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ARTIGO – Por que elas não escrevem?

“Por que elas não escrevem?”, texto assinado pela juíza do Trabalho Gabriela Lenz de Lacerda encerra a série de artigos publicados nessa semana da mulher pelas diretoras da AMATRA IV. 

Por que elas não escrevem? 

Por Gabriela Lenz de Lacerda
Diretora da AMATRA IV 

 

A atual gestão da Associação dos Magistrados do da Justiça do Trabalho da 4ª Região – AMATRA IV, na época da formação da chapa de candidatura, demonstrou uma preocupação que deveria inspirar todas as demais associações de classe: estabelecer quantidade semelhante de homens e mulheres na diretoria. Afinal se, de acordo com o último Censo do Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região possui 50,3% de integrantes do sexo masculino e 49,7% integrantes do sexo feminino, nada mais natural que a representação dos magistrados observe a mesma proporção. 

Acabei sendo convidada, assim, a assumir a diretoria de divulgação, apesar de contar com pouco tempo de Tribunal e ter uma timidez quase incompatível com a área de comunicação social. Por gostar de um bom desafio, aceitei o convite e estabeleci que uma das minhas metas seria fazer com que as colegas juízas escrevessem mais. 

Isso porque temos diversos colegas homens que escrevem textos excelentes sobre os mais variados assuntos: de contos policiais a distopias, passando por poesia e artigos jurídicos. Em comparação a eles, nós, mulheres, escrevemos pouco. Muito pouco. 

Aliás, basta dar uma olhada nas estantes das livrarias para perceber uma disparidade muito grande entre os dois gêneros no mercado editorial. Pesquisa divulgada pela Universidade de Brasília apontou que 72,7% dos livros publicados entre 1990 e 2004 eram de autores homens, sendo 93,9% de cor branca. Quando vemos listas dos livros de literatura “clássicos”, então, raramente nos deparamos com autoras. 

No ensaio “Um Teto Todo Seu”, Virgínia Woolf investiga os motivos da pequena presença feminina na literatura, concluindo que “uma mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu, um espaço próprio, se quiser escrever ficção”. As mulheres, contudo, por séculos não tinham o direito de ser as proprietárias legais do dinheiro e dos bens que ganhavam; não tinham a liberdade de viajar e de conhecer o mundo; e como regra sequer tinham acesso à educação formal. Assim, conclui a escritora inglesa, caso Shakespeare tivesse uma irmã, com idêntica genialidade, as circunstâncias sociais da época jamais permitiriam que ela produzisse uma obra minimamente semelhante à dele. 

Atualmente, as mulheres brasileiras ganham salários 25% inferiores aos dos homens, não raro acumulam as atividades laborais com as tarefas domésticas e comandam sozinhas quase 40% dos lares brasileiros. As dificuldades materiais, portanto, ainda dificultam o aumento da produção literária feminina. 

Além disso, a falta de políticas públicas mais efetivas que deem suporte para as mulheres-mães também impede a igualdade de condições entre a mulher e o homem, não apenas no campo literário. Naquele livro que – pasmem – até hoje cria polêmica, Simone de Beauvoir bem pontua que as “servidões da maternidade” assumem importância variável conforme os costumes da época: “são esmagadoras se se impõem à mulher muitas procriações e se ela deve alimentar e cuidar dos filhos sem mais ajuda; se procria livremente, se a 

sociedade a auxilia durante a gravidez e se se ocupa da criança, os encargos maternais são leves e podem ser facilmente compensados no campo do trabalho”. 

Arrisco dizer, contudo, que mesmo dispondo de condições materiais nós ainda temos muito receio de expor nossas ideias e reflexões. Continuamos vivendo em uma sociedade que privilegia características próprias do masculino, com clara depreciação dos elementos femininos. A expressão de emoções e fragilidades, especialmente para quem ocupa um cargo de poder, não é bem tolerada. Inúmeros são os exemplos claros de tratamento discriminatório – velados ou explícitos – sofridos pelas mulheres-juízas durante a sua carreira, por parte de advogados, partes, servidores e outros juízes. 

Por serem muito mais cobradas e criticadas do que os colegas do sexo masculino, muitas mulheres acabam por se resguardar, adquirir posturas defensivas ou discretas, como forma de proteção. E quando ousam fugir deste “padrão feminino”, costumam ser atacadas porque, como diria Angélica Freitas, “uma mulher braba/ não é uma mulher boa/ e uma mulher boa/ é uma mulher limpa” (In: Um Útero é do Tamanho de um Punho). 

Surge, assim, uma cobrança interna que nos obriga a sermos melhores para melhor caber no papel social que nos é imposto. E a escrita, por ser um ato político, implica exposição, críticas e julgamentos que muitas vezes não estamos dispostas a enfrentar. 

A importância da manifestação da nossa opinião, da nossa visão de mundo, dos nossos amores e dos nossos ódios, nossas complexidades e nossos sentimentos, faz com que ocupemos espaços importantes que temos deixado para os homens. A apropriação do lugar de fala é essencial para atingirmos a tão desejada igualdade de gênero e para deixarmos nossas marcas na história. E mais essencial ainda é que as mulheres se apoiem mutuamente, nesta difícil missão que é a desconstituição de uma sociedade patriarcal que as julga tão cruelmente. 

Por todos estes fatos, é indescritível a minha alegria ao anunciar que, por ideia da nossa vice-presidenta, Carolina Gralha, neste mês de março de 2017 teremos inúmeros textos das mulheres maravilhosas que integram a diretoria da AMATRA IV. Espero que gostem e que todas se sintam inspiradas a produzir cada vez mais! 

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