Retomada Yvyrupá: aguyjevete!
“Me gusta la gente sentipensante,
Que no separa la razón del corazón
Que siente y piensa a la vez.
Sin divorciar la cabeza del cuerpo
Ni la emoción de la razión”
Eduardo Galeano, transmitindo
Conhecimento dos Povos andinos
Estive na Retomada Mbya-Guarani de Maquiné em meados de 2017, numa tarde chuvosa de outono. Nosso pequeno grupo, composto por integrantes do CIMI, da AJD e por outro/as parceiro/as, como a fotógrafa Ana Maria Barros Pinto, foi recebido em uma tenda coberta na frente da casa de rezas. A aldeia tinha se instalado há bem pouco tempo, mas as plantações já estavam começando a render frutos e as casas já estavam em fase final de construção. A primeira criança tinha nascido e a felicidade de pertencer a um lugar fazia com que aos poucos os rituais tradicionais fossem também retomados.
Com uma ordem de despejo da área que formalmente pertencia ao Estado, ouvimos as sucessivas falas das lideranças indígenas que, uma após a outra, tentavam nos transmitir pela palavra dita, em uma língua que não era a sua, o que representava aquele território. Encostavam na areia sob nossos pés e anunciavam: “não podemos ter a terra porque somos a terra”. Para nós, vindos da cidade, não é possível entender a relação de um povo tradicional com o seu território sem colocar os pés naquela terra. Só ali sentimos a potência da vida que nos cerca e entendemos tudo o que deixamos pelo caminho no nosso suposto “desenvolvimento”. O vínculo de conexão, pertencimento e interdependência que nos ensina a cosmovisão indígena nenhuma lei, papel ou escritura consegue traduzir.
As fotografias de Ana Maria são mais do que belos retratos. Contam a história de um processo de luta pelo direito de um povo que sobrevive à violência tolerada ou praticada pelo Estado há mais de 500 anos. A garantia da retomada das áreas indígenas – como a do Arado, hoje em disputa – é garantir não apenas a permanência de uma cultura tão violentada pela colonização (e que tem tanto, tanto a nos ensinar), mas também de toda a fauna e a flora local. Não por acaso os indígenas representam hoje 5% da população mundial e, ocupando 22% da extensão do planeta, são os guardiões de 80% da riqueza global. São os defensores de um projeto de vida em harmonia com a natureza absolutamente incompatível com as políticas neoliberais que, amparadas numa sociedade de consumo, estão matando e adoecendo todos nós!
Por isso, mais do que oportuna a iniciativa do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região que, pela sua Comissão de Cultura, dá visibilidade a essa luta tão importante. Uma luta por um mundo onde caibam todos os mundos. O lançamento da exposição ocorreu no dia 7 de agosto de 2019, às 17h, com abertura para visitação no Espaço Lenir Heiner até 30 de agosto. Não percam! E aguyjevete para quem luta! Vida longa aos Mbya-Guarani!
Para entender melhor o caso: https://www.sul21.com.br/postsrascunho/2018/12/estado-abdica-de-processo-e-garante-posse-da-terra-a-retomada-mbya-guarani-em-maquine/
Sobre a Retomada Guarani na Ponta do Arado: https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/geral/2018/06/campanha-preserva-arado-manifesta-solidariedade-a-retomada-guarani-mbya/
Foto: Ana Barros Pinto