Cada dia é um recomeço
Por Gloria Mariana da Silva Mota
Juíza do Trabalho
Meu caçula, Alexandre, era um bebê diferente. Ele não dormia, passava as madrugadas em claro, cochilava um pouquinho de manhã e acordava novamente.
Era meu segundo filho e eu sabia da irregularidade do sono dos bebês, mas aquilo era demais. Eu percebia que alguma coisa estava errada.
E passaram-se os meses e aquela insônia crônica continuava.
Chegou a fase de andar, e ele andou… na ponta dos pés.
A essas alturas eu já pensava em autismo.
Ele completou um ano e oito meses, dois anos, dois anos e meio e não falava.
O contato visual era pouco, conduzia-nos até o que queria, em vez de apontar.
Entre “cada criança tem o seu tempo” e as reuniões na escola abordando o comportamento/desenvolvimento “diferente” do meu filho, eu buscava tudo para crer na primeira expressão, e cada vez encontrava mais sinais de que algo não ia bem.
Mais que isso, cada vez mais eu via no meu menino, no meu caçula, sintomas do Transtorno do Espectro Autista, que até então eu conhecia só ouvia falar.
Estereotipias, ausência de fala, dificuldade ou ausência de contato visual, interesses bizarros.
Enfim, quando finalmente veio o diagnóstico, na verdade, não posso dizer que tenha ficado surpresa.
Mas é sempre um choque ouvir do médico, especialista no assunto, e no meu caso foram vários profissionais. Incrível como você pode precisar ouvir de várias pessoas, o que você já sabe.
O diagnóstico de autismo parecia trazer uma sentença fatal, a ponto de inclusive alguns médicos terem de ser objetivamente questionados para dizer, como se sentissem constrangidos em dar o diagnóstico e quisessem que nós, pais, os poupássemos desse dissabor e ficasse assim, apenas subentendido.
Ocorre que, por mais que a gente saiba, a identificação de autismo é algo que a gente precisa escutar.
Quando se pensa na utilidade de um diagnóstico, geralmente o lado positivo desse conhecimento é que ele vem associado com o conhecimento do respectivo tratamento, devidamente indicado e planejado pelo médico.
Só que com o autismo não funciona assim.
Não tem um remédio ou qualquer outra forma de terapêutica predeterminada para o autismo.
Medicamentos podem ajudar a controlar um ou outro sintoma, mas não há “o” remédio para autismo. Cada criança é diferente e mesmo aquelas com autismo são bastante diferentes entre si. O que funciona para uns, não funciona para outros. É um processo de tentativa e erro. Há remédios para epilepsia, depressão e ansiedade usados no tratamento de autismo que podem ou não funcionar.
Há também indicação de terapias das mais variadas, mas nenhuma garantia de que funcionarão.
E, mais, de regra, a gente sequer sai do consultório médico com um plano de ação. Recebemos uma receita (ou várias) de alguma droga tarja preta, não pensada para autismo, e mais uma orientação genérica para fazer muitas terapias, fonoaudiologia, terapia ocupacional, musicoterapia, equoterapia, etc.
Portanto, receber o diagnóstico de autismo foi apenas o início de uma incessante caminhada na busca do desenvolvimento, de maior autonomia e funcionalidade, de qualidade de vida para o meu filho, lançando mão dos mais variados tratamentos, desde medicamentosos, passando por dieta nutricional, programas de desintoxicação e terapias das mais variadas. Isso tudo sem saber o que seria e será melhor para ele.
Se a criação de filhos, mesmo crianças típicas, já traz inúmeras dúvidas, estas dúvidas multiplicam-se assustadoramente diante de uma criança com autismo. Medico ou não? Por vezes sou tomada de dúvidas porque o remédio é forte, cheio de efeitos colaterais e ele é só uma criança. A resposta parece pronta: – Não vou medicar. Em seguida, penso: – Mas ele está sofrendo, tem crises de desorganização com choro, autoagressão e agressão aos outros. Então, concluo: – Vou medicar. De novo vem a incerteza: – Mas não é garantido que funcione. Não vou medicar. Como em um jogo, me questiono: – Mas se funcionar? E se eu não medicar logo e perder o tal do tempo da plasticidade cerebral? Vou medicar.
Marcamos e frequentamos fonoaudióloga e ele não fala. Coloco na terapia ocupacional, porém não sei se é a melhor alternativa, porque me falam bem de musicoterapia e equoterapia. Meu Deus, será que eu dou conta de tudo isso e será que ele suporta? Será efetivamente proveitoso para meu filho?
São grandes demandas: física, mental, de tempo, de paciência e financeira. Porém, a fonte de energia é única, que às vezes falha, cansa. Então, tenho que buscar energia de lugares que não conheço, porque a vida não para pra que eu cuide do caçula. O trabalho me exige, enquanto a minha outra filha também precisa de mim.
Não há certeza se um dia ele vai falar, ler, escrever, ter autonomia para andar pela rua sozinho, ter um emprego. Mas também o contrário não é certo, e por isso cada dia é um recomeço.
É deixar para traz o que não deu certo, pensar que um dia ruim, foi só um dia ruim, focar nos sucessos, por menores que sejam, e tentar de novo… tentar outra terapia, outro terapeuta, mudar de escola, mudar de remédio; tentar de novo aquele jogo de encaixe, aquele passeio, aquela palavrinha…
E, não importa como tenha sido o dia anterior, ou a noite, muitas vezes mais “agitada” que o dia, cada dia que começa é se encher novamente de fé e tentar que o meu pequeno avance, adquira novas competências, mais autonomia, desorganize-se menos, seja mais feliz!