UNIDADE SOCIAL
O Projeto de Lei 4330 é o assunto do artigo de autoria do desembargador do Trabalho no TRT-RS, magistrado Ricardo Carvalho Fraga. Confira aqui o texto na íntegra.
A dificuldade de gestão da mão de obra é crescente. Muito mais do que organizar o trabalho de escravos analfabetos, cada vez mais, impõe-se a organização de trabalhadores livres e com instrução especial e geral.
A presença em sala de audiências por quase vinte anos, reforça a convicção de que algumas empresas optam por diversos modos de terceirização por esta dificuldade, mesmo sabendo do risco de que a almejada redução de custos termine não ocorrendo, até mesmo, pelo desacerto na escolha das empresas locadoras de mão de obra.
Longe está o tempo no qual inexistiam sindicatos e a defesa coletiva dos interesses dos trabalhadores. Superado está o período inicial de instituições estatais como a Justiça do Trabalho, no Brasil, e esta e outras similares em outros países.
A evolução, aqui apontada, certamente, leva os mais cultos a perceberem ser inadiável o esforço de harmonizar a sociedade em grau mais elevado de civilidade.
Entre estes, alguns já percebem que inexiste unanimidade nesta tarefa. A Ministra do Supremo Tribunal Federal Carmen Lucia Antunes da Rocha registrou que:
“O liberalismo atual não quer o Direito, não pode com ele, não sobrevive se o homem puder ter a sua dignidade insculpida no sistema normativo fundamental e assegurada pela estrutura institucional. Daí por que se chega ao início de um novo século e de um novo milênio sob o signo da luta pelo primado da garantia da humanidade como elemento de respeito absoluto para que a dignidade do homem seja assegurada e seja ele o valor maior de todas as formas de convivência justa”.
No Direito do Trabalho, muitos entregam-se a atividade de desregulamentar as relações de trabalho, ainda que isto fosse mais frequente nas duas últimas décadas do século passado.
O Projeto de Lei 4330, acaso aprovado, nas versões em debate no Congresso Nacional, neste momento, pode representar uma significativa fragmentação social ou, em palavras mais próprias da esfera jurídica, um incremento da fraude trabalhista.
A previsão de contratos de emprego com as empresas prestadoras de serviço, ao invés das empresas tomadoras deste serviço, sem dúvida, trará mais obstáculos e, em alguns casos, inviabilidades de um controle eficaz, por parte do Estado.
Em salas de audiência, já se vivenciaram inúmeros obstáculos para realização do chamamento das partes. Um número menor de audiências é realizado com apenas duas partes, empregado e empregador. Acaso aprovado Projeto de Lei 4330 maiores entraves serão enfrentados, já antes, pelos oficiais de justiça na procura dos litigantes.
Em recente debate, com público qualificado, chegou-se a ouvir a indagação sobre se a fiscalização, das empresas prestadoras quanto às mínimas obrigações trabalhistas e previdenciárias, exercida por tomadores de serviço, público e privado, seria “por amostragem”.
Nota-se que o título das presentes linhas provavelmente fosse “Fragmentação Social e Fraude”. Preferiu-se o registrado, por otimismo.
O otimismo refletido no título destas linhas é próximo ao expresso na conclusão de estudo, antes mencionado, da Ministra Camen Lucia:
A dignidade da pessoa humana é a prova de que o homem é um ser de razão compelido ao outro pelo sentimento, o de fraternidade, o qual, se às vezes se ensaia solapar pelo interesse de um ou outro ganho, nem por isso destrói a certeza de que o centro de tudo ainda é a esperança de que a transcendência do homem faz-se no coração do outro, nunca na inteligência aprisionada no vislumbre do próprio espelho. Afinal, mesmo de ouro que seja o espelho, só cabe a imagem isolada. Já o coração, ah! coração cabe tudo.”
Ricardo C. Fraga
Desembargador do Trabalho no TRT-RS
Em abril de 2015