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Juíza do Trabalho relata ao Fantástico sua experiência em Guantánamo

A juíza do Trabalho Aline Fagundes, coordenadora do Programa Trabalho, Justiça e Cidadania, compartilhou no programa Fantástico, da Rede Globo, sua experiência de duas visitas à Base Militar de Guantánamo, em Cuba. O assunto voltou a debate desde que o recém eleito presidente Donald Trump anunciou a instalação de uma prisão para imigrantes ilegais no local.

A história do acesso da juíza começou em 2015, no curso de mestrado na área de Direitos Humanos na faculdade Robert H. McKinney, na Universidade de Indiana (EUA). Dentro dessa universidade, foi criada uma ONG que dá acesso a uma grande variedade de programas de Direitos Humanos, inclusive fora dos Estados Unidos.

Segundo Aline, entre os programas, o que mais atraiu seu interesse foi o relacionado a Guantánamo. A Universidade de Indiana foi a primeira instituição de ensino superior que conseguiu autorização junto ao Pentágono para enviar observadores à base. “Em que consistia esse programa? O único papel era observar e fazer o registro do que foi observado. O enfoque era amplo e flexível, e eu escolhi pesquisar sobre o Direito à Transparência. O lema do programa era “O que acontece em Guantánamo, não fica em Guantánamo”, relata.

Aline foi autorizada a visitar a ilha pela primeira vez em outubro de 2016 para acompanhar a audiência dos acusados de terem planejado e executado o ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono em 11 de setembro de 2001. A segunda vez foi em março de 2017, para acompanhar as audiências de Al-Nashiri, acusado de ser o mentor do bombardeio à fragata norte-americana USS Cole e um dos líderes da organização terrorista Al-Qaeda.

Aline relata o forte esquema de segurança que testemunhou nos dias em que esteve na ilha. ”Nós estávamos sempre acompanhados por alguma escolta. Havia uma militar, que era permanente, e outra civil, do Pentágono, para algumas atividades. Na área judiciária, durante as audiências, éramos acompanhados até para ir ao banheiro. Fomos orientados a não tentar contato visual com ninguém dentro da sala de audiência, muito menos se comunicar por gestos, já que a comunicação direta era igualmente impossível por haver um vidro com isolamento acústico que nos separava dos participantes. Muito embora tenhamos sido tratados sempre com cortesia, o controle era muito rigoroso, o que dava uma sensação de desconforto”, recorda.

No final do dia, a juíza conta que eram permitidos passeios turísticos, sempre com escolta. “O local, salvo pela tristeza da história que carrega, é paradisíaco, com praias exuberantes. Inclusive tive a impressão de que se utilizavam dessa alternativa turística para nos distrair quando realizavam sessões confidenciais”, opina.

Com relação aos alojamentos, Aline define o local como simples e até rústico. “Estávamos alojados em tendas. Enquanto a temperatura externa se aproximava dos 40°C, as tendas eram reguladas em cerca de 13, 14°C. Já sabíamos disso e fomos preparados com cobertores e agasalhos, pois lá nos forneciam apenas uma manta. Os banheiros e chuveiros também ficavam em tendas, que eram de uso coletivo. A impressão foi de que essas condições pouco confortáveis faziam parte de um conjunto de medidas de desestímulo ao trabalho de observação”, conclui.

A logística para chegar ou sair da ilha também era um complicador. O acesso era por meio de um voo fretado partindo da Base Aérea Andrews, em Washington, em intervalos programados. ”Todos iam e retornavam juntos, permanecendo na ilha pelo período determinado pelo juiz, normalmente de uma semana”, recorda Aline.

A prática que mais impactou Aline foi o sistema de acompanhamento das audiências. “Nossos lugares, juntamente com imprensa e familiares das vítimas, ficavam separados por um vidro com isolamento acústico, para onde o som era transmitido com um pequeno delay, para que tivessem tempo de cortar o áudio no caso de alguma informação confidencial ser mencionada. Fiquei chocada, pois ainda que se tratasse de matéria de segurança nacional, a sensação é de que a transparência só se aplicava ao que eles quisessem. Sem conhecimentos suficientes acerca do sistema legal norte-americano, para mim era muito difícil avaliar o que era justificável, tal como temos o segredo de Justiça, e o que era uma cortina de fumaça comprometendo o Princípio da Transparência”, analisa.

Aline foi a primeira brasileira que conseguiu acompanhar audiências em Guantánamo, pois na época essa atividade era restrita aos cidadãos americanos, porém a juíza tem dupla nacionalidade. Posteriormente, quando foi aberta a oportunidade a estrangeiros, o juiz de Direito do Rio Grande do Sul, Daniel Neves Pereira, também esteve na ilha por meio do mesmo programa.

Reveja a matéria transmitida no Fantástico dia 09/02/2025 pela Globoplay aqui.

Texto: Artur Chagas (AgroEffective)
Foto: Arquivo pessoal Aline Fagundes

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