Entrego encomendas, não entrego minha vida. Esta tem que ser a regra
Quando uma vida, porém, é interrompida todo um ciclo familiar fica comprometido. Alguém nunca mais chegará em casa.
Estatísticas extraoficiais apontam para cerca de 5 mil ocorrências de acidentes de trânsito envolvendo motoboys no ano passado em Porto Alegre. Cinquenta dessas vítimas morreram e não se tem números de quantas ficaram mutiladas, ou quantas foram obrigadas aafastar-se do trabalho por tempo indeterminado.Via de regra esses índices consideram o número de profissionais que ficam de fora do mercado de trabalho e apontam a imprudência como o fator que leva a resultados tão alarmantes. Infelizmente, o problema é muito maior do que os números que essas vítimas passam a representar.
Um motoboy acidentado não integra apenas a estatística de acidentes de trânsito, mas ele deixa de existir para o setor econômico porque na grande maioria das vezes está no mercado da informalidade: sem carteira assinada e sem direitos a receber. Sem direitos a receber, leia-se sem remuneração mensal garantida — ou diária — e, vamos um pouquinho além: uma família acaba de ficar em apuros, com uma pessoa fisicamente fragilizada, com gastos em medicação — e/ou internação -, renda reduzida ou zerada.
A cidentou-se? Um outro colega irá ocupar a sua função sem gerar ônus. O ciclo recomeça quantas vezes forem necessárias porque é assim que as coisas funcionam no mercado da informalidade.
A profissão já foi regulamentada e algumas empresas já despontam neste mercado a fim de dar um pouco mais de segurança ao
trabalhador. Até porque o empresário com visão empreendedora, sabe que o funcionário com direitos garantidos tem um
desempenho melhor e a empresa ganha nos resultados finais.
O que diferencia a profissão de motoboy = além da informalidade que ainda assola a categoria — é o nicho de mercado que fez com que ela surgisse: a pressa. Entre tantas regras a serem cumpridas por este profissional, a urgência precisa ter um lugar menos importante dentro das suas atribuições. Foi esta consciência que fez com que a Amatra IV se unisse à Fundação Thiago Gonzaga para tentar imprimir um novo ritmo no trajeto das tele-entregas.
O processo parte do princípio básico de que o motoboy precisa ter num primeiro plano a sua segurança, a empresa para qual ele trabalha precisar estar atenta a esta preocupação e o consumidor — que fica na outra ponta desta corrente — tem que saber que a entrega será feita por um ser humano que — acima de tudo — precisa respeitar o limite !de velocidade.
“Entrego encomendas, não entrego a minha vida”. O mote da campanha lançada na terça-feira (29/3) ainda tem um longo caminho a percorrer sobre duas rodas, mas se conseguirmos reduzir as estatísticas já teremos muito a comemorar.
A pizza pode esperar, a medicação e os documentos vão demorar um pouquinho, mas chegarão. Quando uma vida, porém, é
interrompida todo um ciclo familiar fica comprometido. Alguém nunca mais chegará em casa. Não houve tempo para despedidas.
Um lugar à mesa ficará sempre vazio e o silêncio deixará subentendido que aqueles minutos que tentamos ganhar teriam feito toda a diferença frente a dimensão do que pendemos.
Marcos Fagundes Salomão
Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho