Notícias

ARTIGO – Ainda precisamos falar sobre machismo

Magistradas integrantes da Diretoria da AMATRA publicam uma série de artigos nessa semana da mulher. Confira o texto “Ainda precisamos falar sobre machismo” de autoria da  juíza do Trabalho Julieta Pinheiro Neta.

Ainda precisamos falar sobre machismo

Por Julieta Pinheiro Neta 
Diretora Administrativa da AMATRA IV 

Vi o filme “Bastardos Inglórios” logo quando foi lançado no Brasil, provavelmente em 2009. Dias depois, eu e alguns amigos dividíamos uma mesa de bar com dois times escalados: os fãs e os que não suportam Tarantino. Lá pelas tantas, acabamos na cena do cinema.

Para quem não lembra, é aquela na qual os nazistas gargalham, vendo seus inimigos morrer na tela, e, em seguida, tornam-se vítimas. A nossa heroína, cheia de vingança e sem nenhuma culpa, alcança seu objetivo. Retirado o sangue que golpeia a tela, o que mais me estarreceu foi a fala de um amigo: “vocês perceberam a habilidade do diretor em colocar os “personagens maus” rindo dos “mocinhos” numa sala de cinema, assim como nós, na plateia, rimos com os “personagens de bem” quando os nazistas são mortos da pior forma?” Pois é, a barbárie espreita a civilização.

Assisti à palestra de um intelectual brasileiro, que falava sobre preconceito e intolerância. Todos estavam inebriados. Em determinado momento, o próprio palestrante fez uma piada xenófoba, envolvendo um querido Papa e sua nacionalidade. Sem perceber e sem nenhum pudor, todo o auditório riu. Pela inteligência e perspicácia do historiador, tenho certeza que não foi à toa. Ele deixou a lição de casa, como um Tarantino tropical.

 

A convivência em sociedade não é um destino, é uma estrada. Em regra, vamos para frente. Algumas vezes paramos, cansados, para tomar forças e seguir o caminho. Noutras, retornamos, perdidos em nosso rumo. Quando nos perdemos, a arte e a cultura são bússolas que podem nos ajudar a retomar o caminho correto. 

Agora, eu proponho um exercício. Se o pensador fizesse uma piada sobre negros, a plateia riria? Aposto minhas fichas, dizendo que não. Com isso, não quero afirmar que o preconceito contra a população negra acabou. Pelo contrário, a discussão sobre o tema, no Brasil, está apenas iniciando. De qualquer forma, nela já avançamos um pouco. Não mais admitimos comentários racistas em público, embora muitos ainda os tolerem no privado. 

E comentários machistas?

Em uma conversa entre colegas de trabalho, o alvo das discussões era a líder da equipe. Ela distribuía as ordens e nem todos concordavam. Alguns rebatiam com dados, outros silenciavam. Na hora do café ou no corredor, entre números e argumentos, alguém soltou a cansativa frase: “É uma mal amada!”. Infelizmente, alguns riem. Havia até uma mulher entre eles. 

Donald Trump, durante a campanha presidencial, escreveu em sua conta no twitter: “Se a Hillary Clinton não consegue satisfazer seu marido, como vai satisfazer a América?” Negou posteriormente a autoria, acusando um funcionário pelas palavras, mas antecipava o desprezo que sente pelas mulheres. Fato é que isso não o impediu de ser eleito pelos cidadãos americanos para governar o País. 

E quando um profissional reconhecido da imprensa nacional não se comove com a violência contra a mulher? Alexandre Garcia, ao comentar na mesma rede social a revelação da atriz Jane Fonda, que foi vítima de estupro, disse: “E eu com isso?” Seja brasileira, americana, síria, europeia, moçambicana, afegã, chinesa, todas as mulheres são dignas de respeito. Ou não? A indignação seletiva leva a regimes de exceção. Quem não se importa em viver numa comunidade na qual as regras não são iguais para todos, provavelmente está com a lei do mais forte ao seu lado. Quando outro se tornar mais forte, contudo, não poderá reclamar.

Vivemos em uma sociedade na qual o machista ignora que é machista. É no terreno fértil da ausência de vergonha que cultivamos nossas novas gerações de misóginos.

Enfim, se você não é o Quentin ou o Karnal, ou não está num palco vivendo um personagem, deixe de ser o comediante da discriminação. Tenha vergonha do machismo. Ele não é engraçado, a não ser para o opressor. Sempre é bom lembrar: a tragédia é irmã da comédia.

 

 

 

Compartilhamento