ARTIGO – MULHER: um resgate histórico
Neste 8 de março, a série de artigos das integrantes da Diretoria da AMATRA IV apresenta o texto “MULHER: um resgate histórico”. O artigo é assinado pelas juízas do Trabalho Adriana Kunrath e Aline Veiga Borges.
MULHER: um resgate histórico
Por Adriana Kunrath e Aline Veiga Borges
Diretoras da AMATRA IV
É interessante como a figura da mulher provoca apaixonadas e acaloradas discussões. Em um momento é amada e venerada como mãe. No outro, equiparada a uma bruxa, taxada de prostituta, reduzida a uma fruta.
O enquadramento da mulher em estereótipos, geralmente com conotação preconceituosa, é uma realidade que está longe de ser modificada.
Não há nada de errado em ser feminista, socialista, lésbica, bonita, recatada ou do lar (apenas para citar alguns do estereótipos), desde que todas essas características sejam assumidas pela mulher de forma livre e desempenhadas em sua plenitude, sem que sofra qualquer tipo de preconceito.
A mulher pode exercer o papel de mãe, filha, amiga, esposa, trabalhadora. Cada um a seu tempo ou todos ao mesmo tempo. No desempenho desses papéis, ela pode ter diferentes estados civis, diferentes orientações sexuais, diferentes posições políticas, diferentes engajamentos na sociedade.
E não importa em qual cenário social, político e geográfico a mulher desempenha o seu papel, devemos lutar para que ela seja respeitada e valorizada como um ser integrante da sociedade em igualdade de condições com o homem.
No entanto, é histórico o tratamento desigual dispensado às mulheres, cujas principais origens são de ordem religiosa e filosófica.
Consta na Bíblia que a mulher foi criada da costela de Adão, dos seus ossos “tomada” para ser sua “ajudadora idônea” (Gn, cap. 2, 18-23), o que sugere que ela seria “propriedade do homem”, uma parte do seu ser, logo um ser incompleto, menor, criado exclusivamente para lhe servir. Essa interpretação, embora permaneça atual em alguns segmentos da sociedade, é manifestamente equivocada, na medida em que no próprio Gênesis consta que Deus fez o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, e ordenou que ambos frutificariam e multiplicariam, sujeitariam a terra, dominariam os peixes do mar e as aves dos céus (cap. 1, versículos 26-30). Ou seja, a mulher foi criada com as mesmas capacidades e “poderes” que o homem.
O pensamento de inferioridade da mulher também dominou os grandes filósofos, na idade antiga, média e moderna.
Platão dizia “que os homens covardes que foram injustos durante sua vida, serão provavelmente transformados em mulheres quando reencarnarem”. Aristóteles, por sua vez, afirmava que “a fêmea é fêmea em virtude de certas faltas de qualidade”. Rousseau, no século XXVIII, sustentou que a mulher era um ser destinado ao casamento e à maternidade; Kant considerava a mulher “pouco dotada intelectualmente, caprichosa indiscreta e moralmente fraca”; Schopenhauer dizia que a mulher tinha “cabelos longos e inteligência curta” e, para Nietzche, “o homem deve ser educado para a guerra, a mulher para a recreação do guerreiro”.
A história, porém, está repleta de mulheres que, desde a antiguidade, demonstraram a força feminina e se opuseram ao preconceito.
As Amazonas de Daomé (atual Benin) formaram um exército que chegou a ter entre 4 e 6 mil bravas guerreiras, as quais contribuíram para o imperialismo de seu país no continente Africano durante dois séculos. Foram derrotadas não pela força física ou tática do exército Francês, mas tão somente pela superioridade tecnológica de suas armas.
Anos depois, a introdução da máquina no cenário produtivo, assim como as guerras, levaram as mulheres ao trabalho assalariado nas fábricas. A dura realidade a que estavam submetidas promoveu a sua união em busca de melhores condições de trabalho e de vida, diminuição da jornada de trabalho (que na época era de 14 horas), aumento de salários e direito de voto.
Foram inúmeras as manifestações das mulheres entre o final do século XIX e início do século XX, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, e que contribuíram, entre outros avanços na área dos direitos fundamentais, para criação da Organização Internacional do Trabalho.
Apesar da divergência acerca da sua origem, nas duas versões que são apresentadas, o dia 08 março foi marcado por protestos de mulheres trabalhadoras, que foram violentamente reprimidos pelo Estado. Em virtude desses acontecimentos, o dia 08 de março foi internacionalmente instituído para lembrar a todas as Nações o quanto as mulheres lutaram para terem direitos mínimos assegurados. De acordo com a ONU, são direitos da mulher:
1. Direito à vida.
2. Direito à liberdade e à segurança pessoal.
3. Direito à igualdade e a estar livre de todas as formas de discriminação.
4. Direito à liberdade de pensamento.
5. Direito à informação e à educação.
6. Direito à privacidade.
7. Direito à saúde e à proteção desta.
8. Direito a construir relacionamento conjugal e a planejar a sua família.
9. Direito a decidir ter ou não ter filhos e quando tê-los.
10. Direito aos benefícios do progresso científico.
11. Direito à liberdade de reunião e participação política.
12. Direito a não ser submetida a torturas e maltrato.
Neste 8 de março de 2017, viemos lembrar a todos que esses direitos basilares, embora instituídos no plano formal, seguem sendo desrespeitados na prática, e a igualdade de gênero é, ainda, um objetivo distante a ser alcançado.
Há exemplos severamente trágicos de desrespeito à mulher, como os países que permitem o casamento de meninas menores de idade, como Níger, Bangladesh e Guiné. Em setembro de 2013 foi noticiada a morte de uma menina de oito anos, no Iêmen, que morreu de hemorragia por ferimentos no útero após manter relações sexuais com o marido de 40 anos. Em fevereiro de 2017, uma quadrilha que fazia tráfico internacional de mulheres foi desmantelada no Brasil. A quadrilha aliciava mulheres no Ceará, Bahia, Minas Gerais e São Paulo para trabalharem em casas de prostituição na Itália e Eslovênia.
Exemplos outros, menos trágicos, mas não menos importantes, permeiam a rotina de uma sociedade brasileira essencialmente machista, como a atribuição exclusiva ou predominante às mulheres de determinadas tarefas domésticas e cuidados com os filhos; a violência física e psicológica vivenciada por tantas mulheres em face de seus companheiros; a diferença salarial entre homens e mulheres. Segundo os dados do Ipea, homens ainda ganham mais do que as mulheres: em 2014, homens tinham o salário médio de R$ 1.831, enquanto as mulheres ganhavam R$1.288. As mulheres negras têm a menor remuneração, com valor médio salarial de R$ 946, e os homens brancos com maior rendimento, de R$ 2.393 no mesmo ano (fonte: www.ipea.gov.br).
São inegáveis as conquistas femininas nos últimos cem anos por igualdade de direitos e contra o preconceito de gênero. Mas é igualmente inegável que ainda há muito a se fazer.
Já disse Papa Francisco, atual líder da Igreja Católica e um dos líderes mais progressistas da atualidade, que “Um mundo no qual as mulheres são marginalizadas é um mundo estéril, porque as mulheres não só dão a vida (…), mas têm a capacidade de entender o mundo com outros olhos e de sentir as coisas com coração mais criativo, mais paciente e mais dócil” (discurso no dia 8/3/2015, no Vaticano).
Então, no dia de hoje, recordamos o ontem e conclamamos todos a seguir a luta pela igualdade substancial entre homens e mulheres, a corroborar para um mundo verdadeiramente melhor para TODOS.