Defasagem constrangedora, por Rodrigo Coutinho*
O editorial de Zero Hora desta terça feira, 4 de junho de 2013, foi enfático ao condenar aquilo que intitulou um dos mais constrangedores privilégios do serviço público, qual seja, a percepção dos atrasados do auxílio-alimentação. Em que pese ser louvável a iniciativa de questionar a percepção de verbas retroativas afinal, a imprensa brasileira tem desempenhado muito bem a função de quarto poder a moderar eventuais excessos dos outros três, deve ser registrado que, neste caso específico, está se generalizando a magistratura como um todo.
Talvez o editorial tenha se baseado na remuneração de desembargadores estaduais e procuradores de Justiça, recentemente publicada nas páginas de Zero Hora. Entretanto, por intermédio de uma simples consulta às páginas de transparência, disponibilizadas há meses na internet, pelos Tribunais Federais, poderá ser verificado que a realidade remuneratória dos juízes federais e trabalhistas é bem diversa. Em média, desembargadores federais e do trabalho, bem como juízes com mais de 15 anos de atividade judicante, percebem de 25% a 35% menos do que os congêneres estaduais – enfrentando distribuição processual, complexidade das causas e pressões sociais equivalentes.
Não é para menos tal diferença. As perdas inflacionárias sofridas desde a fixação dos subsídios, em 2005, situam-se no patamar de 30%, considerado o IPCA-E do período. Em janeiro de 2013, recebemos 5% a título de recomposição, índice inferior à inflação anunciada para este ano de 2013, consoante previsão do governo federal. Ou seja, acumularemos mais perdas neste ano.
Some-se a isso o fato de não auferirmos qualquer verba adicional: substituições, direção de foro, trabalho em juizados ou eleitoral; e a circunstância de um magistrado federal recém empossado perceber a mesma remuneração que um juiz federal à beira da sua aposentadoria. Perdemos, enfim, o sentido de carreira na magistratura federal.
Isto tem um reflexo evidente: a procura pela magistratura federal está diminuindo; no certame em curso, no TRF da 4ª Região, nem 3 mil candidatos compareceram para fazer as provas iniciais, quando, há 10 anos, tínhamos mais de 6 mil inscritos. Não é por outro motivo, também, que se tem experimentado uma grande evasão de quadros dentro da magistratura federal.
Essas são as razões, prezado editorialista, que levam os juízes federais a não abrirem mão da chamada “bolsa família do Judiciário”. Mais, sempre tivemos direito ao auxílio-alimentação, que recebíamos até 2003, quando foi indevidamente suspenso por decisão do Tribunal de Contas da União, o mesmo TCU que já pagou os atrasados desta verba aos seus ministros, na esteira dos pagamentos aos ministros do STJ e do TST. Ademais, o auxílio-alimentação foi restabelecido por decisão do próprio CNJ. O fato de a verba referir-se a auxílio-alimentação não implica, obviamente, a impossibilidade do pagamento de atrasados, pois, a vingar a tese, qualquer verba de natureza alimentar – salário inclusive – prescreveria em 24 horas, desde que o beneficiário tivesse se alimentado no dia anterior.
Em suma, a verba em discussão não é só jurídica – mas também – moralmente justa, aplicando-se ao caso o mesmo raciocínio dirigido às verbas impagas a trabalhadores regidos pela CLT ou segurados da previdência, que diariamente recebem alvarás expedidos por juízes trabalhistas e federais veiculando parcelas acumuladas que, de forma irregular, deixaram de ser adimplidas por seus empregadores ou pela Previdência Social ao tempo em que eram devidas.
*Presidente da Ajufergs
(Artigo publicado no jornal Zero Hora de 05 de junho de 2013).