Artigo: Sobre meninas e meninos de azul
Por Fabiano Holz Beserra, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS)
Azul é a cor que simboliza o autismo. Quando minha filha, à época com quase dois anos de idade, foi diagnosticada com o transtorno, eu vivi sentimentos contraditórios. Por um lado, senti alívio, pois sabia que algo estava errado com o desenvolvimento dela e, finalmente, descobri a causa. Por outro, foi um tanto desesperador, pela consciência de que eu e ela iríamos enfrentar dificuldades pelo resto da vida.
Durante um bom tempo, eu acordava esperando que tudo aquilo não fosse verdade, enfim, que tivesse sido apenas um sonho ruim. Fora tais breves passagens de fantasia, sempre reuni forças para lutar a fim de que ela tivesse as melhores possibilidades nesse mundo no qual nem sempre é fácil viver. Paralelamente, foi aumentando minha sensibilidade em relação à discriminação em geral. Hoje, a Gabriela é uma menina com nove anos de idade, está em escola regular, alfabetizada e, não sem dificuldades, vem se desenvolvendo muito bem.
Grande parte do êxito eu atribuo à escola e aos pais dos coleguinhas dela. Eles criaram um ambiente de respeito às diferenças e de compreensão com as dificuldades dela que foi transmitido às crianças. Quando minha filha se desorganiza, precisa de um tempo, mas seus colegas sabem que não é por mal e que, depois, tudo vai ficar bem. Ela é assim, diferente, num mundo cheio de diversidade, mas que insiste em privilegiar os homens heterossexuais, proprietários e de meia idade, como o pai dela.
A minha experiência pessoal trouxe a convicção de que é através da família e da escola que podemos, desde a mais precoce idade, preparar nossas crianças para a construção de um mundo melhor. Isso não combina com ideologias simplificadoras e binárias, como a do rosa e azul. Aí muitas crianças vão sofrer injustamente. Outras vão reproduzir a discriminação quando jovens e adultas. Portanto, 2 de abril, dia mundial de conscientização do autismo, é uma data para refletirmos sobre e para além de nossos meninos e meninas de azul.
*Artigo veiculado no site GaúchaZH (RBS) em 2/4/2019, Dia Mundial de Conscientização do Autismo.