CLT não está a caminho do museu, diz presidente do TST
“Se você pensar que os meios de produção foram modificados e a estruturação da sociedade está alterada, a CLT tem que ser ajustada. E, para que haja ajustes, empregados e empregadores precisam dialogar para encontrar o caminho.” Fernando Soares
Confira a matéria publicada no Jornal do Comércio, 24/09/2013.
Apesar de defender novas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Carlos Alberto Reis de Paula, ressalta que a legislação “não está a caminho do museu”. Ontem, o dirigente esteve em Porto Alegre para participar de seminário sobre os 70 anos da CLT, completados em 2013. Realizado no auditório do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-RS), o evento contou com o apoio do Jornal do Comércio.
Jornal do Comércio – Na avaliação do senhor, a CLT chega aos 70 anos ainda em sintonia com o atual momento do mercado de trabalho brasileiro?
Carlos Alberto Reis de Paula – A CLT continua dialogando com a sociedade, na medida em que ela consagra princípios que são atuais. O grande princípio que a CLT consagra é o de que o trabalhador é sujeito de direitos. Ele não é objeto, é sujeito de direitos e deveres. A CLT deu dignidade ao contrato de trabalho. Agora, a CLT, obviamente, precisa ser atualizada. Se você pensar que os meios de produção foram modificados e a estruturação da sociedade está alterada, a CLT tem que ser ajustada. E, para que haja ajustes, empregados e empregadores precisam dialogar para encontrar o caminho.
JC – Quais pontos o senhor acredita que precisam ser atualizados?
De Paula – O grande desafio é repensar o modelo de negociação entre empregados e empregadores. E temos uma questão atual, que diz respeito à forma de trabalho: a terceirização. É uma realidade mundial, mas é indispensável fixarmos parâmetros para que a terceirização não seja um instrumento de precarização do trabalho. Terceirizar é possível, desde que se assegurem os mesmos direitos que um trabalhador comum possui.
JC – Nesse sentido, como o senhor analisa o projeto de lei da terceirização que está tramitando no Congresso?
De Paula – Se você acompanhar a história do projeto de lei, que vem lá de 2004, houve uma evolução. Na semana passada, eu tive contato com deputado Arthur Maia (PMDB-BA, relator do projeto). O projeto dele praticamente permitia a terceirização em tudo. O projeto dizia que poderia se terceirizar desde que houvesse especialização. Ora, você pode ser especialista em tudo, pois pode, por exemplo, criar uma empresa especializada em limpeza. Então, caindo nessa filosofia, se cria uma especialização genérica e, consequentemente, se desvaloriza o trabalhador. A forma com que se usa terceirização no Brasil é justamente nesse sentido. O Arthur Maia disse que está pensando em adotar um novo critério, com a previsão de áreas onde possa haver terceirização, como limpeza e segurança. Aí eu acho ótimo, pois já existe uma limitação. O que não se pode fazer é generalizar a hipótese da terceirização.
JC – A aprovação de uma regulamentação sobre a terceirização está próxima de um desfecho?
De Paula – Eu acho que as coisas estão caminhando. Como estamos praticamente no final de setembro, acredito que o tempo lute contra a aprovação de um projeto de lei sobre terceirização até o final do ano. No entanto, creio que nós não podemos deixar passar uma regulamentação para além do primeiro semestre de 2014.
JC – Quais perspectivas o senhor vê para que a CLT seja atualizada em curto prazo?
De Paula – Nós temos várias propostas no Congresso sobre atualizações tópicas da CLT. Já houve algumas alterações (nos últimos anos). O banco de horas é uma alteração dentro da própria CLT, uma forma de você resolver a questão das horas extras. Hoje é possível (ter banco de horas), dentro de um sistema que foi alterado em relação ao inicial, estabelecendo-o através de uma negociação coletiva.
JC – O patamar reduzido da taxa de desemprego no Brasil representa quais desafios em termos de modificação da legislação?
De Paula – Eu continuo achando, em termos absolutos, o contexto muito positivo. Só que atrás desses números se esconde muito a precarização de trabalho, sobretudo através da terceirização. Isso me deixa preocupado. Eu acho a lei de terceirização muito necessária, é preciso haver um parâmetro. Outra questão importante é em relação àquilo que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) diz sobre o trabalho decente. É necessário que nós tenhamos uma estruturação sobre isso. O trabalho decente é o trabalho saudável, aquele que não traz riscos para a saúde e a segurança do empregado. E a nossa legislação ainda carece de uma atualização nesse aspecto.
JC – Em relação à segurança do trabalho, quais aspectos o senhor acredita que ainda precisam avançar?
De Paula – Se você acompanhar o desenvolvimento das indústrias, elas, hoje, quando crescem e se modernizam (tecnologicamente), não colocam a segurança e saúde do trabalhador como um objetivo prioritário. É importante estabelecermos isso como filosofia de progresso. Não adianta se desenvolver ao custo da saúde e, às vezes, da vida do trabalhador.
JC – Um pleito recorrente das centrais sindicais é a redução da jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas semanais. Qual a opinião do senhor sobre o assunto?
De Paula – Obviamente, o ideal é que você trabalhe menos e ganhe mais. Mas, nesse atual momento do Brasil, isso não é uma prioridade absoluta. É claro que, à medida que evoluirmos, é possível lutar e conseguir uma redução de jornada. Não sou contra a redução da jornada, entretanto, eu acho que há outros temas prioritários antes desse.
JC – Quais seriam as prioridades?
De Paula – Para mim, as prioridades absolutas são as condições de trabalho saudáveis e regulação da terceirização. Isso porque não adianta eu colocar uma jornada menor e aumentar a precarização. No momento que houver maior estabilidade e proteção ao empregado, aí se pode até reduzir a jornada de trabalho sem redução salarial, como é o pleito das centrais sindicais.
Jornal do Comércio, 24/09/2013.