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Artigo: A cada vez (menos alternativa) história do trabalho

“Pretende-se superar as experiências de constitucionalizadas sociedades de Bem-Estar Social e passar ao Estado Anão. Para isso, passa-se a defender o inverso: o derretimento dos direitos sociais, essencialmente com mitigação abruta do princípio da proteção ao empregado e venda da ideia de que plena liberdade de negociação de condições de trabalho significará mais produtividade, melhores empregos e felicidade irrestrita”.

A (cada vez menos) alternativa história do trabalho
Rodrigo Trindade*
Ficção de História Alternativa ainda é gênero literário pouco conhecido no Brasil. Para simplificar, são estórias contadas em futuro do pretérito: o enredo se passa em ambiente do tipo “universo alternativo”, em que acontecimentos históricos importantes se desenvolvem de forma diferente do real e produzem resultados inusitados.
Ainda temos pouquíssimos livros de autores nacionais. Mas em língua inglesa há dezenas de romances, novelas e noveletas de best-sellers, como Turtledove, Conroy e Stirling. Mesmo romancistas de gêneros mais sérios, do gabarito de Roth, Birmingham e Chabon já se aventuraram no gênero e publicaram suas ideias de mundos contrafatuais.

Nos últimos meses, temos assistido – meio chocados, meio decepcionados – a proliferação de novas leis precarizantes do trabalho. O fundamento repetido é o de marcha ao chamado “Estado Mínimo”, reprimido de iniciativas para compensar desigualdades econômicas e ativo para desregulamentar a relação capital-trabalho. Pretende-se superar as experiências de constitucionalizadas sociedades de Bem-Estar Social e passar ao Estado Anão. Para isso, passa-se a defender o inverso: o derretimento dos direitos sociais, essencialmente com mitigação abruta do princípio da proteção ao empregado e venda da ideia de que plena liberdade de negociação de condições de trabalho significará mais produtividade, melhores empregos e felicidade irrestrita.
Como poderíamos imaginar uma “história alternativa do mundo do trabalho”? O que poderíamos esperar de um Brasil em que houvesse plena liberdade de contratação do trabalho humano, lançando às vontades individuais a atribuição de definir direitos e obrigações? Como viveríamos em espaço sem órgãos encarregados de corrigir desigualdades e ilegalidades gritantes?

Há no Facebook página interessantíssima que – entre o cômico e o revoltante – reúne desavisados anúncios de emprego com todo tipo de ilicitudes. Salários ilegalmente irrisórios são os mais benéficos e sobram os que oferecem contraprestação na base da experiência, oferecem submissão à competitividade desmedida, requisitos de contratação estapafúrdios e todo tipo de promessa de exploração ao extremo. O nome da página é perfeito, “Vagas Arrombadas” e já soma mais de 80 mil seguidores. 
Embora trate de horripilantes fatos reais, a página tem muito a ver com um romance de história alternativa.

As experiências literárias de histórias alternativas em língua inglesa costumam vir em novelas. Há uma diversidade de narrativas, passadas em ambientes diferentes, mas sempre interligadas pelo destino humano dado aos fatos históricos divergentes. Em Vagas Arrombadas também há múltiplos universos de tentativas para exploração ao máximo do trabalho. Há muitas vagas de contrato-emprego, e em diversas atividades econômicas, mas também pululam as ofertas a estagiários – e faz todo sentido porque a baixa experiência profissional e de vida são campos férteis para aceites de abusos.

Nos bons “romances normais” o interesse do leitor costuma vir do modo pelo qual o personagem enxerga e molda seu ambiente. Nos de história alternativa é comum o inverso: o ambiente divergente chama muita atenção e é a partir dele que as pessoas se apresentam em particularidades surpreendentes. Vagas Arrombadas anuncia como trabalhadores podem ter personalidades alteradas a partir de um universo de extrema competição. São comuns promessas de valorização da competitividade desmedida entre colegas (“meritocracia na veia” diz um deles), trabalho em troca de comida e moradia e certeza de que haverá muito serviço e pouco tempo para descanso. Não há dúvidas que pessoas tendem a mudar bastante em ambientes assim.

Todo romance de história alternativa possui seu chamado “ponto de divergência”. É o – mágico – momento em que algo diferente da nossa linha de tempo ocorreu. A partir do ponto de divergência, uma série de novos acontecimentos têm vez e colorem de forma única a trajetória dos personagens e seus ambientes.
Talvez tenha sido em 2017, mas provavelmente veio antes. Embora os trabalhadores ainda esperem encontrar no Estado o garantidor da dignidade a partir do trabalho, instâncias representativas parecem pensar o contrário. E foi divórcio contencioso, em que instâncias representativas importantes parecem ter quebrado algo básico, a ligação com os representados. A promulgação das últimas leis trabalhistas é efeito palpável dessa desordem.

Por fim, uma característica comum em praticamente todos os romances de história alternativa, a tragédia. Os temas mais comuns entre autores americanos e britânicos são o Sul vencendo a Guerra de Secessão e os Nazistas ganhando a II Guerra Mundial.  Os anúncios de Vagas Arrombadas tem textos inusitados, estapafúrdios, ilícitos, mas todos com a mesma promessa: a tragédia que o liberou geral pregado e já em implementação pode gerar: era de exploração extrema, subemprego e baixíssimos salários.
Em destaque na foto está meu romance preferido de história alternativa, Plot Against America, de Philip Roth. Conta a estória/história de um presidente dos EUA alinhado com o nazismo e que levou o país a nova era de intolerância com minorias, militarismo, repressão religiosa e ojeriza à arte contemporânea. Lembra algo?

(*) Presidente da AMATRA IV – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região

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