Inconstitucionalidade da reforma trabalhista brasileira
Rafael da Silva Marques
Introdução.
As normas trabalhistas que garantem direitos aos trabalhadores dentro da estrutura capitalista são consideradas normas de direitos humanos. Hoje, se entende que não há humanidade sem a proteção dos direitos humanos. A não observância dos preceitos de direitos humanos é uma forma de desumanização de uma sociedade, ou de parte dela, devendo ser combatida de forma severa.
Esta apresentação tratará da reforma trabalhista brasileira de 2017 e o retrocesso que houve no campo trabalhista e social com sua aprovação. O desrespeito ao pacto comunicativo-constitucional de formação da Constituição, que viola preceitos básicos de direitos humanos e de defesa da classe trabalhadora, também será brevemente tratado aqui.
Reforma trabalhista.
A reforma trabalhista, introduzida no Brasil pela Lei 13.467/17, alterou boa parte da Consolidação das Leis do Trabalho, legislação vigente desde 1943, traduzindo-se em significativo retrocesso no campo social e de direitos humanos.
Entre os vários institutos jurídicos que foram objeto de alteração e redução de direitos dos trabalhadores estão a desproteção sindical em casos de aumento da jornada de trabalho, em um ou vários dias, com redução em outros, sistema conhecido como “banco de horas”, que antes era possível apenas por acertos coletivos, fruto da autocomposição; bem assim a perda de efeitos de norma coletivas, também decorrentes da autocomposição, com descarte das conquistas coletivas anteriormente acertadas, porquanto a eficácia dos Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho passou a estar restrita ao período de vigência, propiciando o espaço para o tempo de vácuo coletivo, na hipótese de haver recusa à negociação coletiva.
São vários os itens em que a norma é inconstitucional. Não cabe aqui lançar mão de cada um deles. O objetivo é tratar a lei como um todo, como um corpo normativo inconstitucional e que viola a Constituição de 1988, artigo 7º, caput, bem como o pacto comunicativo-constitucional de formação da norma constitucional.
Melhoria da condição social dos trabalhadores e do pacto comunicativo-constitucional.
O artigo 7º, caput, da Constituição brasileira de 1988 preceitua, como regra-princípio, que “são direitos dos trabalhadores, urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria da sua condição social”, elencando trinta e quatro incisos e mais um parágrafo único de direitos, conquistados a duras penas, fruto do movimento de luta sindical e popular, além da análise de fatos históricos internacionais, todos com objetivo principal de preservar a estrutura capitalista e a possibilidade de exploração do homem pelo homem.
Deve ser entendido que os direitos mínimos previstos no referido artigo 7º da Constituição brasileira de 1988, tais como salário mínimo, férias, gratificação de natal, proteção ao trabalho da mulher, proteção em face da automação, reconhecimento dos acertos coletivos de autocomposição, fazem parte da estrutura mínima de garantias aos trabalhadores, limites sem os quais não há, constitucionalmente, a possibilidade de exploração da mais valia.
A alienação fruto do processo de trabalho, segundo a teoria marxista, que coisifica o trabalhador no modelo capitalista, tem seus limites no pacto constitucional e, portanto, nos direitos mínimos previstos na Constituição. Fora dele, não há permissão do Constituinte e, portanto, da vontade que emana do povo de exploração do homem pelo homem. É bom ter em mente que a Constituição federal é fruto do processo comunicativo, da igualdade de condições e de discurso, contexto no qual vigora o melhor argumento. O processo comunicativo, a saber não-estratégico (Habermas), é, igualmente, o instrumento que limita a possibilidade de exploração do homem pelo homem, a coisificação, a alienação.
É por isso que, toda vez em que o poder púbico ou o poder privado, agindo fora destes limites, reduzir os direitos lançados como estrutura básica capitalista, positivados como norma constitucional e fruto do processo comunicativo, haverá, por infringência à vontade popular, a inconstitucionalidade.
De outro lado, ainda que assim não fosse, o texto da norma constitucional, em si, preceitua a melhoria da condição social dos trabalhadores. Esta cláusula, considerada como pétrea pela doutrina nacional, a saber, Paulo Bonavides, não permite haja redução ou retrocesso em matéria de direitos dos trabalhadores reconhecidos na Constituição federal. O rol do artigo 7º da CF/88 é mínimo, sendo possível apenas o avanço em matéria laboral.
No caso da Lei 13.467/17 – reforma trabalhista, haja vista que menos benéfica aos interesses da classe trabalhadora, porquanto reduziu direitos, é necessariamente, inconstitucional. É bom que se saiba que a inconstitucionalidade da lei pode ser verificada, tanto no todo, quanto pode ser declarada apenas se analisados item a item de seus artigos. O propósito, entretanto, desta apresentação foi defender a inconstitucionalidade geral da lei, em razão da redução significativa que aporta quanto à proteção dos trabalhadores, chamando a atenção que sua aplicação, em si, vai de encontro à regra inserida no caput do artigo 7º da CF/88.
A permanência da potencialidade jurídica da lei 13.467/17 infringe o processo constituinte originário, e cada empregador que aplica a reforma, ou cada magistrado que chancela esta aplicação, desobedece à Constituição e ao pacto comunicativo-constitucional de formação da norma constitucional, potencializando a ação estratégico-instrumental em detrimento do acerto constitucional fruto do melhor argumento e da liberdade e racionalidade do discurso. Não observa, igualmente, a regra-princípio do artigo 7º, caput, da CF/88.
Conclusão.
A inconstitucionalidade da reforma trabalhista em seu todo e, portanto, em relação a todas as alterações promovidas na Consolidação das Leis do Trabalho, que importaram expressiva redução dos direitos dos trabalhadores, deve, neste contexto, ser compreendida em razão da quebra do paradigma protetivo, norte da ciência do Direito do Trabalho.
Isto porque, se a ideia do Constituinte Originário era a proteção da classe trabalhadora, limitando a ação da mais valia e da alienação, este critério foi rompido com a reforma, que desregulamentou o direito trabalhista, invertendo a norma constitucional. E é por isso que a lei deve, em si, não ter sua potencialidade jurídica reconhecida. Aceitá-la é dar alçada à regra da desproteção mesmo frente ao processo comunicativo-constitucional que não a autoriza.
A norma constitucional do artigo 7º, caput, conforme exposto, preconiza a melhoria da condição social dos trabalhadores, tendo em seu contexto o princípio da vedação ao retrocesso social. Logo, interdita qualquer acerto legislativo ou interpretação legislativa que reduza ou neutralize direitos dos trabalhadores. Esta regra-princípio deve ser observada não apenas pelos poderes do Estado, mas pelo poder privado, a saber, empregadores.
Desta forma, toda e qualquer violação à Constituição Federal deve ser revertida ou corrigida pelo Poder Judiciário. Não por outro motivo que, ainda que se defenda que há preceitos constitucionais na reforma trabalhista brasileira de 2017, mesmo não sendo este o instrumento mais eficaz para corrigir a distorção decorrente da reforma, o E. Supremo Tribunal Federal já se pronunciou, em análise artigo por artigo sobre matéria envolvendo o acesso ao Judiciário, a saber, a abrangência da Justiça Gratuita, em controle de constitucionalidade concentrado, pelo método hermenêutico denominado interpretação conforme à constituição.
A reforma trabalhista brasileira (Lei 13.467/17) é, em seu todo e como visto, inconstitucional por violar a regra-princípio expressa na Constituição Federal, o pacto comunicativo-constitucional de formação da norma e por inverter o paradigma de proteção laboral, vigente e criado pelas fontes materiais do direito do trabalho, e consagrado pelas leis dos países membros da Organização Internacional do Trabalho. Não poderia, portanto, ser aplicada no Brasil. Contudo, aos operadores do direito, sempre haverá métodos de interpretação legislativa com a finalidade de extrair norma em conformidade com a Constituição, como o fez o E. Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5766, que tratou do benefício da Justiça Gratuita, cujo relator é o ministro Barroso.
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