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Acervo do Memorial da Justiça do Trabalho do RS deve se tornar Patrimônio Documental da Humanidade

Um homem teve a casa destelhada a mando do patrão depois de perder o emprego, outro foi considerado desertor da pátria apenas por faltar ao serviço, e um grupo de embarcados mandou telegrama de um navio para o presidente da República reclamando das condições de trabalho no porto. São histórias reais de cidadãos comuns contadas nas páginas de processos judiciais – e que se tornam agora Patrimônio Documental da Humanidade.

Um homem teve a casa destelhada a mando do patrão depois de perder o emprego, outro foi considerado desertor da pátria apenas por faltar ao serviço, e um grupo de embarcados mandou telegrama de um navio para o presidente da República reclamando das condições de trabalho no porto. São histórias reais de cidadãos comuns contadas nas páginas de processos judiciais – e que se tornam agora Patrimônio Documental da Humanidade.

Na próxima quinta-feira, o acervo do Memorial da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul receberá o certificado do Programa Memória do Mundo da Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. A cerimônia ocorrerá na sede do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, onde outras sete instituições receberão o reconhecimento.

A desembargadora aposentada Denise Maria de Barros, integrante da Comissão Coordenadora do Memorial, conta que os cerca de 2 milhões de processos do acervo ajudam não só a entender as relações de trabalho em diferentes épocas, mas também a tecer uma malha histórica dos acontecimentos no país:

– A evolução do Direito do Trabalho se faz dentro do processo. A jurisprudência vai se formando e, quando consolidada, se transforma em lei.

Por serem documentos públicos, qualquer pessoa pode acessá-los. Para o sociólogo e integrante da equipe técnica do Memorial, Elton Decker, os processos inventariados ajudam a recontar a história do país sob um outro ponto de vista: o dos trabalhadores.

– O Brasil já destruiu demais sua documentação, e a gente tem de preservar o que restou. Esses processos contam histórias que não estão nos livros, não fazem parte da história oficial. Em nenhum outro lugar você vai encontrar a história dos brasileiros de forma tão rica, mostrando o cotidiano, os salários, as condições de trabalho e até os costumes – afirma Decker.

O local também guarda objetos históricos, como togas, móveis usados na década de 60, e uma bicicleta de 1941 – o principal meio de transporte dos oficiais de Justiça na época.

Segundo o diretor do Memorial, Walter Oliveira, acordos de cooperação com universidades incentivam os alunos a utilizar os documentos para pesquisa. O local, que conta com estagiários de museologia, biblioteconomia e história, possui convênio com a UFRGS para que os estudantes possam cumprir ali o estágio obrigatório:

– Cada processo é um fragmento importante da história da sociedade.

Mineiros, embarcados e dupla Gre-Nal

Entre os casos curiosos estão os processos trabalhistas envolvendo carboníferas da região de São Jerônimo e Butiá, entre 1938 e 1947.

Em 1943, o Brasil já participava na II Guerra Mundial contra as potências do Eixo, e as minas que integravam o Consórcio Administrador de Empresas de Mineração (Cadem) passaram a ser consideradas de interesse militar, para a indústria bélica do país.

O Cadem decidiu então que todos os mineradores que faltassem ao trabalho, mesmo que fosse por um dia, seriam considerados desertores e presos. Em um ano, foram mais de 290 casos. A Auditoria Militar considerou nulos os termos de deserção, e a Justiça Trabalhista obrigou as empresas a readmitir seus funcionários.

Há registros de uma greve de embarcados no Porto de Rio Grande. Os empregados a bordo de um navio encaminharam telegrama ao presidente Getúlio Vargas, reclamando por receberem menos do que funcionários de outras companhias no Porto. Foi ajuizada ação contra a administração do porto.

Para gremistas e colorados, o acervo dispõe de dois processos de repercussão, envolvendo os craques Ronaldinho Gaúcho e Gérson da Silva. O goleador do Inter tinha uma demanda judicial contra o clube por causa da desvalorização de seu passe na época em que ele permaneceu afastado por problemas de saúde. Quando o jogador faleceu, em 1994, aos 28 anos, a esposa continuou com a ação, que terminou em acordo.

No caso de Ronaldinho, a demanda envolve sua tensa saída do Grêmio, em 2001. Segundo o advogado Homero Bellini Jr., foi a primeira vez no Judiciário em que um clube ganhou a causa contra um jogador e conseguiu mantê-lo por tanto tempo fora dos gramados.

SERVIÇO: MEMORIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO/RS

– O local funciona para atendimento gratuito a pesquisadores e público em geral
– Segunda a sexta, 10h às 18h
– Rua General João Telles, 369, bairro Bom Fim, Porto Alegre
– Fone (51) 3222-9580 / Email: memorial@trt4.jus.br

Notícia publicada na Zero Hora em 25/03/14

 

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