Artigo – A verdade seja dita
Leia artigo de autoria de Daniel de Sousa Voltan, juiz do Trabalho da 4ª Região.
A verdade seja dita*
Nos últimos dias, muito se tem dito que os ministros do STF aprovaram um aumento para seus próprios subsídios, e para os de toda a magistratura nacional, em 16,38%. A partir daí várias críticas têm sido feitas na imprensa e nas redes sociais, muitas delas em tom de deboche, afirmando que não é o momento adequado para a concessão de reajuste, e deixando a impressão de que os magistrados do país só pensam no seu umbigo.
Verdade seja dita, os ministros do STF não aprovaram nenhum aumento para os valores de seus subsídios, mas elaboraram proposta orçamentária que prevê a concessão de tal reajuste, reajuste este que, para entrar em vigor, depende de aprovação pelo Congresso Nacional.
E por que os ministros do STF fizeram isso, diante do grave quadro de crise do país? Isso não é dito pelos críticos.
Ocorre que só o STF pode propor a fixação ou a alteração do valor dos subsídios dos integrantes do Poder Judiciário, conforme expressamente previsto no inciso X do art. 37 e alínea ‘b’ do inciso II do art. 96, ambos da Constituição Federal. A se admitir a crítica, não podendo então o STF propor reajuste aos subsídios da magistratura, estes, uma vez fixados, jamais seriam reajustados, situação que a qualquer pessoa de bom senso soaria ridícula.
Ainda, a proposta não é de aumento, mas de simples reajuste para recompor a perda do poder aquisitivo em decorrência da inflação. A revisão anual dos vencimentos é direito constitucionalmente assegurado (inciso X do art. 37 da Constituição Federal), e chama atenção a campanha midiática para que o próprio Poder Judiciário descumpra o texto constitucional, e deixe de prever a revisão anual dos vencimentos de seus integrantes.
A crise econômica não pode ser justificativa para o descumprimento do mandamento constitucional de revisão anual dos vencimentos. Fosse assim, qualquer empregador, diante da crise em curso, poder-se-ia negar a pagar os reajustes devidos a seus empregados em decorrência da revisão anual do valor do salário mínimo nacional, ou do piso salarial regional, ou mesmo em decorrência dos reajustes dos pisos salariais assegurados às categorias profissionais por negociação coletiva.
Admitindo-se que a crise seja justificativa para deixar de cumprir o texto constitucional, quem sabe, em virtude dela, afaste-se também o direito constitucional do mandado de segurança, pois em tempos de crise não é apropriado aos cidadãos ficarem exigindo seus direitos em face do Estado? Ou suspenda-se o direito constitucional do habeas corpus, pois a violência é tanta no país que não custa deixar algumas pessoas presas sem justificativa, para restabelecer a ordem? Ou quem sabe ainda, quando vierem os empregados exigir de seus empregadores o pagamento de reajustes salariais a eles assegurados em lei ou em normas coletivas, os magistrados deixem de aplicar a norma, pois diante do quadro de grave crise econômica não é o momento apropriado para exigir tal pagamento?
Ressalte-se que o valor dos subsídios da magistratura foi fixado pela primeira vez em janeiro de 2005, e que a inflação acumulada daquela data até os dias atuais, medida pelo IGP-M, está na ordem de 110,57%. Não obstante, desde então o valor dos subsídios sofreu reajustes que totalizam apenas 57,04%. No mesmo período, o salário mínimo nacional foi reajustado em 266,92% (aí incluídos justos aumentos reais em seu valor), o piso salarial regional no Rio Grande do Sul foi reajustado em 253,98%, e a imensa maioria das categorias profissionais teve assegurada, por normas coletivas, ao menos a recomposição da inflação.
Demonstrando o descumprimento do mandamento constitucional de revisão anual dos vencimentos, as variações dos valores dos subsídios ocorreram apenas em janeiro de 2006, setembro de 2009, fevereiro de 2010, janeiro de 2013, janeiro de 2014 e janeiro de 2015. Em suma, passados treze anos desde a fixação do valor dos subsídios, só em seis anos os valores foram reajustados.
Digno de nota ainda que a irredutibilidade salarial é direito constitucionalmente assegurado (inciso XV do art. 37 da CF), e esse direito foi considerado tão relevante em se tratando da magistratura que foi expressamente prevista sua aplicação a seus integrantes no inciso III do art. 95 da Constituição Federal.
Também se tem dito que os subsídios pagos à magistratura já são bastante elevados em comparação aos salários pagos à imensa maioria dos trabalhadores. De fato, se comparados aos salários da grande maioria da população, os juízes recebem valor elevado. Ocorre que não é achatando os valores dos subsídios dos magistrados que se irá melhorar a remuneração dos que ganham menos, mas elevando a remuneração destes, e por consequência diminuindo a enorme desigualdade econômica que vigora em todo o país.
Demais, os valores dos subsídios dos magistrados, embora elevados para os padrões da maioria da população, foram fixados tendo em conta a importância do cargo e a imensa responsabilidade que recai sobre seus ocupantes. Ainda, os valores dos subsídios dos magistrados não se mostram em descompasso com os valores recebidos por outras carreiras de igual importância e responsabilidade, e não podem ser achatados, sob pena de a carreira deixar de ser atrativa aos melhores profissionais do direito.
Por fim, também muito se fala no efeito cascata que o reajuste nos valores dos subsídios dos magistrados ocasiona nos vencimentos de outras categorias de servidores públicos. Ora, os membros do Poder Judiciário não podem ser responsabilizados pela edição de leis que vincularam a seus subsídios os reajustes dos vencimentos de outras categorias profissionais. E não cabe ao Poder Judiciário elaborar, modificar ou revogar tais leis, mas ao Poder Legislativo.
* Juiz do Trabalho da 4ª Região