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Que a educação seja a prática da liberdade

Entrevista “mulheres no poder” – AMATRA IV conversa com a presidente do TRT-RS, desembargadora Carmen Gonzalez

Qual o papel do ensino na sua ascensão profissional?

Foi fundamental. Nasci no interior do estado e estudei em colégios públicos de muito boa qualidade à época. Minha família sempre valorizou o estudo. Minha mãe em especial me incentivava a estudar como forma de ascensão pessoal e social, exatamente pelo fato de não ter tido essa oportunidade. Acreditava que, com isso, eu fugiria do seu destino. Quando terminei o que agora se denomina ensino médio, fiz vestibular. Não fui aprovada na UFRGS pela minha deficiência na língua inglesa. Passei na PUCRS, muito bem colocada, por dominar o idioma espanhol. Ao longo da graduação, fui uma aluna média, pois precisei trabalhar a partir do término do segundo semestre da Faculdade de Direito. Com isso, obviamente, o tempo para estudo era mais reduzido.

O concurso público foi uma forma de buscar igualdade de gênero no mundo profissional ou isso foi irrelevante na sua decisão?

Eu fui advogada de empresas e também de trabalhadores por, aproximadamente, sete anos. À época, comecei a entender que não bastava ser uma advogada diligente e cuidadosa para que minha visão sobre o mundo do trabalho pudesse ter relevância, especialmente por não ser do mundo acadêmico. Nunca me interessei pela teoria, mas sim pela praxis, pelo que acontecia e por como se poderia preencher a lacuna do direito não reconhecido. Então, eu diria que, em primeiro lugar, fiz concurso por ser vocacionada, por querer julgar e decidir a favor de quem tivesse o direito na causa. Em segundo lugar, para ter finalmente o reconhecimento social que a carreira da magistratura naturalmente traz consigo. E, sim, para ter os mesmos direitos, os mesmos ganhos do que os homens, pois sem dúvida vivi a desigualdade salarial fazendo o mesmo trabalho que meus colegas advogados.

Quais os três principais desafios enfrentados na construção de ser uma mulher expoente em sua área profissional?

Ter trabalhado com muito afinco para ser reconhecida como uma excelente magistrada, certamente engolindo alguns sapos ao longo da carreira; para atender a magistratura como minha prioridade, ter precisado deixar em segundo plano o atendimento das necessidades da minha família, incluindo minha filha Vitória; por fim, ter deixado em segundo plano também minha vida afetiva.

Acredita que houve evolução na questão de gênero desde o início de sua trajetória profissional? No geral, observa que as mulheres no mercado de trabalho caminham hoje por uma estrada com menos obstáculos?

Como escrevi em artigo no Dia da Mulher de 2020, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Certamente houve evolução, e as mulheres, especialmente as que optaram por carreiras no serviço público, hoje têm maiores facilidades, em função do caminho trilhado pelas mulheres que as antecederam para que houvesse igualdade de oportunidades e ascensão a cargos de direção na carreira escolhida. No entanto, as mulheres no mercado de trabalho privado ainda sofrem muito assédio moral e sexual, e ganham menos do que os homens – o que se exacerba ainda mais quando pensamos no marcador de raça, já que as mulheres negras ganham ainda menos do que as brancas. Precisamos trabalhar muito para que isso seja algo do passado, e é nosso papel na magistratura avançarmos nas nossas decisões quando nos deparamos com casos dessa espécie.

Em sua análise, qual a saída para termos mais igualdade de gênero num país que ainda lida com a desigualdade salarial entre homens e mulheres (na casa dos 30% a menos para elas) como se fosse algo satisfatório e normal?

Precisamos de legislação que tenha foco na igualdade de gênero e crie empecilhos fiscais para quem atua de forma a não cumprir as leis nesse sentido. Também é imprescindível que a magistratura não naturalize esses fatos quando há pedidos, por exemplo, de equiparação salarial. A educação certamente é um pilar nesse sentido e pode ser melhor aproveitado, com trocas desde cedo que gerem reflexões em meninas e meninos para que, como diz bell hooks, a educação seja a prática da liberdade.

No Dia internacional da Mulher desse 2021, qual seria a sua mensagem a para a menina Carmen Gonzalez?

Oi querida, fica tranquila, tens todas as qualidades para alcançar teus sonhos profissionais. Vais alcançá-los e ir além deles. Também poderás ser uma mãe cuidadosa e amorosa como todas as meninas deveriam ter. Mas não desleixa da tua vida afetiva… A vida é um sopro, como disse o grande Niemeyer.

Foto: TRT-RS

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