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O Direito do Trabalho na berlinda!

A decisão do STF, noticiada no último dia 24/11, é um duro golpe ao direito do trabalho. Os ministros da Corte Suprema declararam a constitucionalidade do art. 71 da Lei de Licitações, para o efeito de compreender que a administração pública não tem responsabilidade pelos créditos de trabalhadores, cuja mão-de-obra contrata por meio de empresa interposta. Em realidade, estamos pagando o preço que a Súmula 331 do TST, ao inventar uma responsabilidade subsidiária, nos impôs. A ordem jurídica vigente admite a exploração de mão-de-obra por meio de relação de emprego, direito assegurado no inciso I do art. 7o da Constituição. O Estado deveria ser o primeiro a dar exemplo, com a estrita observância e aplicação das normas que ele mesmo edita. O Ministro Ayres Britto pontua, em seu voto, com muita propriedade, que “a terceirização, embora amplamente praticada, não tem previsão constitucional”. Trata-se de uma ilegalidade que, infelizmente, vem contando com a passividade do Judiciário Trabalhista.

A decisão proferida pelo STF não determina que os juízes parem de reconhecer a responsabilidade dos entes públicos que exploram mão-de-obra por meio de empresas interpostas, mas é preciso reconhecer que a simples declaração de legalidade de um dispositivo que isenta de responsabilidade quem aufere vantagens com o trabalho humano é no mínimo preocupante. Olvidamos as regras de direito civil acerca da responsabilidade. Ignoramos o texto do art. 37 da Constituição. Negamos eficácia ao princípio da proteção ao trabalho humano, que figura também como valor fundamental do Estado, no art. 1o da nossa Constituição. Desafiamos a natureza mesma do Estado, “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos”, como preconiza o preâmbulo da mesma Constituição Federal de 1988.

Quando os pilares começam a ser questionados, precisamos estar alertas. O direito do trabalho corre perigo. E a situação fática é por demais conhecida de todos. São milhões de brasileiros contratados por empresas prestadoras de serviços, que participam de licitações ditadas pela regra do menor preço, sem que possuam sequer sede própria ou patrimônio. O Estado, que agencia a mão-de-obra e dela se beneficia, não quer ter responsabilidade pelos créditos que daí decorrem, mas também não se preocupa em contratar empresas sólidas, com patrimônio suficiente para garantir a satisfação dos salários. O resultado é a negativa de efetiva prestação de tutela a milhões de trabalhadores, que simplesmente não terão acesso aos créditos decorrentes do contrato, todas as vezes que a prestadora for financeiramente inidônea.

Ora, ou compreendemos que a administração pública não pode licitar pelo menor preço, reconhecendo a obrigação de exigir prova de patrimônio e fiscalização constante, para que seja legítima a exploração de serviços por meio de empresa terceirizada, ou teremos de finalmente aplicar a Constituição Federal às relações de trabalho, declarando a inconstitucionalidade de toda e qualquer terceirização por parte da administração pública, em razão da norma contida no art. 37 da Constituição, que exige a contratação direta, por meio de concurso público. Fechar os olhos à realidade desses trabalhadores implica ruptura com a ordem constitucional vigente, abrindo passagem para um inadmissível retorno à lógica liberal do século XIX.

O direito do trabalho está agonizando. Precisamos reagir!

Valdete Souto Severo – Juíza do Trabalho e Secretária de Divulgação da AMATRA IV

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