ver también Reynaud, ob. cit., p. 38.
[12] Otros trabajadores pese a haber aportado durante años, no llegan a los años de trabajo exigidos para obtener la jubilación. Ver Bucheli, Ferreira-Coimbra, Forteza, Rossi “El acceso a la jubilación o pensión en Uruguay: cuántos y quiénes lo lograrían?”, CEPAL, Oficina de Montevideo, Serie Estudios y perspectivas 4, 2006, ps. 33-34.
[13] La Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 hace referencia a la necesidad de extender la protección a los trabajadores migrantes, en las conclusiones relativas a la seguridad social (nº 5).
[14] Conclusiones nº 17, nº 5 y nº 16.
[15] El texto completo de la Conclusiones relativas a la Seguridad Social de la Conferencia Internacional del trabajo, 89ª reunión, 2001, puede verse en Seguridad Social. Un nuevo consenso, cit., p.1-7.
[16] Ver la Protección social de cara al futuro. Acceso. Financiamiento y solidaridad. CEPAL (2006), ps. 43 y 62.
[17] Conclusión Nº 5, ob. cit, p. 2.
[18] En este sentido han señalado Titelman y Uthoff: “Los sistemas de protección social enfrentan serios descalces entre la necesidad y la disponibilidad de recursos financieros para cubrir las demandas. Por ello, tanto la contención de los costos como la necesidad de aumentar la cobertura poblacional de los sistemas son elementos de cualquier propuesta de reforma. Para avanzar hacia la universalidad de los beneficios hay que fortalecer simultáneamente la eficiencia y la solidaridad” (“El papel del aseguramiento en la protección social”, Revista de la CEPAL 81, 2003, p. 103).
[19] Entre otros, Informe VI a la Conferencia Internacional del Trabajo 89ª reunión 2001, cit. p. 46-64; documento “La protección social de cara al futuro: Acceso, financiamiento y solidaridad” (CEPAL), cit., p. 43-62; Uthoff, Andras “Mercados de trabajo y sistemas de pensiones”, Revista de la CEPAL 78, 2002.
[20] ob. cit. p. 5.
[21] Uthoff, Andras, Vera, Cecilia, Ruedi, Nora, Serie Financiamiento del desarrollo Nº 169, Unidad de Estudios Especiales, CEPAL, 2006, p. 6.
[22] Diálogo Nacional sobre Seguridad Social, Mesa Temática 2: Inclusión, Trabajo y Seguridad Social, Informe de la Comisión Ejecutiva (p.1). En dicho informe se expresa que alrededor de la mitad de las personas de 20 a 59 años no son contribuyentes al sistema, por no tener participación laboral, estar desocupadas o trabajar en la informalidad. Teniendo en cuenta que muchas personas no se desempeñaron en la formalidad laboral (de modo continuo), por lo que no alcanzan los años de trabajo requeridos para jubilarse, se “consensuó” recomendar elevar la sugerencia de disminuir los años de servicios de 35 a 30 años (p.3) (www.dialogoseguridadsocial.org).
[23] Ver Conferencia Internacional del Trabajo de 2001, conclusiones sobre seguridad social (nº 6), cit. p. 2-3. Conte-Grand destaca las posibilidades de los microseguros, y las transferencias a los grupos más vulnerables de modo de lograr una seguridad social nacional integrada (Reflexiones y comentarios sobre la Resolución de la Conferencia Internacional del Trabajo/2001 relativa a la seguridad social, p. 3).
[24] Así lo señala la Conferencia Internacional del Trabajo de 2001 en sus conclusiones sobre seguridad social (nº 7), cit. p. 3.
[25] Ver Informe sobre el trabajo en el mundo 2000, cit., p. 216-217; Conferencia Internacional del Trabajo de 2001, conclusiones sobre seguridad social (nº 5), cit. p. 2.
[26] Plá Rodríguez recuerda que la expresión “protección social” recibió críticas de la doctrina. Entiende que es más restringida por su carácter instrumental y más amplia porque refiere a todos los instrumentos con los que la sociedad protege a los individuos; la expresión “seguridad social” señala la limitación de las garantías de la sociedad, ante los riesgos que llevan a la inseguridad (“Introducción. Conceptos Generales”, La Seguridad Social en el Uruguay, FCU, 2ª ed., Montevideo 1991, p. 18).
[27] Por ejemplo, en el Informe VI a la Conferencia Internacional del Trabajo 89.ª reunión 2001 “Seguridad Social: temas, retos y perspectivas” se hace referencia en reiteradas ocasiones a la protección social (Seguridad Social. Un nuevo consenso, Oficina Internacional del Trabajo, Ginebra 2002, ps. 45-47).
[28] Por ejemplo, el Informe sobre el trabajo en el mundo 2000 (OIT), cit.; el documento “La protección social de cara al futuro: Acceso, financiamiento y solidaridad”, CEPAL, Montevideo 2006.
[29] Ver De Ferrari, Francisco, Los principios de la seguridad social, 2ª ed., Depalma, Buenos Aires 1972, p. 91.
[30] Deveali, Mario L., Lineamientos de Derecho del Trabajo, Tea, Buenos Aires 1948, p. 373.
[31] En el Informe sobre el trabajo en el mundo 2000 se define la seguridad social como: “la protección que proporciona la sociedad a sus miembros mediante una serie de medidas públicas para compensar la inexistencia o una reducción radical, de los ingresos del trabajo a causa de diferentes eventualidades (en particular, la enfermedad, la maternidad, los accidentes de trabajo, el desempleo, la invalidez, la vejez y la muerte del sostén de la familia); proporcionar asistencia médica; facilitar prestaciones a las familias con hijos”, cit., p. 32.
[32] Seguridad Social. Un nuevo consenso, cit., p. 45. Se señala que en los países industrializados, la protección social puede comprender otro tipo de medidas, como los seguros contra pérdidas de ingresos en determinadas situaciones. La protección social ha sido definida por Bertranou como “el conjunto de intervenciones de entidades públicas y privadas que buscan aliviar a los hogares y a las personas de la carga que puede significar una serie de riesgos y necesidades” (“Protección social, mercado laboral e institucionalidad de la seguridad social”, en: Uruguay. Empleo y protección social. De la crisis al crecimiento, Oficina Internacional del Trabajo, Santiago 2005, p.179). El Informe sobre el trabajo en el mundo 2000 (OIT) comprende en la “protección social” a los sistemas de seguridad social y a los planes privados o no obligatorios con un objetivo similar (por ejemplo, mutuas, planes profesionales de pensiones, dispositivos de solidaridad colectiva, subsidio del empleador o del Estado, etc.) cit., p. 32. En el documento de la CEPAL “La protección social de cara al futuro.
Acceso. Financiamiento y solidaridad” (2006) se consideran los sistemas de salud, los sistemas de pensiones, y los programas sociales (por ejemplo, de reducción de la pobreza, de emergencia vinculados al empleo, de transferencias de recursos a familias pobres con el compromiso de cumplir metas en educación, salud y nutrición).
[33] Seguridad Social. Un nuevo consenso, cit., p. 2 y 5.
[34] Era una de las críticas formuladas a la expresión “protección social”.
[35] Supiot, Alain, “La place de la sécurité sociale dans le système des normes internationales du travail”, Protection sociale et travail décent, Semaine sociale Lamy, Supplément Nº 1272, 4 septembre 2006, p. 9.
[36] En “La protección social de cara al futuro: Acceso, financiamiento y solidaridad” (CEPAL 2006) se hace referencia a un pacto social fundado en “el derecho a la protección social”, p. 41.
O PRECONCEITO EM RELAÇÃO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA NO TRABALHO
Gabriela Rocha Rodrigues
Acadêmica de Direito da UCPEL
O que mais me preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… o que mais me preocupa é o silêncio dos bons.
Martin Luther King
SUMÁRIO: Introdução; 1. O preconceito em relação à pessoa portadora de deficiência no trabalho; 2. Princípio da Igualdade; 3. Ações afirmativas; Conclusão; Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A atual Constituição Federal em muito contribuiu para a proteção e inserção das pessoas portadoras de necessidade especial no mercado de trabalho, rechaçando a visão assistencialista como forma de resgate de sua dignidade e enfatizando o combate à discriminação como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; nesse contexto de proteção e garantias, o Princípio da Igualdade figura como cerne de qualquer ação em prol de grupos desfavorecidos historicamente. Entre as inúmeras definições acerca da igualdade, Carmen Lúcia Antunes Rocha explica que:
Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental. (SILVA, 2006, p. 214)
No entanto, observa-se a existência de um número expressivo de pessoas sem colocação profissional, a despeito das leis protetivas e ensejadoras da inclusão das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho; um dos aspectos que demonstra a falta de preparo e consciência da sociedade é o preconceito dirigido à essas pessoas, como, por exemplo, o fato de que o empregador enxerga a questão das cotas como mera previsão legal a cumprir.
Conforme o ensinamento de Norberto Bobbio:
Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los para impedir que, apesar de solenes declarações, eles sejam continuamente violados. (BOBBIO, 2004, p. 45)
O trabalho é a extensão da vida e nenhuma pessoa pode ser dele privada, pois, na medida em que todos têm oportunidades de trabalho e este é reconhecido, valorizado e apreciado, pode-se dizer que isso é reflexo de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, onde a dignidade humana figura como valor inviolável.
Segundo Américo Plá Rodriguez:
El Derecho del Trabajo está estrecho contecto con la vida real, tento en el aspecto social, como econômico, como político. Por eso, es sensible as las realidades cambiantes que se producem en todos esos ámbitos.
Assim, distancia-se do Princípio da Igualdade uma sociedade que ignora o indivíduo, menospreza suas necessidades, seus sonhos, sua experiência; enfim, que considera a pessoa um item descartável, um mero instrumento para o alcance do lucro visado pelo mercado. Por outro lado, valida o princípio constitucional a sociedade que entende a pessoa portadora de necessidade especial como um ser que é capaz de trabalhar, produzir e que tem limitações como qualquer outra pessoa que vive no seio social.
1. o preconceito em relação à pessoa portadora de deficiência no trabalho
De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), pelo Decreto 5.296/04, deficiência é “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”.
Dados da organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 10% da população mundial têm algum tipo de deficiência; as últimas estatísticas apontam entre 16 e 24,5 milhões só no Brasil. A Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, distribui essas pessoas da seguinte forma: 50% têm limitação mental; 20%, física; 15%, auditiva; 10%, múltipla, e 5%, visual.
Conforme o relatório da Rede Internacional de Deficientes e do Centro de Reabilitação Internacional, publicado em agosto de 2004, apenas cinco dos vinte e quatro países das Américas garantem proteção e tratamento adequados para deficientes; o Brasil é o campeão entre os países que garantem proteção legal, educação, oportunidades de emprego, acessibilidade, saúde, moradia e comunicação. Também possui uma legislação modelo, a Constituição garante ajuda financeira, integração social e assistência educacional, além de proibir discriminação no trabalho, estabelece cotas para deficientes no funcionalismo público e obrigar a criação de acesso facilitado a prédios e transportes públicos. No entanto, segundo o relatório, 24,5 milhões de brasileiros com algum grau de limitação física ou mental ainda não conquistaram muitos dos direitos garantidos por lei, isto significa que entre a população economicamente ativa de 66,6 milhões (cálculo Censo de 2002), 9 milhões são deficientes. Entre os não-deficientes quase 50% estão empregadas, entre os deficientes a percentagem cai para 40%. Os deficientes mentais são os que têm a menor taxa de emprego: 19,3%; entre os homens portadores de alguma necessidade especial 52% estão empregados, apenas 27,3% das mulheres estão na mesma situação.
Diante desses dados e da certeza de que a pessoa portadora de deficiência é capaz de realizar trabalhos produtivos e que tem o direito ao trabalho como qualquer outro cidadão, observa-se uma contradição entre a legislação que a resguarda e a concretude desses ditames legais. Tal contradição suscita a pergunta: O que impede, adia, retarda, a inclusão do portador de deficiência no mercado de trabalho?
Para Maria Vitória Benevides:
No Brasil, a idéia de cidadania ficou fechada num arcabouço formal (…) quando se fala “a cidadania reclamou”, “a cidadania exigiu” utiliza-se a cidadania como conceito estritamente político, de que o cidadão é aquele que tem o direito de voto ou de se expressar politicamente. Retomando-se o pilar da igualdade ampliamos a idéia de cidadania (1994, p. 14)
A autora defende que a igualdade não decorre apenas do reconhecimento clássico da isonomia, da igualdade de normas, mas da igualdade de oportunidades e condições sociais.
Assim, a cidadania democrática pressupõe uma visão da igualdade baseada no reconhecimento das desigualdades e na vontade de se expressar politicamente através de ações éticas, fortemente participativas e voltadas para a concretização dos mecanismos legais. Porém, tal cidadania desejável esbarra num dos sentimentos mais ardilosos que fazem parte do ser humano: o preconceito.
Segundo Lígia Assumpção Amaral,
a personalidade total opera para manter o equilíbrio intra-psíquico, eliminando uma fonte de insegurança, perigo, tensão ou ansiedade através de mecanismos de defesa. (…) A ansiedade gerada pela ameaça da perda é resolvida pelo indivíduo sob duas formas: lidar com a realidade ou fazer uso de mecanismos de defesa. (1994, p. 24)
Assim, o preconceito às pessoas portadoras de deficiência se configura como um mecanismo de negação social, uma vez que suas peculiaridades são ressaltadas como uma falta, carência ou impossibilidade; para muitos, os portadores de necessidades especiais são infelizes, inúteis, diferentes, oprimidos, coitados ou doentes.
Segundo José Pastore (2000, p. 19) algumas expressões têm o poder de salientar a incapacidade, suavizar o problema ou minorá-lo, são elas: indivíduos de capacidade limitada, minorados, impedidos, descapacitados, excepcionais, inválidos, entre outros. Por exemplo, a palavra “deficiente” suplanta o conceito de pessoa, já a expressão “pessoas portadoras de deficiência” valoriza a pessoa em detrimento à deficiência que possui, esta figura como um adjetivo e não como essência daquela pessoa.
Inúmeras são as formas pelas quais o preconceito à pessoa portadora de deficiência se constitui e é reforçado: pela mídia, educação escolar, nas relações de trabalho, pela literatura, pelo cinema, entre outros. Em qualquer dessas áreas observa-se a construção de uma leitura estereotipada da deficiência, seja pelo desconhecimento relativo ao fato em si, seja pelas emoções ou reações geradas.
Esses estereótipos por sua vez são fruto de preconceitos (que como o próprio nome diz são conceitos pré-existentes, portanto desvinculados de uma experiência concreta). Pode-se dizer que a matéria-prima do preconceito é o desconhecimento. E desconhecimento da deficiência é o que não falta à sociedade como um todo e a cada um dos indivíduos que a compõem. (AMARAL, 1994, p. 37)
De acordo com José Pastore “Os seus sentimentos de inferioridade são projetados no público que, por sua vez, reforça as atitudes negativas, fechando-se um círculo vicioso.” (PASTORE, 2000, p. 29); diante dessa realidade, não pode o Estado imiscuir-se de incentivar a educação cidadã e instrumentalizar ações que reeduquem a população e promovam a desconstrução o preconceito instaurado.
Uma parcela das pessoas não portadoras de deficiência, imersas em falsas promessas de juventude eterna, ignoram a passagem do tempo e as consequentes limitações oriundas da velhice; ignoram que todos enfrentarão, mais cedo ou mais tarde, algum tipo de deficiência. Com sabedoria, Pastore alerta que:
Os-não portadores de deficiência ignoram que, com o passar da idade, os seres humanos, eles inclusive, terão as suas funções reduzidas afinal. A degenerescência dos órgãos e a velhice formam o destino de todos nós. Ademais, ninguém está livre de, a qualquer momento, passar a ter uma limitação de ordem física, sensorial ou mental. No fundo, todos os seres vivos terão de conviver com algum tipo de deficiência ao longo de suas vidas. (Pastore, 2000, p. 20)
A cultura massificadora que valoriza determinados conceitos de beleza, de forma física, de qualidade de vida, saúde, autocontrole, entre outros, entende o diferente, as limitações, como obstáculos ao sucesso. Os meios de comunicação constituem um poderoso mecanismo de propagação dos padrões estéticos ditados pela indústria cultural. A produção televisiva no Brasil, marcadamente sensacionalista, forja uma hegemonia de valores através de programas de entretenimento, jornalismo e publicidade que cultua a superexposição do corpo como um produto passível de construção e reconstrução a fim de negar os sinais do tempo.
A cultura passou a ser um mecanismo de domesticação do pensamento e a pessoa portadora de deficiência causa estranhamento porque revela aquilo que a sociedade contemporânea tenta negar de todas as formas possíveis: a imperfeição e a finitude humana. A fragilidade humana inscrita no corpo da pessoa portadora de necessidade especial funciona como um espelho que nos iguala e do qual a maioria das pessoas quer fugir na busca incessante e ilusória da perfeição, do sucesso e do prazer imediato.
De acordo com Luciene M. da Silva:
O corpo marcado pela deficiência, por ser disforme ou fora dos padrões, lembra a imperfeição humana. Como nossa sociedade cultua o corpo útil e aparentemente saudável, aqueles que portam uma deficiência lembram a fragilidade que se quer negar. (…) Não os aceitamos porque não queremos que eles sejam como nós, pois assim nos igualaríamos. É como se eles nos remetessem a uma situação de inferioridade. (DA SILVA, 2006, p. 5)
Todo esse apelo publicitário encontra eco numa população vulnerável, devido ao baixo nível de consciência e rendimento, além de constantemente exposta a uma cultura que estigmatiza a reflexão e valoriza o superficial. Nesse sentido, a única visibilidade que as pessoas portadoras de necessidades especiais possuem nos veículos de comunicação fica adstrita às campanhas publicitárias para arrecadação de fundos que geralmente as apresentam como vítimas ou como heróis.
A autora salienta que não se percebe nenhuma atitude de pressão por parte da mídia para que os órgãos públicos prestem serviços a esse segmento da população, na medida em que veiculam matérias ligadas à entidades filantrópicas, deixando (convenientemente) a obrigação dos órgãos do Estado no esquecimento:
A televisão, como um dos mais poderosos veículos de comunicação atualmente, forja a hegemonia de valores por meio dos programas de entretenimento, jornalismo e publicidade, tornando-os referência para milhões de consumidores. Sua mensagem, que alia discurso e imagem, combina, de forma híbrida, diversos roteiros e mensagens sobre o “ser deficiente”, mesmo sem frequentemente mostra-lo, veiculando estereótipos diversos a partir de matérias de suposta prestação de serviços, informações imprecisas e errôneas, personagens caricatos em que predominam os discursos beneficentes, preconceituosos e sensacionalistas. (DA SILVA, 2006, p. 6)
O preconceito é resultante de uma ordem social que diferencia pela estigmatização e cria relações sociais que impedem a reflexão sobre a própria impotência humana diante da adversidade.
Para José Pastore, a sociedade é co-responsável pela percepção marginalizadora e preconceituosa em relação aos portadores de deficiência; a estigmatização dirigida aos portadores de deficiência ao longo da história formou ideias totalmente desfavoráveis em relação a essa parcela da população e sedimentou barreiras sociais que, pautadas no desconhecimento ou preconceito, encontram-se no meio social em que o portador de deficiência tem que desempenhar seu papel de cidadão.
Segundo o autor:
Esse é o grande desafio da sociedade contemporânea: dar um passo para enxergar as pessoas como um todo e não apenas como portadora de uma determinada limitação que, na maioria das vezes, desaparece mediante uma ação lado social. (PASTORE, 2000, p. 25)
Os ambientes sociais dificultam a convivência com os portadores de necessidades especiais de várias maneiras: barreiras arquitetônicas, ausência de sinalização, transporte inadequado, etc; tal invisibilidade dificulta a desconstrução do preconceito, pois, é através do exercício da convivência que ocorre o enfrentamento do medo, do receio e da sensação de estranhamento do outro; a convivência é o único exercício capaz de construir a ideia de que é possível ser igual na diferença, já que o igual e o desigual estão na essência de todos nós.
No campo do trabalho, os portadores de deficiência enfrentam o preconceito dos empregadores e dos colegas; os primeiros argumentam que seus clientes não querem interagir com pessoas diferentes ou que o gasto econômico não compensará o lucro advindo do trabalho dessas pessoas; assim buscam se eximir da responsabilidade social com pretextos que ocultam os verdadeiros motivos da não-contratação. Os colegas, por sua vez, se sentem ameaçados, intimidados pela própria ideia de que o portador de necessidade especial vai tirar o seu lugar porque precisa mais.
Em suma, possuir alteração física, ser paralítico, cego ou mudo não podem ser objeto de discriminação e, muito menos, de punição. A limitação é um fato da vida e precisa ser encarada dentro de uma visão realista do mundo. Por isso, para superar os preconceitos atuais, o avanço terá de ser muito mais no campo social do que no individual. A deficiência é, em grande parte, um problema social, e não individual. (PASTORE, 2000, p. 27)
É imprescindível que os portadores de deficiência entendam e aceitem suas peculiaridades, lutem por seus direitos e assumam uma postura de enfrentamento diante das barreiras impostas pelos demais; quanto aos não portadores de deficiência somente a educação é instrumento capaz de conscientizá-los de que a realização pessoal não se exerce com base na estatura ou beleza, mas sim no respeito, na competência, no caráter…. enfim, é um trabalho árduo a ser realizado por todos que almejam uma sociedade mais digna, lúcida, pois, se muitas vezes não podemos escolher as condições que a vida nos impõe, podemos sim, tentar compreendê-las, minimizá-las e se possível, transformá-las; o desafio do homem contemporâneo é unir-se ao outro, ao seu desigual, e a partir dessa união de todos os cidadãos abrir discussões e ações para a construção de uma sociedade mais igualitária.
2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A palavra princípio possui sentidos diversos: começo, origem, mandamento. Na Constituição de 1988, princípio exprime a noção de mandamento nuclear de um sistema.
Os princípios são mandamentos basilares, ou seja, a matriz de onde provêm todo e qualquer sistema de normas organizadoras de um estado; todo o ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito se projeta por meio de uma rede de regras harmoniosas que têm como fonte primária a estrutura de sua Constituição. Esta traz em seu bojo o caráter revolucionário de sua própria criação, encerra em seu conteúdo os movimentos que revelam o momento histórico reinante no país, e lança também as aspirações que visam o aprimoramento da condição do seu povo em um tempo futuro.
A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e proclama no artigo primeiro da Constituição Federal de 1988, seus fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Antes, no Preâmbulo, declara o compromisso de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Além disso, o artigo 3º da Constituição Federal institui como objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia de desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Conforme ROCHA:
O que se tem, pois, é que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são definidos em termos de obrigações transformadoras do quadro social e político retratado pelo constituinte quando da elaboração do texto constitucional. E todos os objetivos contidos, (…) traduzem exatamente mudanças para se chegar à igualdade. (ROCHA, 1996, p. 92)
Nesse sentido, é imprescindível frisar que toda a estrutura da Constituição está voltada para a conquista do bem comum. Princípios, valores, normas, mandamentos somente fazem sentido porque destinados a cumprir o fim último de toda nação que se quer livre e justa: o tão proclamado bem comum. Quanto à acepção do termo, comentando a encíclica Mater et Magistra, ALCEU AMOROSO LIMA afirma:
A alma do Bem Comum é a Solidariedade. E a solidariedade é o próprio princípio constitutivo de uma sociedade realmente humana, e não apenas aristocrática, burguesa ou proletária. É um princípio que deriva dessa natureza naturaliter socialis do ser humano. Há três estados naturais do homem, que representam a sua condição ao mesmo tempo individual e social: a existência, a coexistência e a convivência. Isto vale para cada homem, como para cada povo e cada nacionalidade. (MARTINS FILHO, Jus Navigandi, maio, 2000)
A Constituição é um poderoso instrumento de transformação social, capaz de afastar o Brasil do cenário da discriminação, do favoritismo e da alienação social; é imperioso buscar uma conscientização maior de todos os brasileiros a fim de compreender que a ideia do bem comum não está apartada do bem individual, justamente o contrário, o bem dos demais não é alheio ao bem próprio e vice versa; simultaneamente a isso, a noção do princípio da igualdade instaura a necessidade de instrumentalizar, operacionalizar mecanismos viáveis de inclusão social a fim de que a Constituição Brasileira de 88 não se torne um amontoado de conceitos abstratos e sim, um veículo de radical transformação social consagrando o princípio elencado em seu artigo 5º: “todos são iguais perante a lei”.
A questão da igualdade vem sendo debatida há muitos séculos. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) em seu “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens” escreveu uma das mais belas passagens da literatura mundial acerca da origem da desigualdade entre os homens:
O primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: ‘Isto me pertence’, e encontrou criaturas suficientemente simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Que de crimes e guerras, de assassinatos, que de misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, desarraigando as estacas ou atulhando o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: Guardai-vos de escutar este impostor! Estais perdidos se vos esqueceis de que os frutos a todos pertencem e que a terra não é de ninguém. (ROUSSEAU, 1987, p. 175).
Na atualidade, vários são os conceitos acerca do Princípio da Igualdade; Guilherme Machado Dray concebe o princípio da igualdade “como uma concretização da ideia de justiça social, como um ponto de chegada e não como um ponto de partida”. (ROMITA, ano I, n. 3, 2007)
Carmen Lúcia Antunes Rocha enfatiza que Constituição Federal de 1988 demonstrou a clara opção do Estado brasileiro de adotar medidas que efetivamente implementassem a igualdade substancial.
A Constituição Brasileira de 1988 tem, no seu preâmbulo, uma declaração que apresenta um momento novo no constitucionalismo pátrio: (…) O princípio da igualdade resplandece sobre quase todos os outros acolhidos como pilastras do edifício normativo fundamental alicerçado. É guia não apenas de regras, mas de quase todos os outros princípios que informam e conformam o modelo constitucional positivado, sendo guiado apenas por um, ao qual se dá a servir: o da dignidade da pessoa humana. (ROCHA, Revista Trimestral de Direito Público nº 15, p. 85. 1996).
Nesse sentido, aspira-se a uma justiça material ou concreta que, para Perelman, é
a especificação da justiça formal, indicando a característica constitutiva da categoria essencial, chegando-se às formas: a cada um segundo a sua necessidade; a cada um segundo seus méritos; a cada um a mesma coisa. Porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais. (SILVA, 2006, p. 212 e 213).
A ideia de dar a cada segundo sua necessidade é tão revolucionária quanto necessária; tendo em vista o regime capitalista que segrega a todos de maneira implacável é imprescindível frisar a importância de se debater e defender o princípio da igualdade nos dias atuais; vive-se um período histórico em que a desigualdade entre os povos, entre as nações e entre as pessoas é fomentada por uma elite desagregadora que pretende convencer a humanidade de que a igualdade é um conceito utópico, mero artefato decorativo, inatingível, e que a desigualdade é intrínseca ao ser humano e, por isso, aceitável e até mesmo desejável como forma de vida. Aceitar a desigualdade como traço fundamental do ser humano é concordar com uma das formas mais desprezíveis de manipulação.
Dessa forma, entende-se que o Princípio de Igualdade, mais que uma expressão do Direito, é uma maneira digna de se viver em sociedade, em que visa num primeiro momento “propiciar garantia individual” e num segundo “tolher favoritismos” (MELLO, 2000, p. 23).
Celso Bandeira de Mello entende que:
A lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada. (MELLO, 2000 p. 39)
O direito de igualdade é entendido como um único direito; mas esse direito não impede que haja diferenças do ponto de vista legal. Mas como questiona Celso Antônio Bandeira de Mello:
Quem são os iguais e quem são os desiguais?… Afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia? (MELLO, 2000, p. 11)
O princípio da igualdade proíbe tratamento diferenciado às pessoas e essa ideia está presente no art. 5º da Constituição Federal, de que todos são iguais perante a lei, é de que não vai existir uma lei única para cada pessoa, para cada classe. A igualdade deve estar presente não só perante a lei, pois a lei nada mais faz senão discriminar situações para submetê-la à regência de tais ou quais regras, mas sim perante o Direito, perante a justiça, perante todos os aspectos políticos e sociais valorativos do Direito.
O princípio da igualdade tem uma dupla aplicação: a primeira delas pode ser considerada teórica, tendo a finalidade de afastar prerrogativas injustificadas; e a segunda, que é considerada prática, ajuda no arrefecimento dos efeitos decorrentes das disparidades evidenciadas diante do caso concreto. Duas são as características principais da Igualdade: A Igualdade Formal e Igualdade Material. Para José Afonso da Silva:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade… Essa igualdade formal é a que mais imediatamente interessa ao jurista. Essa igualdade seria a pura identidade de direitos e deveres concedidos aos membros da coletividade através dos textos legais. A igualdade formal é dirigida ao estado, como forma de vedar o tratamento desigual das pessoas, baseados em caracteres suspeitos, com, por exemplo, o sexo, raça e convicções morais, religiosas e filosóficas. (SILVA, 2006, p. 214)
Ao interpretar o princípio da igualdade, deve-se observar e levar em consideração a existência das desigualdades e as injustiças causadas pela estrutura da sociedade, para, somente assim, promover-se uma igualdade justa.
Nesse sentido, é admissível que a lei faça discriminações, desde que fundada em critérios valorativos genericamente aceitos, tendo em vista os efeitos e os fins a serem alcançados. Celso Bandeira de Mello salienta que é preciso investigar o critério discriminatório, observar se este possui fundamento lógico para atribuir tratamento jurídico específico em razão da desigualdade: “Se não houver conexão lógica entre o fator diferencial e a disparidade do tratamento jurídico adotado, o discrímen certamente é hostil ao princípio da igualdade”. (2002, p. 21)
Assim, cai por terra a justificativa dos prejudicados pelas leis de cotas, de que esta seria inconstitucional; muito pelo contrário, sua constitucionalidade vem assegurada na Carta Magna através do Princípio da Igualdade no sentido de que o Direito tem como objetivo primordial efetivar a justiça e combater a desigualdade, assim, parece óbvio que para cada situação injusta, deve o Direito restaurar o equilíbrio atendendo ao Princípio da Igualdade; no entanto, diante de um mundo onde impera a lei da desigualdade em proporções alarmantes, é uma utopia, uma ilusão (e porque não dizer: uma desumanidade, uma crueldade) querer tratar a todos de maneira igual.
A aparente violação do Princípio da Igualdade desfaz-se quando existe a compreensão de que em determinadas situações é necessário desigualar a fim de atingir um resultado que represente uma igualdade substancial, concreta, real. Tratar igualmente os que possuem condições desiguais é um contra-senso, um atentado à dignidade humana; já tratar desigualmente (ou seja, dar condições, dar oportunidades) aos que são submetidos historicamente à situações desiguais nada mais é do que validar o Princípio da Igualdade e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária, promotora do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. (CF 88, art. 3º, IV).
3. AÇÕES AFIRMATIVAS
Existe consenso doutrinário, no sentido de que a origem das ações afirmativas se deu nos Estados Unidos, país que, indubitavelmente, empregava políticas totalmente discriminatórias a estrangeiros, índios, imigrantes, especialmente negros, uma vez quem relação a esses, a título de exemplo, ainda que nascidos naquele país, mas condescendência africana era negada a cidadania americana. Como contextualiza Paulo Lucena de Menezes:
Um dos grandes significados da decisão proferida no referido caso Brown v. Board of Education of Topeka foi o de endossar o descontamento dos negros norte-americanos com o racismo existente, o que colaborou para o florescimento de vários movimentos em favor dos direitos humanos, a maioria revestia-se ainda de índole pacifista. Desse modo, a partir do final da década de 1950, as organizações como a NAACP (National Association for the Advancement of Colored People), expandem suas atividades, no mesmo diapasão que líderes da envergadura de Martin Luther King. (MENEZES, 2001, p. 87)
No início da década de 1960 foi empregada pela primeira vez a expressão ações afirmativas, em um cenário de lutas, pelos direitos dessas pessoas totalmente marginalizadas, que buscavam reconhecimento de seus direitos civis, notadamente visando a conceder oportunidades às pessoas no âmbito do trabalho. Assim, foi dada a Ordem Executiva nº 10925, de 06 de março de 1961 (onde foi empregada a expressão pela primeira vez, em um texto oficial), comandada pelo Presidente John Fitzgerald Kennedy, que já, atento ao problema, e consciente da necessidade de promover a igualdade criou um órgão repressor e fiscalizador da discriminação no mercado de trabalho. (ANDERSON, 2004, p. 145).
Com a morte de Kennedy, seu sucessor Lyndon Johnson, em julho de 1964, promoveu com a Ordem Executiva nº 11.246, impondo legalmente, a criação de programas federais, implantando efetivamente essas políticas, proibindo a discriminação ou segregação, como forma de garantir a igualdade de oportunidade àqueles de origem das minorias raciais e deficientes físicos, dando-lhes condições, principalmente no momento de uma colocação do mercado de trabalho, a fim de proporcionar igualdade de oportunidades.
3.1 Validação do preconceito ou consagração do Princípio da Igualdade?
A origem de aplicação das ações afirmativas remonta à sociedade liberal-capitalista que, ingenuamente, defendia a ideia de neutralidade estatal na vertente social do trabalho e sua a não-interferência, acreditando que isso bastaria para que todos gozassem de condições de igualdade, desenvolvimento digno e justo.
Na lição de Sidney Pessoa Madruga:
O princípio da não-discriminação, como visto, embora seja matéria consagrada em vários instrumentos no direito internacional de proteção dos direitos humanos, não atende per si, a todos os reclamos das minorias. Assim, não basta que as discriminações sejam combatidas. O princípio isonômico não se restringe a vedar discrímenes. É preciso mais. Necessita-se efetivar o mandamento constitucional. Torna-se possível não só ao cidadão comum ver realizado os preceitos jurídico-formais já estabelecidos, como ainda pôr em prática o que a Constituição taxou como substancialmente igualitário. (MADRUGA, 2005, p. 53)
Várias são as definições dadas às ações afirmativas, mas a vertente doutrinária, no presente estudo nos parece mais pertinente, o que nos mostra grandes pensadores preocupados com o tema e contextualizando-o.
A ação afirmativa pode ser entendida como um conjunto de estratégias políticas, cuja finalidade é, em última análise, promover a igualdade de oportunidades sociais, mediante tratamento preferencial daqueles que historicamente têm sido os perdedores da disputa pelos bens escassos de nossa sociedade. Assim, são políticas de discriminação positiva dispensada aos segmentos populacionais que, devido ao preconceito que sofrem, encontram-se em posição de desvantagem na disputa pelas oportunidades sociais. (SELL, 2002, p. 9).
Para Carmen Lúcia Antunes Rocha em brilhante exposição:
Por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva equalização social, política, econômica e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas minorias. (ROCHA, 1996, p. 88)
Ações afirmativas significam a implementação ou aperfeiçoamento de políticas de discriminação positiva, tendo por objetivo central revisitar o conteúdo sociológico e jurídico, vislumbrando colocá-lo num patamar de aplicabilidade real.
É preciso destacar que a ação afirmativa não tem apenas o objetivo de prevenir a discriminação, mas existe seu duplo caráter, qual seja, o compensatório e o distributivo, bem explanado nas palavras de Sidney Madruga:
[…] a discriminação positiva não tem apenas o escopo de prevenir a discriminação, na medida em que, possui duplo caráter, qual seja, o reparatório (corrigir injustiças praticadas no passado) e o distributivo (melhor repartir, no presente, a igualdade de oportunidades), direcionadas, principalmente, para as áreas da educação, da saúde e do emprego. (Madruga, 2005, p. 59)
No entanto, muito mais vital que o conceito, é a sua operalização, que se dará prestigiando grupos de pessoas, através de ações estatais ou não, como o das pessoas portadoras de deficiência, índios, negros, mulheres, judeus, que historicamente estiveram em franca desvantagem com os demais, não podendo se valerem de seus direitos em todas as oportunidades a que fazem jus.
Compreendido o sentido de princípio na sua acepção jurídica, convém suscitar a discussão sobre o que é discriminação positiva. O tratamento discriminatório é o diferenciado. A discriminação negativa é a calcada no desrespeito à igualdade, ao passo que a discriminação positiva é fundada em manter ou tornar viável a igualdade. O princípio constitucional da igualdade, como sabemos, tem dois sentidos: o formal que se consubstancia no tratamento jurídico propriamente dito, explicitado na igualdade de todos perante a lei, impondo ao Estado o dever de agir igualitariamente com os administrados, e o sentido material que implica em oportunidade, acesso aos meios de produção por intermédio de políticas públicas, ações reais de inserção de todos na sociedade, o que induz à justiça social.
No sentido formal da igualdade somos todos iguais, porém no sentido material ainda temos um longo caminhar e este é o desafio para a presente e para as futuras gerações, que tem como dever imperioso retirar do papel a igualdade material e pô-la em prática.
A discriminação positiva encontra guarida no campo do sentido material do princípio da igualdade, impondo ao Estado conduta orientada a suprir essas desigualdades através de políticas públicas eficazes, que insiram os prejudicados de maneira plena na sociedade. Estas políticas públicas eficazes são as chamadas ações afirmativas.
Segundo Dias:
O que se deve atentar não é à igualdade perante a lei, mas o direito à igualdade mediante a eliminação das desigualdades, o que impõe que se estabeleçam diferenciações específicas como única forma de dar efetividade ao preceito isonômico consagrado na Constituição.(1998, p. 25)
Existem diversas formas de ações afirmativas: incentivos fiscais, aumento de pontos em licitações, empresas que favorecem a contratação multirracial, etc.; a mais comum é a implementação do sistema de cotas para as minorias a fim de promover a inserção do excluído.
A coerência com os fatores sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos é uma premissa inafastável para a formulação das políticas públicas, de forma que a ações afirmativas caracterizam o amadurecimento do povo, através de seus representados (na elaboração de leis), para com suas próprias necessidades e principalmente para corrigir as distorções injustas produzidas ao longo da história.
Alexandre de Moraes assegura que:
A constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigida do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito (…). (MORAES, 2004, p. 66)
3.2 O valor social do trabalho
O trabalho, além de um meio de subsistência, está intimamente ligado ao bem maior que é a vida, permitindo a sociabilidade e integração social dos indivíduos.
Na sociedade moderna, a pessoa portadora de deficiência que não tem acesso ao mercado de trabalho está excluída do convívio social e, por conseguinte, de viver, por sua considerável e notória importância, sendo importante registrarmos, neste diapasão Christiani Marques:
É inquestionável, portanto, que o trabalho é elemento essencial à vida. Logo, se a vida é o bem jurídico mais importante do ser humano e o trabalho é vital à pessoa humana, deve-se respeitar a integridade do trabalhador em seu cotidiano, pois atos adversos vão, por conseqüência, atingir a dignidade da pessoa humana […]. O trabalho não é somente o emprego da força física, mas também atividade de pesquisar, investigar, dirigir e planejar e tantas outras funções que se multiplicam com a criação e produtividade do ser humano. É a forma fundamental de subsistência, mais simples e elementar. Trabalha-se com a força física e intelectual; esses dois elementos estão sempre juntos, porém pode ocorrer preponderância de um, a ponto de se dizer que o trabalho é manual ou intelectual. E isso não cria qualquer diferença em termos de proteção. (MARQUES, 2007, p. 21).
A Lei Maior disciplina em seu Título I, Art. 1º IV, os princípios fundamentais do Estado brasileiro, dentre eles o labor: “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. O trabalho é um direito fundamental social e encontra-se previsto no Art. 6º da Constituição Federal: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
José Afonso da Silva assevera:
A Constituição declara que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Para gerarem o bem-estar, hão que propiciar o trabalho e condição de vida, material, espiritual e intelectual, adequada ao trabalhador e sua família, e que a riqueza produzida no país, para gerar justiça social, há de ser equanimemente distribuída. (SILVA, 2006, p. 758)
Junto ao valor social, que está intimamente ligado ao princípio da dignidade humana e igualdade, há também o princípio da não-discriminação, disciplinado no Art. 3º, inc. IV, que objetiva promover o bem social de todos, sem preconceitos e quaisquer formas de discriminação, dando a todos oportunidades de trabalho, não se justificando qualquer diferença de tratamento baseando-se na raça, cor, religião, sexo, etc.
No que tange à pessoa portadora de deficiência, o Estado, deve materializar as leis existentes para lhes conceder oportunidades de trabalho, o fazendo, desde a simples prática de modificação e adaptação do meio social, transpondo barreiras, para que tenham acesso ao trabalho, à escola, ao teatro, enfim, a todos os segmentos sociais, para que de excluídas passem a ser incluídas, bem como exigindo, através, dos órgãos competentes o cumprimento das normas existentes.
Segundo Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (2006), o Ministério Público do Trabalho vem tentando quebrar essa distorcida imagem da proteção assistencialista e paternalista, promovendo a inserção do portador de deficiência nas empresas, em absoluta igualdade de condições com os demais. Não há limitação para o deficiente que não possa ser superada com instrumentos adequados para que este se torne produtivo. Essa inserção tem uma dimensão muito ampla, pois ela está intimamente ligada ao valor que é o direito à cidadania.
Ainda, entende-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é violado sempre que o individuo é rebaixado a objeto, a mero instrumento, enfim, quando o trabalhador é tratado como coisa, sendo descaracterizado como pessoa humana, sendo que esta concepção de homem objeto constitui justamente a antítese da noção da dignidade da pessoa humana.
Sendo assim, o que se percebe não só no âmbito do Direito do Trabalho, mas em todos os ramos do direito, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for garantida, bem como onde não houver limitação do poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal de 1988 define em seu artigo 3º os objetivos fundamentais da República:
Construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação.
A mensagem do texto constitucional é óbvia: há um claro reconhecimento da existência das desigualdades e do dever de combatê-las. Ao objetivar a eliminação da discriminação, a carta constitucional dá ensejo a que as ações afirmativas façam parte do arcabouço político pátrio.
As ações afirmativas foram o início do reconhecimento de segmentos sociais que, sempre segregados, possuíam o direito de inserção no mercado de trabalho. Restou evidente o grau de dificuldade que as pessoas portadoras de necessidade especial encontram em serem incluídas socialmente, com notória discriminação em se tratando do mercado de trabalho.
A despeito de todo aparato legal existente em nossa Constituição, que disciplina, em todo seu corpo, proteção às pessoas portadoras de deficiência, existem dificuldades de inclusão social, posto que não estamos preparados para lidar com o diferente, como também, a maioria da sociedade, ainda vê o portador de necessidade especial como doente e improdutivo.
Não se pode olvidar que a noção de ação afirmativa está diretamente ligada ao princípio da dignidade humana, elencado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. A igualdade interpretada de modo substancial, como um mecanismo de equiparação e redução de desigualdades, tem intrinsecamente uma busca do bem estar do homem. Dessa forma, numa sociedade assolada por desigualdades de todo tipo, não se pode vislumbrar, ainda que sob óticas diversas, um sistema que se quer democrático, mas que desconsidera a demanda por igualdade nas relações.
A igualdade, considerada numa dimensão político-jurídica fosse apenas a vedação de tratamento discriminatório e o repúdio à criação e manutenção de privilégios, o princípio se revelaria absolutamente insuficiente para possibilitar a realização dos objetivos fundamentais do Estado Social Brasileiro.
Portanto, o mandamento constitucional da igualdade tanto abriga a igualdade formal, vedando a criação de privilégios por adoção de tratamento diferenciado desarrazoado; bem como abriga à igualdade material, autorizando a adoção de discriminações positivas, que incidindo nas relações fáticas e concretas entre as pessoas buscam efetivar uma igualdade real.
Nesse sentido, a reserva de vagas para as pessoas portadoras de deficiência é uma preocupação de qualquer povo civilizado; é a validação do Princípio da Igualdade. Vale ressaltar que em termos de medidas oficiais para a inserção dessa parcela da população no mercado de trabalho, o Brasil assumiu um importante compromisso com a Organização Internacional do Trabalho-OIT, ao ratificar a Convenção 159, de 1983, no sentido de adotar medidas positivas que visam à superação das desigualdades e combate ao preconceito.
Assim, deve-se estimular uma maior incorporação de pessoas portadoras de necessidades especiais no mercado de trabalho. O fim é legítimo; o que falta mesmo é uma grande mobilização social e política para efetivação dessas leis e dos direitos e garantias tutelados por elas; a educação para a cidadania, o combate ao preconceito, o exercício da solidariedade e a esperança de um mundo mais justo e igual não podem permanecer trancafiados em palavras, devem sim, urgentemente, atingir a liberdade plena e única que só é alcançada através da ação.
Por fim, a delicadeza e a lucidez de Eduardo Galeano (2007, p. 25)
Este mundo, que oferece o banquete a todos e fecha a porta no nariz de tantos, é ao mesmo tempo igualador e desigual: igualador nas idéias e nos costumes que impõe e desigual nas oportunidades que proporciona. (…) A maquinaria da igualação compulsiva atua contra a mais bela energia do gênero humano, que se reconhece em suas diferenças e através delas se vincula. O melhor que o mundo tem está nos muitos mundos que o mundo contém, as diferentes músicas da vida, suas dores e cores: as mil e uma maneiras de viver e de falar, crer e criar, comer, trabalhar, dançar, brincar, amar, sofrer e festejar, que temos descoberto ao longo de milhares e milhares de anos.
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A Prescrição Ex Officio e a Justiça do Trabalho*
Romulo Vargas Rodrigues
Acadêmico do Curso de Direito – UCPEL
Um dos grandes anseios da sociedade atual refere-se à necessidade de haver um Poder Judiciário mais célere. Atento a essa demanda social, em 8 de dezembro de 2004, o legislador elaborou a Emenda Constitucional nº 45, que agregou dois novos princípios à Constituição Federal: o princípio da razoável duração do processo e o princípio da celeridade na tramitação do processo.
A partir desta Emenda Constitucional, o legislador infraconstitucional elaborou normas a fim de atender aos novos ditames inseridos na Carta Magna. Entre elas, a Lei nº 11.280/2006 que, dentre outras alterações no Código de Processo Civil, reformou o parágrafo 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil, modificando substancialmente o instituto da prescrição – um dos mais polêmicos do Direito.
Ao longo de toda a história do Direito, a prescrição tem sido alvo de profundos debates doutrinários, já que este instituto não está diretamente ligado à justiça, tampouco à moral, mas, sim, vinculado à segurança e à estabilidade das relações jurídicas.
A Lei 11.280/2006, em seu artigo 3º, altera a natureza jurídica da prescrição, criando situação sem precedentes em nenhum outro ordenamento jurídico do mundo. Tal transformação é alvo de críticas pelos doutrinadores civilistas, devido à sua impropriedade jurídica e pelo rompimento com a estrutura do instituto da prescrição, sedimentado desde a época dos romanos. E, ainda mais, essa reforma processual não é coerente com o Direito Material. Para verificar tal incoerência da prescrição de ofício com o Código Civil, basta analisar, por exemplo, o novo instituto e o artigo 193 do Código Civil, o qual dispõe que a prescrição pode ser alegada pela parte a quem aproveita.
Este é o entendimento do ilustre jurista Humberto Theodoro Junior. Apesar da nova lei, ele acredita que o magistrado deva fazer uma interpretação hermenêutica dos artigos do Código Civil, e então, optar por não arguir de oficio a prescrição, considerando-a matéria de defesa, ignorando a reforma da Lei 11.280/06. Assim é sua conclusão: “O sistema do Código Civil está todo comprometido com a livre disponibilidade da prescrição consumada. Somente por vontade autônoma do beneficiário da regra prescricional é que está será autuada.”
Levantamos, neste ponto, uma questão polêmica: o magistrado trabalhista deve aplicar a prescrição de ofício?
Desde a entrada em vigor da nova lei de cunho processual civil, Doutrina e Jurisprudência encontram-se divididas. Uma corrente doutrinária entende que, a norma reformadora do parágrafo 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil, deve ser aplicada na Justiça do Trabalho. Já outra corrente não aceita a aplicação da prescrição ex officio, de forma subsidiária na Justiça Laboral. Tal divergência está presente nos julgados de todo país, inclusive, naqueles proferidos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A corrente doutrinária que defende aplicar-se a prescrição de ofício sustenta ser omissa a legislação trabalhista, e a nova norma do Código de Processo Civil estar compatível com o Processo do Trabalho. Portanto, o magistrado trabalhista deve utilizar a norma de cunho processual civil, tendo em vista a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, isto é, quando a Consolidação das Leis do Trabalho não tratar da matéria processual, deve o magistrado trabalhista apoiar-se nos preceitos processuais do Código de Processo Civil.
Nesse sentido foi à decisão da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no Agravo de Instrumento nº 2.574/2002-034-02-41.6. Relator: Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, publicado no Diário da Justiça em 03 de outubro de 2008:
“[…] a legislação trabalhista é omissa sobre a iniciativa para declaração dos efeitos da prescrição, pois o diploma consolidado apenas estabelece prazo prescricional (CLT, art. 11). Ademais, a nova regra não é incompatível, tampouco exclui o princípio da tutela do hipossuficiente que fundamenta o Direito do Trabalho, pois a fragilidade do trabalhador em relação ao empregador é apenas econômica, já tutelada pela legislação substantiva, não se justificando privilégio suplementar processual nesse campo, o qual implicaria ofensa ao art. 125, I, do CPC, que exige o tratamento isonômico das partes em juízo. O magistrado trabalhista deve aplicar de forma imparcial uma legislação material que já é protetiva do trabalhador.
Importante registrar que a declaração de ofício da prescrição contribui para a efetiva aplicação dos princípios processuais trabalhistas (garantia da informalidade, da celeridade, do devido processo legal, da economia processual, da segurança jurídica, bem como do princípio constitucional da razoável duração do processo e da dignidade da pessoa humana), impedindo a prática de atos desnecessários, como por exemplo, nas demandas em que o direito material discutido já se encontra fulminado pela prescrição.”
No mesmo voto, o Ministro Relator ainda afirma que não aplicar a regra processual civil deixa sem respaldo legal a exigência judicial. E mais, assegura que o magistrado trabalhista que considerar a arguição da parte como imprescindível para a decretação da prescrição, atentará contra o princípio da legalidade (inciso. II, do artigo 5º, da Constituição Federal).
Nesta mesma linha está a afirmação do douto Procurador do Trabalho Gustavo Felipe Barbosa Garcia: “Não se pode admitir que o juiz, como sujeito imparcial no processo, possa querer ‘beneficiar’ uma das partes, deixando de pronunciar a prescrição, matéria que, de acordo com a lei atual, deve ser conhecida de ofício.”
Já outra corrente doutrinária entende que não deva ser aplicada a nova regra do parágrafo 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil, pela sua incompatibilidade com o Direito do Trabalho. Assim foi decido 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 404/2006-028-03-00. Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, publicada no Diário da Justiça em 28 de março de 2008:
“A prescrição é a perda da pretensão pela inércia do titular no prazo que a lei considera ideal para o exercício do direito de ação. Não se mostra compatível com o processo do trabalho, a nova regra processual inserida no art. 219, § 5º, do CPC, que determina a aplicação da prescrição, de ofício, em face da natureza alimentar dos créditos trabalhistas. Ao contrário da decadência, onde a ordem pública está a antever a estabilidade das relações jurídicas no lapso temporal, a prescrição tem a mesma finalidade de estabilidade apenas que entre as partes. Deste modo, necessário que a prescrição seja argüida pela parte a quem a aproveita.”
O ilustre Ministro da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, Aloysio Corrêa da Veiga atenta que a prescrição visa garantir estabilidade da relação somente entre as partes, ao contrário da decadência. Assim, sustenta sua decisão e opta por não arguir de ofício a prescrição.
Vejamos o artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, que autoriza a aplicação subsidiária das normas do processo comum, também estabelece dois requisitos para serem observados: compatibilidade principiológica com o Direito do Trabalho e omissão das normas processuais trabalhista. A principal contradição dessas duas correntes doutrinárias gira em torno da aplicação subsidiária da referida norma reformadora do Código de Processo Civil, ao dispor que o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição (parágrafo 5º, do artigo 219 do Código de Processo Civil).
Quanto à alegação do Ministro da 7ª Turma, do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins, que o caráter protetivo da Justiça do Trabalho deve se dar no âmbito do Direito Material e não do Direito Processual do Trabalho, data vênia, cremos não ser justificativa para aplicar a prescrição ex offício. Pois, como bem lembra a doutrinadora Ísis de Almeida, seguindo a Teoria de Jeremy Bentham: “um direito processual tem, necessariamente, de acompanhar o sentido, a índole do direito material ao qual se vincula”, algo que não se configura no caso.
Já Mario Pasço, Juiz Titular da 10ª Vara do Trabalho de Campinas, entende que o princípio da proteção estaria mais afeto ao Direito Processual do que ao Direito Material, pois naquele sua incidência seria mais frequente. Corroborando com essa ideia, Manoel Carlos Toledo Filho, Juiz do Trabalho da 15ª Região, afirma: “O Juiz do Trabalho que aplicar a nova regra da prescrição de ofício estará colaborando para a debilitação do direito material, pela via do Processo do Trabalho, o qual, neste diapasão, ao invés de servir como instrumento de efetivação do Direito do Trabalho, funcionará como mecanismo estimulador de seu enfraquecimento.”
Sayão Romita, nesta linha, sustenta: “O princípio da proteção que compõe base axiológica do Direito do Trabalho interage com o processo do Trabalho e, em alguma medida condiciona-o pelo seu papel de instrumento de viabilização do próprio direito material. Já por isso, influencia-o; e, por força dessa influência repudia quaisquer normas que representem um retrocesso para a condição jurídica do hipossuficiente econômico no processo ‘in abstracto’.”
Quanto ao requisito da compatibilidade, a reforma nos parece de total incompatibilidade com a legislação trabalhista, tendo em vista o caráter protetivo norteador deste ramo especializado do Direito. A tal respeito, o advogado Paulo Cesar Rosso Firmo Júnior, afirma: “a incompatibilidade não se configura apenas através da colisão de normas contraditórias, mas também, pela dissonância de sistemas, pela dissensão de perspectivas e pela divergência de objetivos.” Nesse mesmo sentido, temos o ensinamento do Desembargador Manoel Carlos Toledo Filho: “De sorte que qualquer aplicação ou interpretação das normas processuais trabalhistas, sejam estas típicas ou atípicas (oriundas de integração supletiva de preceitos do processo comum), não poderá prescindir de um prévio e pleno enquadramento na moldura do princípio de proteção. Esta será a premissa primeira de sua eficácia, o passo necessário no caminho de sua eventual utilização.”
Em relação ao requisito da omissão nas leis trabalhistas, tampouco se configura, pois a Consolidação das Leis do Trabalho, no parágrafo 1º do artigo 884 explicita que a prescrição é matéria de defesa. Como também extraímos, do parágrafo 1º do artigo 799 da mesma Consolidação, o qual estabelece que as demais exceções serão alegadas como matéria de defesa.
A prescrição ex officio não se justifica nem mesmo diante do princípio da celeridade, que motivou o legislador à elaboração da Lei 11.280/2006 conforme ensina o professor da Universidade de São Paulo (USP), Jorge Luiz Souto Maior: “A Justiça do Trabalho tem a função precípua fazer valer esses direitos [sociais]. Sua celeridade, sem prespectiva, não é nada. Não há […] nenhum sentido em se transformar o juiz trabalhista em sujeito cuja atividade por iniciativa própria, sirva para aniquilar os direitos trabalhistas”.
Além das normas estabelecidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas, devemos estar atentos aos dispositivos da Constituição Federal ao tratar da prescrição trabalhista (C.F., art. 7º, inc. XXIX), inserida no rol dos direitos e garantias fundamentais do trabalhador. À primeira vista, causa até certa estranheza a prescrição estar colocada neste rol, já que a prescrição acaba por fulminar direitos dos trabalhadores. Mas o referido inciso autoriza o direito de ação dos trabalhadores e já o limita no tempo.
Com isso o legislador constitucional, além de estar atento à importância da segurança jurídica – grande clamor social na época constituinte –, trouxe para si a responsabilidade da matéria. Assim, não podemos esquecer a ideia de prescrição que o constituinte, ao legislar a prescrição trabalhista, teve sobre o tema. Um exemplo dessa ideia, temos na lição de Pontes de Miranda, que assim definiu a prescrição: “É a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação”.
A Lei 11.280/06 altera a substância do instituto da prescrição, passando de matéria de exceção para objeção, isto é, passa a ser norma de ordem pública assim deve ser pronunciada de ofício pelo juiz. Com isso a Lei acaba por restringir os direitos dos trabalhadores, modificando drasticamente a ideia que o legislador constitucional deu à matéria, contrariando todo o artigo 7º da Constituição Federal, que impõe deveres e obrigações aos empregadores, a fim de melhorar as condições dos trabalhadores.
E mais, existe ainda a Súmula 153 do Tribunal Superior do Trabalho, a qual estabelece que a prescrição deverá ser arguida até a instância ordinária, sob pena de não ser conhecida. Assim como o Tribunal Superior do Trabalho não revogou tal súmula (elas são alteradas com freqüência, e o TST já teve a oportunidade de revogar), supõe-se que a prescrição de ofício não foi recepcionada pelo Direito do Trabalho.
Concluímos que o magistrado trabalhista ao pronunciar a prescrição, de ofício, beneficiará somente o empregador, parte mais forte na relação jurídica e detentora do capital. E prejudicará o trabalhador, parte economicamente mais fragilizada, cujo único meio de renda para sustentar a si e a sua família é a força do trabalho.
Ao decretar de ofício a prescrição, o juiz trabalhista vai de encontro aos objetivos mais profundos e inspiradores da criação deste ramo especializado do Direito – chamado por Américo Plá Rodrigues de critério fundamental do Direito do Trabalho. Igualmente afronta o artigo 7º da Constituição Federal e, acima de tudo, vai contra um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: amenizar as desigualdades sociais (artigo 3º, da Constituição Federal). Em suma, a prescrição de ofício é incompatível com o Direito do Trabalho. Assim o magistrado trabalhista deve desconsiderar a reforma processual, e, então, analisar a prescrição como matéria de defesa, jamais a decretando de ofício.
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* Trabalho apresentado no XXI Encontro de Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul – Pelotas.