Caderno 07
Apresentação
É com muito orgulho que apresentamos o 7º volume dos Cadernos da AMATRA IV, primeiro na atual gestão, mas todo ele calcado na experiência exitosa da Diretoria que recém findou seu mandato.
Trata-se de uma das principais ações desenvolvidas, qual seja, a realização do Encontro Regional da AMATRA IV, em Montevidéu, fora de nossas fronteiras. Foi uma oportunidade extraordinária de realizarmos um intercâmbio com o vizinho Uruguai, onde os juslaboralistas uruguaianos se qualificam como expoentes no direito laboral.
A presente edição, que retrata os principais momentos vivenciados no encontro, traz para todos nós e perpetua em nossas mentes, os discursos, a conferência de abertura, as palestras, a carta de Montevidéu e as teses apresentadas pelos associados na nossa AMATRA.
E faz também uma singela homenagem a todos aqueles que participaram deste grande acontecimento: da diretoria que deliberou em sua realização, dos palestrantes que o abrilhantaram, daqueles que o executaram e todos os assistentes, brasileiros e uruguaios. Materializamos a homenagem na pessoa do ex-presidente Ary Faria Marimon Filho, que com sua extraordinária visão de futuro e senso de oportunidade, o concebeu e realizou. Seu discurso, que abre esta obra, bem expressa seu profundo sentimento, seu grande conhecimento.
Agradecemos a todos os que participaram da elaboração deste caderno, dos juristas que cederam suas palestras, do editor e do conselho editorial que preparou esta edição, enfim, união de esforços para o crescimento de todos.
Que esta obra sirva de inspiração na organização do Encontro Regional de Córdoba, no próximo ano, quando nos reuniremos com juristas argentinos.
A vocês, caros leitores, boa leitura e boa reflexão, na certeza de que o intercâmbio com juristas de outros Países vai auxiliar na implementação dos direitos sociais em nosso Estado Democrático de Direito.
Luiz Antonio Colussi
Presidente da AMATRA IV
SAUDAÇÃO DA AMATRA IV
Ary Faria Marimon Filho
Presidente da AMATRA IV – Gestão 2006/2008
[*]A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul – AMATRA IV, entidade que comemora 42 anos de existência e congrega 380 associados, tem a grata satisfação de ver concretizado mais um sonho.
Quando de nosso último encontro regional, na cidade de Passo Fundo, RS, em outubro do ano passado, ousamos pensar em realizar o XIX Encontro de Juízes em cidade de país integrante do Mercosul. Montevidéu, capital da República Oriental do Uruguai, surgiu como uma unanimidade. Não pela proximidade, beleza e atmosfera da cidade, mas, sim, pelo encanto de seu povo, sua histórica hospitalidade e, no particular, pela tradição doutrinária no campo do Direito do Trabalho.
A nós era indispensável reunir a tradição e a modernidade, reavivar a firmeza dos princípios protetivos como fator recrudescente às tentativas de flexibilizar as relações trabalhistas aqui, no Uruguai, no Brasil e, por suposto, em toda a América Latina.
Ao conceber a parte científica do evento, decidimos que deveríamos apresentar, para muitos, algumas das mais importantes personalidades que, no último século, participaram, ativamente, da construção da história do Direito do Trabalho. Lutaríamos contra um princípio da ordem natural implacável: o tempo.
O Ministro Arnaldo Süssekind, prontamente, aceitou o convite feito e, ainda em junho, quando submetido a uma cirurgia cardíaca para implantação de um marca-passo, apressou-se em entrar em contato para dizer que estava tudo bem e que estava certo de que estaria em Montevidéu. Mas uma segunda e inesperada cirurgia, em meados de agosto, aliada à recomendação médica contrária, impediu-o de comparecer para realizar a conferência de abertura. Entretanto, a saudação que daqui a pouco os senhores e as senhoras assistirão, ainda nesta solenidade, dará pequena mostra da importância e da magnitude deste evento.
A conferência do Ministro Süssekind abordaria os princípios de Direito do Trabalho, e, com a impossibilidade de seu comparecimento, surgiu a oportunidade de convidar Hector Hugo Barbagelata, que aceitou o encargo de última hora, para honra e alegria de todos nós, da AMATRA IV. Ao Professor Barbagelata, nossa eterna gratidão, sendo preciso expressar tal sentimento, nesta oportunidade.
Ao montar a estrutura da parte científica deste Encontro, pensamos sempre em propiciar o intercâmbio, a troca de idéias entre culturas nem tão diferentes, o estreitamento das relações que mais e mais, a cada átimo de segundo, precisamos alcançar.
Se é bem verdade que o mundo caminhou, a passos largos, para a comunicação à distância, muito mais necessário será agir e dizer, constantemente, que os seres humanos precisam trocar informações pessoalmente, precisam medir a expressão da face e dos gestos, o que surte muito mais efeito do que a instantaneidade artificial da eletrônica. Por isso viemos a Montevidéu, porque precisamos escutar quem fez a história do Direito do Trabalho e precisamos, acima de tudo, reconhecer a ocorrência do momento histórico, no exato instante em que ele se constitui. Por isso aqui estamos para ouvir os seus ensinamentos, Prof. Barbagelata. Pessoalmente, não através da internet ou dos livros, que esses os temos a qualquer momento, ao alcance da mão.
Com os mesmos propósitos, ouviremos a defesa firme, positiva e intransigente, na acepção política da expressão, dos Valores Fundamentais do Direito Social do Trabalho, a ser realizada pelo colega e Juiz do Trabalho da 15ª Região, Jorge Luiz Souto Maior. Neste mesmo painel, José Fernando Lousada Arochena, magistrado que atua junto ao Tribunal Superior de Justicia da Galicia, Espanha, abordará o tema com enfoque nos direitos humanos e na análise das medidas que ameaçam estes mesmos primados. Em particular, cumpre esclarecer que o Juiz Arochena é uruguaio de nascimento, daqui tendo se afastado quando ainda criança. Mais do que um simples retorno, em verdade, trata-se de uma viagem de redescobrimento à sua pátria mãe.
Mas também nos preocupamos em permitir o debate sobre o direito coletivo do trabalho, os seus conflitos e implicações, a necessidade do convívio permanente, franco e transparente do capital e do trabalho para o estabelecimento ajustado das relações negociais. A solução coletiva dos conflitos é algo mais difícil de ser buscado, mas, sem dúvida, muito mais eficaz para o apaziguamento dos ânimos, tanto pelo seu caráter terapêutico como por se transformar em instrumento efetivo de prevenção de divergências internas entre a classe trabalhadora. Convidamos e não relutaram em aceitar os convites a Dra. Aldacy Rachid Coutinho, professora da Universidade Federal do Paraná, Procuradora do Estado, Mestre e Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná, e, ainda, Hugo Barreto Ghione, professor de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade da República uruguaia.
Por outro lado, os juízes precisam não apenas conhecer suas prerrogativas como exercê-las de forma rígida, altiva e serena. Sempre será preciso dizer que a vida em sociedade resume-se a um conceito abstrato que está, por isso mesmo, clamando o tempo todo pela vigilância permanente quanto ao funcionamento das instituições democráticas para que estas sejam fortes e independentes e para que, quando provocadas, ajam pronta e eficazmente. A sociedade somente acusa a necessidade de que seus juízes sejam independentes, justamente quando precisa da Justiça. E esta é acionada na iminência da lesão ou, então, quando a mesma já se implementou de maneira indelével e definitiva. E para que seja reparado o direito, a maior garantia da sociedade é a independência do Juiz. Escolhemos bem, novamente, os nomes dos dois palestrantes para o painel sobre “A Necessária Independência do Juiz”: Grijalbo Coutinho, Juiz do Trabalho em Brasília, capital do nosso país, combativo e incansável ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e, também, Alberto Reyes, Juiz uruguaio que determinou, em 1997, sob censura do Exército e confrontando o Poder Político, a abertura de investigação para apurar sobre a existência de dois cemitérios clandestinos destinados a presos políticos uruguaios.
Na próxima semana, a ANAMATRA comemora seus trinta anos de existência, de luta e de incansável defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Tal como faz a AMATRA IV, uma das primeiras associações de juízes surgidas no nosso país. E, no entanto, se hoje a nossa associação nacional tem reconhecida atuação no âmbito do Congresso Nacional e dos Tribunais Superiores, é porque lá atrás, quando era apenas uma pasta embaixo do braço dos seus dirigentes, havia sonhos a serem conquistados: da independência do juiz, da defesa do direito do trabalho e da cidadania. Pois a ANAMATRA considera que essa noção de protagonista no cenário político de um país precisa ser levada a todos os seus colegas magistrados trabalhistas da América Latina. E, assim, realizará uma reunião com os juízes do trabalho uruguaios, com a finalidade de convidá-los a participar desse grande movimento de integração da magistratura latino-americana.
Ainda em meio à preparação da logística para a realização deste evento, quando em visita ao Ministério do Trabalho desse país, em maio, tomamos conhecimento de que estariam, na ordem do dia, as discussões sobre reformas do processo laboral no Uruguai. Da mesma maneira, em nosso país, inicia-se discussão sobre o melhoramento do processo do trabalho, especificamente no que toca à parte da execução. Teremos o prazer de ouvir os ensinamentos de forma clara, precisa e brilhante, do Professor Oscar Ermida Uriarte, figura afável, de valor inestimável e que deve orgulhar profundamente essa Universidade, de cuja docência faz parte.
Mas estávamos conscientes de que, realizando um evento deste porte, na bela e acolhedora Montevidéu, era preciso aproveitar o máximo do que o Uruguai poderia nos oferecer. E, para abrilhantar ainda mais a parte cultural das palestras, convidamos o Senador Hélios Sarthou para falar sobre a Flexibilização e o Direito do Trabalho uruguaio. O processo de terceirização da mão-de-obra, em que o trabalhador não tem vínculo empregatício com a empresa, é apenas um dos ardis que têm provocado a precarização das condições de trabalho neste planeta. A indisfarçável diferença de tratamento social e econômico, sempre com a finalidade de tornar a empresa mais e mais lucrativa, impõe nefastos resultados à classe trabalhadora e, paradoxalmente, à própria economia, pois a queda do poder de compra dos salários gera, exatamente, a retração do consumo. Queremos saber com maior profundidade sobre como essa prática tão nefasta à distribuição da riqueza mundial se desenvolve no Uruguai e na América Latina. E teremos a oportunidade de conhecer a contundência e profundidade da oratória de um dos mais brilhantes e combativos juristas uruguaios.
Também tivemos a preocupação em abrir espaço para a discriminação da mulher no mercado do trabalho. A subjugação da mulher no mundo do trabalho atual é algo intolerável, que merece abordagem específica e especial. Não à toa, quando garantida a igualdade e a impessoalidade no processo seletivo, a mulher vence por sua obra e competência. “Somos mais juízas do que juízes”, dirão alguns, metafórica e episodicamente; mas, estatisticamente, o número de mulheres ocupando cargos supridos mediante a realização de concurso público já ultrapassa o de homens. Qual a razão, então, para que, na iniciativa privada, o salário da mulher seja inferior ao do homem ? Por que motivos, as mulheres ocupam apenas 3% dos cargos de gerência e de chefia no mundo do trabalho atual ? Será necessária uma política de quotas para a iniciativa privada ? Os senhores e as senhoras terão a oportunidade de obter algumas respostas a estas e a outras perguntas, ouvindo a Socióloga italiana Virgínia Zambrano, a Juíza uruguaia Rosina Rossi e a Procuradora do Trabalho no Rio de Janeiro, mas gaúcha de nascimento, Lisyane Motta.
As recentes alterações constitucionais relativas à competência da Justiça do Trabalho estão na pauta das associações de classe em nosso País. Crescemos em estrutura, em inovação tecnológica, estamos em busca de permanente atualização do conhecimento, em virtude das novas causas que passaram a fazer parte de nossa rotina diária, a partir da Emenda Constitucional 45. Nesse aspecto, o papel da AMATRA IV, assim como de suas co-irmãs, Brasil afora, é de propiciar as maiores condições para que eventos que abordem o estudo e a reflexão do juiz para a definição derradeira de nossas competências, no aspecto real, sejam realizados. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Ministra do Tribunal Superior do Trabalho, também retorna a sua terral natal, pois uruguaia de nascimento, para dividir a mesa com José Nilton Pandelot, Juiz do Trabalho em Minas Gerais, Presidente da Anamatra e, à época da promulgação da reforma constitucional que ampliou nossa competência, seu Diretor de Atualização Legislativa, com centenas de horas de experiência adquirida nos corredores das salas de comissões e plenário do Congresso Nacional.
No sábado, pela manhã, ocorre a tradicional assembléia geral da AMATRA IV, em que os associados irão debater e deliberar sobre onze teses que abordam os mais variados aspectos jurídicos. Desde já fica o convite para que os magistrados uruguaios assistam os debates, pois ricos em dialética e contraditório.
Não poderia encerrar este pronunciamento sem agradecer as instituições uruguaias que permitiram a realização deste evento. O Poder Judicial, o Ministério de Trabajo e Seguridad Social, o Colégio de Abogados Del Uruguay, a Escuela de Posgrado da Faculdad de Derecho da Universidad de la República e o Centro de Estúdios Judiciales del Uruguay, foram incentivadores de primeira hora e nos fizeram acreditar no sonho de realizar um evento em Montevidéu.
À Universidad de La República, que nos recebe neste belíssimo e acolhedor Salão Paraninfo, um agradecimento especial e o desejo de que seja firmado convênio que possibilite a nós, juízes do trabalho gaúchos, também freqüentá-la na condição de alunos.
Um agradecimento especial à Associación de Magistrados Del Uruguay, nas pessoas de Cristina Crespo e Anabella Damasco. Saibam todos aqui presentes que, não fosse o apoio da AMU não seria possível realizar, nesta ocasião, o nosso XIX Encontro Regional.
Agradecemos o apoio institucional do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região cujos integrantes compreenderam a importância do estabelecimento deste intercâmbio com a comunidade jurídica uruguaia, e, também, à Femargs, a escola dos juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul, a partir daqui, nosso braço e interlocutor para o estabelecimento de convênios com a Universidad de La República, Instituto de Posgrado e Centro de Estudos Judiciais do Uruguai.
Finalmente, agradecemos o trabalho incansável dos colegas Francisco Rossal Araújo, Valdete Souto Severo, Ben-Hur Claus e Luiz Aberto de Vargas, os quais, ainda que não integrantes da Diretoria, trabalharam arduamente na escolha dos temas e palestrantes e, conseqüentemente, na concepção final da programação científica.
Tudo o que conversarmos com os colegas uruguaios, os gestos e a hospitalidade do povo uruguaio, os cheiros, os gostos e os cenários de Montevidéu, não serão apenas sentimentos e imagens para alimentar a memória de cada um de nós; serão várias e várias fotografias, escritas com palavras em português e espanhol, que serão guardadas, para sempre, como mais uma página no álbum da história da AMATRA IV.
Muchas Gracias
[*] Discurso de abertura do evento, proferido em 20.09.2006.
SAUDAÇÃO DA ANAMATRA
Cláudio Montesso
Atual Presidente da ANAMATRA
[*]Presidente
Caros colegas gaúchos,
Pensei em abrir minha manifestação com a famosa frase do Capitão Rodrigo Cambará: “Buenas e me espalho. Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!” Mas não se deve brincar com essas coisas diante dos gaúchos, pois se pode ouvir, como ele ouviu de Pedro Terra, no monumental romance de Érico Veríssimo: “Pois dê!”, e eu teria que ficar arrumando desculpas de que não era bem isso, “peraí”, vamos conversar.
Sim, pois se os gaúchos podem muito bem ser um povo generoso, são também uma gente que não foge da luta. Que nos diga a história, que no dia de hoje relembra episódio perdido na poeira do tempo, mas que o orgulho e o anseio por democracia e liberdade de vocês não deixam esquecer: o início da revolta Farroupilha e que levaria à República Riograndense ou de Piratini.
Estranho que um fluminense, petropolitano da gema, criado sob o jugo cultural de ufanismo sobre o Império e seu tempo, seja escalado para lhes falar aqui e agora. É possível que, se vivêssemos há 160 anos, eu estaria formando fileiras com os imperiais e contra os farrapos.
Mas o tempo passa e tudo se modifica. O Império, tal como o conhecíamos, não existe mais, não há divisões entre nós de tão grandes proporções, mas apenas de idéias, ainda que os noticiários atuais deixem a impressão de que há uma quase conflagração no Brasil.
Curiosamente e sem qualquer provocação, porém, vocês decidiram realizar esse encontro em país amigo e vizinho, com quem os limites da fronteira foram, durante muito tempo, móveis, dependendo de quem tinha mais soldados para fazer avançar.
A América Latina parece ter olhado para o lado e se descoberto. O Brasil ainda precisa olhar mais para o lado, precisa seguir o exemplo gaúcho e dar os braços a sus hermanos latinos. Por culpa minha e da nossa prepotência, não posso falar aos amigos uruguaios na sua língua. E, por isso, peço-lhes minhas desculpas. Estou tentando corrigir isso.
Esse encontro, aqui em terras uruguaias, organizado, incentivado e alvo de campanha de publicidade sem precedentes do Presidente Ary, veio em boa hora e tem um quê de antecipação da nova frente de luta que a ANAMATRA está encampando e que, esperamos, na próxima semana, culminará na criação de uma Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho.
A ANAMATRA, criação e fruto do ideal de um gaúcho, protagoniza esse momento e convida a todos para, na próxima semana, estarmos em Brasília para as comemorações dos 30 anos de sua fundação e que representará também a criação dessa nova entidade.
Por uma coincidência feliz, também estamos comemorando, neste mês, os 60 anos da inserção da Justiça do Trabalho no Poder Judiciário do Brasil.
Por tudo isso, não me resta mais nada, a não ser renovar os parabéns aos colegas gaúchos, especialmente seu presidente, pela iniciativa do encontro além das nossas fronteiras e pela vanguarda que ele representa.
[*] Discurso proferido em 20.09.2006
Os princípios de Direito do Trabalho de Segunda geração*
Héctor-Hugo Barbagelata
Professor Emérito da Faculdade de Direito de Montevidéu
Doutor pela Universidade de Paris
SUMÁRIO
Introdução
1. Da Maturação do Processo de Constitucionalização e Internacionalização do Direito do Trabalho até a Concreção do Bloco de Constitucionalidade dos Direitos Humanos Laborais
2. Surgimento da Segunda Geração de Princípios de Direito do Trabalho e Estabelecimento de uma Tentativa de Enumeração
3. A Questão dos Conflitos entre o Bloco de Constitucionalidade Geral e o Particular dos Direitos Humanos Laborais
Considerações Finais
INTRODUÇÃO
A questão social, o surgimento do direito do trabalho e seu distanciamento do direito tradicional até a cristalização de um sistema próprio de princípios.
Em sua significação positiva, a expressão “Questão Social ou Questão Obreira”, que começou a ser usada por sociólogos e políticos desde meados do século XIX, teve a intenção de dar um nome a toda uma série de fenômenos que rodearam o processo de industrialização e particularmente a generalização das condições extremamente penosas de vida e de trabalho. As novas realidades atraíram rapidamente a atenção dos círculos acadêmicos, assim como de diversos setores sociais e, mais tarde, foram surgindo propostas de melhoramento de tais condições até chegaram aos legisladores e juristas.
De fato, a “questão social” teve diversas respostas que abarcaram denúncias lançadas por ativistas sociais como Flora Tristán (recentemente lembrada em uma novela de Mário Vargas Llosa) ou propagadas por prestigiados escritores de grande público como Charles Disckens ou Émile Zola. Do mesmo modo, podem ser citados poetas populares como Tomás Hood, autor de “Canção da Camisa”, que se difundia pelas ruas de Londres em meados do Século XIX, ou mais adiante, entre nós, nas letras de alguns famosos tangos.
A tais denúncias, somaram-se os resultados de pesquisas como a levada adiante por Dr. Villermé, em 1840, com os auspícios da Academia de Ciências Morais e Políticas de Paris, as quais colocaram em evidência, sem que fossem contestadas, as terríveis condições sob as quais viviam os trabalhadores industriais.
Durante o império do direito tradicional, representado de modo supremo pelo Código Civil francês e por algumas leis complementares, as respostas jurídicas se afastavam das grandes realidades. Era o tempo da “livreta obreira” (Lei 22 Germinal, ano XI), que impunha uma situação de dependência pessoal, e, particularmente, do art. 1781 do referido Código, prontamente imitado por vários outros, que priorizava os direitos do empregador, privando o trabalhador de toda defesa judicial. Eram tempos em que os contratos escritos com as devidas especificações e garantias eram raros e a obtenção de testemunhos para esclarecer a forma como eram rompidos ou mesmo os pagamentos efetuados, era praticamente impossível.
No referente às relações coletivas, a lei Le Chapelier e suas réplicas e variantes na Grã-Bretanha, Dinamarca, Alemanha, Espanha e outros países europeus e, mais tardiamente, a repressão jurídica e policial na Argentina, Brasil, Chile ou Venezuela, e em menor medida em outros países, dificultaram por bastante tempo a ação do movimento sindical.
É certo que desde o princípio do século XIX, em alguns países, foram ditadas as primeiras e tímidas leis para a proteção de crianças e mulheres, porém estas normas somente vão alcançar sua efetividade na Inglaterra, em 1833, com a criação da inspeção do trabalho. Um caso paradigmático é o da lei francesa de 1840, que o Ministro do Comércio apresentou ao Parlamento, como extremamente positiva, porquanto autorizava o trabalho das crianças desde os 8 anos de idade.
Em todo caso, os esforços dos Tribunais inferiores, como os Conseils de Prud’Hommes franceses ou similares italianos, para mitigar os efeitos da aplicação dos contratos de trabalho leoninos, chocavam-se contra as decisões das Cortes de Cassação. Estas, como com complacência anotava Barasa, em seu Tratado sobre o contrato de trabalho de 1900, anulavam as decisões que não se ajustavam a mais ortodoxa interpretação dos códigos civis.
Apesar das travas que lhe opunham as leis e a resistência patronal, desde meados do século XIX, começou a se desenvolver no ocidente da Europa e mais tarde na América Latina, um movimento obreiro que conduziu a introdução no mundo do trabalho de normas nascidas espontaneamente da confrontação das organizações dos trabalhadores com os empregadores ou suas organizações.
Por volta dessa mesma época, nas últimas décadas do referido século, alguns raros juristas transgressores como Antón Menger criticaram, agudamente, o ordenamento tradicional, enquanto que os sociólogos começavam não apenas a descrever a miséria dos trabalhadores, mas também intentavam conhecer e compreender as nascentes negociações entre as partes profissionais.
Estava faltando, todavia, o enfoque técnico-jurídico sobre as novas instituições, o qual começaria a concretizar-se em 1900, com o admirável estudo sobre os chamados “contratos de tarifa” de Philipp Lotear[1].
A doutrina laboral inicia, então, um longo percurso, mantendo uma vocação de ruptura com o direito tradicional, adotando um método diferente pelo qual se rechaçam as ficções e o intérprete mantém-se em contato direto com a realidade do mundo do trabalho, abandonando, como reclamava Georges Scelle em 1922, o emprego de abstratas “categorias jurídicas”[2]. Paralelamente, como deixava claro Gustavo Radbruch[3] em estudos e palestras, se configurava uma nova base filosófica para o Direito Social, que tão bem soube destacar, difundir e desenvolver, em nosso continente, Cesarino Junior[4].
Armado de seu recente aparato conceitual e metodológico, o Direito do Trabalho foi enriquecendo e afinando através de uma copiosa legislação material e processual (inclusive colacionada em muitos países em Códigos, consolidações ou leis gerais, de ambas as classes). Tudo isso foi complementado e aprofundado através dos constantes aportes da doutrina e da jurisprudência.
Em tais circunstâncias, em meados do século XX não era possível ignorar-se a autonomia técnica e docente do Direito do Trabalho (material e adjetivo). Como conseqüência natural, buscou-se identificar aqueles princípios que Miguel Reale define como fórmulas nas quais está contido o pensamento que rege uma disciplina legal ou instituto jurídico[5], e que o caracteriza e o diferencia dos demais ramos do direito, sem prejuízo de reconhecer, como o recorda Russomano, a propriedade da normativa laboral para o fundo jurídico geral[6].
A lista e as eventuais conotações dos Princípios de Direito do Trabalho, que originalmente se identificaram, alcançaram um importante desenvolvimento na América Latina, especialmente a partir da sistematização dos mesmos, formulada por Américo Plá Rodrigues. [7]
Inclusive, há poucos meses, a bibliografia sobre tais princípios se enriqueceu com um par de livros, publicados em homenagem ao referido autor. Um deles corresponde a jovens, porém, já reconhecidos laboralistas peruanos; em outro, colaboraram consagrados especialistas espanhóis e latino-americanos como Montoya Melgar, Ackerman, W. D. Giglio, Albuquerque, Pasco Cosmópolis, Murgas Torrazza e Morgado Valenzuela[8]. Uns e outros, à margem de discrepâncias sobre a natureza e características de alguns dos princípios propostos por Plá e sobre a extensão da lista dos que mereciam esta qualificação, detiveram-se e se aprofundaram sobre a significação do tema.
No Uruguai, a sistematização de Plá Rodríguez teve uma grande influência, servindo para cobrir os vazios da legislação, proporcionando aos juízes um guia a respeito dos fundamentos da disciplina. Tal influência é certificada plenamente nos Anuários de Jurisprudência Laboral, ao ponto que os princípios enumerados por Plá são tidos como axiomáticos.
No Brasil, a existência da CLT reduz a relevância prática e a autonomia doutrinária dos princípios clássicos de Direito do Trabalho, embora certamente, a questão é examinada com ênfase nas obras gerais da matéria. E existem importantes contribuições nos estudos particulares de Süssekind[9], Pinho Pedreira[10]; F. Márquez de Lima[11], W. D. Giglio[12], Pallares Moreira Reis[13], J. A. Rodrigues Pinto e R. Pamplona Filho[14], etc…
1. DA MATURAÇÃO DO PROCESSO DE CONSTITUCIONALIZAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO ATÉ A CONCREÇÃO DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS LABORAIS
Ao final da segunda década do século XX, a quase simultânea concreção dos processos de constitucionalização e de internacionalização dos direitos sociais, teve uma grande repercussão na doutrina especializada latino-americana. O interesse cresceu com a sanção da Declaração Universal dos Direitos Humanos e com a adoção dos Pactos Internacionais Complementares, assim como dos instrumentos regionais e comunitários da mesma classe, os quais continham importantes disposições sobre matéria laboral e de seguridade social.
A afirmação da juridicidade das disposições atinentes ao trabalho contidas nos instrumentos citados, e inclusive desde antes, nos convênios internacionais aprovados pela Conferência Internacional do Trabalho, não foi fácil[15]. Por muito tempo, primaram as idéias daqueles que não admitiam que as Constituições pudessem conter dispositivos desta classe, ou que simplesmente consideravam que eram normas juridicamente imperfeitas, ou meras aspirações incrustadas nos textos normativos a título meramente programático.
Não obstante, desde o último quarto do século vinte, cada vez mais ganha força a doutrina que reconhece a validade jurídica de tais disposições constantes dos instrumentos internacionais ou das constituições políticas, sob o entendimento de que não somente “constituirá um dever para o Estado legislar no sentido de tais disposições como, ademais, estas oferecerão um critério de interpretação do direito interno vigente e, a falta
de disposição do direito interno na matéria, terão um valor adicional”[16].
O reconhecimento da aplicação das normas constitucionais às relações entre particulares e não somente as que concernem às dos cidadãos com o Estado, foi também um processo longo, que num número crescente de países já se consolidou[17].
Deste modo, foi se chegando ao pleno conhecimento de que todas as normas sobre direitos humanos, quaisquer que sejam suas fontes, integram um sistema com hierarquia constitucional. A esse sistema normativo, os Tribunais Constitucionais e a doutrina latino-americana, tomando emprestada uma expressão cunhada pelo Conselho Constitucional Francês, porém ampliando seu conteúdo, deram o nome de “Bloco de Constitucionalidade dos Direitos Humanos”[18]. Desse modo, superaram-se antigas discriminações entre as normas internacionais, dissipando confusões e se está em vias de consagrar a idéia, que muito antes lançara Mario de La Cueva, de um Direito Universal dos Direitos Humanos.
O bloco de constitucionalidade concretizou-se em diferentes países, através de diversas fórmulas, que, em síntese, podem ser assim resumidas:
a) incorporação de uma gama de instrumentos internacionais sobre direitos humanos (sujeita a ampliações por via legal), ao próprio texto da Constituição. Tal o caso da Argentina e Nicarágua.
b) Formulação indireta, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do valor atribuído aos tratados ratificados (Espanha).
c) Reconhecimento explícito da abertura da enumeração constitucional a todos os direitos inerentes à pessoa humana, como é o caso, entre outras, das constituições do Uruguai (arts. 72 e 332) e Venezuela (art. 22 e disposições complementares).
Na Constituição atual do Brasil, além de constar uma norma análoga à uruguaia (art. 5º, Inciso LXXII, §§ 1º e 2º), a remissão se complementa e reforça com a definição do art. 1º, que qualifica o Estado como “Democrático de Direito”, com expressa menção à dignidade humana e ao valor social do trabalho (III e IV), ou seja, “a valoração do trabalhador, como trabalhador e como pessoa” que configuraria o que Russomano qualifica como “princípio áureo”[19]. Tudo isso se reafirma com o disposto no art. 3, I, que fixa como um dos seus objetivos, a criação de uma sociedade livre e solidária, assim como com o reconhecimento da prevalência dos direitos humanos (art. 4); a igualdade ante a lei e o princípio da não discriminação (art. 5º); a menção genérica ao direito social ao descanso e à Previdência Social (art. 6º); a valorização do trabalho humano como fundamento do ordenamento econômico, assim como a referência ao direito à existência digna conforme os ditames da Justiça Social (art. 170), e, finalmente, o primado do trabalho como base da ordem social e como objetivo o bem estar e a justiça sociais (art. 193).
2. SURGIMENTO DA SEGUNDA GERAÇÃO DE PRINCÍPIOS DE DIREITO DO TRABALHO E ESTABELECIMENTO DE UMA TENTATIVA DE ENUMERAÇÃO
Uma vez que se reconhece, com todas as suas conseqüências, que o Direito do Trabalho integra o sistema dos Direitos Humanos, e que nesse sistema consta o especificado com tal alcance no próprio texto da Constituição de cada país, também os instrumentos internacionais de toda classe, em particular os concebidos como econômicos, sociais e culturais que num determinado tempo convencionou-se chamar de segunda geração, assim como os incluídos nos convênios internacionais de trabalho, pode-se falar, com total propriedade, da existência de um “Bloco de Constitucionalidade dos Direitos Humanos Laborais”.
Sendo assim, o sistema dos Direitos Humanos Laborais e suas instituições, nos coloca na presença de um segundo elenco de princípios de Direito do Trabalho.
Dentro deste elenco de Princípios de Direito do Trabalho de Segunda Geração, situam-se, num sistema aberto a toda classe de progressos, tanto os Princípios Comuns do sistema geral dos Direitos Humanos (o qual assim é, sem prejuízo das particularidades respectivas) como os princípios próprios ou particulares deste ramo do direito.
Dentro dos princípios comuns ao sistema dos Direitos Humanos, importa destacar os que concernem a:
a) Princípio de complementaridade e interdependência de todas as normas sobre direitos humanos.
O conteúdo deste princípio não exige muitas explicações. Basta dizer, citando Vogel Polsky, que a totalidade dos instrumentos que concernem à mesma família de direitos e estão unidos na busca dos mesmos objetivos, deve ser considerada parte de um todo coerente e interdependente, embora procedam de distintos instrumentos[20].
Segundo se depreende da fundamentação de um caso oriundo da justiça argentina – que proporciona argumentos aplicáveis a todo ordenamento -, tal complementariedade implica, também, que nenhuma norma internacional “faz inaplicável outra de âmbito constitucional interno e vice-versa”.
b) Primazia da disposição mais favorável à Pessoa humana.
Tampouco requer muitos esclarecimentos este princípio que pode reputar-se implícito nas disposições do PIDESC e do PIDCP (art. 5.2 em ambos os pactos) e de outros instrumentos, que dão prioridade sobre as disposições desses tratados, às leis, convenções, regulamentos ou costumes, vigentes em um país, que reconheceram outros direitos fundamentais ou os regularam em Grau mais elevado.
Cabe sinalar que a primazia da disposição eventualmente protetora, resulta também afirmada nos arts. 8.3 e 22.3, respectivamente, dos Pactos Internacionais, a propósito da liberdade sindical e suas garantias, que estão reguladas pelo Convênio 87 de 1948 da OIT.
Assim mesmo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao analisar o art. 29, inc. B da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, não somente enunciou esse critério, como deixou perfeitamente esclarecidos seus efeitos no Direito Internacional e no interno de cada país[21].
Na Declaração Sócio-laboral do MERCOSUL também ficou consubstanciado que os “princípios e direitos na área do trabalho que passam a constituir” o são “sem prejuízo de outros que a prática nacional ou internacional dos Estados partes tenha instaurado ou venha a instaurar”.
c) Princípio da Progressividade.
A progressividade das normas sobre direitos humanos pode ser interpretada em dois sentidos.
Em um primeiro momento, a expressão refere-se à graduação admitida por vários instrumentos internacionais e por textos constitucionais para a aplicação das medidas adequadas, como admitia o art. 427 do Tratado de Versalhes.
Essa concessão a países insuficientemente desenvolvidos, foi incluída no PIDESC onde, com caráter geral, esclareceu-se que os Estados partes comprometiam-se a “adotar medidas” para “a plena efetividade dos direitos, até o máximo dos recursos de que dispunham”.
Em um segundo momento, a progressividade pode ser entendida como uma característica dos direitos humanos fundamentais, perfeitamente aplicável aos trabalhistas, como já o desejava ver estabelecido Emilio Frugoni, no discurso inaugural da Cátedra da Faculdade de Direito de Montevidéu, em 1926.
A esse respeito, é corrente que a ordem pública internacional “tem uma vocação de desenvolvimento progressivo no sentido de uma maior extensão e proteção dos direitos sociais”[22].
d) Princípio da irreversibilidade.
Um complemento do princípio da progressividade é a irreversibilidade, ou seja, a impossibilidade de que se reduza a proteção já acordada, a qual está reconhecida para todos os direitos humanos no PIDCP e no PIDESC (art. 4º de ambos).
Nesses dispositivos, consta que as leis que se promulguem posteriormente pelos Estados que ratificaram os Pactos, estão condicionadas em matéria de direitos fundamentais, pela obrigação de não contradizer o propósito de “promover o bem-estar geral em uma sociedade democrática”. Nessas condições, se coloca em absoluta contradição com tal princípio qualquer norma que prive os trabalhadores da fruição de direitos e garantias fundamentais que já tiverem sido previamente reconhecidos.
Este princípio viria a ser, ademais, uma conseqüência do critério de conservação ou não derrogação do regime mais favorável para o trabalhador, o qual pode reputar-se como um princípio ou regra geral no âmbito do Direito do Trabalho, desde que tenha sido consagrado no inciso 8º do art. 19 da Constituição da OIT e aceito universalmente.
e) Adequação aos critérios assentados pelos organismos internacionais competentes.
Este princípio estabelece que as normas contidas em um instrumento internacional devem ser aplicadas no âmbito interno na forma em que efetivamente são governadas no âmbito internacional, isto é, num todo de acordo com a interpretação que lhe dão os organismos internacionais. Ademais, devem ter em conta as circunstâncias concretas dos casos que motivaram os correspondentes ditames ou decisões e seu embasamento normativo.
Por conseguinte, não são assimiláveis a interpretações com o alcance assinalado, decisões de organismos não competentes para emitir ditames obrigatórios, assim como, tampouco, as meras referências ou menções, por exemplo, quando não vão acompanhadas de uma adequada fundamentação.
f) Presunção de auto-execução e auto-aplicabilidade.
Existem disposições previstas em instrumentos internacionais e, em particular, em normas internacionais de trabalho, que requerem uma implementação pelo direito interno, como naqueles casos em que devem ser criados e colocados em funcionamento determinados serviços.
Em outras situações, se trata de normas cuja juridicidade costuma ser colocada em dúvida, embora – como se mencionou antes – sejam cada vez mais numerosas e autorizadas as opiniões que reconhecem sua efetividade. Essa convicção conduz à adoção, em algumas constituições, de mecanismos de pressão aos organismos legislativos nacionais, para que não incorram em omissão quanto às regulamentações imprescindíveis para que os direitos consignados no “Bloco de Constitucionalidade” não se frustrem. Com essa mesma intenção, estão atuando alguns Tribunais Constitucionais.
Convém recordar que em sistemas como o uruguaio, a auto-aplicabilidade e a auto-execução das normas sobre direitos e garantias fundamentais, estão expressamente consagradas pelo art. 332 da Constituição.
Dentro dos “Princípios Próprios”, há alguns gerais de conteúdo filosófico, enquanto que outros se referem concretamente aos direitos dos trabalhadores na relação de trabalho.
A) Princípios gerais
a) Encaminhamento para a realização da justiça social, entendida como a situação em que esteja garantida, durante toda a vida de cada ser humano, a igualdade de efetivo acesso a toda classe de oportunidades laborais, assim como educativas e de formação, de atenção da saúde, culturais, de recreação, de bem-estar para os membros da família e para o resto da sociedade, etc.
b) Reconhecimento, com todas suas conseqüências diretas e indiretas, de que o trabalho não pode ser considerado pelo Direito como uma mercadoria.
c) Reconhecimento da inserção absoluta da Pessoa do trabalhador na atividade laboral, o que implica uma atenção especial à preservação de sua liberdade, sua integridade física e a independência de sua consciência moral e cívica.
d) Reconhecimento da imanência do conflito nas relações laborais, individuais e coletivas[23]
e) Reconhecimento das demais particularidades geradas pelas características das atividades, dos instrumentos utilizados, o meio como se executam, sua periculosidade e penosidade, etc.
B) Princípios concretos que devem reger as relações de trabalho
a) Proteção especial da lei e, conseqüentemente, de todos os organismos do Estado para todas as manifestações do trabalho e para todos os trabalhadores sem distinção alguma[24].
b) Garantia, sem discriminação de nenhuma classe, de condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho, que incluam entre outros extremos, os seguintes direitos[25]:
a’) Remuneração que permita satisfazer as necessidades físicas, intelectuais e morais.
b’) Condições dignas de trabalho.
c’) Saúde, segurança e higiene no trabalho e meio ambiente do trabalho.
d’) Estabilidade e promoção no emprego
e’) Limitação do tempo de trabalho, regulação dos descansos, do tempo livre e das férias, etc.
f’) Proibição do trabalho infantil e limitação e regulamentação do trabalho dos adolescentes.
g’) manutenção do emprego e a prestações econômicas nos casos de enfermidade e maternidade.
c) Recurso efetivo aos Tribunais de Justiça nos conflitos individuais de trabalho, o que obviamente implica uma magistratura especializada e a existência de um procedimento apropriado e gratuito, que assegure uma rápida resolução e execução das decisões adotadas.
d) Reconhecimento e garantias de liberdade e de ação sindical, incluída a negociação coletiva, os convênios coletivos e a greve.
e) Reconhecimento e efetivo cumprimento dos benefícios de seguridade social com especial referência a aposentadorias, pensões, prestações em caso de acidentes, enfermidades, falta ou perda do emprego etc.
f) Reconhecimento do direito à formação permanente colocada à disposição de todos os interessados, com os meios apropriados para fazê-la efetiva.
3. A QUESTÃO DOS CONFLITOS ENTRE O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE GERAL E O PARTICULAR DOS DIREITOS HUMANOS LABORAIS
O sistema dos direitos humanos, como qualquer outro, não pode ser concebido senão como um todo, cujas partes estão intimamente correlacionadas.
Dentro dele, os direitos humanos laborais específicos, assim como os não-específicos, coabitam com os demais de mesma natureza, sendo inevitável que se produzam conflitos entre uns e outros.
Assim, são freqüentes as situações geradas, especialmente, pelo exercício dos direitos sindicais – em particular pelas greves e fenômenos colaterais ou complementares, como a ocupação dos locais de trabalho, os piquetes, os pedágios etc. -, que podem afetar diversos direitos humanos fundamentais de outras pessoas, como o direito à saúde, à educação, à propriedade e seus derivados, inclusive ao trabalho dos não aderentes às medidas adotadas.
Em qualquer caso e com caráter prévio, é conveniente deixar claramente estabelecidos diferentes critérios que são válidos tanto a respeito dos conflitos entre diversos direitos humanos fundamentais, como dos que estão na órbita dos direitos humanos laborais.
Tais critérios podem ser resumidos da seguinte forma:
– Afirmação de que, como consta na Declaração de Viena de 1993, aprovada pela Conferência Mundial dos Direitos Humanos: “Todos os direitos humanos têm origem na dignidade e no valor da Pessoa humana. Esta é o sujeito central dos direitos humanos e das liberdades fundamentais pelo quê os seres humanos devem ser os principias beneficiários desses direitos e liberdades”.
– Aceitação do valor jurídico de todas as disposições que integram o Bloco de Constitucionalidade dos direitos humanos, sem prejuízo de que em alguns casos seja preciso contar com normas ou infra-estruturas complementares, como quando se trata de prestações de Seguridade Social, de formação, de saúde, de moradia etc.
– Igualdade de gama jurídica entre os direitos econômicos, sociais e culturais e os direitos civis e políticos.
– Aplicabilidade das normas constitucionais sobre direitos humanos às relações entre os particulares.
Na doutrina, têm sido identificadas diversas correntes que se aplicam para fundamentar as estratégias ou modos de encarar e resolver estes tipos de conflitos[26].
As referidas correntes podem ser resumidas da seguinte maneira:
A) As que atendem prioritariamente ao objetivo de evitar que tanto um como outro dos direitos humanos fundamentais em conflito sejam afetados em seu conteúdo essencial. Então, a legislação uruguaia (como a de muitos outros países), e alguns convênios coletivos, impõem aos trabalhadores, em caso de greve que afete os serviços qualificados como essenciais, a obrigação de estabelecer e assegurar, ou admitir que se estabeleçam ou mantenham, condições suficientes para garantir o mínimo indispensável ao gozo do direito afetado. Por óbvio, a determinação da essencialidade do serviço e a quota que deve garantir-se costumam ser motivo de amplas controvérsias entre os protagonistas das relações de trabalho. Realmente, sempre se estará no limite entre a insuficiência das condições que protejam o legítimo interesse de terceiros alheios ao conflito e a demasia do número de obrigados a manter as mesmas condições, ou até a própria não-essencialidade dos serviços que devem continuar funcionando. Assim mesmo, a proteção dos interesses de terceiros levadas a certos extremos, podem fazer perder a eficácia das medidas.
B) As que apelam a fazer valer o princípio da proporcionalidade, o qual implica um delicado juízo de valor não somente sobre a necessidade e utilidade de uma medida de união que afeta direitos dos empresários, senão também sobre a possibilidade de recorrer a outras ações menos duras e, ainda, sobre a razoável relação da medida com o dano que ocasiona. Sob esta série de considerações, a maioria das medidas de união e em especial as de greve, unicamente poderiam ser exercidas quando se tornam a única alternativa razoável para respaldar uma reclamação por tal meio. Assim tem sustentado, desde há muito tempo, a doutrina do BAG alemão para a qualificação da legitimidade de uma greve. Desde logo, em alguns países como Uruguai, esta doutrina não é aplicável para a solução dos conflitos coletivos, pois: a) não existe nenhum Tribunal de Justiça habilitado a entender este tipo de conflito, e, b) as greves não têm sido objeto de nenhuma regulamentação legal que sirva para classificá-las.
C) As que invocam concretamente certos princípios como o que manda que em todos estes tipos de conflitos e, fundamentalmente, no caso de contraposição com o direito de propriedade, prima a proteção do trabalho e os direitos que dele derivam. Também se invoca o chamado princípio pro homine, embora esse nem sempre resulte apto para definir, em cada caso concreto, o lado que deve ser favorecido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. Ambas as categorias de princípios, ou seja, os que podem qualificar-se como clássicos e os de Segunda Geração são dinâmicas e abertas a novas incorporações. Também se podem operar passagens da primeira para a segunda, na medida em que esta última lhes outorga uma nova e maior significação e imunidade.
2. Existe uma importante diferença de peso jurídico entre os princípios clássicos e os de Segunda Geração, contanto continue sendo aceita a subordinação dos princípios clássicos às contingências do direito positivo[27]. Por outro lado, os princípios de Segunda Geração, como derivam do Bloco de Constitucionalidade, são imunes às mudanças da legislação, pois são supra-legais, inclusive, supra-constitucionais, por serem inerentes à personalidade humana, como tem sido insistentemente sustentado em julgamentos feitos por Tribunais Constitucionais.
3. Em suma, assim como há uma segunda geração de Direitos Humanos, há uma segunda geração de princípios de laborais que presidem o desenvolvimento do Direito do Trabalho na busca de uma mais completa ou mais eficaz proteção de todos os trabalhadores.
* Conferência proferida em 20.09.2006. – Tradução Ary Faria Marimon Filho.
[1] I contratti di tariffa tra datori e prestatori di lavoro, in DLRI, núm. 22, Año VI, 1984 (pp. 313 a 392)
[2] Le droit ouvrier, Paris.
[3] …”La evolución hacia el derecho social, no la aprehendemos en toda su profundidad cuando, bajo el término derecho social, abarcamos simplemente un derecho que atiende a la seguridad y el bienestar de aquellos que son económicamente débiles. El derecho social reposa, mucho más que eso, sobre una modificación estructural de todo el pensamiento jurídico, sobre una nueva concepción del hombre; el derecho social es un derecho que se dirige, no al individuo sin individualidad, despojado de su especificidad, ni al individuo considerado como aislado y disociado, sino al hombre concreto y socializado. Sólo cuando el derecho envuelve un tal aspecto del hombre es que aparecen las diferencias entre poder e impotencia sociales, cuyo examen determina la marca evidente del derecho social”. (Radbruch, G. (1931), “Du droit individualiste au droit social”, in Archives de Philosophie du Droit et Sociologie, Cahiers III-IV, 1931, p. 388).
[4] Directo Social Brasileiro, 1. ed. 1940
[5] Apud P. M. Reis, op. cit.
[6] Curso de Direito do Trabalho, 6. ed., Curitiba, 1992, p. 31
[7] Los principios del Derecho del Trabajo, Montevideo, 1974; 3. ed, Desalma, Buenos Aires, 1998.
[8] En torno a los Principios del Derecho del Trabajo, Homenaje al Dr. Américo Plá Rodríguez, Editorial Porrá, México, 2005.
[9] Derecho Constitucional del Trabajo. Rio de Janeiro, 1989.
[10] Principiología do Directo do Trabalho. 2. ed., LTr, SP, 1997.
[11] Principios de Directo do Trabalho. LTr, SP, 1994.
[12] Equidad, in En torno a los Principios del Derecho del Trabajo, Homenaje al Dr. Américo Plá Rodríguez, cit., p. 187 y ss.
[13] “Principio de constitucionalidad…,” in rev. Forum Adm, núm. 55, 2005.
[14] Repertorio de Conceitos Trabalhistas. LTr, SP, 2000.
[15] A pesar de que ya en 1919, la Constitución alemana de Weimar, disponía en su art. 162: “El Estado acepta la reglamentación internacional de los derechos laborales, a favor de la clase trabajadora, considerándola como una aspiración mínima de derechos sociales”.
[16] Jiménez de Aréchaga, Justino, La libertad sindical, FCU-OIT, Mont., 1980, pp. 62-63.- En el mismo sentido, García de Enterría sostiene que “no existen en la Constitución declaraciones a las que no haya que dar valor normativo”(La Constitución como norma y el TC, Madrid, 1991, p. 71). Afinando la idea, Bidart Campos advertía que “no es igual el supuesto de cláusulas programáticas a cuyo funcionamiento sólo lo bloquea la ausencia de normas reglamentarias, y el otro en que resulta necesario contar con … infraestructuras [como en las prestaciones de SS y de vivienda]. En el primero, el juez puede suplir fácilmente la omisión reglamentaria y otorgar aplicación a la norma programática. En el otro, no será fácil ni sencillo” (El derecho de la Constitución y su fuerza normativa, EDIAR, Bs. As., 1995, p. 80).
[17] A este respecto, resultó de valor paradigmático el fallo del Tribunal Constitucional Federal de Alemania de 15 de enero de 1958, donde se sostuvo que los derechos fundamentales reconocidos por la Constitución, rigen también en las relaciones entre los particulares. (E. Carmona Cuenca, El Estado Social de Derecho en la Constitución, CES, 2000, p. 167.)
[18] Por ejemplo una sentencia del TC de Colombia que ha sido publicada en la en la rev. Derecho Laboral, Mont., XLVIII, núm. 197, marzo, 2000, p. 167).
[19] Curso, cit., loc. cit.
[20] La Europa Social, Madrid, 1989, pp. 79-80.
[21] Corte Interamericana de Derechos Humanos, O.C. 5/85, de 13.11.1985.
[22] Mohamed Bedjanui “Por una Carta Mundial del trabajo humano y de la Justicia Social”, en VV.AA., Pensamientos sobre el porvenir de la Justicia Socia, BIT, 75º Aniv.
[23] Según especificaba Sinzheimer en 1927 (“La esencia del derecho del trabajo”, en Crisis económica y derecho del trabajo, MTSS, Madrid, 1984, p. 74). En el mismo sentido, O.Kahn-Freund, afirmaba que: “Cualquier acercamiento a las relaciones entre empresarios y trabajadores resultaría infructuoso si la divergencia entre sus respectivos intereses no es abiertamente reconocida y articulada” (Trabajo y derecho, MTSS, Madrid, p.49). A su vez, Giugni, advierte que ningún asunto del ámbito laboral “puede ser separado del problema que yace bajo él, o sea el de las relaciones de poder dentro de la empresa” (rev. cit., p. 47).
[24] Como se sabe, el art. 157 de la Constitución alemana de 1919 (Constitución de Weimar) disponía: “La fuerza laboral está bajo la protección especial del Estado. Existe un solo derecho laboral”.
[25] La enumeración de este rubro se remite con pequeñas variantes a lo establecido por el PIDESC en su art. 7, así como en el Pacto de San Salvador.
[26] V. i..a.: Ronald de J. Chacín Fuentemayor, “La doctrina de Interpretación de los Derechos Humanos …”, in rev. Gaceta Laboral, Vol. 10, núm. 2/2004, pp. 165 y ss.
[27] En ese sentido, afirma categóricamente Plá Rodríguez: “un contenido nuevo en el derecho positivo…refleja que esos principios del Derecho del Trabajo no fueron inspiradores del derecho positivo, sino que fueron otros. En consecuencia la enunciación de los principios se debe modificar”. (Los s Principios… cit.., 3. ed. Actualizada, 1998, p. 28). El el mismo sentido, afirma Montoya Melgar: “El valor de los principios del Derecho del Trabajo es así relativo. Son lo que las normas legales quieren, y no al revés (las normas no vienen obligadas a ajustarse a los principio). Éstos, en fin, tienen un valor relativo, más que normativo, interpretativo e integrador” (“Principios y valores en el DT”, in En torno a los principios del Derecho del Trabajo- Homenaje a Américo Plá Rodríguez, Porrúa, México, 2005, p. 23).
Valores fundamentais do Direito Social*
Jorge Luiz Souto Maior
Juiz do Trabalho – SP
Titular da 3ª VT de Jundiaí – SP
Professor de Direito do Trabalho da USP
Este tema nos remete a uma indagação: afinal quais são os valores fundamentais do Direito Social? Não se pode responder a essa pergunta sem antes responder o que é o Direito Social.
Essa é uma discussão muito antiga, um tema discutido há muito tempo.
Na década de cinqüenta, Trueba Urbina falava del Derecho Social mexicano. Também na década de sessenta, o mesmo Trueba Urbina continuava a falar del Derecho Social mexicano.
E antes dele, na década de quarenta, Moisés Trancoso, publicava o livro Evolución del Derecho Social En América, relatando, na parte histórica deste livro, experiências dos impérios inca e asteca.
A expressão “Direito Social”, no entanto, caiu durante muito tempo no esquecimento, prevalecendo a idéia de que “social” todo direito é.
Hoje vemos uma tentativa de retomar a idéia de Direito Social e o mote deste encontro bem demonstra isso: a retomada da visão do direito do trabalho como ramo do Direito Social.
E por Direito Social quer se referir aos direitos humanos de segunda geração, formados a partir do século vinte, pela criação e difusão dos direitos sociais.
Entretanto, parece-me que apenas dizer que o Direito Social é uma conjunção das leis trabalhistas e previdenciárias, não serve para se saber o que é, realmente, Direito Social. É preciso que se tenha uma visão histórica, lembrando que o Direito Social está ligado à própria transformação do estado liberal em estado social, que acabou sendo o protagonista do que concebemos como política do bem estar social.
No estado liberal, havia uma dissociação entre moral e direito, coisa que até hoje, infelizmente, as faculdades fazem questão de ensinar.
O direito seria impulsionado pelo caráter obrigacional, enquanto a moral seria uma espécie de dever, cujo efetivo exercício dependeria, unicamente, da vontade dos indivíduos.
Como conseqüência, os postulados básicos de uma maior injunção do estado liberal são:
a) a preocupação com o próximo decorre de um dever moral. Tornar esse dever uma obrigação jurídica, elimina a moral, que deve existir como essência da coesão social.
b) todo direito obrigacional emana de um contrato. A sociedade não deve obrigação a seus membros, só se reclama um direito em face de outro com quem se vincule pela via de um contrato.
c) a desigualdade social é conseqüência da economia, e a igualdade também. Quando o governo procura diminuir a desigualdade, acaba acirrando a guerra entre ricos e pobres. Ricos, iluminados pela benevolência, buscam eliminar o peso do custo de tal obrigação, pobres com direitos tornam-se violentos.
d) a fraternidade é um conceito vago, que não pode ser definido em termos obrigacionais.
e) o direito só tem sentido para constituir a liberdade nas relações intersubjetivas, pressupondo a igualdade. Além disso, o direito não pode obrigar ninguém a fazer o bem para outra pessoa.
f) finalmente, em uma sociedade constituída segundo o princípio da liberdade, a pobreza por si só não fornece direito a ninguém.
Além disso, reconhece-se que a vida social no modelo liberal é cheia de dificuldades e cada um deve livrar-se delas. E, se isso impuser algum modo de agir, pode até gerar dano a alguém, mas, como foi na busca da satisfação do interesse individual, não imputará ao autor uma responsabilidade.
A concorrência é, então, a possibilidade de impunemente causar prejuízo aos outros. É claro que no Direito Social e no estado social que lhe é conseqüente, essa lógica se inverte.
E como ocorreu isso?
A partir do surgimento do modelo capitalista de produção, base de um modelo jurídico liberal com tendência de atingir escala mundial, percebeu-se a ocorrência de inúmeros problemas de ordem social. Desde o início do século dezenove, muitos já expunham suas preocupações com esse problema, mas apenas em 1889 eles começam a ser tratados com maior intensidade, quando o governo suíço propõe a realização de uma conferência diplomática para fixar as bases de um acordo internacional. No entanto, essa iniciativa não dá em nada, e apenas em 1791 ocorre a primeira conferência internacional na Alemanha, em Berlim, da qual participam 14 países para discutir a questão operária.
O insucesso dessa conferência foi absoluto, pois serviu apenas para constatar a impossibilidade de acerto internacional acerca dessa questão.
Mesmo assim, realizaram vários outros congressos.
Em julho de 1900, na exposição universal de Paris, ocorreu um congresso internacional para discutir a proteção legal dos trabalhadores.
Em 1902, houve um congresso internacional em Colônia, Alemanha, repetindo-se em 1905 e em 1906, sendo que, neste último, resultaram aprovadas duas proposições: a proibição do trabalho das mulheres à noite, acatada por 17 países, e a interdição da produção do fósforo branco, acatada por 14 países.
Novos congressos ocorreram em 1907, 1908 e 1912 e, concretamente, nada se fez em termos do que se propunha discutir desde 1889.
Como sabemos, em 1914 acabou ocorrendo uma guerra mundial que teve, entre outros motivos, o atinente à questão social. Não foi por acaso que ao final desta guerra, esses países resolvem dizer a si mesmos: – Vamos parar de brincar de fazer congressos, vamos regular essa questão!
E consta do Tratado de Versalhes de 1919 a consagração de princípio fundamental que mais tarde seria o nosso conhecido Direito do Trabalho, dispondo, o inciso primeiro do art. 427, que o trabalho não deve ser considerado como simples mercadoria ou artigo de comércio, mas como brotação livre e eficaz na produção da riqueza. Principalmente por se haver vivenciado os efeitos desastrosos dessa guerra, destruições, mutilados, mortos, órfãos, a sociedade se perguntou: e agora, o que fazemos com essas pessoas?
A partir de um modelo liberal, elas estavam fadadas a morrer e a sociedade, em conseqüência, fadada a não se reconstruir. Foi o que proporcionou a necessidade de uma mudança efetiva de postura quanto ao corpo social, e, consequentemente, uma mudança de postura quanto ao instrumento a regular, qual seja, o direito, atingindo, por via indireta, o responsável pela efetivação desse direito, qual seja, o Estado.
Nasce assim um novo modelo jurídico diferente do direito liberal, sobretudo em um aspecto, o de que a solidariedade social deixa o campo da ordem moral, para se integrar à ordem jurídica. Passa a se reconhecer que do vínculo social advém a responsabilidade de uns para com os outros, cabendo ao Estado a promoção de todos os valores que preservem a vida em sua inteireza, independente da posição econômica ou da sorte de cada um. Há, por assim dizer, a criação de uma fórmula para manter o modelo capitalista de produção, mas reconhecendo que o modelo jurídico-liberal não é capaz, por si só, de forma natural, de gerar paz e justiça para a sociedade. Assim, estabelece-se um novo padrão jurídico que traz a solidariedade do campo da moral para o direito.
Assim – para que fique bem claro – o Direito Social e seu conseqüente estado social, são produtos do modelo capitalista de produção, mas são, ao mesmo tempo, essenciais para a preservação desse modelo do ponto de visa da paz e da realização da justiça.
O alcance mais visível desse direito está nas normas trabalhistas e previdenciárias, porque se liga a esse conflito fundamental e essencial do modelo capitalista, que é a relação capital x trabalho.
Mas o Direito Social não se limita a essa regulação; pode e deve atingir todas as outras esferas da sociedade, o meio ambiente, a infância, o lazer, a vida, etc, como definido – se quisermos lembrar – no artigo sexto da nossa Constituição Federal brasileira.
Até mesmo valores intimamente ligados ao modelo liberal: a liberdade, a igualdade, a propriedade, são atingidos, dentro da esfera do Direito Social, por seus valores fundamentais e, consequentemente, pelo próprio estado social.
Prova disso, são as diversas proposições contidas na nossa própria Constituição
Federal, que limitam os direitos liberais e ao mesmo tempo priorizam os valores fundamentais do Direito Social.
Apenas para lembrar, o art. 1º, incisos III e IV, consagrando como princípios fundamentais da República a valorização social do trabalho e a proteção da dignidade humana. Também o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, art. 3º, inciso I; e que o Brasil se rege, nas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos. O art. 5º, inciso XXIII, estabelece que a propriedade atenderá sua função social. O art. 170, que fixa que a ordem econômica será fundada na valorização do trabalho humano e as necessidades de respeitar os ditames da justiça social.
Os direitos sociais, ademais, segundo Paulo Bonavides, foram por esta Constituição, transformados em cláusula pétrea. Diz ele “só uma hermenêutica constitucional dos direitos humanos fundamentais em harmonia com os postulados do estado social e democrático de direito, pode iluminar e guiar a reflexão do jurista para a resposta alternativa acima esboçada, quem tem, por si, a base de legitimidade aurida na tábua dos princípios gravados na própria Constituição”.
Pois bem, o fato é que o Direito Social não é apenas uma normatividade específica. Trata-se de uma regra de caráter transcendental, que impõe valores à sociedade e, conseqüentemente, a todo o ordenamento jurídico. Valores como a solidariedade, a justiça social e a proteção da dignidade humana.
A proteção desses valores se dá tanto no que se refere ao Estado, como propulsor das políticas de inclusão social e detentor da responsabilidade de tornar efetivas as normas jurídicas sociais, como também em relação a todos os cidadãos, nas suas correlações intersubjetivas. O Direito Social, portanto, não é apenas regulador das relações sociais, pois busca promover, em concreto, o bem estar social. A regulação não se dá apenas na perspectiva dos direitos ou dos efeitos dos atos praticados, mas, principalmente, no sentido de impor obrigatoriamente a realização de certos atos.
Importante ter em mente que embora o Direito Social influencie todo o ordenamento, há uma regulação específica que se aproxima de forma mais nítida, dos propósitos marcados pelo Direito Social, que são o Direito do Trabalho, o direito à seguridade social, e os direitos da personalidade: vida, educação, maternidade, infância, saúde, lazer, privacidade, honra, integridade física e moral, sobretudo quando interligados a relações trabalhistas jurídicas e previdenciárias ou quando pensados na perspectiva da inserção social. Ou seja, do ponto de vista do direito positivo, o Direito Social é um princípio de caráter normativo que impõe a todas as demais normas interligadas, os valores acima fixados. Sem esquecer que, no que se refere ao direito do trabalho, especificamente, os valores fundamentais a destacar são: que o trabalho humano não é mercadoria, e que se deve buscar a melhoria progressiva e constante das condições econômicas e sociais do trabalhador.
E não se trata de uma opção. Estando vigente um ordenamento jurídico pautado pela lógica do Direito Social, qualquer interpretação que ponha sobre esses valores outro valor, constitui um ato antijurídico. Não um ato antijurídico qualquer, pois diante das razões históricas da formação do Direito Social, a negação, em concreto, da vigência desses direitos ou desses valores, já que não nos é dado desconhecer a nossa história, representa, sem exagero algum, um crime contra a humanidade. E a forma mais comum de cometer esse crime é dizer que as normas do direito social têm caráter programático, que sua efetividade depende do respeito às possibilidades econômicas para fazê-las valer.
Do ponto de vista da normatividade jurídica imposta pelo império do Direito Social, a prioridade é impor a solidariedade e preservar a dignidade humana. Não se pode conceber a manutenção de direitos tipicamente individuais, sem que os direitos sociais estejam preservados. Se tivéssemos que impor algum sacrifício a algum valor jurídico, em razão de dificuldades econômicas, a proposição teria de ser no sentido de que se o sistema econômico não suporta a efetivação dos direitos sociais, precisamos rever o sistema econômico, e não colocar em sacrifício a efetivação dos direitos sociais. De forma mais clara, enquanto houver uma criança sem escola, pessoas passando fome, trabalho infantil, enquanto se conviver com trabalho escravo, enquanto os direitos trabalhistas forem repetida, impune e agressivamente desrespeitados, ninguém tem direito a invocar os direitos liberais, dentre os quais o direito à propriedade. É importante que coloquemos isso, que façamos valer essa lógica do ponto de vista da prevalência do Direito Social sobre os demais. Mostrar isso à sociedade, para que parcela desta não tenha de mostrar isso a nós, fazendo justiça com as próprias mãos, com o que nos tornaríamos reféns de nós mesmos.
Havia uma expressão pichada em um muro perto da UNICAMP: “Enquanto não houver justiça para os pobres, não haverá paz para os ricos”.
Por que em nossas proposições teóricas jurídicas, sempre o social sucumbe diante do econômico? Essa é uma reflexão importante. Se a humanidade consagrou como essenciais a sua sobrevivência pacífica, a preservação desses valores, como sobrepor a eles, outros valores de natureza econômica? Como dar eficácia jurídica à igualdade, do ponto de vista formal, à liberdade burguesa, à propriedade, e dizer que o Direito Social não tem eficácia? A quem serve isso? À manutenção da paz mundial certamente não é! A história assim nos ensina.
Está na moda dizer que os direitos trabalhistas constituem um desestímulo ao emprego. Então, passa-se por cima dos princípios e valores do Direito Social, e permite-se que um trabalhador preste serviços sem anotação da CTPS, sem vinculação à previdência, sem limitação de jornada, sem direito a férias, sendo que isso se autoriza por argumentos econômicos e se justifica por normas jurídicas alternativas: cooperativas, transformação do trabalhador em pessoa jurídica etc. Chega-se à inserção no próprio direito do trabalho, de antídotos, desvios dos direitos do trabalhador, que nós consideramos juridicamente válidos – e não são – como a terceirização, o banco de horas, trabalhos precários e tantos outros.
O fator econômico, que muitas vezes não passa de mero argumento que nunca se comprova, nega vigência ao Direito Social, e isso é feito como se nada estivesse ocorrendo. Se essa razão valesse, se a necessidade econômica valesse, todos os outros direitos estariam correndo risco de eficácia.
O fato é que não podemos considerar que o cumprimento dos valores fundamentais seja apenas dever de ordem moral. É muito importante que se tenha a percepção de que o ordenamento jurídico impõe, pelos motivos históricos que conhecemos, a prevalência dos direitos sociais.
Todos conhecem a história do Mercador de Veneza, escrita por Shakespeare, em mil e seiscentos, em que um mercador, buscando o cumprimento de um contrato, pretendia retirar alguns quilos de carne próximos ao coração do mercador. Questionado, diz que não precisa justificar seu direito, que pretende apenas seja cumprido o contrato, sob pena de restar abalada a segurança dos negócios. Nós sabemos que o tal direito foi tornado ineficaz, por uma interpretação da regra contratual. Uma interpretação que se baseou na intenção, num pressuposto principiológico, fixado no século dezessete por Shakespeare de preservar, sobre a segurança dos contratos, valores superiores da ordem humana. Pois bem, o que nós verificamos hoje, com esses argumentos de superioridade dos interesses econômicos, é o retorno – de forma inescrupulosa – da idéia do desrespeito aos direitos sociais, em homenagem a tal segurança jurídica dos contratos, para a satisfação dos interesses econômicos de pessoas ou grupos determinados que, apoiados em uma retórica tipicamente capitalista, tentam nos fazer crer que a satisfação desses interesses individuais traz benefício para todos.
Em muitas situações, a resposta do direito, infelizmente, equivale, em si, a entregar a carne das pessoas, para que esta ordem jurídica não se abale. Chega mesmo, em algumas circunstâncias, a ser agressiva a linha teórica, se não hipócrita, em que essa idéia se baseia.
Exige-se, publicamente, como esses dias o fez a Associação das Empresas Jornalísticas, mediante declaração contra a violência em São Paulo, o “império da Lei”, para preservação da ordem, da segurança, da liberdade, da propriedade, dos contratos, mas, ao mesmo tempo – bem se sabe, essas mesmas empresas não registram seus empregados, e o fazem abertamente, em um ataque à Justiça do Trabalho, quando esta efetiva ou busca efetivar o Direito Social do trabalho. Aliás, perdoem uma autocrítica, a própria Justiça do Trabalho, muitas vezes, se deixa impressionar por essas teorias, por essa retórica, e acaba funcionando como órgão legitimador dessas táticas anti-sociais: terceirização, cooperativa, transformação do trabalhador em pessoa jurídica, acordos como mera técnica de eliminar processos, banco de horas, contratos de estágio, e por aí vai.
Estamos mesmo muito impressionados, hoje em dia, com algumas idéias de natureza liberal, no sentido de que o emprego acabou, que existem novos paradigmas e que não havendo trabalho para todos, o que importa é o direito ao trabalho, a qualquer trabalho, sem importar, na verdade, quais direitos estão sendo ali consagrados.
Concretamente, em reclamações em que o reclamante pede verbas resilitórias de natureza alimentar que são reconhecidas pela devedora, concedo aos trabalhadores tutela antecipada, com base nos fundamentos até aqui elencados.
E esses empregadores não só tem a coragem de invocar seu direito fundamental de defesa, o direito de só serem condenados a pagar depois de cinco anos de um contraditório infindável, como, o que é pior, conseguem obter liminar com base num tal “perigo na demora”.
Que perigo é este de pagar aquilo que tem natureza alimentar, de caráter social, e que reconhece devido, desde logo?
Às vezes, parece mesmo que o Direito Social nem está vigente em nosso ordenamento e que a ordem jurídica ainda é a de Napoleão.
O desvirtuamento é tão grande que mesmo um valor fundamental do Direito Social – a solidariedade – tem sido apropriado pelo segmento econômico, servindo como mera estratégia de marketing.
Já ouviram falar sobre a tal responsabilidade social? A solidariedade é apresentada como favor, benevolência, caridade, boa-ação, como se não fosse prevista na Constituição Federal como uma obrigação de ordem jurídica de caráter fundamental.
Chega-se ao cúmulo de fazer propaganda em torno da responsabilidade social, a solidariedade como caridade, sem que sequer sejam respeitados os direitos trabalhistas dos próprios empregados.
A PETROBRÁS, por exemplo, tem em seu sítio na internet a declaração de que “toda empresa deve respeitar os direitos humanos, deve sempre verificar se não está sendo cúmplice da violação dos direitos humanos”, mas terceiriza uma enorme parte de seus serviços e nas defesas apresenta todos os argumentos jurídicos liberais possíveis: ilegitimidade, ausência de responsabilidade, limite do contrato, etc. São preliminares e preliminares pra dizer “não tenho nada com os direitos desse trabalhador”.
Em situação parecida, submeti o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para que se apure se a propaganda, enganosa como no caso da PETROBRÁS, constitui agressão à humanidade.
Ou seja, o que quero dizer é que, estando sob o império do Direito Social, conquista importantíssima da sociedade, nós não podemos falhar nessa tarefa de fazer valer a ordem jurídica social.
Sob nenhum pretexto podemos deixar de aplicar o direito em conformidade com os valores fundamentais do Direito Social. Pois quando não fazemos isso, mesmo sem querer, somos instrumentos daqueles que a doutrina francesa denomina de “capitalistas irresponsáveis”. Empresas que não pagam seus trabalhadores, que não os registram, que só dispensam por justa causa, que descumprem sistematicamente os direitos trabalhistas, e pedem à Justiça um apoio.
Ontem, em uma audiência, a advogada me disse “doutor, eu queria que o Sr. me desse uma ajuda, porque a empresa tem seiscentas audiências por dia”. Eu lhe disse “não tenho nada a ver com isso, não me peça solidariedade”.
As preliminares de defesa são cada vez mais agressivas, são invocações do direito liberal sobre o Direito Social.
Em São Paulo, as terceirizadas começaram a “reaparecer” nos processos, para que a responsabilidade não seja diretamente direcionada às tomadoras. E essas empresas estão sendo constituídas de forma fictícia, não existem em concreto, e a Justiça está engolindo isso. Não sabem onde fica ou quem compõe a empresa. A carta de preposição muitas vezes é repassada pelo Advogado da própria tomadora. É a esse tipo de gente que nos aliamos, quando deixamos de aplicar o direito social do trabalho.
E não podemos acreditar que todo capitalista seja assim. Pelo menos, é o que dizem em suas declarações os institutos ABRINC, entre outros.
Já passou da hora de mudarmos essa história. O primeiro passo é não ter vergonha de mudar nossa própria postura.
Algumas vezes, converso com algumas pessoas, elas se convencem, mas não mudam por vergonha de voltar atrás.
Ora, não temos compromisso com nossos erros. Temos compromisso com o futuro. Por isso, a cada argumento que aprendo com os colegas, que leio, que verifico com decisões ou proposições jurídicas que implicam ampliação da efetivação do Direito Social, eu aplico imediatamente.
E deixo aqui quatro idéias ou proposições, que deveríamos começar a fazer amanhã:
a) assegurar o direito contra a dispensa arbitrária;
b) fixação em concreto da limitação do contrato de trabalho para todos os trabalhadores, em todos os níveis;
c) acabar juridicamente com a terceirização; e,
d) punir exemplarmente as empresas que descumprem deliberadamente, com propósito econômico, os direitos trabalhistas. É o mínimo que podemos fazer.
O banco HSCB está perguntando pelo mundo afora, “o que você faria por um mundo melhor?”.
Pois então, nós do Direito, sobretudo os Juízes do Trabalho, podemos afirmar que consideramos que a solidariedade é um direito, assim como a Justiça social.
Acreditamos na proteção da dignidade humana, na noção de que o trabalho humano não é mercadoria e de que as normas trabalhistas têm por finalidade melhorar progressiva e constantemente a condição social e econômica dos trabalhadores.
Ou seja, nós – Juízes do Trabalho – por um mundo melhor, faremos valer, em concreto, os direitos sociais.
E porque fazer isso? Por que fazer valer os direitos sociais não tem preço e porque la vida es ahora.
* Palestra proferida em 21.09.2006.
Valores fundamentais de Direito do Trabalho*
José Fernando Lousada Arochena
Magistrado no Tribunal Superior da Galícia, La Coruña
Meu agradecimento, antes de tudo, à AMATRA IV por seu convite para participar do XIX Encontro dos Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul, esse ano celebrado em Montevidéu, e, por extensão, meu agradecimento e também minha carinhosa saudação aos queridos colegas do Brasil e do Uruguai, que tornaram possível uma viagem que tanto me permite fazer novos amigos, como voltar a ver os velhos amigos da Aula Iberoamericana de Direito do Trabalho de A. Corunha.
Por que, em pleno Século 21, falamos dos valores fundamentais de um ramo do Direito com mais de 100 anos como é o Direito do Trabalho? Sempre se fala das coisas quando estão em crise e, no século XXI, como ocorria desde as últimas décadas do século XX, encontram-se em crise os valores fundamentais do Direito do Trabalho. Não é difícil diagnosticar a causa das crises, e é algo facilmente conhecido: a globalização econômica. Me afastarei, e quero deixar bem claro, desde logo, de considerações metajurídicas sobre a bondade ou maldade da globalização econômica. Como quase tudo que fazemos, a globalização nos oferecerá aspectos positivos e negativos. Em todo o caso, a gobalização econômica é uma realidade e, neste foro, me parece mais pragmático, partir do que ela representa e é e, não do que gostaríamos que ela fosse.
Ainda que folgadamente conhecido o diagnóstico, deter-me-ei, em princípio, a detalhar as conseqüências da globalização econômica, as quais nos ajudarão a concretar vias de recrudescimento jurídico frente a seus aspectos negativos, que, justamente, se acumulam no âmbito social e que, justamente, são os detonadores da crise dos valores fundamentais do Direito do Trabalho.
Os mecanismos de intervenção das autoridades nacionais sobre o comércio internacional – por exemplo, os impostos, determinação oficial do câmbio da moeda nacional –, que, no século XX e até os anos setenta, eram utilizados para salvaguardar o mercado interno, vão sendo eliminados, progressivamente, desde os anos oitenta, com o impulso das correntes políticas neoliberais, o que, no momento atual, permite falar de um mercado globalizado, isto é, de dimensão mundial, submetido, exclusivamente, à lei da oferta e da procura.
O mercado globalizado obriga as empresas a uma competição mundial e a oferecer os melhores produtos ao menor preço. A melhora da competitividade leva-as a adotar drásticas medidas: “downsizing – outsourcing – reorganizing “, ou, o que dá no mesmo, reduzir – mudar-se – reorganizar. Resultado, “(uma) fábrica … ligeira, ágil, mínima” que, “para obter essa invejável silhueta, sofre uma dieta de adelgaçamento que se traduz em agilização das plantas e redução dos efetivos” (A. Baylos Grau).
Se a livre competição internacional é, por si só, dura, à sua dureza é incrementado um dado adicional: os países em vias de desenvolvimento permitem, em não raras ocasiões, a exploração laboral – através do trabalho forçado ou semiforçado, a utilização de crianças, as más condições de saúde laboral, a criminalização dos sindicatos, os salários de fome e as jornadas exaurientes –, e a devastação ecológica como instrumentos de competitividade.
Para evitar o desmantelamento industrial e o castigo dos inversores internacionais, as autoridades nacionais, desprovidas dos tradicionais mecanismos de intervenção, limitam-se a facilitar a competitividade das empresas, fazendo-o, também, com drásticas medidas: redução de impostos e de cotas sociais, diminuição das prestações de seguridade social, privatização das empresas públicas, flexibilização do mercado de trabalho. Desse modo, alteram-se os equilíbrios alcançados com o Estado do Bem Estar.
A flexibilização do mercado de trabalho, no qual nos deteremos com mais detalhe, se opera vertical e horizontalmente.
Se fala de flexibilização vertical ou segmentação do trabalho, quando as leis permitem a prestação de serviços por conta alheia através de fórmulas jurídicas estranhas ao contrato de trabalho: trabalhadores autônomos – dando lugar à curiosa figura do autônomo dependente – , arrendamentos de serviços, etc.
Também quando as leis, sem se socorrer de fórmulas jurídicas estranhas, permitem a degradação das modalidades de contratos de trabalho: contratos temporários e a tempo parcial, trabalho a domicílio, empresas de trabalho temporário.
Se fala de flexibilização horizontal ou desregulação do trabalho, quando as leis eliminam as proteções da relação laboral típica, bem como o acesso ao emprego – flexibilização de entrada, como a ampliação do período de experiência –, bem assim durante o contrato – flexibilização do conteúdo, como o incremento do jus variandi empresarial –, ou, finalmente, quanto ao término do contrato – flexibilização da despedida, como a redução ou eliminação das exigências para a despedida do trabalhador –.
Ocasionalmente, ademais, se geram, à margem da legalidade, importantes contingentes de “trabalho informal”. Os teóricos do mercado consideram-no uma natural conseqüência da rigidez normativa, e, em conseqüência, um argumento para novas flexibilizações. E acaso desregular limitadamente seja uma solução. Porém, essa solução é somente aparente porque nos conduz a uma nova questão e é até onde deveria chegar uma desregulação.
Acrescente-se as incidências do progresso científico, sobretudo das novas tecnologicas da informação e da comunicação – as denominadas TIC –, que, de um lado, facilitam determinadas exigências do processo de globalização econômica – por exemplo, a exteriorização de serviços mediante o teletrabalho –, e, de outro lado, atuam diretamente sobre a relação laboral – por exemplo, os controles audiovisuais ou o uso de dados laborais automatizados.
Deste modo, o Direito do Trabalho acomodou-se – ainda que varie o grau de acomodação para cada país e para cada momento – às exigências do mercado global, uma coisa que realmente não deveria causar estranheza porque o Direito do Trabalho instrumenta, juridicamente, as relações de produção no sistema capitalista. Se se modificam as relações de produção, o Direito do Trabalho não pode resistir à mudança. Se adaptar às mudanças é, se bem examinado, sua garantia de permanência como um ramo do Ordenamento Jurídico.
O Direito do Trabalho evolui em três linhas diferentes: a) “a exigência de uma maior flexibilidade na regulação das relações de trabalho … (a qual) não pode ser somente de conteúdos reguladores senão também de instrumentos normativos”; b) “um papel cada vez mais relevante à formação”; c) “potencializar o jogo dos mecanismos de participação e de colaboração no âmbito das relações laborais” (F. Durán López).
Dito, resumidamente, o Direito do Trabalho se considera, na época da globalização, um instrumento de competitividade. Sua validez metajurídica vai depender exclusivamente de si, se se facilita ou se não se facilita a competitividade. Tal formulação é, a meu juízo, muito simplista. Como o é o contrário de negar-se a admitir toda a influência da Economia no Direito do Trabalho.
Historicamente, o Direito do Trabalho tem sido uma síntese da ideologia capitalista – tese – e das ideologias sociais – antítese. A par disso, satisfaz, reciprocamente limitados, os interesses empresariais e os dos trabalhadores, em oposição inevitável. Tal combinação do elemento econômico e do elemento social é a que, sem dúvida alguma, determina todo o êxito, como meio de paz social e como disciplina jurídica, do Direito do Trabalho.
As exigências de justiça social, sem embargo, não se situam atualmente nas mesmas trincheiras. Já não é factível a defesa de normas protecionistas, ou, melhor dito, de normas excessivamente protecionistas. Agora, as novas trincheiras da justiça social se situam, basicamente, no âmbito dos direitos fundamentais do trabalhador, garantindo um trabalho digno. Trabalho flexível, porém digno, se poderia considerar o lema do novo Direito do Trabalho.
O anterior nos conduz a uma enumeração não exaustiva dos direitos fundamentais com incidência na relação laboral – e a algumas abordagens sobre os aspectos de mais atualidade no direito laboral espanhol que realizarei na intervenção oral e que constam, com maior extensão, nos diversos anexos que cito ao pé da página e que, para melhor análise, coloco à disposição da organização do evento:
a) a tutela antidiscriminatória por razão de sexo/gênero, que obriga a revisão da totalidade das normas laborais[1], e por quaisquer outras formas de discriminação –
raça, idade[2], nacionalidade[3], ideologia, orientação sexual.
b) a aparição no seio das relações laborais de novas exigências do princípio de igualdade e respeito a trabalhadores atípicos – contratos temporários, a tempo parcial[4], trabalho a domicílio, ou empresas de trabalho temporal[5].
c) os direitos de liberdade sindical e greve como direitos humanos especificamente trabalhistas cujo conteúdo e eficácia, muito longe de petrificarem-se, se adaptam constantemente às novas situações das relações laborais[6].
d) o direito à vida e à integridade do trabalhador, a preservar mediante uma adequada política de seguridade e higiene no trabalho, destacando o aspecto de integridade moral – riscos psicossociais[7], assédio moral e sexual[8].
e) a liberdade de trabalho através da proibição do trabalho forçado ou semiforçado, proteção dos menores, ou a erradicação do emprego informal.
f) os direitos fundamentais mais clássicos adquirem nova vigência, como a intimidade pessoal – controles médicos, testes de acesso ao emprego, a liberdade de consciência – objeção de consciência –, ou a liberdade de expressão.
g) os direitos fundamentais de terceira geração derivados da incidência no âmbito laboral das tecnologias da informação e da comunicação – controles audiviosuais, automação de dados [9].
h) a proteção frente à represálias pelo exercício dos direitos – Sejam fundamentais ou não – se constitui em uma cláusula que encerra grande importância[10].
Reconhecimento de direitos fundamentais que, se não queremos que se convertam em uma idéia mais ou menos romântica, deverão ser acompanhados das devidas garantias processuais que afastem sua tutela, nos órgãos judiciais, dos rígidos formalismos e das demoras injustificadas dos processos ordinários[11].
Não que com isso estamos dizendo que o trabalho digno se alcance exclusivamente com a proteção dos direitos fundamentais com incidência na relação laboral. Uma certa dose de normas não excessivamente protecionistas é absolutamente necessária para não cair em uma eticamente indefensável desestruturação ameaçadora da paz social. A tendência geral à estabilidade no emprego, um salário adequado, ou a caracterização do jus variand empresarial, complementadas com uma proteção social adequada, entrariam em uma enumeração evidentemente não exaustiva. Tais proteções são – se não queremos reconhecer como boa a crítica leninista de “liberdades, para quê? – o sustento do exercício de todos os direitos fundamentais, de onde, como complemento, novamente estes se elevam no limite das flexibilizações laborais.
Se algo se pode concluir do que foi dito é que, nos últimos anos e nos próximos, a flexibilização das relações laborais é um imperativo econômico que aniquila o tradicional entendimento do elemento social na configuração do Direito do Trabalho. Dito elemento – ainda que não se elimine de modo absoluto o componente protecionista – se deve situar principalmente na proteção dos direitos fundamentais do trabalhador com incidência na relação laboral. Aí cumprirão com uma dupla função (S. Del Rey Guanter):
a) uma função unificadora, enquanto se aplicam à totalidade dos trabalhadores, sejam indefinidos a tempo completo ou seja trabalhadores atípicos.
b) e uma função inovadora, enquanto com sua aplicação no âmbito das relações laborais se recriam os direitos e obrigações das partes – por exemplo, a rescisão por parte do empregador no período de experiência, considerada libérrima, se vê limitada se é discriminatória; os controles médicos do trabalhador, tradicionalmente obrigatórios, se consideram, hoje em dia, voluntários; a ruptura do princípio “cumple e recurre” para admitir o “ius resistentiae” do trabalhador às ordens da empresa que vulneram direitos fundamentais.
A “constitucionalização” do Direito do Trabalho, entendida como “o impacto da Constituição nas relações laborais”, é, e vai seguir sendo, uma linha evolutiva do novo Direito do Trabalho (A. Martín Valverde).
Como se consegue melhorar a situação dos direitos fundamentais na relação laboral? Aqui está, sem dúvida, a “mãe do cordeiro” porque não existe nenhuma solução milagrosa que, com pouco esforço, consiga grandes resultados. Pelo contrário, o habitual é encontrar muito esforço com pouco resultado. Não obstante, o caminho dos direitos humanos, ainda que lento, resulta inexorável.
Não tenho tempo para entrar em detalhe na análise dos diversos mecanismos de legalidade internacional e interna utilizados para objetivar as melhorias sociais, ainda assim assinalarei as deficiências das mais significativas.
a) a normativa internacional, especialmente da OIT, se aplica somente aos países que voluntariamente a assumam, e, ainda assim, com respeito aos países que firmam um convênio, os mecanismos de cumprimento são sempre de escassa eficácia.
Buscando superar esses obstáculos, em 1998, foi construída uma Declaração relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, aplicável a todos os membros. Porém, se mantém o outro obstáculo: os defeitos de coercibilidade.
Quem sabe superaria esse outro obstáculo, com cláusulas sociais nos tratados de comércio. Mas o risco de um neo proteccionismo impediu o acolhimento dessas cláusulas no âmbito dos tratados multilaterais – el GATT ou a OMC.
Sim, existem algumas cláusulas sociais em tratados regionais e bilaterais de comércio negociados pelos EUA ou pela UE. Porém, tendem a ser muito gerais – às vezes sem referência a direitos laborais –, e com carências na coercibilidade.
b) Os sistemas de preferências. Alguns países – como os EUA ou, em menor medida, a UE – têm utilizado sua política comercial como mecanismo de fomento dos direitos laborais, e em geral dos direitos humanos, de outros países.
Seus resultados não têm sido espetaculares, porém alguns se poderiam relatar. De todo modo, estes sistemas têm sido utilizados em algumas ocasiões – não carecendo citar exemplos – com fins políticos distintos à defesa dos direitos humanos.
c) A conseqüência do trabalho sindical e, sobretudo, da pressão social, tem proliferado códigos empresariais de boas práticas, surgindo assim a denominada responsabilidade social das empresas. Porém, seus defeitos são vários:
c.1.) São medidas de assunção voluntária e geram situações asimétricas porque cada empresa pode oferecer distintas práticas sobre direitos humanos.
c.2.) Seus mecanismos de controle de efetividade são limitados, e inclusive, às vezes, geram rejeição dos próprios trabalhadores do país onde se deveriam aplicar.
d) A utilização de demandas no país de origen contra companhias multinacionais pelos desmandos cometidos em outros países é uma via que, nos EUA, tem sido explorada por alguns advogados defensores dos direitos humanos, com alguns resultados de grande repercussão midiática – alguns, quem sabe, se recordarão do caso das trabalhadoras ordenadas a desfilar nos banheiros e gravadas em vídeo; o do caso de um pesticida causador de esterilidade utilizado em uma filial costarriquenha; ambos casos acabaram em conciliação com compensação de vários milhões de dólares.
Mais efetiva, sem dúvida, que esses mecanismos que provêm de fora do país onde se hão de melhorar os direitos laborais, me parece o trabalho que, dentro de cada país organizado em democracia, podem realizar os cidadãos através de seu direito ao voto, de um consumo responsável, de sua atividade sindical ou de sua participação política. E, se sofrem uma injustiça, não deixando-a consumar porque, como há muito dissera Rudolf von Ihering, quem luta por seu direito subjetivo beneficia a todos ao aplicar o direito objetivo.
Se me é permitido aduzir algo mais, e tendo em conta que, como juízes de países democráticos, estamos submetidos a textos constitucionais onde se reconhecem os direitos humanos, nos corresponde uma responsabilidade superior que é a de aplicar os direitos humanos sem decepcionar a esse litigante cuja aspiração máxima é fazer valer seus próprios direitos humanos. Eu desejo que todos e todas – e eu mesmo me incluo – saibamos, quando exercemos nossas responsabilidades jurisdicionais, dar a resposta que esse litigante merece.
* Palestra proferida em 21.09.2006. – Tradução Ary Faria Marimon Filho.
[1] Una revisión de la totalidad de las normas laborales consecuencia de la aplicación del principio de transversalidad. He adjuntado los archivos de varios estudios: (1) “La Directiva 2002/73/CE, de 23 de septiembre de 2002: Una aproximación a su contenido y a sus exigencias de transposición”, donde se analiza la incidencia del principio de transversalidad sobre la relación laboral y el contenido de una directiva comunitaria cuya transposición acometerá la futura ley española de garantía de la igualdad entre mujeres y hombres, actualmente en trámite parlamentario de aprobación (Anexo 01). (2) “El informe sobre el impacto de género en la elaboración normativa”, un estudio general no sólo referido al derecho social (Anexo 02). (3) “La aplicación judicial por la jurisdicción ordinaria del principio de igualdad de retribución entre mujeres y hombres” (Anexo 03). (4) “Las garantías sustantivas de ejercicio de los derechos de maternidad y de conciliación”, donde se analiza la discriminación por maternidad / paternidad (Anexo 04). (5) “La individualización de los derechos a la pensión de vejez en Alemania y en España” examina una aplicación concreta del principio de transversalidad en el ámbito de la Seguridad Social (Anexo 05). (6) “Aspectos laborales y de Seguridad Social de la violencia de género en la relación de pareja”, comentando la ley española sobre protección frente a la violencia de género (Anexo 06).
[2] La discriminación por edad es, a causa de la reciente ley sobre cláusulas negociales de jubilación forzosa, un tema de plena actualidad en España, que analicé en “La nueva regulación de la jubilación forzosa” (Anexo 07).
[3] La discriminación por nacionalidad nos conduce al examen de “Los derechos de los trabajadores extranjeros irregulares”, un estudio que realicé con el Catedrático de Universidad Jaime Cabeza Pereiro (Anexo 08).
[4] “El marco normativo comunitario y constitucional del Real Decreto Ley 15/98, de 27 de noviembre: Sus líneas de tendencia”, que es un capítulo del libro “El nuevo régimen legal del trabajo a tiempo parcial”, que escribí con el Catedrático de Universidad Jaime Cabeza Pereiro, explica la relaciones del trabajo a tiempo parcial con el principio de igualdad y con la prohibición de discriminación sexista (Anexo 09). En “El contrato de trabajo a tiempo parcial y la Seguridad Social: Puntos críticos” analice esas mismas relaciones en el ámbito más limitado de la Seguridad Social y con ocasión de algunas recientes sentencias de nuestro Tribunal Constitucional (Anexo 10).
[5] “Las empresas de trabajo temporal: Puntos críticos” (Anexo 11).
[6] “La Sentencia 281/2005, de 7 de noviembre, del Tribunal Constitucional, o la carta de bautismo de los ciberderechos sindicales” nos demuestra como, en efecto, el derecho sindical se recrea día a día (Anexo 12).
[7] Los riesgos psicosociales pueden generar el suicidio del trabajador, y si es o no accidente de trabajo, lo examine en “El suicidio como accidente de trabajo (Un comentario a la STSJ/Galicia de 4 abril 2003)” (Anexo 13).
[8] “El acoso sexual y el acoso moral por razón de género y su tratamiento procesal” (Anexo 14).
[9] “Los derechos fundamentales del trabajador y las tecnologías de la información y de la comunicación”, esto es los a veces denominados en la doctrina derechos fundamentales de la tercera generación (Anexo 16).
[10] “Las últimas elaboraciones jurisprudenciales sobre la garantía de indemnidad del trabajador: el Caso de los Veterinarios de la Xunta de Galicia”, con el Catedrático de Universidad Jaime Cabeza Pereiro (Anexo 17).
[11] “La garantía jurisdiccional social de la libertad sindical y demás derechos fundamentales” es una análisis general de las garantías judiciales (Anexo 18). Sobre algunos aspectos concretos, “La prueba ilícita en el proceso laboral” (Anexo 19) y “La prueba de la discriminación y del acoso sexual y moral en el proceso laboral” (Anexo 20).
CINCO TEMAS ATUAIS E POLÊMICOS NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO*
Hugo Barretto Ghione
Professor de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Universidade da República Uruguaia
Como vencer o oceano
Se é livre a navegação
Mas proibido fazer barcos ?
C. Drummond de Andrade
SUMÁRIO
Introdução
1. Inovação e tradição no direito coletivo do trabalho: gênese e procedências de seus principais problemas.
A) Ao se questionar sobre os aspectos polêmicos do direito coletivo, não se deve deixar de considerar duas questões.
B) Um ensaio de classificação.
2. Aspectos polêmicos (e dilemáticos) de direito coletivo.
A) O itinerário dos conceitos de trabalho subordinado e de empresa e seu impacto no direito coletivo;
B) Autonomia/heteronomia na negociação coletiva e o conflito. Uma lenta virada ao intervencionismo?
C) Institucionalização do sujeito sindical e judicialização do conflito coletivo;
D) O problema da diretiva constitucional de promoção sindical e as liberdades individuais;
E) A opacidade da interpretação das normas jurídicas como espaço de contradição.
Considerações Finais
INTRODUÇÃO
O direito coletivo do trabalho sempre esteve sujeito a debate, o que não faz mais que traduzir seu caráter fortemente político, ao inscrever-se como regulador fundamental das relações entre capital e trabalho e criador de uma certa institucionalização[1] particular dessas relações.
O itinerário histórico dessa polêmica denota a evolução das idéias juslaboralistas: primeiro, o direito coletivo deveria debater-se para justificar-se e impor-se como setor do ordenamento jurídico num direito basicamente adstrito aos postulados do Estado liberal clássico, o qual suporia alguma quebra de sua ortodoxia, que para alguns críticos não significou outra coisa que a simples adaptação do capitalismo às novas condições de poder da classe subalterna.
Em sua etapa de crescimento, em meados do século passado, o direito coletivo comportou a maturidade de suas instituições principais, a negociação coletiva e a greve, que desenharam um cenário para a luta pela distribuição e participação dos trabalhadores na produção da empresa, tudo isso consubstanciado no reconhecimento constitucional e internacional desses direitos através dos instrumentos arquetípicos.
Por último, o direito coletivo do trabalho será objeto do embate neoliberal, que procurou tanto reforçar a regulamentação limitativa do conflito e a organização sindical, como instrumentalizar a negociação coletiva como veículo para possibilitar a desregulamentação da relação individual do trabalho.
Seguramente, hoje se impõe um novo olhar sobre estes fenômenos, que permita descobrir o que ficou em pé e sente as bases de sua atualização, que de nenhum modo pode supor uma restauração do passado. Por isso, estudar os aspectos polêmicos de direito coletivo é revisitar essa zona do ordenamento para identificar seus principais e atuais perfis, tal como se propõe, de imediato.
1. INOVAÇÃO E TRADIÇÃO NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO: GÊNESE E PROCEDÊNCIAS DE SEUS PRINCIPAIS PROBLEMAS
A) Ao se questionar sobre os aspectos polêmicos do direito coletivo, não se deve deixar de considerar duas questões
Em primeiro lugar, há que se reconhecer a radical historicidade do direito coletivo. Impõe-se uma abordagem diacrônica que incorpore os elementos do contexto social, econômico e cultural do qual é parte. Os enfoques em direito coletivo serão aproximados e provisórios, e o giro dado recentemente às relações de trabalho no Uruguai parece demonstrar a falta de poder explicativo que têm os pontos de vista que se pretendem como definitivos e universais. Isso assinala as dificuldades de desdobrar uma teoria geral, limitação que Barbagelata[2] reduziu ao “alcance médio” dos intentos dogmáticos. Não obstante, esta constatação não equivale a dizer que seja infrutífero ou impossível todo esforço sistematizador nem que não apareçam certas estruturas jurídicas no direito do trabalho sobre as quais não valha a pena ensaiar uma interpretação teórica de relevância. A respeito, disse Perone[3] que “o sistema juslaboralista deve ser considerado em sua incessante dinamicidade, sem perder de vista os poucos e essenciais fatores constitutivos”.
Definitivamente, em que pese a sua mutabilidade e plasticidade (recorde-se que De la Cueva[4] falava do direito do trabalho como um direito inconcluso), nossa disciplina apresenta uma estrutura, princípios e particularidades que delineiam certas permanências que a identificam como material e conceitualmente diversa do direito comum.
Em segundo lugar, essa contínua normatividade gerada pela negociação coletiva e pela greve, determina que o estudo do direito coletivo se aproxima mais da realidade quando o circunscreve a uma comarca determinada.
Modelos de relações coletivas de trabalho tão historicamente desiguais como o brasileiro e o uruguaio demandam, portanto, aproximações muito gerais e precavidas para, no máximo, estabelecer correspondências, linhas de tendência e evoluções na legislação e as práticas laborais. Quem sabe seja no âmbito da prática, justamente, onde possam ser encontradas as maiores e mais significativas coincidências.
B) Um ensaio de classificação
Para um ensaio de classificação dos aspectos polêmicos, poderiam ser tomadas como variáveis a novidade temática, a procedência e as práticas que produzem os atores.
Em relação à novidade que possam apresentar os aspectos polêmicos do direito coletivo, é possível diferenciar os novos dos velhos problemas e verificar, dentro destes, que não em poucos casos, ainda mostram perfis atuais muito nítidos.
Assim, a tradicional e dicotômica relação autonomia/heteronomia pode adquirir, na conjuntura, diversas formulações, porém não deixa de ser isso uma questão assumida como central desde a origem do direito do trabalho. No máximo, sua relevância no direito latino-americano recente dará conta da oscilação dos sistemas em torno dessa polaridade, sobre cujos extremos poderá “inclinar-se a balança”. No caso uruguaio, deve dizer-se, desde já, que muitos observadores têm se perguntado se não se está a caminho de um modelo com maior intervencionismo estatal[5].
Para conferir maior grau de novidade ter-se-á que analisar de forma mais aprofundada o direito coletivo, e perguntar-se, por exemplo, se a falta de uma disciplina que regule o conflito coletivo não é substituída pela atividade jurisdicional, suspeita que adquire contornos reais se se reparar em certos pronunciamentos judiciais recentes sobre ocupações dos lugares de trabalho dos quais se dará conta mais adiante.
Outro problema de larga linhagem no direito coletivo, porém de renovado interesse, é o referente à liberdade sindical em sua dimensão individual e sua eventual colisão com os direitos coletivos.
Se em troca atendemos a variável “procedência”, acharemos problemas que podem ser considerados próprios do direito coletivo do trabalho – endógenos – e problemas que, pelo contrário, são em princípio alheios ao direito coletivo (com a relatividade destas distinções), mas que, não obstante, o impactam – exógenos –. Trata-se de alguns debates que se situam na órbita mais geral do mundo do trabalho e que terminam indevidamente receptando e modulando o direito coletivo.
Concretamente, estamos nos referindo a processos como a externalização (ou desmembramento) empresarial e a evolução das idéias em torno ao conceito de “trabalho subordinado”. Ambos os assuntos compartilham afinidades e trajetórias comuns, e em seu conjunto, determinaram, por exemplo, a chamada “fuga” do direito do trabalho ou “desfocamento” do âmbito das relações de trabalho, para empregar um termo adotado pelos documentos preparatórios da Organização Internacional do Trabalho sobre a recente Recomendação sobre a relação de trabalho (2006)[6].
Por último, resta reconhecer que no âmbito de sua autonomia, os atores do mundo do trabalho – as organizações de trabalhadores e de empregadores – desenvolvem cada qual as suas estratégias e desse jogo surge a matéria-prima indispensável à investigação, reflexão e à divulgação dos estudos de direito coletivo. Nos situamos, assim, no terceiro eixo de análise, o das práticas dos operadores.
Nesse ponto, cabe anotar que a doutrina nem sempre reflexiona sobre si mesma, parecendo fugir da “meta-teoria” e das abordagens “introspectivas”. Nesta direção, freqüentemente, observa-se que o debate doutrinário e interpretativo fica reduzido a um trabalho quase doméstico, pretensamente neutro ou cientificista, evitando reconhecer que se trata, pelo contrário, de um dos espaços de maior diferenciação e polêmica no direito do trabalho. Não se adverte ou reconhece que da divulgação desses “produtos” da elaboração teórica resulta, definitivamente, um componente substantivo das transformações das práticas do direito coletivo, que, por sua vez, conformam seu objeto de estudo, como um mecanismo retroalimentado[7].
Däubler sinala, para o caso da Alemanha, que a discussão científica no direito do trabalho quase nunca constitui um tema que se veja livre do poder[8].
Gera-se, assim, uma dinâmica tríplice: a) identificação dos problemas ou os materiais do direito coletivo (normas, conflitos, pretensões, manifestações); b) processamento desses materiais no âmbito interpretativo-doutrinário; e c) resultados e produtos (sob a forma de opiniões, ditames, sentenças, estudos) que uma vez divulgados, retornam à realidade social, incidindo e coadjuvando para sua transformação. A retroalimentação opera de forma tal que, a nova interpretação da norma (que não é outra coisa que não uma nova norma), a solução de um conflito, ou o novo enfoque jurídico, passam a ser parte do problema novamente.
O debate doutrinário ou jurisprudencial é assim concebido como uma luta simbólica[9], e a magnitude de sua influência é muitas vezes minimizada de acordo com o interesse de cada debatedor. O caráter marcadamente social do direito coletivo do trabalho torna mais difícil a opacidade da controvérsia teórica: sendo um campo de contradição doutrinal, seguidamente se oferecem alguns dos eixos atuais do desacordo.
2. ASPECTOS POLÊMICOS (E DILEMÁTICOS) DO DIREITO COLETIVO
É possível diferenciar cinco núcleos temáticos fortemente polêmicos, quando não dilemáticos, que se traduzem quase sempre em pares binários que confrontam valores ou perspectivas dissímiles e até mesmo antiéticas.
A) O itinerário dos conceitos de trabalho subordinado e empresa e seu impacto no direito coletivo.
O debate em torno do conceito de trabalho se situa extramuros do direito coletivo, porém dada a natural indissociabilidade entre as dimensões individual e coletiva do direito do trabalho ou, no máximo, da tênue linha que os separa, é inevitável que o direito coletivo receba o problema, e a sua maneira, o module.
Para aproximar-se à questão, e no que agora importa, é preciso efetuar uma breve recorrida sobre os pontos em disputa, ainda que para isso haja que dar uma repassada sobre o tema central.
O termo trabalho encontra-se submetido à controvérsia. Ingressar no debate é abrir-se a uma multiplicidade de perspectivas e enfoques que confluem, dos quais o olhar jurídico não é o único nem seguramente o principal: a filosofia e a teoria social, a economia e a cultura têm explicações sobre a origem e o alcance do fenômeno. O estudo de seus perfis jurídicos deverá sopesar esse custo e registrar alguns desses aportes em um jogo interdisciplinar que não se afaste do que consta do diário de bordo do direito.
O debate comporta também outros riscos, como o de submergir-se em uma bibliografia virtualmente inalcançável e de raizame basicamente européia que pode, de algum modo, afastar do lugar onde se situa a análise: o fim do trabalho vinculado à pós-modernidade e ao pensamento débil não é absolutamente identificável com o fenômeno visto e sofrido desde a periferia do mundo industrializado, por mais que, em razão de uma visão mundial ou global, as origens do fenômeno possam ser comuns[10].
O trabalho tal qual o conhecemos é uma invenção do capitalismo, dizem com diversa ênfase muitos autores. A característica essencial do trabalho a partir da economia de mercado é a de ser uma atividade na esfera pública, demandada, definida, reconhecidamente útil por outros, e como tal remunerada por eles, diz Gorz[11]. Sua importância é tal que é mediante o trabalho assalariado que pertencemos à esfera pública e obtemos uma identidade social e pessoal. Por isso, o trabalho necessário para a subsistência (doméstico, de autoprodução) não pode jamais converter-se, diz este autor, em um fator de integração social. É mais um princípio de exclusão: aqueles que o realizavam eram tidos como inferiores em todas as sociedades pré-modernas, e constituía uma atividade servil que excluía a cidadania, segundo Hanna Arendt.
Mas em que pese essa localização certamente central na sociedade industrial, subsistiu uma fortíssima diferenciação entre os diversos tipos de trabalho.
Para Galbraith[12], o trabalho não podia de nenhum modo ser homogeneizado, posto que para alguns seguiu sendo uma carga que devia ser suportada ainda que fosse mais desejável não ter nada que fazer, enquanto que para outros se tratava de uma atividade atrativa e criativa, prestigiosa e economicamente proveitosa.
As referências do economista canadense à índole diversa dos trabalhos expõem bipolaridades clássicas[13], que se entroncam com as visões primitivas do trabalho humano:
• manual/intelectual
• execução/planejamento
• rotineiro/criativo
• material/simbólico
• objetivo/subjetivo
Completando esta evolução, recentemente Negri e Hart[14] falam do trabalho afetivo, entendido como aquele que produz ou manipula afetos, como as sensações gratas ou de bem estar (trabalho das aeromoças, das casas de comida rápida, estratégias de marketing, etc).
Estes diversos modos de trabalhar disparam uma série de problemas tradicionais e novos para o direito do trabalho em geral e para o direito coletivo em particular.
Assim, a norma laboral deve dar conta tanto das particularidades de cada trabalho (descrição das tarefas ou funções, nível retributivo, condições de trabalho), como da pretensão de universalidade de sua regulação.
Este desafio está presente na mesma estratégia dos atores sociais, enquanto pode apresentar-se como uma oportunidade de fragmentar interesses que outrora foram solidários e comuns, e hoje podem se instrumentalizar para individualizar a relação de trabalho e cooptar aos trabalhadores. Do lado sindical, pelo contrário, ao momento de negociar o convênio coletivo, deverão contemplar e representar essa diversidade de modos de trabalhar sem perder a identidade coletiva da categoria de assalariados.
Outra ordem de problemas vinculados ao conceito de trabalho e de empresa aparece quando se observa a organização atual da produção.
Bauman[15], quando fundamenta seu conceito de modernidade sólida, o faz a partir do compromisso histórico de capital e trabalho, mediante o qual a superveniência dos trabalhadores dependia de que fossem contratados, e a reprodução e o crescimento do capital dependiam, por sua vez, da contratação dos trabalhadores. Capital e trabalho estavam unidos, dizia Bauman, e a fábrica era seu domicílio comum: simultaneamente, campo de batalha de uma guerra de trincheiras e lar natural de sonhos e esperanças.
O papel do Estado era o de velar pelo capital para que estivesse em condições de comprar trabalho e confrontar seus custos; por sua vez, a segurança social permitia a conservação de um exército de reserva pronto e adestrado para entrar em ação.
Sem embargo, esse mundo sólido do trabalho tem sido progressivamente substituído pela incerteza e instabilidade, e os “medos, ansiedades e aflições devem ser sofridas solitariamente. Não se somam, não se acumulam até se converterem em uma causa comum”. Por isso, a atual versão dispersa, disseminada, fluída do capitalismo se baseia num desprendimento e numa debilitação dos laços de capital e trabalho.
Nas palavras de Bauman: “o capital se soltou da dependência que o atava ao trabalho graças a uma liberdade de movimento impensável no passado (…) a reprodução do crescimento e a riqueza, das ganâncias e dos dividendos e a satisfação dos acionistas são independentes da duração de qualquer compromisso local e particular com o trabalho”.
Em sua vertente mais radical, Medá[16] dirá que o trabalho é o meio de realização da vida humana somente por acidente e não por essência, e que foi o século XVIII o que o inventou e catapultou como categoria homogênea, ou seja, como principal fator de produção, intercâmbio econômico, núcleo ou fundamento da vida social.
Uma das expressões mais acabadas desta debilitação do vínculo capital/trabalho é constituída do processo de flexibilização laboral, produto da terceirização e descentralização empresarial, que determina a confusão acerca da figura do sujeito empregador, oculto atrás de uma trama e de uma cadeia confusa de relações interempresariais (subcontratação, empresas de trabalho temporário, diversos tipos de intermediação, etc).
Em síntese, o desmembramento da empresa em variadas unidades produtivas que trabalham em rede em relação a uma entidade central cada vez mais esfumada, comporta um dos problemas “existenciais” do sujeito coletivo sindical. Freqüentemente, tanto (a) a determinação do empregador, pelas configurações as mais variadas, quando não fraudulentas; como (b) a articulação do interesse dos trabalhadores das micro e pequenas empresas que trabalham no entorno da empresa principal, constituirão escolhas difíceis de se fazer no terreno jurídico das práticas sindicais.
Del lado de los empleadores, la desarticulación del interés colectivo fragmentado en una miríada de micro sujetos, o de trabajadores individualmente considerados, cooptados o mas que nunca hiposuficientes, comporta el otro extremo de la polaridad dilemática que hacíamos referencia supra.
Do lado dos empregadores, a desarticulação do interesse coletivo fragmentado em uma miríade de micro-sujeitos, ou de trabalhadores individualmente considerados, cooptados ou mais que nunca hipossuficientes, comporta o outro extremo da polaridade dilemática a que fazíamos referência, acima.
O alcance dos problemas aqui meramente esboçados é de tal magnitude, que constituem um desafio maior, em que pese a negociação coletiva ter começado a dar algumas soluções em matéria de trabalho prestado através de empresas administradoras de trabalho temporário, dado auspicioso para o direito coletivo do trabalho[17].
- B. AUTONOMIA/HETERONOMIA na negociação coletiva e o conflito. Uma lenta virada ao intervencionismo?
A dicotomia autonomia/heteronomia acompanha o direito coletivo desde sua origem. As relações coletivas de trabalho na América Latina têm estado fortemente determinadas pela legislação, que em geral incidem no sentido de limitar o desenvolvimento autônomo dos sindicatos, com motivo em razões políticas, econômicas e sociais[18].
As mudanças recentes na legislação latino-americana parecem abrir leitos a um maior grau de liberdade sindical, ao menos o que faz referência à letra da lei; restará por verificar seu impacto real nas práticas laborais.
De acordo com uma sistematização das inovações feitas por Von Potosky[19], nos últimos anos os temas principais estiveram centrados no direito de associação dos funcionários públicos, na proteção de sindicatos, dirigentes e afiliados, na negociação coletiva e no direito de greve.
Assim, no Chile, pela Lei de 1994, se levantou a proibição de sindicalização dos funcionários públicos e mediante outra reforma, em 2001, se ampliaram os direitos de representação sindical para fins de negociação, restringindo-se a possibilidade de desvirtuar a negociação coletiva por grupos de trabalhadores através de contratos individuais múltiplos ou de adesão à oferta patronal, facilitando-se, ademais, a negociação por setor de atividade. A liberdade sindical tem sido, todavia, reforçada recentemente, mediante a mudança de “alguns aspectos da atual regulação das práticas desleais e anti-sindicais, tanto através de mecanismos estritamente processuais, como do estabelecimento de obrigações e sanções mais severas”[20]. Houve modificações mais freqüentes tendentes a consagrar maior proteção da atividade sindical em El Salvador (1994), Guatemala (2001) e Costa Rica (1993), que impediu, neste caso, às associações solidárias intervir na negociação coletiva e nos acertos diretos.
Não obstante, o exemplo da Costa Rica bem poderia servir para demonstrar que o progresso escrito da norma nem sempre se traduz em um efetivo avanço em termos reais[21].
Em um estudo da OIT sobre a reforma laboral na América Latina conclui-se, em referência ao direito coletivo, que “o objetivo da reforma pode ter sido, em certos casos, fortalecer a posição dos trabalhadores ou de suas organizações, o que se observa, sobretudo, no tratamento das relações coletivas de trabalho e na busca de uma maior autonomia coletiva. Não obstante, em alguns desses supostos, a prática da individualização das relações de trabalho e a retirada do Estado têm significado necessariamente uma maior desproteção dos trabalhadores”.
No caso uruguaio, o sistema de relações laborais parece dirigir-se para um modo de maior intervencionismo estatal, o que tem provocado interrogações sobre se não se está produzindo uma histórica guinada para a heteronomia em um sistema tradicionalmente definido como basicamente regulado. A mutação se estaria produzindo não sem contradições, vindo de um governo com maior proximidade com o mundo sindical, o qual traça novos e complexos cenários. Caberia perguntar, ademais, se existe uma direção ou um projeto pré-determinado, ou se a obra origina-se de impulsos da conjuntura.
São dados relevantes e síndromes desta perspectiva, a convocação do Poder Executivo aos Conselhos de Salários e mesmo o direcionamento do funcionamento destes organismos, que têm maioria estatal e que sujeitam a negociação a certas “pautas” salariais impostas de forma heterônoma; a regulação das ocupações dos locais de trabalho e a proteção judicial da liberdade sindical, junto aos esforços por acordar em forma tripartite, um marco jurídico para a negociação coletiva. A natureza dinâmica e histórica (dependência dos contextos) já vista, não permitem definir com precisão a evolução mediata deste processo, senão assinalar sua tendência inusitada[22].
- C. Institucionalização do sujeito sindical e judicialização do conflito coletivo
A mudança política produzida no Uruguai em 2005 provocou uma série de modificações nas relações laborais, traduzidas como já se indicou, em um incentivo à negociação coletiva no setor público, uma convocação aos mecanismos legais tradicionais de fixação de salários mínimos mediante conselhos tripartites setoriais, e o ditado de algumas normas de conteúdo legal sobre proteção à atividade sindical e regulamentar sobre direito de greve em sua modalidade de ocupação dos locais de trabalho.
Embora estas transformações não tenham modificado a competência material da jurisdição laboral, que continua ocupando-se com exclusividade dos conflitos individuais do trabalho, algumas normas recentes e certas práticas e estratégias dos atores do mundo do trabalho, que induziram alguns pronunciamentos judiciais, parecem dirigir-se a consagrar algum grau de judicialização das relações coletivas, sem chegar a equiparar-se à disciplina processual brasileira, modificada recentemente pela Emenda Constitucional 45[23].
É expressão dessa tendência a participação do sindicato como sujeito ativo da relação processual na Lei nº 17.940, de janeiro de 2006, sobre proteção da atividade sindical[24]. Em realidade, a letra “b” do art. 3º dispõe que “nos procedimentos a que se refere o art. 2º da presente lei, a legitimação ativa corresponderá ao trabalhador atuando conjuntamente com seu organismo sindical”.
A norma supõe um grau de institucionalização do conflito e do sujeito sindical antes desconhecido e ainda difícil de imaginar na paisagem liberal-abstencionista do direito coletivo uruguaio. Parte da doutrina tem reagido, considerando inconstitucional a conformação da legitimação ativa[25].
Neste mesmo marco da institucionalização sindical deve apreciar-se a legitimação das ocupações do lugar do trabalho como conduta permitida dos trabalhadores, mas a faculdade da Administração do trabalho de avaliar a representatividade sindical.
A referência ao Decreto 165/06 não é para ingressar ao debate tradicional e novo sobre a pertinência desta ação sindical ao direito de greve, aspecto que recentemente motivou uma forte polêmica na doutrina uruguaia[26], senão para destacar o enquadramento sindical dentro das margens da heteronomia, recepcionado com total cristalinidade no art. 4º letra “b” do decreto, que estabelece como um dos requisitos da ocupação, a assunção de certas responsabilidades a cargo da “organização mais representativa dos trabalhadores ocupantes”[27]. Parece claro que a disposição permite à Administração do trabalho avaliar a representatividade sindical, elemento que antigamente somente havia sido acudido pelo legislador em forma excepcional ao regulamentar a existência de mais de uma organização sindical em caso de negociação coletiva (art. 1º da Lei nº 13.556).
Retomando o eixo do discurso sobre a legitimação ativa em caso de exercer a pretensão ante a discriminação anti-sindical, o tema apresenta algumas peculiaridades interpretativas que reclama estudo. Em primeiro lugar, resulta evidente que a letra “b” do art. 3o prescreve a necessidade de comparecer em conjunto o trabalhador e a organização sindical.
Ambos são titulares do direito de liberdade sindical, e embora seja teoricamente possível distinguir a titularidade de um direito (como relação substantiva) da ação processual (dada a autonomia e independência da legitimação processual), no caso, se dá uma coincidência ou correlação entre a categoria dos sujeitos ativos do direito e da ação.
Esse comparecimento conjunto, esse paralelismo na titularidade do direito e da ação se traduz no litisconsórcio ativo necessário do art. 3o letra “b”. Sendo a liberdade sindical um valor ou princípio que ontologicamente se vincula à pessoa do trabalhador e ao coletivo que representa o interesse comum da categoria, parece coerente determinar que o comparecimento em juízo, o exercício da pretensão, e as conseqüências no plano da decisão judicial, devam compreender e vincular de forma inseparável a ambos os sujeitos. Estabelece-se uma dependência entre o sujeito individual e o coletivo que termina por selar e assegurar a eficácia dos bens jurídicos comprometidos, evitando que a dispersão de soluções nas diversas vias processuais (jurisdicionais, administrativas, autônomas, etc) retirem coerência ao sistema, entre outras coisas, pela eventual bifurcação de soluções que podem adotar os titulares da liberdade sindical.
Sobre esse ponto, convém deter-se em dois aspectos que resultam fortemente renovadores para o direito processual uruguaio, tão carente de uma disciplina própria que de conta do particularismo do direito do trabalho.
Em um primeiro momento, o litisconsórcio ativo determina a impossibilidade de colocar fim ao processo mediante uma transação do tipo patrimonial, dada a falta de capacidade do sujeito ativo, em sua complexa composição, para dispor sobre direitos de uma esfera que lhe é parcialmente alheia. Em realidade, a engenharia dos dispositivos processuais da lei não concebe um resultado diverso que o acolhimento ou rejeição da pretensão de reintegração ou readmissão; a solução patrimonial (em sede transacional) está excluída, em atenção à materialidade dos direitos objeto de proteção e mesmo à existência do litisconsórcio necessário. Esta estrita e inevitável circunscrição de técnicas processuais específicas criadas para cumprir efetivamente com a proteção do direito à liberdade sindical, deixa sem possibilidade a ocorrência, por estas vias, ao sabido recurso da “patrimonialização” do dano à liberdade sindical.
O sujeito coletivo que concorre com sua vontade para formar o litisconsórcio ativo gera também uma série de perplexidades em um direito processual que, de forma pertinaz, é refratário em reconhecer as descontinuidades e particularidades do conflito capital/trabalho. Em realidade, o comparecimento da organização sindical em juízo parece convidar ao demônio para certos espíritos formalistas, ainda que, quem sabe, deva reconhecer-se que a lei extremou a solução quando impôs a conformação do litisconsórcio necessário em lugar do facultativo[28].
Por outra parte, admitido isso, se expõe um par de questões sobre as quais vale a pena refletir. Trata-se, em primeiro momento, de desprezar a interpretação de que ao referir a “sua” organização sindical, a lei esteja exigindo o comparecimento do sindicato de empresa. Isso por duas razões:
a) Em alguns casos, previstos na própria norma, de inexistência de organização sindical de empresa (art. 1º, in fine) seria impossível a conformação do litisconsórcio;
b) Por outro lado, tendo em conta que os trabalhadores “têm direito de constituir as organizações que estimem convenientes, assim como o de filiar-se a estas organizações” (art. 2º, Convênio Internacional nº 87), a organização e o enquadramento sindical são absolutamente livres, a tal ponto que é comum os trabalhadores se organizarem em sindicatos de empresa e posteriormente, em sindicatos de empresa e sindicatos de segundo grau, ou, ainda, em sindicatos únicos de atividade (caso dos metalúrgicos, construção etc).
Em todos os casos se trata de “seu” sindicato: o de empresa, o de nível federal, e o sindicato único de atividade, e em conseqüência, uma interpretação que limitasse ou permitisse o comparecimento unicamente do sindicato de empresa, ficaria no vazio, sem sustentação real, por desconhecer o dado social que pretende normatizar, e ainda, violentando as normas do próprio convênio internacional.
Outro aspecto digno de consideração reside em testemunhar que, dado o teor do texto legal, não é necessário que o sindicato conte com personalidade jurídica para comparecer em juízo[29].
Com efeito, nota-se que a lei refere-se à “organização” sindical, e não à “associação”, locução esta que denota maior formalidade e permanência. O termo “organização” remete à notação da experiência social, campo no qual é de toda evidência que os sindicatos não contam com personalidade jurídica para atuar no âmbito do mundo do trabalho.
Outra significativa maneira de judicializar o conflito coletivo tem ocorrido em alguns casos em que a estratégia dos atores transpôs a fronteira, pretendendo acudir a soluções processuais para por fim a ocupações dos locais de trabalho.
Neste ponto, os mecanismos ensaiados têm sido a ação de amparo, as medidas preventivas e ainda, a denúncia penal.
A ação de amparo para provocar a desocupação dos locais de trabalho tinha sido imprópria por entender-se improcedente desde o ponto de vista da competência material da jurisdição laboral, em assuntos que haviam sido promovidos pelos titulares da exploração.
Não obstante, uma recente sentença civil[30] confirmada em segunda instância, qualificou a ocupação como uma medida ilegítima e lesiva à liberdade de trabalho e ao direito de propriedade. No caso, a ação foi promovida por um conjunto de trabalhadores não sindicalizados, que se opunham à medida de ação sindical de ocupação disposta pelo sindicato da empresa.
A sentença oscila entre um extremo de considerar que a ocupação não tem sustento normativo expresso e que resulta lesiva a direitos constitucionais, e por outro lado, em argumentar que, dado que se tomou sem cumprir os requisitos estabelecidos no Decreto 165/06 (acudir à negociação e mediação do Ministério de Trabalho ou o Conselho de Salários), a medida padece de “certa” ilegitimidade. Por outra parte, a Sede funda sua decisão de proceder à desocupação em uma norma como o art. 6º do Decreto 165/06 que atribui essa faculdade unicamente ao Ministério do Trabalho.
Estas idas e vindas e esses fundamentos equivocados constituem sintomas da evidente dificuldade que tem a magistratura para entender de assuntos que não deveriam ser ventilados judicialmente, não tem a ver com assuntos de direito a não ser de mero interesse, próprios de se resolverem em outros âmbitos.
Porém, o que o pronunciamento fez foi ocupar o espaço da heteroregulação que não quis assumir a Administração do trabalho quando regulamentou de forma deficiente e equivocada a modalidade da ocupação dos lugares de trabalho. É por isso que, mais além das considerações jurídicas, as sentenças se apresentam como uma alternativa e uma resposta da ordem jurídica com perfil próprio.
Em outro caso, a justiça penal[31] decretou o processamento com prisão pelo delito de apropriação indevida de um grupo de trabalhadores que ocupava uma planta industrial e havia constituído uma cooperativa para explorar a empresa por entender que existiu abandono do empresário.
Paradoxalmente, disse a sentença em comento: “em exercício do direito de greve, a lei permite aos trabalhadores ocupar a empresa e tomar a posse dos bens móveis da mesma, com a obrigação de preservá-los e restituí-los ao proprietário uma vez finalizado o conflito. Porém, na espécie, os indiciados uma vez que tomaram posse dos bens móveis da empresa ocupada, se apoderaram dos mesmos convertendo-os em seu proveito”.
A sentença “Vanni” comportou – outra vez – um limite heterônomo ao conflito, constituindo-se em um supedâneo obrigado ante o que se entendia como certo vazio normativo. A tal ponto, que muito rapidamente, a Administração “reagiu” mediante uma normativa que recorreu o conteúdo material da prescrição judicial, ao proibir na letra “d” do art. 4º do Decreto nº 165/06 que os ocupantes assumam “o giro ou funcionamento normal da empresa, salvo naqueles casos em que o empregador tenha abandonado a exploração ou não tenha representante no país”.
D. O problema da diretiva constitucional de promoção sindical e as liberdades individuais
A chamada liberdade sindical negativa não tem reconhecimento no Convênio Internacional nº 87 e o Comitê de Liberdade Sindical tem dito, no máximo, que “uma legislação que estabelece o direito a não sindicalizar-se ou a não permanecer em um sindicato, não constitui, em si, uma violação dos Convênios nos 87 e 98”[32].
A respeito, podem sinalar-se algumas zonas de colisão de direitos individuais e coletivos que tem sido objeto de incomum polêmica até pouco tempo atrás.
d.1) Afetação do direito de propriedade e do direito ao trabalho do não afiliado a causa do exercício do direito de greve na modalidade de ocupação dos lugares de trabalho.
Parte-se, neste caso, da posição da doutrina majoritária de considerar a ocupação como uma modalidade do direito de greve, embora não exista definição legal que possa recortar ou limitar o fenômeno, pelo qual não existiriam limites internos[33]. A ausência de uma definição legal conduz a conceber a greve de acordo com o uso que da mesma façam os atores, construção que tem sido recebida pela jurisprudência, conforme acaba de se ver.
Não há ocupação sem greve porque, em realidade, se trata de uma mesma realidade, caracterizada pela abstenção coletiva de tarefas com uma finalidade de protesto ou reclamo: a ruptura dessa atitude passiva que comparte com a greve, determina a penalização das condutas segundo ficou visto no caso penal acima indicado.
Na hipótese, não é demasiado aduzir que existe uma colisão de direitos[34].
Em princípio, não há desconhecimento algum do direito de propriedade que, por outra parte, não pode ser considerado absoluto e, portanto, pode ser objeto de limitação por afetar a esfera de outros direitos. Quem ocupa não o faz com ânimo de dono, embora se trate de uma medida de ação sindical demarcada por uma controvérsia com o empregador na qual a titularidade do bem não se encontra em discussão.
A ponderação de direitos, se cabe, deve circular o âmbito do reconhecimento da licitude da medida de ocupação e a limitação temporal do uso absoluto dos bens comprometidos por parte do empregador.
Tampouco existe um desconhecimento do direito ao trabalho dos não aderentes. Em princípio, resulta um problema de maior e mais vasta envergadura teórica determinar se existe um direito ao trabalho, que demandaria, por exemplo, a identificação de um sujeito passivo desse direito, que estaria obrigado a proporcionar um emprego ou a mantê-lo com sustento na continuidade ou estabilidade do vínculo. Trata-se de uma questão fartamente dificultosa e debatida, que por outra parte, de aceitar-se, quiçá faria com que, rapidamente, aqueles que hoje postulam a existência desse direito, tomariam posições mais restritivas, ou menos entusiastas.
Reduzir, portanto, o pretendido direito ao trabalho somente à expressão de fundar uma pretensão de desocupação dos locais de trabalho em caso de greve, significaria empobrecer as dimensões de um problema do direito do trabalho de extraordinário alcance e que continua sendo uma matéria pendente de maiores esforços teóricos.
d.2) A renovada tensão entre o direito a não discriminação e as cláusulas sindicais.
O Comitê de Liberdade Sindical tomou certa distância do debate sobre as cláusulas sindicais.
Tem se dito, em termos gerais, que “os problemas relacionados com as cláusulas de segurança sindical devem ser resolvidos em nível nacional, de acordo com a prática e o sistema de relações laborais de cada país. Em outros termos, tanto aquelas situações em que as cláusulas de segurança sindical estão autorizadas como aquelas que estão proibidas, se podem considerar conformes com os princípios e normas da OIT em matéria de liberdade sindical”[35].
A prescrição por fonte legal de cláusulas sindicais como a retenção obrigatória da quota sindical (“check off”) tem levantado resistência do setor empregador no debate sobre a recente lei de proteção e promoção da atividade sindical (número 17.940).
Também ocorreu com um caso jurisprudencial recente[36], onde se expôs como atitude discriminatória a preferência outorgada a pessoal sindicalizado para o reingresso à atividade laboral ante a reabertura de uma entidade bancária. O ator reclamou que não se respeitaram critérios de seleção dos empregados baseados na objetividade, transparência e não discriminação, embora tenha sido selecionada a maioria do pessoal pelo simples fato de pertencer aos quadros sindicais, fruto de um acordo entre o sindicato, as autoridades do banco central e a liquidação da firma. O caso não chegou a significar uma imposição de filiação para obter o emprego, já que se tratava de um acordo que determinava a incorporação de trabalhadores sindicalizados em uma importante porcentagem, porém sem excluir os não sindicalizados.
A sentença não se refere à liberdade sindical negativa em nenhum momento, nem ao direito dos trabalhadores em se manterem não filiados ou a se desfiliarem; simplesmente, situa o problema no direito a não-discriminação (por não estar filiado a um sindicato). Tampouco menciona a violação ao direito positivo vigente a respeito do direito a não sindicalização (Dec. 93/68, Declaração Sócio-Laboral do Mercosur).
Não obstante, o Comitê de Liberdade Sindical tem entendido que existirá uma discriminação injusta somente se forem estabelecidas “condições não razoáveis para a filiação das pessoas que a solicitam”[37].
Estas cláusulas de retenção das cotizações e de preferência tendem a serem admitidas como lícitas[38], no entanto, supõem o cumprimento constitucional da promoção de sindicatos, e não limitam a liberdade e o direito dos não afiliados, contanto que:
– No caso da retenção de quota sindical, somente compreende aos filiados, diferentemente de outras soluções do direito comparado;
– No caso da preferência, se estabelece somente um critério de supremacia não excludente.
Em todo caso, a tensão entre a liberdade sindical entendida como direito do coletivo de trabalhadores, e a liberdade sindical em sua dimensão individual, gera outra série de problemas.
A chamada liberdade sindical negativa deve demarcar-se mais no direito geral da liberdade de trabalho e não mais na esfera própria do estatuto Constitucional do trabalho, contido nas normas dos arts. 53, 54 e 57 que prescrevem a proteção especial e a promoção do sindicalismo, e no Convênio Internacional 87, que não faz menção à zona das liberdades individuais de não filiação.
O jogo dos direitos se situa em duas zonas diversas do ordenamento constitucional, com conseqüências ao conjunto normativo infraconstitucional e às práticas jurídicas.
Por um lado, o direito liberal clássico postula a liberdade de trabalho, por oposição a todo tipo de impostura proveniente da rêmora corporativa, conquista devida à exposição de liberdades que desencadeou a revolução francesa; porém, por outro lado, no setor próprio do ordenamento referente ao trabalho subordinado, produto de uma evolução das idéias jurídicas cronologicamente posterior, o elenco dos direitos positivados inclina seu peso majoritariamente para o direito de direito de sindicalização.
As referências marginais à liberdade sindical negativa no ordenamento infraconstitucional se localizam em nível regulamentar (Dec. 93/68) até a adoção da Declaração Sócio-Laboral do Mercosur. Sem embargo, ambos direitos não resultam equivalentes e têm um “peso” diverso (a dizer de Dworkin) como para sustentar uma ponderação de direitos:
– A liberdade sindical negativa não integra o elenco dos direitos à liberdade sindical CIT número 87;
– Resta fora do marco dos direitos laborais dos arts. 53 e seguintes da Constituição, que dotam e marcam diretivas ao ordenamento inferior.
O direito de não se filiar fica em um nível de maior generalidade e por fora dessa esfera própria e singular dos direitos individuais e coletivos do trabalho subordinado, devendo portanto interpretar-se e integrar-se com maior precaução para a apreciação de eventuais colisões de direitos.
O jogo de preponderâncias dos direitos que vêm desenvolvendo-se, bem poderia ver-se alterado em caso de certas medidas sindicais, como a ocupação, serem adotadas por uma minoria de trabalhadores, embora possam ser questionadas sua legitimidade e representatividade coletiva, aspectos insinuados e até agora nunca aplicados na letra “b” do art. 4o do Decreto 165/06.
E. A opacidade da interpretação das normas jurídicas como espaço de contradição
A sanção da Lei nº 17.940 deixou para trás definitivamente, a arraigada interpretação do art. 1º do CIT número 98, que o considerava meramente programático e inábil para provocar a reintegração do trabalhador despedido por motivos sindicais.
O recorrente argumento consistiu em sustentar que não existia uma norma trabalhista/legal habilitadora, e portanto não correspondia outra coisa que acudir à fonte eterna do direito comum graças a que foi possível construir a figura do abuso no direito de despedir (existiram outras formulações doutrinárias que negavam a existência de tal direito, porém agora não é o momento de discorrer sobre as mesmas).
O monolítico consenso operou através do que Romagnoli chamou a “exasperada auto-referência do direito” ou seja, a crença de que “tudo já está previsto e escrito no livro da perene sabedoria dos romanos”[39].
O equívoco, a inércia, não comportou um erro pequeno nem passageiro, embora se tratasse do desconhecimento da radical novidade que significa a liberdade sindical no elenco de direitos das pessoas, uma espécie de contra-poder em uma sociedade diferenciada e pluralista.
Os governos aduziram argumentações similares em suas explicações à Comissão de Expertos em Aplicações de Convênios e Recomendações ou ao Comitê de Liberdade Sindical da OIT: “a reintegração – disseram – não se tem aplicado como sanção no caso de despedidas anti-sindicais devido à falta de base normativa para exigí-lo”.
Esta forma de interpretar o direito acreditou ver um vazio normativo, e recorreu às soluções que tinham à altura da vista, de tipo legal, sem reparar na direção normativa que vinha ordenada pelas normas de superior hierarquia, e ainda sim considerar que era possível admitir a nulidade da atuação frente à violação de uma norma proibitiva sem necessidade de norma expressa que lhe habilitasse, dado que a nulidade é um conceito lógico antes que uma figura legal de enumeração taxativa.
Em razão destas vicissitudes interpretativas, a Lei nº 17.940 aplica uma sugestiva blindagem ante qualquer fuga do sentido protetor: o art. 1º e o art. 3º letra “a” e “c” impõem a reintegração.
Definitivamente, se algo demonstra a reiteração da apelação à reinstalação na Lei nº 17.940 (arts. 1º e 3º, letra a), é que para interpretar, mais que se ater aos limites do legal, se deve integrar o conjunto de princípios, valores e métodos do ordenamento jurídico, e nesta linha, é a Constituição e são os Direitos Fundamentais os que reconstroem e prestam unidade ao sistema jurídico.
Não foi esse o caminho seguido pela jurisprudência que levou o CIT como meramente programático. A interpretação judicial como atividade mediadora entre o texto legal e a norma (entendida como regra aplicável ao caso concreto) se comportou assim como um dos componentes centrais do modelo de relações coletivas de trabalho no Uruguai.
Curiosa e eminente responsabilidade a da interpretação normativa: constituir um pilar sobre o qual se assenta o direito coletivo.
O modelo acordava amplas margens de liberdade sindical para se organizar e se autodeterminar; mas, de uma vez, essa liberdade sindical apresentava um déficit substantivo na fase de proteção à atividade sindical.
Esse estado de coisas resulta instrutivo em um duplo sentido:
– Por um lado, assinala a necessidade de receitar uma interpretação do direito do trabalho que não se encerre nos limites do direito legal, e se abra à consideração das normas que imprimem um sentido ao ordenamento;
– Em um segundo momento, esta aparente antinomia da liberdade sindical em nosso modelo fruto de uma interpretação de um jogo normativo infraconstitucional, reafirma a complexidade do ordenamento jurídico laboral, porque como diz Tarello: “o direito sindical é um direito que apresenta uma particularidade, precisamente, a de parecer criado – inclusive conscientemente – pelos juristas e pelos juízes ademais de, freqüente e de forma inconsciente, pela prática sindical; e de não aparecer criado, a não ser em uma pequena medida, pelo legislador” [40].
Não é de esperar um efeito automático da norma aprovada: incidirão diversos fatores e processos, nos quais a distribuição do poder e as concepções de cultura jurídica influirão decisivamente. Não obstante, mediante o dispositivo dos arts. 1º e 3º letras “a” e “c”, a norma reconcilia a interação doutrina/jurisprudência/práticas administrativas, discordadas a partir das distintas visões que tiveram: a doutrina se inclinou por entender procedente a reintegração, e a jurisprudência e a administração somente condescenderam para uma muitas vezes módica, indenização ou sanção pecuniária ao infrator da liberdade sindical.
Cabe perguntar, todavia, sobre a índole das novidades que aporta a lei:
– A positivação (a necessidade do direito de que falava Alexy[41]) integra o direito a não ser discriminado na esfera sindical ao elenco mais geral de atos que afetam a igualdade de tratamento das pessoas?
Há um avanço no direito contemporâneo em salvaguardar a igualdade de tratamento das pessoas, assegurando a diferença, a diversidade. Sem embargo, a Lei nº 17.940 protege a igualdade das pessoas em outra dimensão, já que se dirige a proibir aqueles atos discriminatórios que agravam a diferenciação material e estrutural dos sujeitos do direito do trabalho. Com isso se quer dizer que a norma procura reparar aquela discriminação que opera para aprofundar a hipossuficiência e impedir a autonomia de um dos sujeitos da relação laboral;
– Mas são a nulidade e a reintegração as mudanças substantivas da lei?
Tendo a pensar que a mudança reside na conduta que é possível esperar do empregador: teria, agora, a carga e intensidade de justificar as despedidas ou outros atos que assuma no exercício de seu poder de direção, se não quiser sofrer uma conseqüência mais gravosa e complexa. A lei compõe um interstício por onde pode agregar a justificação das despedidas, ingressando, assim, em um alinhamento aos ditames do Convenio Internacional 158.
Há, portanto, uma maior limitação de seu poder de direção: deverá justificar se não quer ver-se exposto a um litígio, e uma vez submetido à jurisdição, deve também agir de forma a justificar suas decisões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudar o direito coletivo “em trânsito” comporta uma dupla dificuldade: primeiro, de encontrar os elementos de permanência que estruturam a matéria; segundo, aventar o risco de que a dinâmica dos fatos sociais produzidos em processos de mudança faz com que, rapidamente, algumas considerações restem obsoletas.
Contudo, podem esboçar-se algumas conclusões. Parece ir-se delineando certa judicialização do direito coletivo, às vezes tomando o conflito como objeto do processo e em outros casos através de sua consideração tangencial, no meio de prevalência de outros interesses – individuais – que dão sustento à pretensão.
Uma primeira aproximação interpretativa deste fenômeno indicaria que a falta de mecanismos preventivos e de conciliação eficazes no âmbito do Ministério do Trabalho tem provocado que apareça, quase subsidiariamente, a alternativa judicial para dar solução aos conflitos coletivos, com as dificuldades que tal estratégia acarreta ao aparato judicial.
Em outra ordem, a nova dinâmica sindical desatada a partir da convocação dos Conselhos de Salários e da legislação “de suporte” da Lei nº 17.940 tem provocado a emergência da discussão sobre temas que pareciam definitivamente distantes da atualidade no direito coletivo, e cujo ensino universitário tornara rotina: refiro-me às cláusulas sindicais, que cobraram relevância a partir dos debates sobre a imposição legal do desconto da quota sindical e de certos pronunciamentos sobre preferências.
Por último, se bem a configuração da proteção à liberdade sindical ficou resolvida pela sanção legislativa dos mecanismos processuais adequados, ficam sem solução outros aspectos procedimentais, como certas medidas de ação sindical utilizadas pelos trabalhadores, como a ocupação de locais de trabalho.
Por outra parte, a lei de proteção sindical trouxe a inopinada conseqüência da institucionalização do coletivo sindical, inscrito agora como titular de direitos processuais e sujeito a eventual consideração de sua representatividade no âmbito do Decreto nº 165/06.
Finalmente, é preciso reparar nas cláusulas sindicais, tanto se trate de aspectos tradicionalmente polêmicos das relações de trabalho que haviam ficado quase esquecidos na arca das hostilidades históricas, e que agora, pela sua atualidade, necessitam de urgente retomada de discussão sobre assuntos dessa natureza.
* Palestra proferida em 22.09.2006. – Tradução Ary Faria Marimon Filho.
[1] Monereo Pérez, José Luis. Introducción al Nuevo Derecho del Trabajo. Una reflexión crítica sobre el derecho flexible del trabajo. Tirant lo Blanch, Valencia, 1996, p. 16. W. Daübler indica que “el derecho del trabajo cumple con dos funciones que se pueden comparar con dos caras de una moneda: se ocupa de que las condiciones de intercambio no se puedan deteriorar arbitrariamente a costa de los trabajadores y al propio tiempo crear las condiciones para que continúen subsistiendo las circunstancias económicas y políticas existentes”. En Derecho del Trabajo. MTSS. Madrid. 1994, p. 90.
[2] Barbagelata, Héctor – Hugo. El Particularismo del Derecho del Trabajo. FCU. Mont. 1995.
[3] Perone, Giancarlo. “Crise nos elementos estructurais do ordenamento justrabalista italiano: tendências evolutivas e aspectos criticos”. En el vol. Avanços e posibilidades do direito do trábalo. Luiz A. de Vargas y Ricardo Carvalho Fraga (coord.) LTr, 2005 p. 188.
[4] De la Cueva, Mario. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. Porrúa. 1990, p. 98.
[5] Básicamente, los cambios de mayor profundidad a partir de la asunción del nuevo gobierno en marzo de 2005 fueron la convocatoria a negociar salarios mínimos por sector de actividad, abandonando así la prescindencia estatal sobre estos asuntos; la sanción de la ley núm. 17.940 de libertad sindical, que impone la reinstalación en su lugar de trabajo del trabajador despedido o discriminado y la extensión de la negociación colectiva al sector público de la Administración Central.
[6] El Ámbito de la Relación de Trabajo. Informe V. Oficina Internacional del Trabajo, 91º reunión, 2003.
[7] En algunos casos la polémica en torno a la configuración del derecho se formula ríspidamente: “el único instrumento para quitarle al derecho el repugnante esmalte potestativo y autoritario tradicional era y es concebir su producción como un procedimiento que no termina con la aprobación de la norma sino que tiene un momento subsiguiente, el interpretativo, como momento propio de la formación de la realidad compleja de la norma, en suma, la interpretación como momento esencial de la posibilidad de la misma norma, condición necesaria para la concreción de su positividad”. Grossi, Paolo. Mitología Jurídica de la Modernidad. Trotta. Madrid, 2003, p. 59.
[8] Däubler, Wolfgang, cit. p . 79.
[9] Bourdieu, Pierre. Poder, Derecho y Clases Sociales. Descelée de Brouwer. Bilbao. 2000.
[10] Racciatti, Octavio Carlos. “Los significados del trabajo en las relaciones laborales”. Rev. Relaciones Laborales. Núm. 10. Mont. 2006, p. 29.
[11] Gorz, André. La Metamorfosis del Trabajo. Sistema. p. 26.
[12] Galbraith, John Kennet. La Sociedad Opulenta. Obras Maestras del Pensamiento Contemporáneo. Planeta – Agostini, Barcelona, 1984. pp. 279-290.
[13] Barretto Ghione, Hugo. “John K. Galbraith: reflexiones sobre el trabajo”. Rev. Derecho Laboral T. XLIX, núm. 222 p. 419.
[14] Negri, Antoni y Hart, Michael. Multitud. Guerra y Democracia en la era del Imperio. Debate. Bs.As. 2004.
[15] Bauman, Zygmunt. Modernidad Líquida. Paidos. P. 153 y ss.
[16] Méda, Dominique. “El valor trabajo visto en perspectiva”. Revista Internacional del Trabajo. Vol. 115, núm. 6. 1996, p . 689.
[17] En concreto, el convenio colectivo suscrito entre la Cámara Uruguaya de Empresas Suministradoras de Personal y FUECI de fecha 29 de julio de 2005 y extendido al ámbito nacional por decreto de 22 de setiembre de 2005, establece en su cláusula 4º que “a partir del 1º de julio de 2005 los trabajadores empleados a través de una empresa suministradora de personal (…), no podrán recibir una remuneración inferior al mínimo salarial obligatorio que marque la categoría en la que desempeñe sus funciones y que corresponda al sector de actividad en donde el mismo presta sus servicios”.
[18] Ermida Uriarte, Oscar. “La intervención del Estado en las relaciones colectivas de trabajo latinoamericanas: situación actual y perspectivas” en el vol. Intervención y Autonomía en las Relaciones Colectivas de Trabajo. FCU. Mont. 1993, pp. 379-390.
[19] Von Potobsky, Geraldo. Tendencias del Derecho del Trabajo. Crónica Internacional 1993 – 2002. El Derecho. Bs. As. 2004, pp. 50-52.
[20] Gazmuri Riveros, Consuelo. “El fortalecimiento de la libertad sindical en la Ley 20.087”. Revista Laboral Chilena, núm. 145, abril 2006, p. 75.
[21] Si bien en la legislación de ese país los ámbitos de aplicación de los convenios colectivos y de los arreglos directos son excluyentes, como lo son los campos de acción de sindicatos y comités permanentes de trabajadores, en la práctica las asociaciones solidaristas han apoyado a los comités, con lo cual el número de arreglos ha superado largamente el de convenciones, lo que ha motivado que en este año 2006 la CEACR de la OIT formulara una observación individual, peticionando al Gobierno que “informe al respecto así como que se realice una investigación independiente sobre el elevado número de acuerdos directos con trabajadores no sindicalizados”. Godínez Vargas, Alexander. Estudio Nacional sobre Negociación Colectiva, Diálogo Social y Participación en la Formación Profesional en Costa Rica. Cinterfor. 2006, inédito, p. 18.
[22] Barretto Ghione, Hugo. “Diálogo social, relaciones laborales y cambio político en el Uruguay: el consenso como problema” Inédito. 2006.
[23] Sayâo Romita, Arion. “Os novos instrumentos processuais à disposiçâo das partes em face da Emenda Constitucional nº 45”. Revista do Tribunal Regional do Trabalho 16º Regiâo. Sâo Luís. V. 14 núm. 1. Dic. 2004, p. 30.
[24] La norma prescribe la nulidad de todo acto antisindical, imponiendo la reinstalación o reposición del trabajador y creando dos procedimientos diversos en atención a la naturaleza de la actividad sindical desempeñada por el eventual reclamante. Asimismo, establece cláusulas sindicales como la retención de la cuota y facilidades para el ejercicio de la actividad sindical (comunicaciones en la empresa, licencia, etc).
[25] Raso Delgue, Juan. “¿Es constitucional el lit. B del art. 3º de la Ley 17.940?”. En el vol. XVII Jornadas Uruguayas de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. FCU. 2006, p. 173.
[26] Al respecto pueden consultarse las distintas posiciones de la doctrina uruguaya y aún los matices existentes entre las mas cercanas: Oscar Ermida Uriarte “Ocupaciones y solución de conflictos colectivos”; Alvaro Rodríguez Azcúe “Breve historia de la conflictividad laboral en Uruguay”; Eduardo Ameglio “La regulación de las relaciones colectivas de trabajo: por el camino equivocado”; H. Barretto Ghione “Modos de producción del derecho y ordenamiento jurídico: una contribución al estudio de la regulación de los conflictos colectivos”; Natalia Colotuzzo “Ocupación de los lugares de trabajo: estudio y evolución de este fenómeno”; Jorge Ubaldo Seré “La ocupación de lugares de trabajo y el Decreto 165/06”; Nelson Larrañaga “Ilicitud de la ocupación del lugar de trabajo” y otros, publicados en el vol. XVII Jornadas Uruguayas de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, cit.
[27] En concreto, dice el art. 4º lit. b) que “La organización sindical más representativa de los trabajadores ocupantes, deberá adoptar las medidas que considere apropiadas para prevenir daños en las instalaciones, maquinarias, equipos y bienes de la empresa o de terceros, así como aquellas destinadas a prevenir o corregir de forma inmediata, en caso de producirse, actos de violencia”.
[28] La norma supone además una serie de desafíos para la jurisdicción laboral, que demandará “una actividad jurisdiccional mucho mas compleja que la habitual de creación de la regla especial adaptada al caso concreto”. Rossi, Rosina . “La nueva tutela de la libertad sindical: un reto a la judicatura laboral”. Rev. Derecho Laboral. T. XLIX núm. 222, p. 377.
[29] Así se ha pronunciado la doctrina laboral que ha estudiado el punto. Loustaunau, Nelson. “Litisconsorcio necesario en las acciones creadas por la Ley 17.940 y limitación al derecho constitucional de accionar”, y Goldstein, Eduardo. “Legitimación procesal de las organizaciones sindicales para promover las acciones del art. 2º de la Ley nº 17.940 del 2.01.2006”, Ermida Fernández, Martín. “Aspectos procesales de la Ley 17.940”, todos en el vol. cit. de las XVIII Jornadas Uruguayas, p. 149, 191 y 237.
[30] Sentencia núm. 59 del 21 de setiembre de 2006 dictada por el Juzgado Letrado de Primera Instancia en lo Civil de 5º turno.
[31] Sentencia de fecha 9 de marzo de 2006 del Juzgado Letrado en lo Penal de 4º turno.
[32] La Libertad Sindical. Recopilación de decisiones y principios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la OIT. 4 ed (revisada) , núm. 329.
[33] Mantero, Ricardo. Los Límites de la Huelga. A. Fernández. 1992.
[34] Ermida Uriarte, Oscar. “Ocupaciones y solución de conflictos colectivos: aproximación al Decreto 165/06 de 30 de mayo de 2006”. Rev. Derecho Laboral, T. XLIX, núm. 222, p. 467. Del mismo autor, su ponencia en las XVIII Jornadas Uruguayas de Derecho del Trabajo y la Seguridad Social, y el resto de los trabajos señalados en la cita núm. 27.
[35] La Libertad Sindical cit. núm. 323.
[36] Sentencia núm. 48/2006 del 20 de junio del 2006 del Juzgado Letrado de Primera Instancia de Trabajo de 8vo. Turno.
[37] La Libertad Sindical cit. núm. 330.
[38] Ermida Uriarte, Oscar. Sindicatos en Libertad Sindical. FCU. 1985. pp. 34-35.
[39] Romagnoli, Umberto. “La libertad sindical, hoy”. Revista Derecho Social. Núm. 14, 2001, p. 9.
[40] Tarello, Giovanni. Teorías e Ideologías en Derecho Sindical. Comares. Granada. 2002.
[41] Alexy, Robert. Teoría del Discurso y Derechos Humanos. Univ. Externado de Colombia. 1995.
ASPECTOS POLÊMICOS DO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO*
Aldacy Rachid Coutinho
Mestre e Doutora em Direito – UFPR
É com imensa satisfação que recebi o convite e que aqui estou entre amigos, para tratar de alguns aspectos polêmicos do direito coletivo. Entendo que a minha missão está cumprida, em razão das palavras do prof. Hugo Barreto, que me antecedeu.
Enalteço o encontro, pela possibilidade de trazer algumas ponderações mais complementares do que inovadoras, para tentar compreender um pouco o que está ocorrendo hoje no Brasil. Há duas semanas atrás, a Câmara dos Deputados, para a minha surpresa, rejeitou a MP 293, editada em maio de 2006, para o reconhecimento das centrais sindicais. Era o que havia restado do debate nacional. Eu presenciei, como relatora, e saí estarrecida não apenas com as conclusões, mas também com os debates, mas imaginei que se havia algum consenso, ele residia justamente no reconhecimento das centrais sindicais, o que acabou não ocorrendo.
Em sessão do dia 04 de setembro de 2006, a MP foi rejeitada. Eu tenho uma série de preocupações em torno do direito coletivo e vou aproveitar a oportunidade para explicitá-las.
A primeira delas – e a mais importante – é exatamente o questionamento sobre se teria sido uma específica regulamentação jurídica da organização sindical instrumento político utilizado pelos governos, para controle e direção da classe operária. Ou seja, como é que se passa essa relação entre o direito, a legislação, e o movimento operário, o movimento sindical, o movimento coletivo. Num período de discussões, como hoje, pós-tentativa de reforma sindical e das questões que envolvem a competência da Justiça do trabalho no âmbito coletivo, a própria discussão acerca da vigência do poder normativo acaba acontecendo.
No percurso histórico do sindicalismo, em especial no Brasil, analisado por seu corte legislativo, poderá quem sabe dar algumas pistas de possibilidade da superação daquilo que é a mais grave crise de identidade e de representatividade por que passam os sindicatos nesse momento. Entendo que o ideal de um regime democrático seria uma organização sindical organizada em liberdade e autonomia sindicais. Imaginava, até participar das discussões e que isso era compartilhado por todos. A idéia de uma livre estruturação interna, livre organização externa, auto-sustentação, direito à livre associação e transparência do movimento sindical. A autonomia é identificada como sendo a garantia do exercício de suas funções e objetivos, sem qualquer intervenção estatal ou empresarial, dentro de uma margem de legalidade, em especial verificada no processo específico de produção de normas laborais, com poder de auto-regulação dos próprios interesses e dos interesses contrapostos, com força vinculante.
Identificada tem sido a organização sindical brasileira, de forma errônea, com o corporativismo decorrente da ideologia trabalhista estatal. Resta indagar então a superação desse viés na história da pós-constituição da República de 1988, em face da garantia de amplas prerrogativas de atuação asseguradas e pela eliminação de previsão de controle do poder público sobre os sindicatos, afinal, onde estamos? Liberdade associativa e sindical, e autonomia, estão presentes no direito. Isso é certo. Mas há uma demanda em torno da atuação desse poder punitivo, identificada na parca, pequena, pífia criatividade jurídica perseguida no resultado das recentes negociações coletivas, no declínio constante das taxas de sindicalização, no retrato de um sindicalismo ainda com predomínio rural.
Restam, ainda, embates em torno de questões que envolvem princípios, tais como a unicidade ou pluralidade sindical, representação por categoria, empresa, profissão, setor, diferentes graus de articulação de normas jurídicas, autônomas ou heterônomas, existência de regulamentação legal, mais ou menos detalhada e imperativa, inclusive quanto à administração sindical, resquícios e expressões da cultura sindical construídas, não por um específico e único dispositivo legal, mas na complexidade dos interesses que envolvem – e sempre envolveram – as relações do público e do privado, do individual e do coletivo, nas distintas regulamentações no curso da sua história. E, por isso, acho que não é possível analisar a trajetória sindical, sem nos darmos conta de uma especificidade do Brasil, que é a publicização do espaço privado e privatização do espaço público.
A perda dos referenciais do espaço público republicano. Nós não temos, ainda, uma república. Do sindicato como partícipe ou colaborador do Estado, bem como a predominância do individualismo como canal onde navegam os interesses dos trabalhadores atinge, pela descrença, o coletivo sindical, em favor de eventual ganho imediato, com negociação direta do prestador de trabalho com seu tomador, alocando a reforma sindical, em um ambiente de incredulidade. É como se a alteração legislativa de per si, devesse constituir novo sujeito, imediatamente quando da sua aplicação.
As propostas debatidas num consenso possível, todavia, sempre apontam para o temor da mudança, diante de um sindicalismo que se desvirtuou de sua função de defensor dos interesses da própria categoria.
Mantém-se, de qualquer forma, um déficit democrático. Este é o grande problema atual dos sindicatos. Esse déficit democrático está na legitimidade de sua representação, apesar – ou talvez por conta – da assegurada sustentação econômico-financeira, pra custeio da atividade que se projeta para uma baixa taxa de sindicalização e da perda dos referenciais de pertencimento dos trabalhadores. Fala-se até na desestruturação, da perda da noção de classe. Há pouca transparência na administração sindical, inclusive no aspecto financeiro.
Mas no Brasil não foi sempre assim, já vivenciamos um outro tempo. Diante disso talvez fosse necessário pontuar algumas situações. Um olhar no passado, para que possamos compreender o hoje e quem sabe antever algumas soluções para a questão do próprio sindicalismo.
Primeiro, há uma unanimidade no sentido de que não seria possível falar em sindicalismo no Brasil, antes de 1888. Foi, então, abolida a escravatura e embora existam vários relatos sobre ligas operárias desde os idos de 1870, é tido como pressuposto do sindicalismo, a presença de trabalhadores livres. Mas, há os estudos por parte da história e da sociologia do trabalho de que é preciso superar a falsa idéia de doação e de que só há movimento operário após a Revolução de 30. Na verdade, é preciso refutar com veemência a posição de todos aqueles que negam a existência de luta sindical no Brasil, ao contrário do que teria ocorrido na Europa e nos Estados Unidos. Ao contrário, o mito da concessão, presente na revelação do direito individual do trabalho no espaço coletivo e sindical, principalmente, a idéia prevalente de que se não é possível identificar o exato momento de surgimento desse movimento sindical, tampouco é possível negar a existência de lutas e movimentos reivindicatórios desde a transição do trabalho escravo para o trabalho livre.
A primeira Constituição de 1891 não vedava a sindicalização dos trabalhadores. A ausência de regulamentação não impediu a existência de movimentos coletivos. Na época, o STF, com base no art. 72, § 8º, que assegurava a livre e pacífica associação, reputou lícita a associação em sindicato. Então, não é uma questão de previsão constitucional. Naquela época, surgiram várias ligas, sociedades, organizações operárias, com finalidade assistencialista e não reivindicatória, mas isso somente num primeiro momento. Os dois primeiros diplomas legislativos – Decretos 1.903 e 1.907 – tinham caráter econômico e identificava-se neles um espírito assistencialista, próprio do nascimento do sindicato brasileiro. Porém, é preciso que se reconheça que, naquela época, existiam vários movimentos coletivos que se contrapunham aos céticos e reafirmavam o reclame por uma organização sindical reconhecida, disciplinada pelo direito. Além disso, nenhuma legislação sindical, na história do movimento sindical brasileiro retratou como esses dois decretos uma forma de organização mais democrática dentro do espaço histórico brasileiro.
Assim nasceu o sindicalismo. Hoje ele representa também uma importância no aspecto rural. 46% da população economicamente ativa estão no campo e o sindicato também nasce com a perspectiva de regulamentação, primeiro, do trabalho rural. Assim, Joaquim Inácio Tosta apresentou projeto que se transformou, em 1903, na primeira regulamentação.
O sindicato nasceu no Brasil, livre de quaisquer restrições ou ônus, sendo suficiente o depósito no cartório de registro de hipotecas do distrito. Eles tinham a função ou prerrogativa de estudar e defender os interesses profissionais dos trabalhadores, na agricultura ou na indústria rural. Não havia uma organização sindical piramidal. Os sindicatos centrais – centrais sindicais – ou união de sindicatos eram reconhecidos naquela época.
Houve, também, nesse período, vários encontros, como, por exemplo, o primeiro congresso operário, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 1906. Nesse sentido, não é possível negar a existência de uma trajetória histórica brasileira, que por algum momento conheceu espaços de democracia, que hoje não estão presentes. Em 1907, essa regulamentação chegou ao trabalho urbano. Passamos a contar com os dois decretos legislativos e os sindicatos, de certa forma, deixaram esse viés assistencialista. Pela primeira vez está presente uma espécie de moldura sindical.
Nos anos 30, a partir da revolução, houve um período de expansão da legislação trabalhista e a questão social se internalizava através da ideologia estatal trabalhista: Ministério do Trabalho e mais tarde, a CLT.
Com o aparecimento de algumas ideologias de direita, de Júlio de Castilhos, encampada por Getúlio Vargas, o sindicalismo sofre influência que o faz perder a referência daquele movimento real, das greves de 1917 e 1919, como uma espécie de alucinação, e constrói uma realidade de pensamento único, sob controle, ordem, disciplina, autoritarismo, que até hoje afugenta a possibilidade de uma nova democracia sindical.
Durante o período que se seguiu, várias leis foram editadas e percebeu-se que a trajetória mais curta e menos custosa para a normatização ou normalização das relações individuais de emprego seria reorganizar o sindicato. E, portanto, regulamentar o sindicato, seria ter nas mãos a regulamentação das relações individuais de trabalho. Ela, então, legitimaria, pela imputação de insuficiência de sistematização anterior, na emergência dos interesses coletivos e públicos, uma questão social que se colocava então no centro das discussões.
O controle dos sindicatos se dava pela indicação e aceitação como órgãos de colaboração do governo, para consecução da sua política social e econômica. E é exatamente a partir disso que se antes os sindicatos, pelo princípio da transparência, poderiam ou deveriam publicar o seu balanço, pelo decreto novo, de 1931, deveria ser apresentado só anualmente, até março, relatório dos seus eventos sociais, ao governo diretamente, no qual se discriminariam modificações no quadro de sócios, situação financeira. Tudo aquilo que era considerado relevante para o Estado, que passou a fiscalizar financeiramente os sindicatos e assim, controlando os sindicatos, controlava os sindicalizados, controlava os trabalhadores. Autonomia pressupõe responsabilidade. Foi assim que com a Constituição liberal de 1934 trouxe possibilidades de novos marcos de democracia, mudando para que tudo permanecesse como estava. Assim, o Decreto de 1934, apesar de haver sido considerado inconstitucional, na medida em que regulamentava em sentido contrário ao que estava na constituição, o STF – que no passado entendeu pela possibilidade do reconhecimento do sindicato sem regulamentação – afirmou ter havido recepção da legislação infraconstitucional, chancelando toda a representação de um regime autoritário, sob à égide da Constituição de 1934, liberal, mas com regulamentação sindical apontando para o rígido sistema sindical.
A Constituição de 1937 previa um sindicalismo corporativista e cada vez mais distante dos princípios democráticos. Manteve-se, então, com o decreto de 1939, um sindicalismo de molde corporativista. Adotou-se um modelo indireto de cooperação espontânea. Assim os prepostos, representantes, não eram nomeados pelo governo, mas eram eleitos. Assim mantinham o controle. Porém, entendo que o momento mais perverso dessa evolução histórica foi exatamente o regime militar. Porque com a alteração da CLT em 1967, adotou-se a seguinte estratégia: vamos assegurar eficácia erga omnes às convenções coletivas de trabalho, e então sindicalizar-se ou não é a mesma coisa, na medida em que todos se beneficiam enquanto integrantes da categoria, daquilo que eventualmente o sindicato puder conquistar. Estratégia, aliás, adotada por muitos empregadores, em distintos países da Europa, como por exemplo, na Alemanha, para retirar força do sindicato e não fomentar a sindicalização. É o que faz o Decreto-lei 229, cuja eficácia erga omnes passa a pautar esse processo de desestruturação do sindicalismo.
Após esse período de repressão, o novo sindicalismo dos anos 70 ressurge no Brasil com o movimento operário com alta concentração industrial e lutas pela democratização do país. Marca o rompimento com práticas sindicais anteriores, daí a nos fazer pensar que conseguiríamos um novo espaço de democracia na organização sindical. Porém, se no passado – 1972 por exemplo – a taxa de sindicalização das três maiores montadoras de automóveis atingiu 60% do total de associados dos sindicatos dos metalúrgicos de São Bernardo, mostrando uma certa intensificação da organização e atuação dos trabalhadores, não é isso que nós estamos vivenciando hoje. Ao contrário, o sindicalismo de luta vem perdendo força e não é em razão da regulamentação. Não tem a ver com o direito ou com o Poder Judiciário, mas com uma série de circunstâncias ou problemas porque passa a própria sociedade do trabalho, com a centralidade do emprego hoje sendo questionada. Há o enfraquecimento das estruturas sindicais. O espaço que o sindicato deveria ocupar, de luta pelos interesses da categoria, tem sido ocupado pelo Ministério Público do Trabalho ou pela Delegacia Regional do Trabalho.
Onde estão os dirigentes sindicais? Para análise do conteúdo dos instrumentos normativos negociados, nós vamos verificar que o papel criativo e transformador dos sindicatos vem se empobrecendo, ficam circunscritos à reprodução de dispositivos de lei, o que é algo inaceitável. Na parte econômica, descuram da influência de fenômenos perversos como a informalidade, terceirização, externalização, precarização, fragmentação das relações jurídicas. Descuram, realmente, da sua função de defesa dos interesses profissionais. Priorizam, quando muito, a simples manutenção de algumas conquistas. É como se tivessem sido cooptados pela lógica dos custos. Isso realmente acarreta danos à realidade brasileira, principalmente nos últimos governos neoliberais.
Uma pesquisa sindical feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego deu conta de que houve um crescimento do número de negociações coletivas no período. Elevou-se de 58% em 1991, para 81% em 2001, o que foi interpretado pelo IBGE como sendo expressão do fortalecimento da organização sindical. Mas não é. Revela-se tão-somente a facilitação da via consensual para desmantelamento do arcabouço dito rígido das normas trabalhistas.
O número de dissídios coletivos sofreu uma queda de 33% para 12% das negociações realizadas. O que demonstra que a conflituosidade cede espaço para o consenso, mas isso não significa manutenção das condições mais favoráveis dos trabalhadores.
Ao contrário, isso só passa a identificar o papel que vem desempenhando o sindicato neste momento de fragilidade, de precarização das condições dos trabalhadores, de perda do poder aquisitivo. Assim, não se deve deixar impressionar. É de se notar que se no período analisado o crescimento médio anual do número de sindicatos foi de 3,3%, entre 1987 e 1991, a anual já foi de 4,2%, e representa na verdade um processo em declínio. O envolvimento do trabalhador nesse microcosmo da empresa, é certo, agasalha uma preferência por negociações individuais pelos próprios trabalhadores. Parece que, estando caminhando juntos, empregado e empregador, como colaboradores, e um terceiro se coloca aí, inclusive o sindicato, com um sentimento de não-pertencimento e, por isso, no processo de identificação, é mais fácil o empregado se identificar com o próprio empregador do que com o seu sindicato. Desde as primeiras leis sindicais, a associação se dá pelo exercício da profissão, idêntica, similar ou conexa, sendo que nas primeiras leis sindicais, especialmente na de 1907, eles apontavam para uma regulamentação democrática que não era por categoria.
O não-reconhecimento de sindicato ou a existência eventual de alguma diretriz legislativa não demonstrou ser fundamento para maior ou menor atuação sindical. Isso está fora do direito. Governos não-democráticos se utilizaram de dispositivos de lei para assegurar a cooptação dos sindicatos, para atendimento de interesses políticos do governo. Portanto, o sindicato está e se deixa colocar, por vezes, a serviço dos governos. Não é porque existe ou porque um sindicato deve defender os interesses dos trabalhadores, que necessariamente sempre cumpre esse papel. Aos poucos, o sindicalismo vinha perdendo a função assistencialista de mutualidade e se voltou para uma atuação política, inicialmente vedada pela legislação, especialmente no período de emergência do novo sindicalismo retomado. A perda da organização sindical como espaço para canalizar movimentos reivindicatórios da classe trabalhadora comprova o impacto nefasto de fenômenos presentes hoje: centralidade do trabalho, desemprego, informalidade, situações tais quais tele-trabalho, por exemplo, trabalho em domicílio, terceirização, sistema de consórcio para organização empresarial, cooperativa, todos ferem uma noção de homogeneidade, pela multiplicidade de ocupações, muito visível, em especial, no setor terciário.
O sindicato não conseguiu superar isso. Como dar conta desses novos fenômenos? Por exemplo, antes se sabia quem era o bancário, hoje, o bancário é o funcionário das lotéricas. Há dificuldade no enquadramento diante dessas novas atividades. E é preciso que o sindicato se dê conta disso, para estabelecer um procedimento de luta, de conquista de direitos para todos esses trabalhadores.
Dos sindicatos que atualizaram suas informações no Ministério do Trabalho e Emprego, 77% representavam empregados, somente 2,5% autônomos e 4% os profissionais liberais. O sindicalismo ainda é essencialmente para a defesa dos interesses dos empregados, mas não necessariamente. O que é preciso é que o sindicato não sirva a um processo de retirada da centralidade do trabalho daquilo que é o emprego, pois esse é o paradigma do capitalismo. Não é possível pensar no capitalismo sem emprego. O individualismo da sociedade medida por interesses imediatos também obstaculiza a ação das coletividades próprias dos sindicatos. As ações coletivas, motor real do progresso nas negociações das condições de trabalho, ficaram apenas em blocos de estratégias individuais de proteção do trabalho.
Diante de um contínuo processo de desprestígio e desmoronamento dos sindicatos, pelo neo-corporativismo, a inércia do movimento sindical em estabelecer contra-estratégias de ganhos de representatividade e legitimidade, gera para os sindicalistas a crítica acentuada dos trabalhadores, dos empregadores e da própria sociedade. Os sindicalistas não estão preocupados em compreender as metamorfoses do mundo do trabalho. Estão apenas atentos às suas próprias garantias e privilégios e não ao futuro de sua categoria, professando os mesmos discursos e clichês da época em que o Direito do Trabalho era construído num sistema de ordem e disciplina do modelo fabril. Hoje nós não temos mais uma sociedade com a mesma estrutura. Nós temos uma sociedade de risco, embora ainda uma sociedade de trabalho. Nós temos uma sociedade em rede e é preciso dar conta desta nova figura. Desta nova realidade. Não têm, enfim, os sindicatos, hoje, instrumentos capazes de levar a classe operária para além do capital, no desempenho do que diz ser a sua missão histórica. A questão sindical não se resolve com uma regulamentação da constituição ou da legislação infraconstitucional. Cabe ao direito tão-somente a garantia dos princípios da liberdade e autonomia sindicais, pelo que urge a retirada da contribuição sindical obrigatória e qualquer outra fonte de custeio, o efeito erga omnes das convenções coletivas de trabalho, a observância do princípio da pluralidade sindical, a não-intervenção estatal e a publicização das contas dos sindicatos para controle externo.
No final das contas, as bases das categorias estão desinteressadas da questão sindical e os sindicatos infelizmente mais atentos aos seus próprios interesses, muitas vezes corporativos, não todos, nem sempre, mas quase sempre. Em face da possibilidade daquela reforma sindical, menos mal que tudo ficou como já foi um dia.
* Palestra proferida em 21.09.2006.
A Necessária Independência do Juiz*
Grijalbo Fernandes Coutinho
Juiz do Trabalho da 19ª VT de Brasília – DF
Necessidade da independência – primado fundamental da democracia. Não fim em si mesma estando a serviço de alguma causa nobre.
A independência do juiz deve servir para o Estado Social, um Estado diferente do Estado Liberal, ainda que o Estado tenha a tendência de preservar os direitos liberais.
Porque discutir? É necessário discutir a postura de algumas áreas do Judiciário que pretendem manter a visão de que o Juiz é a “boca da lei”. Observa que isso decorre da falta de legitimidade dos juízes anteriores à Revolução Francesa, a partir da qual se buscava um juiz que fosse confiável (antes compravam o próprio cargo e também vendiam decisões).
O juiz atual deve ser adequado ao constitucionalismo social e atender aos conflitos sociais que se lhe apresentam. Observa que o conflito capital-trabalho é o conflito básico da sociedade capitalista. O Poder Judiciário tem um papel importante na avaliação/solução desse conflito. Por isso a fundamental independência do juiz passa pela valorização do Estado Social, valorizando direitos sociais, princípios e direitos humanos, especialmente para os Juízes do Trabalho. Observa que os princípios não necessitam estar positivados e freqüentemente não estão, mas isso não deve ser impedimento a que sejam aplicados.
Reitera que a independência do juiz não é fim em si mesma, deve estar a serviço de causa nobre.
Cita Boaventura Santos, preocupado com a evolução do juiz, diz que as mudanças obrigam a repensar o sistema de justiça e cultura judiciária.
Pontos fundamentais num estado que se apresente como social:
• Ingresso por meio de concurso público de provas e títulos.
Zaffaroni, mesmo reconhecendo a possibilidade de desvirtuamento, ainda o considera a melhor maneira de selecionar juízes, comparando-o às eleições diretas dos representantes do povo (políticos). É o único que corresponde a regras objetivas.
• Formação do magistrado e técnica jurídica – capacidade de compreender a sociedade em que vive e conhecimento da história do seu país. Há importante papel das associações de magistrados e escolas de magistratura, para dar formação humanística aos magistrados. Relata implantação da ENAMAT, observando a ênfase da ANAMATRA à democratização da escola, para que não seja escola de pensamento único. Lamenta o modelo inicial escolhido pelo TST, porque muito controlado pela cúpula do TST. Preocupado com a possibilidade da Disciplina Judiciária ser enfatizada na atuação da escola. Não queremos pensamento único, a fim de não criar robôs para o futuro, mas uma escola verdadeiramente democrática, para que não se tenha controle do pensamento dos magistrados. Liberdade não se compatibiliza com disciplina judiciária, que considera inconstitucional.
• Vitaliciedade e inamovibilidade – estão consagradas na CF Brasileira, são fundamentais e sempre são objeto de discussão quando se fala em reforma do Poder Judiciário. Lembra que participou de discussões há 8 anos nas quais se afirmou que era necessário acabar com a vitaliciedade.
• Integralidade de vencimentos – embora os antigos ainda tenham na aposentadoria, preocupa-se com a ausência de garantia para os novos juízes.
• Independência interna – diz que a externa é assegurada, mas a interna não está perfeitamente consagrada, sendo uma das lutas das associações de magistrados. Observa que os mecanismos de punição e promoção estão vinculados às cúpulas dos Tribunais, principalmente os TJs. Observa que a carreira é pautada por decisões do Tribunal, que criam uma hierarquia e relação de dependência entre as 1a e 2a instâncias, sugerindo que deve ser modificado o modelo, pelo qual há juízes que não se rebelam contra o status quo, porque sabem que ao chegarem aos Tribunais poderão fazer o mesmo. Cita o sistema espanhol, no qual o CNJ tira dos Tribunais o poder de promover juízes. Fala sobre o CNJ, observando que embora muitos o vissem com reservas, foi admitida sua discussão pela ANAMATRA. Embora se tenha afirmado que a eleição direta para os dirigentes dos Tribunais fosse uma das possíveis soluções, a criação do CNJ foi considerada mais eficaz para contribuir com a liberdade dos juízes; pretendia-se também membros eleitos diretamente. Observa que embora o modelo não seja o ideal, os resultados que tem sido verificados são altamente positivos nos dois conselhos MP e Mag…. Não obstante, sugere a possibilidade de maior democratização na escolha dos membros dos conselhos.
• Independência não tem o mesmo significado para todos juízes… alguns a querem para defender seus interesses pessoais, o que tem sido objetivo de tentativa de superação pela ANAMATRA, para que seja mantida, sempre, em benefício da sociedade. Daí a iniciativa da ANAMATRA de denunciar os juízes pelo NEPOTISMO, o que levou ao CNJ à tomada de uma das suas medidas mais importantes, a partir da denúncia pública da ANAMATRA, em 2001.
• Enfrentamento de abusos nos TRTs e TJs. Sem prejuízo do interesse público, busca-se garantir que o juiz tenha observado o devido processo legal no procedimento, como previsto pela LOMAN.
• ANAMATRA posiciona-se sobre os grandes temas de interesse do PJ e ao DT, como trabalho escravo, plebiscito, etc. razão pela qual diz absolutamente fundamental o associativismo dos juízes. Se não houver organização e entidade comprometida com esses valores (prerrogativas), desaparecerão ou serão fragilizados.
• Podemos não ter o melhor modelo de PJ, mas em comparação com outros países latino-americanos, vê-se que temos um PJ que proporciona bom nível de independência. Estão em andamento tratativas para a criação de uma associação latino-americana de juízes do trabalho, a partir da percepção de que alguns países ainda apresentam ameaças à liberdade e independência dos seus juízes.
• Reafirmar princípio da autodeterminação dos povos.
• A luta dos juízes do trabalho deve ser internacionalizada para ganhar força e visibilidade a fim de implantar a justiça social nas diversas nações. Cita o autor do manifesto contra o imperialismo na América Latina (Eduardo Galeano – As Veias Abertas da América Latina) “a causa nacional latino-americana é antes de tudo uma causa social, para que a AL possa renascer terá que começar a derrubar seus donos, país por país, abrem-se tempos de rebelião e mudança… … até consciência dos homens.”
Diz que as garantias não podem ser oferecidas para preservar direito pessoal, mas para garantir a independência do PJ.
* Palestra proferida em 21.09.2006.
O Processo do Trabalho e suas Peculiaridades*
Oscar Ermida Uriarte
Catedrático de Direito do Trabalho na Universidad de la Republica (Uruguai)
Desejo agradecer o convite da AMATRA para proferir essa palestra, que implica uma grande honra para mim. É muita honra para o trabalhismo do Uruguai sediar um encontro brasileiro sobre Direito do Trabalho. Lembro uma brincadeira que me fizeram numa ocasião em São Paulo, há muitos anos, e um amigo me disse “espera aí Oscar, todos temos muito interesse em escutar e entender o que você fala, então, por favor, fale em espanhol”.
Estão todos então autorizados a pedir que eu fale em espanhol.
A palestra se refere principalmente à situação uruguaia, mas utilizaremos o direito brasileiro como comparativo. Vocês sabem que o direito comparado estuda semelhanças e diferenças entre ordenamentos jurídicos. E nas diferenças é que encontramos a relação entre o direito do trabalho uruguaio e o brasileiro. Podemos dizer que em direito processual do trabalho e na estrutura da Justiça do trabalho, Brasil e Uruguai ocupam extremos opostos. O Brasil tem uma Justiça do Trabalho com uma estrutura própria, com alto grau de autonomia. Uma Justiça Trabalhista paralela e afastada da Justiça Comum, com um Tribunal Superior do Trabalho próprio, enquanto o Uruguai só tem justiça especializada na capital, em Montevidéu. Não há justiça especializada no interior. O Uruguai não tem processo do trabalho, constituindo uma exceção em toda a América Latina.
As peculiaridades do processo do trabalho decorrem das particularidades do direito do trabalho, por que o direito processual é adjetivo, é instrumental. A sua função é o cumprimento, a eficácia, a realização, do direito substantivo. A função do direito processual do trabalho é a eficácia, a realização, do direito do trabalho.
O direito processual do trabalho é instrumental, mas de extrema importância, por que dele depende a verdadeira aplicação do direito substantivo. E por isso o direito substantivo do trabalho transmite seus princípios ao direito processual do trabalho. A enumeração das peculiaridades ou princípios do direito processual do trabalho muda conforme o autor. Escolhemos seis peculiaridades ou princípios aceitos pela maioria da doutrina: proteção, realidade, gratuidade, celeridade, oralidade e autonomia. Com respeito a primeira particularidade, o da proteção, não poderia ser diferente. O direito substantivo do trabalho tem como função principal a proteção. Mais ainda deve tê-la, o direito processual do trabalho. Tanto assim é possível discutir se a proteção é um princípio do direito processual do trabalho ou se é um princípio do direito do trabalho que é aplicado ao direito processual.
Em todo caso, não se discute esse caráter protetor do processo trabalhista. Alguns autores espanhóis falam da desigualdade compensatória, com a mesma idéia de proteção. Esse princípio de proteção tem múltiplas aplicações. Em matéria de prova, quanto à valoração da prova, ao ônus da prova, a simplicidade na produção da prova, a concentração e até aspectos relacionados com a gratuidade e a celeridade. Tanto assim, que se pode afirmar que todos os outros princípios ou peculiaridades do direito processual do trabalho derivam ou são manifestações do princípio da proteção. Poderíamos dizer que o único princípio é o protetor e todos os demais derivam dessa necessidade de proteção.
O segundo princípio ou peculiaridade é o da realidade ou veracidade, busca da verdade material. Um querido juiz trabalhista uruguaio falava da verdade da vida. O processo trabalhista busca a realidade. Também aqui temos um reflexo do direito substantivo no direito processual do trabalho. Esse princípio tem também as suas múltiplas manifestações. Todas as exceções que no mundo do processo trabalhista podem se dar na representação, da não-exigência do comparecimento do Advogado em determinados casos, a assistência ou substituição sindical, são manifestações dessa busca da verdade real, de uma simplicidade que facilite a verdade das coisas. Sobretudo em matéria de legitimidade passiva, aceitação ampla da personalidade do empregador para além das formas jurídicas, a realidade da prova, o sistema de nulidades, são manifestações desse princípio.
A concentração, a oralidade, a imediação, podem também ser consideradas reflexos do princípio da realidade. Os mecanismos inquisitivos em matéria de prova, o poder do Juiz de procurar por si mesmo além do que pedem as partes, a prova necessária, o impulso de ofício, a possibilidade de julgamento ultra ou extra petita, são todos manifestações do princípio da busca da verdade.
O terceiro princípio é o da gratuidade para o trabalhador, clara derivação do princípio protetor, da desigualdade compensatória da qual falávamos. Em quarto lugar, a oralidade, que também se manifesta na concentração, na simplicidade, na imediação. Em quinto lugar, está o princípio da celeridade, de rapidez. A fundamentação teórica da celeridade no processo trabalhista, a sua importância, parte de uma realidade geral. A rapidez no processo é importante sempre. Essa afirmação clássica de que a Justiça lenta não é justiça, é verdade sempre. Mas é mais verdade no campo do direito processual do trabalho. A prova é que a celeridade é sempre aceita como princípio informador do direito processual do trabalho, embora nem sempre seja proclamada como princípio no direito processual civil.
A celeridade e a rapidez são essenciais em matéria trabalhista por três razões. Em primeiro lugar, pela natureza alimentar do salário. O salário e as demais prestações trabalhistas tem a ver com a sobrevivência do trabalhador e de sua família. O trabalhador que reclama em juízo encontra-se em estado de necessidade, razão pela qual a questão deve ser resolvida de modo rápido. A segunda razão é a de que a demora na resolução do processo destrói toda a estrutura do direito substantivo do trabalho. A proteção não existirá se não houver uma justiça que com rapidez aplique esse direito. Cai por terra a irrenunciabilidade, a imperatividade do direito do trabalho. A perspectiva de um processo de longa duração, leva o trabalhador a aceitar transações desastrosas. Pior do que isso, estimula o empregador a não cumprir as regras trabalhistas. A perspectiva de um processo demorado é um estímulo ao não-pagamento. O direito do trabalho depende de uma justiça rápida e célere. A maior desregulamentação, a mais efetiva e silenciosa derrogação do direito do trabalho é uma justiça lenta. A terceira razão de importância da celeridade é de que de um ponto de vista econômico, é de que não faz sentido por em movimento toda a máquina judicial – Juízes, Advogados, funcionários – para resolver se um senhor está devendo dois ou três salários mínimos ao outro. Economicamente seria mais eficiente entregar o dinheiro sem sequer perquirir quem tem razão, do que despender tanto tempo e gasto público para realizar o processo. Não existe razão alguma teórica ou técnica, para que um processo trabalhista demore mais do que poucos meses. Não falo de alguns processos muito complicados, mas da grande maioria, que são simples.
Há, de outro lado, muitas razões para que todas as questões trabalhistas sejam resolvidas rapidamente. Aqui, eu quero fazer um parênteses, para realizar uma crítica da situação uruguaia, por que a duração do processo trabalhista uruguaio é muito extensa. O processo trabalhista uruguaio dura no mínimo dois anos ou muito mais, especialmente se há recurso ou se há necessidade de liquidação de sentença ou se é necessário iniciar um processo de execução, para cobrar o crédito trabalhista. Além disso, o sistema nacional de juros e de sobre taxas judiciárias, transformando em grande negócio não pagar a condenação, fazer com que o processo demore. E esse deveria ser o pior dos negócios possível. O sistema de gratuidade no processo uruguaio é insuficiente. Há muito procedimento judicial que tem de ser pago, para que se realize a diligência, realizar perícia, etc, e o trabalhador geralmente não pode suportar o custo. Tudo isso gera uma desconfiança dos trabalhadores no sistema jurídico trabalhista. Não se trata de desconfiar dos juízes, mas do sistema em si, por causa da falta de celeridade. E isso leva a transações ou a greves ou ações que acabam sendo mais efetivas.
A proposta de solução para essa deficiência de celeridade do processo uruguaio é, em primeiro lugar, a criação de um processo sumaríssimo trabalhista, inspirado no sumaríssimo brasileiro, destinado a pequenas causas. Em segundo lugar, limitar as possibilidades de recurso, seja instaurando um processo de instância única, seja exigindo, para que a apelação seja recebida, o depósito do valor integral da condenação. Em terceiro lugar, temos de reformar o sistema de juros e taxas, de modo que não pagar seja o pior dos negócios possíveis. E temos de fazer com que a gratuidade seja efetiva, de modo que o trabalhador possa produzir todas as provas possíveis, sem gasto algum. Tudo isso supõe uma profunda reforma, a substituição total do sistema atual, por outro totalmente novo e verdadeiramente autônomo. E essa idéia nos leva ao último princípio de que queremos tratar hoje: o princípio ou peculiaridade da autonomia do processo do trabalho.
O fundamento teórico da autonomia do processo do trabalho busca a mesma consideração que a questão da proteção. É princípio ou derivação, decorrência, da grande autonomia do direito substantivo do direito do trabalho e do caráter adjetivo do direito processual, já que não se discute a autonomia do direito material do trabalho. O grande processualista uruguaio Eduardo Couture, deixou nessa matéria três grandes lições: a primeira, é precisamente a de que o direito do trabalho precisa de um processo apropriado, próprio, de tal modo que ele mesmo excluiu a matéria trabalhista de seu projeto de código do processo civil, um projeto que vi que no dia da inauguração no salão paraninfo da universidade, alguém estava comprando. É um monumento histórico do direito processual uruguaio e nele excluia-se o direito processual trabalhista, por sua autonomia.
A segunda grande lição de Couture é que o processo trabalhista deve necessariamente evitar o desajuste com o direito substantivo, tem que acabar com o mito do processo como fim, pois se constitui mero instrumento, ferramenta de aplicação do direito do trabalho.
A terceira lição é a inadequação do processo comum para a solução dos conflitos trabalhistas. O princípio da igualdade das partes é simples suposição teórica que não verifica na realidade da relação jurídica de trabalho. Assim, o processo trabalhista tem que evitar que o litigante mais poderoso entorpeça os fins da justiça, tem que haver um processo especial em que a desigualdade compensatória seja efetivada.
Quero agregar um quarto argumento em defesa de um processo trabalhista autônomo, o art. 36 da Carta Interamericana de Garantias Sociais exige para todos os países da América uma jurisdição especial do trabalho e um processo trabalhista próprio. Diz o dispositivo que em cada estado deverá existir uma jurisdição especial de trabalho e um procedimento adequado para a rápida solução dos conflitos.
Com isso, concluo dizendo que devemos buscar a autonomia do direito processual do trabalho, do direito processual civil, do mesmo jeito que o direito material do trabalho é autônomo em relação ao direito substantivo civil.
Do ponto de vista teórico, tenho de acrescentar uma coisa, que é o necessário pertencimento do direito processual do trabalho ao direito do trabalho, ou seja, ao direito substantivo ao qual se liga, a tal ponto que todas as peculiaridades do direito processual do trabalho coincidem ou derivam das peculiaridades do direito do trabalho. Deveríamos falar em direito trabalhista processual, mais do que em direito processual do trabalho. E nesse ponto, também peço licença para fazer uma crítica à situação uruguaia. Vivemos há 15 ou 20 anos uma situação de desespecialização em matéria de direito processual trabalhista. Não temos em nosso país um processo do trabalho autônomo. Não temos um processo trabalhista especial. Somos o único país da América Latina nessa situação. O único que viola o art. 36 da Carta Interamericana de Garantias Sociais. Não é possível pensar que todos estão equivocados e só nós temos razão. Nesse ponto, estamos fora do avanço do direito trabalhista comparado. E essa situação de não ter um processo especial, autônomo, apropriado, tem razões que a agravam. Ao contrário do Brasil, não temos uma justiça totalmente especializada, não apenas por que só há juízes com exclusiva competência trabalhista em Montevidéu, como também por que não há no Uruguai uma Justiça Trabalhista estruturada e organizada com especialidade. O Juiz aqui não pode fazer carreira como juiz trabalhista. Ele pode passar de um Tribunal cível para um trabalhista, depois para um administrativo. Isso impede a especialização. E existe, ou existia, uma desvalorização dos juízes que atuam nas varas trabalhistas. Para os juízes trabalhistas, serem deslocados para um Tribunal civil de mesma hierarquia, é visto como promoção. Para um juiz civil ser deslocado para um Tribunal trabalhista é uma sanção. E na prática o deslocamento muitas vezes se deu em razão de uma sanção não declarada. Isso agrava os efeitos negativos da inexistência de um procedimento trabalhista próprio.
Concluindo, o sonho de um processo único para todas as matérias não tem correspondência com a realidade. É uma fantasia, ao menos em matéria trabalhista, que tem necessidade de processo especial.
Segunda conclusão: as peculiaridades ou princípios do direito substantivo do trabalho exigem um processo especial que assegure sua eficácia e uma magistratura especializada.
Terceira conclusão, dois grandes princípios são especiais nessa matéria e devem inspirar os juízes: o da proteção e o da celeridade.
Quarta conclusão, do ponto de vista teórico, técnico, o princípio protetor é o mais fundamental, todos dele decorrem, mas do ponto de vista prático, na realidade da vida, o mais importante é a celeridade. Uma boa proteção que demora anos, não é proteção.
Quinta conclusão, no Uruguai não contamos com um processo ou magistratura especializados, o que constitui uma das causas da ineficácia do direito substantivo do trabalho, do não-cumprimento dos direitos dos trabalhadores.
* Palestra proferida em 22.09.2006. – Tradução Ary Faria Marimon Filho.
A Flexibilização e o Direito do Trabalho Uruguaio*
Helious Sarthou
Professor da Universidade de la Republica – Uruguai
Sempre digo que se os juízes do meu País querem avançar, é muito importante que tenham contato com outros juízes e que discutam questões sociais. O meu tema de hoje é flexibilização, mas não posso deixar de salientar a grande importância para o tema que tem a hierarquização dos juízes do Uruguai. Isso porque o coletivo e o privado são totalmente desregulados em nosso País o que faz com que necessitamos de juízes especializados para atuar nas causas trabalhistas. Isso porque os juízes, mesmo com as dificuldades que enfrentam, têm desempenhado papel fundamental na construção do Direito do Trabalho uruguaio. Muitos dos direitos hoje consolidados não são apenas resultado do trabalho da doutrina, mas da atividade conjunta de juízes e demais operadores do Direito. Por isso, considero essencial a especialização efetiva tanto do direito quanto do processo do trabalho, já que não parece adequado o tratamento da jurisdição trabalhista como uma jurisdição de castigo ou rebaixamento para os juízes que para ela são deslocados.
Esse tratamento não é apenas ruim para o Juiz, como também para o Direito do Trabalho, que consagra aspectos tão fundamentais da vida do homem. O homem é sagrado e, portanto, as normas que dizem diretamente com o trabalho que realiza também devem ser assim consideradas. A proteção à vida desse Homem depende substancialmente de como atua a Justiça, que irá dizer o direito no caso concreto. Considero de suma importância dizer isso porque os Juízes do Trabalho uruguaios estão, na medida do possível, consagrando jurisprudência que busca conferir eficácia a esse ramo do Direito.
Nosso tema importa definir como vemos o horror da flexibilização no âmbito das relações de trabalho.
A flexibilização contém um engodo, uma falácia semântica. Parece uma palavra positiva, moderada, que não revela seu verdadeiro conteúdo, mas o exercício da flexibilização através da realidade, revela aspectos importantes e negativos quanto à transcendência do Direito do Trabalho. E precisamos perceber também que a idéia de flexibilização envolve algo mais profundo do ponto de vista da organização judicial.
Eu creio que o Poder Judiciário, como todo o poder de estado deveria ter independência e autonomia financeira. De tal modo que se uma audiência dura um ano, deveria haver uma reestruturação para que um número maior de juízes atendesse a demanda jurisdicional, mas não abdicar do poder de prestar tutela jurisdicional ou simplesmente seguir decisões superiores, como forma de diminuir o volume de serviço. O que temos de fazer é melhorar a remuneração de servidores e juízes e incrementar os recursos humanos.
Quanto ao nosso tema, antes de mais nada, quero referir a matéria com a qual trabalha a flexibilização, pela responsabilidade que envolve tratar do tema flexibilização. O que se está flexibilizando e o que implica flexibilizar.
O trabalho e o Direito do Trabalho constituem valores fundamentais em uma sociedade organizada. E exatamente por isso envolvem, em sua aplicação, razões de natureza extrajurídica. Compartilho, quanto à definição do conceito de valor, a idéia de que valor é algo que desloca uma vis operativa em outra, o conceito de valor envolve algo que preexiste, que tem existência além das diretrizes de determinado grupo social, em virtude de conter algo que é instituído identicamente por todos e serve à interpretação e aplicação das regras jurídicas, como ocorre no âmbito do Direito do Trabalho. São, pois, os valores que definem o modo como haverá aplicação, por todos, das normas atinentes ao trabalho e ao Direito do Trabalho.
Esse valor intrínseco ao trabalho humano implica referência a algo que persiste e tem existência em determinado âmbito social, por que é conhecido e aceito por todos. Por isso, digo que devemos ter muito cuidado, sermos muito cautelosos, com a flexibilização, por que estamos manejando um valor de conteúdo axiológico. O trabalho é isso, um valor para a nossa sociedade moderna. E não é só um valor importante para a sociedade em que está inserido. Ocorre que a comunidade internacional reconhece que o Direito do Trabalho e o direito ao trabalho constitui um direito humano fundamental. Praticamente, não há documento que trate dos direitos humanos em nível internacional, que não traga a noção de trabalho como direito essencial. O art. 23, I, da Declaração Internacional dos Direitos do Homem. O art. 14 da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão, o art. 2º da Carta Americana de Garantias Sociais, todos dispõem que o trabalho deve ter proteção especial e não pode ser considerado como mercadoria. No mesmo sentido, o art. 62 de Protocolo de San Salvador. Quer dizer, além de um valor, o trabalho é reconhecido internacionalmente como direito humano fundamental. Isso, por si só, já afastaria a possibilidade de flexibilização como modo de fragilizar a proteção ao trabalho.
No Uruguai, em que o direito do trabalho é essencialmente desregulado, há que se ter cuidado ainda maior com o uso da flexibilização, por que interfere nesse valor humano fundamental. É claro que essas circunstâncias estão também ligadas a conceitos extrajurídicos e com a opinião da mídia. Mas a noção de que o Direito do Trabalho constitui valor fundamental faz com que percebamos que qualquer norma relativa à desregulação deve ser examinada com muito cuidado, justamente por que interfere num valor humano fundamental.
A constitucionalização social permitiu a integração, no texto do pacto social, dos direitos humanos de segunda geração, dentre os quais está o direito ao trabalho e do trabalho. Em primeiro lugar, vieram constituições liberais em que prevaleciam os direitos políticos, depois constituições sociais, em que os valores sociais e econômicos passaram a ter prevalência. Isso foi obra de movimentos políticos bem organizados, da insurgência republicana a reclamar mudanças sociais, e da luta geral pela inclusão dos direitos humanos nos pactos constitucionais dos países democráticos. Ou seja, o Direito do Trabalho é marcado por essa luta e por essas conquistas. E são justamente essas conquistas que a temática da flexibilização parece querer limitar.
O segundo aspecto que quero destacar resume-se a qual é a caracterização do processo de flexibilização. Nós temos convicção de um Direito do Trabalho fundamental e necessário, que iremos utilizar como base para destacar os aspectos negativos ou o que deve ser modificado em relação a esse processo de flexibilização. É certo que a concepção que temos do Direito do Trabalho modifica o modo como vemos o processo de desregulamentação. Eu vejo o Direito do Trabalho como um direito absolutamente autônomo e indispensável, um direito antropocêntrico, um direito que diz com a centralidade do homem, que tem de ser protetor, que tem de ser irrenunciável. O dia em que o Direito do Trabalho for renunciável terá acabado, porque não haverá pessoa alguma que não tenha um contrato com uma empresa, estabelecendo a renúncia de todos os direitos. Tem, pois, de ser protetor e irrenunciável, com os traços da continuidade e da primazia da realidade.
E por último, mas não menos importante, a flexibilização deve encontrar limite no princípio da “não regressividade”, do não retrocesso social. O princípio do não-retrocesso social está estabelecido como fundamento dos direitos humanos no Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, o que implica a impossibilidade de que um país desregulamente um direito humano fundamental. Não se pode permitir retrocesso social em relação às conquistas de direitos humanos fundamentais já estabelecidas. Essa premissa de não-retrocesso social é também essencial quando se pensa em Direito do Trabalho. Aponta para a defesa de um progresso indefinido que na década de 40 identificou muito a aplicação do Direito do Trabalho. O processo de desregulamentação foi mitigando essa idéia, mas não pode fazer com que percamos de vista sua transcendência.
Vejamos então como pode ser considerada a flexibilização. Entendo que o modo como fizeram com que a idéia de flexibilização fosse introduzida e aceita no âmbito das relações laborais, foi o de culpar as regras do direito do trabalho em sua origem pela crise intrínseca ao modelo capitalista de produção que adotamos, justificando o processo de supressão ou diminuição de direitos. Mas há movimentos da jurisprudência, sindicais, trabalhistas ou mesmo patronais que dizem não a essa idéia. O Direito do Trabalho não pode ser culpado pela crise que enfrentamos.
Então, o direito laboral não enfrenta uma crise endógena. A crise é exógena, da sociedade. Não há emprego, portanto o problema é econômico e os empresários devem pensar numa solução. A solução certamente não está no sacrifício dos direitos fundamentais do trabalho, essenciais ao homem.
O Direito do Trabalho, como direito humano fundamental que é, não pode pagar pela crise econômica, pela crise de sistema que enfrentamos. O trabalho digno e protegido não pode sequer ser objeto de negociação. Quem detém responsabilidade econômica e social não pode se arvorar a diminuir ou suprimir direitos, atingindo uma disciplina de direitos humanos fundamentais. O Direito do Trabalho se consolidou sobre a base de desenvolvimento da constitucionalização social, razão por que constitui um mandato para a melhoria das condições sociais.
Então, o primeiro aspecto de fundo da flexibilização é a sua contradição com a essência do Direito do Trabalho. É um erro pensar que devemos flexibilizar por que enfrentamos problemas econômicos, por que isso encerra a violação do princípio de não-mascaramento das verdadeiras causas. Quais são as causas pelas quais se produz a crise econômica? Eu poderia afirmar que decorre da não-realização de reforma agrária, que decorre do pagamento da dívida externa, porque não se está enfrentando a atividade financeira adequadamente, porque o assistencialismo não é uma solução, mas sim a existência de um trabalho com salário digno. Muitas poderiam ser, portanto, as causas da crise econômica que enfrentamos. Por que não flexibilizamos reduzindo jornada, encontrando novos campos de trabalho? A prova de que a lógica está invertida é o fato de que não aumentou o número de empregos com o fenômeno da flexibilização. O que é inadmissível é que se pretenda enfrentar a crise rebaixando – porque não se trata de verdadeiramente flexibilizar, mas de rebaixar ou suprimir – direitos humanos fundamentais.
A flexibilização tem, pois, esse primeiro aspecto de fundo. Aqui no Uruguai tivemos dois juristas que se colocaram como verdadeiros bastiões da luta pela defesa do Direito do Trabalho como direito humano fundamental insuscetível de ser mitigado, restringido ou suprimido. Hector-Hugo Barbagelata e Plá Rodriguez foram intransigentes pela não-aceitação da flexibilização no âmbito das normas trabalhistas. O livro “El Particularismo Del Derecho Del Trabajo”, de Barbagelata, é um livro fundamental do ponto de vista de resistência ao processo de flexibilização, de resistência a todo o processo que pretende dotar a flexibilização de uma “aparência filosofal”.
Não devemos nos impressionar com a idéia de “colaboração do Direito do Trabalho” para a superação da crise. Devemos colaborar como Direito do Trabalho, buscando aplicar as normas trabalhistas, evitar trabalhadores sem registro, lutar por normas securitárias adequadas. E não abrindo mão de direitos, para que a situação econômica que efetivamente determinou a crise permaneça inalterada. Essa é uma realidade que já pode ser verificada, pois nos países em que se buscou flexibilizar regras trabalhistas, como no Brasil, na Argentina ou no Uruguai, não verificamos modificação alguma, na crise aguda que enfrenta o sistema econômico. Pelo contrário. Isso revela que a flexibilização é, em realidade, um mecanismo, um artifício que obedece a lógica do capital. Não podemos desconhecer que após a queda do muro de Berlim, com o final da bipolarização equilibrante, o capital iniciou, em nível mundial, um movimento para recuperar o que havia perdido com as constituições sociais, e daí todo esse processo de desregulação dos direitos fundamentais dentre os quais está o Direito do Trabalho.
Um terceiro aspecto a ser ressaltado é que as empresas, no período de pleno desenvolvimento do capital, se apropriaram da mais-valia e obtiveram lucros fantásticos. Agora, em um momento de crise, os trabalhadores são chamados a “contribuir”, com a supressão dos seus direitos, para o enfrentamento da crise, mas em momento algum se cogita da devolução, pelos empregadores, dos lucros que obtiveram no período de expansão do capitalismo. Se o trabalhador tem um contrato de trabalho, recebe um salário fixo, que não se modificará de acordo com os resultados dos lucros da empresa, os quais não lhe são repassados, quando há a crise não deve ter responsabilidade pela crise da empresa. A flexibilização quebra o sinalagma do contrato, por que apenas o empregado abre mão de direitos fundamentais. Se o empregado não participa dos lucros da empresa, não pode suportar as conseqüências de sua crise financeira.
Vejam, o Direito do Trabalho não se nega a colaborar, mas com os mecanismos que lhe são próprios. Não abandonando as premissas essenciais do direito fundamental e de um valor fundante como é o direito ao trabalho.
Em quarto lugar, com a flexibilização se viola também o respeito à ordem pública estabelecida. O Direito do Trabalho significou a instauração de uma ordem pública fundada no aspecto social do trabalho humano, superando a noção de individualismo própria do Direito Civil para conferir às normas jurídicas uma efetividade que transcende a órbita de um indivíduo. E justamente por isso se estabelece o caráter de irrenunciabilidade das normas trabalhistas, porque os temas disciplinados pelo Direito do Trabalho envolvem e interessam à sociedade organizada. Os direitos fundamentais são, pois, irrenunciáveis, porque precisam ser defendidos da própria debilidade de seus titulares, de sua condição de hipossuficiência. Assim, a flexibilização quebra também o princípio da irrenunciabilidade. O direito laboral tem como fundamento de sua existência o caráter alimentar e irrenunciável dos créditos. O processo de flexibilização viola o processo de desenvolvimento social, a ordem pública econômica organizada com as garantias mínimas necessárias para que as relações trabalhistas existam como tais. Quebra-se a regra da irrenunciabilidade, pedindo que os trabalhadores assumam o custo de um processo, sem que, em momento algum, os resultados de eventual diminuição na crise financeira sejam repassados aos trabalhadores.
Houve um momento, na década de 40, em que se chegou a cogitar da importância de que os trabalhadores participassem também dos ganhos advindos do empreendimento, mas não chegou a ser desenvolvida satisfatoriamente essa idéia. A ordem pública econômica é diversa da ordem pública social, porque depende da idéia de quem está manejando a economia em determinado momento histórico. Não há, pois, como justificar a pretensa supremacia da ordem econômica sobre a ordem pública laboral.
Temos que ter a idéia de que não apenas do ponto de vista político, como também econômico e jurídico, viola-se a ordem pública, colocando a ordem econômica acima da ordem moral.
A outra questão é de ordem lógica, pois de um fato descritivo não se pode derivar um predicado normativo. O que é, é, mas não necessariamente o que é, é ou se transforma no que “deve ser”. O dever ser é uma construção que leva em conta os fatos e os elabora, para formar o “dever ser”.
Quando se verifica que há o fato “falta de trabalho” e se toma esse fato como elemento como cerne, e isso se generaliza, então, de alguma maneira, estamos fazendo da experiência a normatividade jurídica. E isso viola a ordem lógica de que falávamos antes.
Para mim, a flexibilização já está normatizada, já que a despedida imotivada, o jus variandi e o poder disciplinar não têm explicação no âmbito da contratualidade, nem tampouco do ponto de vista da proteção ao trabalho humano. Em nenhum contrato é possível que o empregador sofra punições por parte de seus empregados. Em nenhum contrato civil é possível mera denúncia imotivada do contrato, sem conseqüências jurídicas amplas, como ocorre no contrato de trabalho. Assim, o Direito do Trabalho é uma construção jurídica que reflete o que passou durante o período de revolução industrial, que influenciou a terminologia jurídica, e quando e naquilo que pôde, modificou-a, mas não conseguiu modificá-la em todos os aspectos. Se houvesse superado os paradoxos da relação capital x trabalho, teria modificado os aspectos do jus variandi, permitido um poder disciplinar igualitário às duas partes contratantes e impedido totalmente a despedida imotivada, porque “el despido libre” é uma negação do direito fundamental ao trabalho. A irracionalidade da despedida injustificada é uma negação do direito. O direito é racional em sua essência. A idéia mesma de direito como racionalidade é violada quando se estabelece uma norma sem uma razão lógica, como é o caso da possibilidade de denúncia do contrato de trabalho sem qualquer justificativa. Então, se essa lógica desafia até mesmo a racionalidade do direito, tem de ser modificada. Mas não estamos falando dessa flexibilização que não é por todos compartilhada. Falamos da flexibilização que resulta de uma visão neoliberal do Direito e do Estado. Falamos da globalização, da substituição do pensamento humano centrado nos direitos fundamentais, para um pensamento centrado na lógica do capital, estabelecida a partir da década de 90, que alcança a todos, com uso de termos próprios, com a massiva interferência dos meios de comunicação.
Há um texto do professor Barbagelata, no livro “El Particularismo”, em que ele afirma, opinião com a qual compartilho integralmente, que “os adeptos do neoliberalismo continuam sendo em substância partidários do laissez fer e do partilhamento do estado, tanto em sua dimensão quanto em sua crise e, obviamente, condenam todas as ações que possam distorcer o funcionamento do estado livre, reclamam a desregulamentação da economia, assim como a destituição do setor privado de qualquer ingerência sobre as empresas estatizadas e são contra as interferências judiciais, como aquelas havidas por meio de ações coletivas. A aplicação de tal compreensão no âmbito das relações laborais aniquila as relações individuais de trabalho pois leva à negociação individual, por meio de contrato, das condições de trabalho. Isso sintetiza de que maneira essa falta de intervencionismo que busca o ideário liberal pretende alcançar o que se denomina o “estado mínimo”. Ocorre que o estado mínimo é a antítese do Direito do Trabalho, que nasce intervencionista, nasce com a missão de corrigir a desigualdade decorrente da situação da economia em que é forjada a relação entre capital e trabalho.
Compartilhamos, portanto, com o entendimento de Barbagelata, também expressado por Anderson, que diz “tudo que podemos dizer é que o desenvolvimento ideológico de escala verdadeiramente mundial, a produzir o capitalismo trata-se de um corpo de doutrina coerente, auto-consciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo em sua imagem, em sua forma estrutural e sua versão internacional. É assim muito mais parecido com o movimento do comunismo, do que com o liberalismo eclético que marcou o capitalismo que vivemos no século passado”.
A filosofia da flexibilização é claramente uma filosofia globalizadora, que derrota a solidariedade e anula a possibilidade de ação conjunta para defender o individualismo.
A flexibilização coloca “la alma del hombre en el mercado”. Maneja os direitos do ponto de vista da ganância, de tal modo que o homem vale se tem capital ou se tem valor econômico. Essa filosofia em nada se assemelha à filosofia liberal clássica, que ressaltou os direitos do homem. Esse pensamento neoliberal atenta contra a própria definição de direito, que tem no homem o destinatário da norma. Ou seja, o objetivo deve ser a melhoria das condições de vida de todos e isso não está nos planos dessa política neoliberal que é, em sua essência, excludente.
A flexibilização afeta também a organização cultural, por que o modo de vida dos indivíduos, a maneira como eles conseguem exercer seus direitos, afeta diretamente o âmbito cultural da sociedade. Sabemos que o fenômeno da globalização é positivo quando aproxima fronteiras, possibilita a comunicação, o problema está nas implicações que daí decorrem.
Temos como expressão da flexibilização, no Direito do Trabalho, o contrato temporário, a compensação de horário, a possibilidade de alteração de salário, a parassubordinação, as cooperativas de trabalho. A Dra. Valdete Severo me alcançou um artigo seu, que me parecia muito bom, e tratava do tema das cooperativas de trabalho, como modo de flexibilização dos contratos de trabalho.
Agora, vou tratar brevemente da situação do Direito do Trabalho uruguaio. Vejam que no Uruguai a flexibilização não foi uma campanha de reforma ou um movimento que tinha por trás de si uma campanha política ou ideológica. Foi, em realidade, um lento e gradual movimento de edição de normas aparamente pragmáticas, que foram construindo, em cada tipo de normatividade, parte desse processo flexibilizador.
Acabaram com o código de processo do trabalho e, com isso, se eliminou o processo especializado do trabalho. A gravidade da extinção de regras próprias para o processo do trabalho, quando da unificação das regras em um único código de processo civil, repousa na circunstância de que as relações jurídicas comuns têm princípios diferentes das relações de trabalho. Não há como aplicar, por exemplo, o princípio da proteção com uma realidade de unificação das regras. Há desigualdade plena na natureza da pretensão trabalhista, há desigualdade social, não são os mesmos métodos eliminadores de conflitos sociais passíveis de serem aplicados nas demais relações jurídicas. Há desigualdade econômica, que não pode se submeter a regras de natureza estritamente economicista. É exemplo a idéia de que não se pode buscar informações de uma conta, porque o princípio do segredo bancário estaria violado. No Uruguai, em lugar algum temos as informações acerca de um bem de determinada pessoa. Iniciamos um processo para registro desses dados, mas a idéia logo foi abandonada por que, é claro, não há interesse econômico em levá-la adiante. Por isso, nós vivemos, como litigantes, o drama de quem ganha o processo, mas não recebe o bem da vida. Não apenas pelas dificuldades inerentes à execução, mas, também, pelo fenômeno da terceirização que é típico do processo liberal flexibilizador, de sorte que quando ganhamos um processo, temos diante de nós a realidade de empresas que sumiram ou já foram extintas, e a existência de tomadoras de serviço que não aparecem. E incumbe ao credor trabalhista provar a existência desse sujeito passivo “complexo”, a fim de poder perseguir patrimônio para satisfazer seu crédito.
Portanto, o primeiro e mais claro aspecto da flexibilização no Uruguai foi a unificação do código de processo. Dar ao Juiz a faculdade de aplicar as regras que entende adequadas ao caso concreto retira o dever, que antes havia, de reconhecer o tipo de relação jurídica subjacente ao conflito social e identificar as regras próprias para dirimir o conflito. A ditadura, com todos os males que causou, fez uma coisa certa: pensou que, para que os trabalhadores não fossem aos sindicatos, seria necessário dar-lhes um procedimento próprio. A democracia, por várias razões, fez uma coisa ruim, quando retirou esse procedimento próprio. Com isso, no Uruguai, uma empresa milionária litiga com outra exatamente nos mesmos termos em que o trabalhador litiga com seu patrão. As conseqüências são várias e é certo o seu conteúdo flexibilizador.
Outro aspecto importante da flexibilização está no MERCOSUL. O MERCOSUL não tem compromisso com os direitos humanos e trabalhistas, ou mesmo com os direitos decorrentes das liberdades sindicais. Não fala em sindicato. Tem um único art. (5º) tratando dos direitos humanos e trabalhistas. Há um doutrinador que chegou a falar em “frigidez social” no Tratado de Assunção, porque não aparece absolutamente nada acerca dos direitos humanos fundamentais. E o art. 5º antes citado trata de um princípio às avessas, pois dispõe que trabalho e produção devem ter uma ótima correlação, de modo a produzir “rendimentos adequados”. Aqui se evidencia o ideal liberal que permeia a formação do próprio MERCOSUL, e que inclusive constitui condição para a formação desse bloco econômico e para a entrada do capital estrangeiro nos países que dele tomam parte. Não se pode afetar a liberdade de comércio, inclusive no que tange às taxas para a importação e exportação de produtos. Nosso país, por exemplo, se viu destroçado por essa política supranacional, transformando-se em um país de serviços, por conta do ingresso de produtos estrangeiros que destruíram as indústrias nacionais. Vejam bem: não sou contra a idéia do MERCOSUL, mas entendo deva ser modificado, reestruturado e ampliado, porque o modo como foi instituído e vem sendo colocado em prática é lamentável. Notem que há uma pretensão de formar uma legislação sócio-laboral no âmbito do MERCOSUL, mas o projeto prevê o elenco, entre os direitos humanos fundamentais, do direito a dirigir o empreendimento privado. Isso é inaceitável! Como pode ser da mesma categoria dos direitos humanos fundamentais, o direito de dirigir uma empresa, senão pela idéia de mercado acima do indivíduo, que é própria do movimento de flexibilização.
Na “seguridade social”, privatizada, tem-se a pior expressão da flexibilização no Uruguai. A privatização da seguridade é absolutamente inconstitucional, por que o art. 67 da Constituição do Uruguai dispõe expressamente que os valores auferidos pelo Estado, relativos à seguridade social, devem ser destinados a formar um seguro social, nunca capital destinado a ser entregue a sociedades anônimas de capital privado. O que ocorre no Uruguai é que o dinheiro destinado à formação do seguro social é repassado a uma seguradora que, por sua vez, oferece um seguro, não equiparado ao seguro social vitalício, mas que configura um contrato de seguro comercial. Isso equivale a desconstitucionalizar clandestinamente a Constituição Uruguaia.
Foi criada a possibilidade das empresas unipessoais que, ao lado das terceirizadas, acarretaram um verdadeiro destroço nas relações laborais. Todos os trabalhadores formais foram sendo transformados em empresas unipessoais e essas empresas, que na verdade eram trabalhadores sob o manto de uma ficção jurídica, seguiram prestando serviço, mas sem proteção jurídica alguma. Essas pessoas sequer têm consciência do que implica ser “uma empresa”, tal como ocorre com os profissionais liberais que em realidade se subordinam àquele que usufrui sua mão-de-obra. Os trabalhadores passam a assumir os riscos do empreendimento, suportando gastos com alimentação e transporte, sem que suas condições de trabalho sofram efetivas melhoras.
No âmbito do direito sindical, a flexibilização é sentida na negação da “ultratividade da norma coletiva”. As novas regras, que deveriam valer apenas para os novos contratados, pois as condições anteriores se agregam aos contratos em vigor (compõem o patrimônio jurídico do trabalhador), são observadas indistintamente. Na medida em que são fixadas normas coletivas que beneficiam os trabalhadores, entendo que os contratos de trabalho em vigor estão acobertados pelo princípio da irrenunciabilidade, de tal modo que nova norma coletiva que flexibilize ou suprima um direito deverá atingir apenas os novos contratos de trabalho. Os trabalhadores já beneficiados pela norma não podem renunciar nem individualmente, nem por meio do sindicato que firmou a convenção coletiva. Se modificadas as normas da convenção coletiva, para os novos contratados essas novas disposições poderão ser aplicadas. Para os contratos em curso, permanecerão vigendo as normas anteriores mais benéficas. Essa é uma expressão do princípio da proteção que não poderia ser ignorada. Há quem diga que se tem aí uma idéia de ultratividade forçada e não natural para o tipo de documento, por que a convenção coletiva teria, por sua natureza, vigência temporária. Ocorre que não se trata de conferir eficácia ultrativa à norma coletiva, mas de compreender que as condições mais benéficas se agregam aos contratos individuais de modo a compor o patrimônio jurídico do empregado. Essa compreensão poderia ser concebida como uma flexibilização teórica que presta homenagem aos princípios próprios do Direito do Trabalho, mas que não encontra operadores que dela compartilhem, na prática jurídica.
A lei de ocupação dos locais de trabalho, não chegou a ser editada por pressão patronal, porque previa a ocupação das fábricas como uma forma de pressão dos trabalhadores. Aqui houve, também, uma flexibilização imposta pela idéia de que a via de consenso deve se sobrepor ao conflito. Mas há um aspecto positivo. Esse governo, por meio do Ministério do Interior, derrogou o decreto que permitia ao governo desalojar a família do trabalhador desocupado.
Tenho preocupação também com a lei de falência, por que temos uma norma que estabelece que a sentença trabalhista transitada em julgado só é considerada crédito preferencial, dispensada de participar do concurso de credores. Isso é muito importante, por que a inclusão do crédito na massa falida pode ser muito perigosa. Antes, os créditos ingressavam na massa, embora na prática os juízes já fizessem um acordo com os credores trabalhistas, dando-lhes preferência no recebimento de seus créditos.
Outra grave flexibilização foi traduzida pela redução do prazo prescricional de dez para dois anos. Retiraram oito anos dos trabalhadores cujos contratos estavam em curso ou recém extintos. Esse é um jeito de diminuir o volume de serviço e incentivar as transações miseráveis que são feitas todos os dias no âmbito das relações de trabalho. Seria melhor aparelhar o Poder Judiciário, aumentar o número de funcionários e juízes, dar melhores condições de trabalho e, assim, permitir que os conflitos sejam solucionados em tempo hábil. A celeridade é importante para todos e não deve se opor à eficiência.
Eu compartilho a idéia de um filósofo alemão no sentido de que um jurista apático, que não se questiona acerca de que tipo de teoria de direito normatizada que pretende seja adotada, não está exercendo seu papel em sociedade. Eticamente, a flexibilização viola o princípio moral de defesa dos direitos fundamentais. Viola o pacto histórico que é resultado de longa luta dos trabalhadores e que resultou na constitucionalização dos direitos sociais. Um pacto que não resolveu a questão social, mas estabeleceu de alguma maneira uma trégua a partir de armas incorporadas ao Direito Constitucional: direito de propriedade e liberdade de comércio de um lado e, de outro lado, a liberdade sindical e os direitos fundamentais do trabalhador.
Esse é um pacto não escrito que resultou da luta histórica entre o capital e o trabalho e que agora está sendo quebrado.
Penso que algum dia o homem novo terá de dar um pedaço de sua vida para poder viver e para que outros homens possam viver em liberdade e com trabalho. Mas enquanto isso não ocorre, temos de continuar sendo, de alguma maneira, os companheiros de quarto da miséria dos trabalhadores da pós-revolução industrial, colaborando para que essa energia gerada seja a maior garantia para a defesa do ser humano. Porque “en realidad, el hombre tiene que tener como felicidad la soma de la libertad y de la igualdad”.
* Palestra proferida em 22.09.2006. – Tradução Ary Faria Marimon Filho.
O Trabalho da Mulher – Discriminação*
Virgínia Zambrano
Professora Doutora da Universidade de Salermo – Itália
Agradeço ao convite de participar desse encontro. Agradeço especialmente ao Rafael Marques, que tornou possível minha vinda para cá, e que tive o prazer de receber em Salermo.
Quando cheguei em Montevidéu, estava conversando sobre vinho. Na Itália bebemos muito vinho. E me falavam de um vinho típico daqui, que é muito bom, o vinho tannat. Dizia que o vinho tannat é diferenciado porque tem muito tanino, que causa um sabor diferenciado nas papilas gustativas. A imagem me fez pensar a respeito. Em muitas situações da vida, ser diferenciado é algo positivo. Quando o empregador, porém, diferencia os empregados, pela condição de mulher, por exemplo, não se está diante de uma situação negativa. Bem, a situação de que duas pessoas recebem, por seus serviços, remunerações diversas, não é suficiente para falarmos em discriminação. Tanto o direito italiano quanto o direito europeu trabalham com a noção de que para que dois trabalhadores tenham direito a remunerações idênticas é indispensável que o trabalho por eles realizado seja igual, em quantidade e em qualidade.
O trabalho igual em quantidade é fácil de ser verificado. O mesmo não ocorre em relação à qualidade. O conceito de qualidade serve para introduzir diferenças de remuneração ligadas ao sexto, a idade ou a condições de saúde. As diferenças constituem fato indissociável das relações sociais e, igualmente, das relações de trabalho. Entretanto, essa diferença de remuneração decorrente de tais circunstâncias deve ser aceitável. E apenas é aceitável quando utiliza critérios objetivos, socialmente aceitáveis, razoáveis e fundadas em um princípio de proporcionalidade.
Por isso, quando examinamos as diferenças nas relações de trabalho temos sempre de ter presente o princípio da igualdade que regem as relações jurídicas nos ordenamentos jurídicos modernos.
A partir disso, pretendo dar-lhes uma idéia de como a União Européia enfrenta o problema da inserção da mulher no mercado de trabalho. Vamos dissecar o assunto sob três aspectos: a) âmbito normativo; b) âmbito de técnica de intervenção normativa; c) âmbito jurisprudencial, de interpretação das normas. E esse último é um aspecto fundamental, na medida em que a efetividade da tutela se estabelece a partir da interpretação jurisprudencial.
Bom, vamos ao primeiro aspecto de enfrentamento do tema. Âmbito Normativo. Todos os ordenamentos jurídicos conhecem o preceito de igualdade. Por esse princípio, não há razão para admitir distinção entre homem e mulher, porque todos são, ao menos formalmente, iguais perante a Lei. A Constituição Italiana veda qualquer possibilidade de distinção em razão de sexo, estabelecendo a igualdade entre o homem e a mulher. Esse princípio é garantido na Constituição uruguaia, na alemã, na brasileira e na francesa. Esta garantido, também, em nível internacional, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Organização Internacional do Trabalho e na Carta da União Européia. Todos propugnam, portanto, a necessidade de observância do princípio da igualdade formal. Porque estamos, então, discutindo esse tema?
Sob o aspecto econômico, temos de observar que o desenvolvimento econômico determinou a inserção da mulher no mercado de trabalho. E essa necessidade de ingressar no mercado de trabalho tornou diferente a situação das mulheres de hoje, em relação à situação de nossas mães ou avós. A inserção no mercado de trabalho gera reflexos, inclusive, no modo de organização familiar. O trabalho da mulher determina modificação de sua relação familiar. E os estudiosos de direito de família bem sabem. Fala-se em guarda compartilhada, fala-se na possibilidade de a mulher pagar pensão ao marido, entre tantos outros exemplos dos quais poderíamos falar.
O direito, portanto, se adequou às diferenças nas relações sociais, que são fruto do desenvolvimento econômico. O mercado, porém, não se adequou a essa nova realidade. Os aportes econômicos não são adequados.
Vejam, vim até aqui conversar com vocês e examinei um relatório sobre as questões relacionadas ao papel da mulher no mercado de trabalho. Os dados estatísticos demonstram, por exemplo, que a mulher é muito mais instruída, tem mais títulos, do que o homem. Ou seja, na mesma faixa etária, as mulheres têm um nível de instrução bem maior do que os homens. Porém, o acesso ao mercado de trabalho é inversamente proporcional. Há, por exemplo, um número significativamente maior de professores homens na Europa, do que mulheres professoras, em nível universitário. Quanto às formas de contratação, é expressivamente maior o número de mulheres contratadas a prazo certo, em contratos temporários ou a tempo parcial, do que homens. Isso naturalmente determina um maior risco de desemprego entre as mulheres do que entre os homens.
A diferença biológica, que não podemos desconhecer exista entre o homem e a mulher, oculta diferenças sociais. A oposição entre a aceitação do homem e da mulher nas diferentes áreas sociais recai sobre dois âmbitos: o âmbito profissional (o mercado) e o âmbito familiar (a família). O âmbito profissional, o mercado, é o lugar por excelência do homem. É o lugar onde a competição ganha espaço, onde ocorrem os negócios jurídicos, é o âmbito dos contratos. É o lugar onde o homem quer estar e onde ele se exprime enquanto ser social. A família é o espaço da solidariedade, do acordo, onde não há espaço para a contratualização. É o espaço, por excelência, da mulher. Ora, digamos logo que o mercado de trabalho, apesar das cartas sociais e do desenvolvimento econômico, continua a se ressentir dessa oposição oculta entre mercado e família. Uma oposição ultrapassada, mas que continua a perpetuar as diferenças e a discriminação.
Como podemos superar essa oposição? As estratégias devem ser duas, e são integradas. Tanto a jurisprudência assume importância, como a técnica legislativa.
A União Européia por exemplo contém um princípio, não de igualdade, mas de não-discriminação. Não-discriminação quanto aos salários pagos. E isso é compreensível, na medida em que a União Européia nasce como uma união econômica entre países. Por isso, o princípio de não-discriminação que propugna é um princípio de não-discriminação econômica. Esse princípio, porém, tem servido para fazer emergir uma série de diretivas, uma série de leis, que em matéria de proteção previdenciária, em matéria de proteção à maternidade, entre outros, que fazem com que se tenha a compreensão de que homens e mulheres devem ser tratados do mesmo modo.
Isso, porém, não é suficiente para criar uma situação de igualdade substancial. Disso se extrai que o princípio da não-discriminação como princípio de igualdade formal cede espaço para o princípio da paridade de tratamento (igualdade substancial).
Em realidade, se busca paulatinamente a efetivação do princípio da paridade de oportunidades, que representa mais do que o princípio de paridade de tratamento. A paridade de oportunidades significa garantir a mulher intervir no mercado de trabalho utilizando as mesmas oportunidades que são conferidas aos homens. E assim os mecanismos de ações positivas, criadas pelos EUA para dirimir diferenças de tratamento entre as raças, são agora utilizadas para minimizar discriminações de oportunidades entre homens e mulheres.
As ações positivas tem por objeto remover as condições que impedem o acesso, por exemplo ao mercado de trabalho, ao sujeito que está em condição de desvantagem.
As cotas para mulheres constituem uma das medidas adotadas mediante ação positiva, também na Itália, especialmente para garantir a participação das mulheres nas atuações políticas.
A experiência da corte de Justiça da comunidade européia desenvolveu uma interpretação muito restritiva das ações positivas, por medo de que tal mecanismo gerasse discriminação ao contrário, terminando por descriminar o homem. Há uma decisão recente, de 2004, em que um homem viúvo, com dois filhos, havia participado de um concurso público, mas não foi selecionado, por que em seu lugar assumiu uma mulher. O homem recorreu dessa decisão administrativa e a corte de justiça decidiu que a mulher viúva, com filhos, ou não casada tem preferência para assumir cargo público, em razão de lei francesa que assim dispõe. Entretanto, se o homem está em situação equivalente, tal preferência não pode ser levada a efeito, sob pena de uma discriminação ao contrário. Em razão disso, a corte européia estabeleceu três critérios para exame de situações similares: a medida deve ser proporcional, deve atender a um critério de razoabilidade que leve em consideração a natureza do cargo a ser preenchido, e a valoração entre dois candidatos que acertam o mesmo número de questões devem ser pautada em critérios objetivos. Vejam, portanto, que ao interpretar ou decidir acerca de ações positivas, a corte européia assume uma postura conservadora e muito restritiva, justamente por temer que se acabe acarretando uma discriminação ao homem e, desse modo, não se atenda ao princípio de paridade de oportunidades.
A suprema corte européia tem sido muito criticada em razão dessa jurisprudência, mas é preciso dizer que a preocupação dos juízes europeus não é infundada. No âmbito legislativo, a Europa está superando, inclusive, a perspectiva das ações positivas, porque vem desenvolvendo legislações que visam a reestruturar na base, as causas da discriminação, mediante uma política de intervenção em vários níveis. Busca, assim, superar a visão individualista das relações sociais, criando um espaço social em nível europeu, que garanta essa paridade de oportunidades da qual falávamos. É uma tentativa de finalmente superar aquela oposição sobre a qual falamos no início, entre mercado e família.
E como se comporta a jurisprudência italiana em meio a tudo isso? O art. 3º da Constituição Italiana estabelece a possibilidade de aplicar um princípio constitucional diretamente na relação inter-privada. Mas a jurisprudência italiana, estranhamente, nesse âmbito, diz que não existe um direito subjetivo do trabalhador à paridade de tratamento. Bom, as categorias jurídicas são as mesmas, tanto na Itália, quanto aqui. A categoria jurídica dos direitos subjetivos, por sua autonomia, são amplamente tuteláveis. Mas a jurisprudência italiana nega isso. Diz, ainda, que os juízes não podem interpretar os contratos de trabalho com base em equidade ou boa-fé. Acabam tratando o contrato de trabalho como mero contrato de escambo, de modo que o juiz, como terceiro alheio, não pode integrar o contrato com normas de boa-fé, justiça ou equidade. Assim agindo, a jurisprudência italiana nega vigência ao artigo terceiro da constituição italiana. É claro que se trata de uma visão formal do ordenamento jurídico, que se fundamenta, na realidade, em uma leitura não-adequada dos valores constitucionais.
Os princípios constitucionais são aqueles concebidos por todos como aceitáveis. Logo, não há justificativa lógica para que não sejam aplicáveis às relações inter-pessoais.
Assim, embora a jurisprudência aceite que se a conduta discriminatória na fase de formação do contrato de trabalho, é possível falar em nulidade e, consequentemente, em ação para ressarcimento do dano causado, não confere o mesmo tratamento à conduta discriminatória. E veja que tal conduta discriminatória pode ocorrer inclusive durante a execução do contrato.
Assim, para concluir, vejam que há uma conduta legislativa tendente a suprimir a discriminação. Há, também, ações positivas nesse sentido. O que falta, sem dúvida, é uma ação jurisprudencial comprometida com tal resultado. Porque é nesse momento que se realiza o modelo de justiça social que pressupõe igualdade e dignidade da pessoa. É certo que boa-fé, equidade, justiça, constituem instrumentos dos quais o juiz deve se utilizar para evitar qualquer forma de discriminação, especialmente se fundada em sexo. Devem considerar a responsabilidade, o ressarcimento do dano, inclusive moral, a nulidade de cláusula do contrato, são modos de garantir uma tutela mais adequada às mulheres trabalhadoras.
Na Itália, há um pintor famoso que pintou um quadro chamado “Quarto Estado”. O pintor era um socialista. São um grupo de trabalhadores que caminham. Atrás está tudo escuro. À frente está a luz. Representa uma consciência da classe trabalhadora, de que emerge de um passado escuro, para um futuro de garantia de direitos, e, pois, de luz para as relações de trabalho. Os trabalhadores retratados nesse quadro famoso são, todos eles, homens, por que na época tínhamos uma sociedade prevalentemente formada por trabalhadores homens. No quadro, há apenas uma mulher. Uma não é trabalhadora, está apenas acompanhando o filho e caminha um passo atrás do homem que a acompanha.
Com certeza, se o quadro fosse pintado hoje, teria de retratar metade dos trabalhadores, pelo menos, como mulheres, e talvez ainda as colocasse um passo atrás dos homens.
Em pleno século XXI, a mulher ainda está resgatando sua identidade de gênero, e faz da diferença um instrumento de promoção de sua própria situação.
* Palestra proferida em 22.09.2006. – Tradução Ary Faria Marimon Filho e Valdete Souto Severo.
NOVAS COMPETÊNCIAS TRABALHISTAS *
José Nilton Pandelot
Presidente da ANAMATRA – Gestão 2005/2007
Sr. Presidente da AMATRA IV, meus amigos e colegas magistrados do trabalho do Brasil e do Uruguai. Gostei do tema, porque me permite discorrer com mais tranqüilidade e com menos preocupação com a dogmática e, principalmente, com a metodologia científica que devesse ser observada e levada numa discussão como essa.
Agradeço a oportunidade de ter esse tempo para me dirigir aos colegas do Rio Grande do Sul e do Uruguai e gostaria de começar essa breve manifestação com um esclarecimento que se faz necessário. Nós temos na Emenda Constitucional 45 o marco fundamental de um novo perfil da Justiça do Trabalho no País. E esse marco tem sido duramente questionado, não apenas no lugar onde deveria, o meio acadêmico, mas tem sido dilapidado, diariamente, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Há algum tempo esse fato chama a atenção da diretoria da ANAMATRA – e os Presidentes de AMATRAS também de forma rotineira têm recebido reclamações dos próprios juízes do trabalho a respeito do assunto, o que nos fez tomar uma decisão: agir no STJ, em visitas aos Ministros daquela corte, tentando levar àqueles magistrados a informação de que há uma nova regra constitucional a respeito da competência da Justiça do Trabalho depois da Emenda Constitucional 45.
Percebemos que mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da competência da Justiça do Trabalho para ações de acidente, os Ministros do STJ continuaram a julgar conflitos negativos atribuindo à Justiça Comum a competência para essas ações, aplicando regras que não existiam mais.
A composição dessa mesa também demonstra a forma que a ANAMATRA e o TST têm um planejamento para a ação.
A Ministra Cristina Peduzzi tem imensa preocupação com relação a esse problema, havendo possibilidade de ação conjunta junto ao STJ para, se não eliminar, pelo menos diminuir essa ação deletéria e preconceituosa dos Ministros do STJ em relação à Justiça do Trabalho.
Há que se fazer uma breve digressão para que os colegas uruguaios compreendam como se deu a ampliação da Justiça do Trabalho.
Até dezembro de 2004, o art. 114 da CF estabelecia a competência da JT em razão da pessoa: “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”. A expressão “trabalhadores e empregadores”, estabelecendo a figura das pessoas como matriz para a definição da competência, foi substituída, em dezembro de 2004, pela expressão “relação de trabalho”, o que modificou integralmente a competência da Justiça do Trabalho. Temos nove incisos no artigo 114. Observamos então, que a expressão original foi substituída por “relação de trabalho”. E sob esse novo enfoque é que a questão da competência tem que ser interpretada por aqueles que têm a atribuição de definí-la.
Essa mudança revela e traz o primeiro grande desafio, e serão três os que pretendo abordar, que deveremos enfrentar.
Porque a Justiça do Trabalho deveria passar a julgar não apenas a relação de emprego, mas também a prestação de trabalho e a vinculação que têm com o tomador dos serviços?
Produzimos muitos artigos e material científico sobre o tema, segundo o qual a relação de trabalho é gênero do qual a relação de emprego é espécie.
A Justiça do Trabalho julga outras formas de relação de trabalho que, antes, eram definidas por juízes de direito, os quais não eram vocacionados para a relação de trabalho, para a análise das questões que dizem respeito a uma relação de trabalho.
Em 1999, a partir de alguns escândalos que surgiram no ambiente de alguns Tribunais, iniciou-se no Congresso Nacional, uma campanha pela extinção da Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho era cara, não era contemporânea, não havia necessidade de uma justiça especializada do trabalhador, que poderia ser julgado por qualquer tipo de juiz, não havia a necessidade de se ter um juiz especializado, enfim, vários argumentos sustentados por aqueles que a queriam extinta. Isso tudo determinou uma reação das associações e Tribunais, para tentar reverter, no Parlamento, a iniciativa de extinguir a Justiça do Trabalho.
Em 2001 e 2002, a reação da magistratura foi exitosa e triunfou, culminando com a aprovação dessa nova redação, não só reconhecendo a importância da Justiça do Trabalho, mas também ampliando as suas atribuições. O fim da Justiça do Trabalho seria o primeiro passo que aqueles que defendem a onda neoliberal precarizante dariam na direção da eliminação da tutela do trabalhador garantida pela Justiça do Trabalho e pelo Direito do Trabalho.
Afirmo que o alvo com toda a iniciativa, propondo a extinção da Justiça do Trabalho, era o Direito do Trabalho e não a Justiça do Trabalho, porque a substituição seria apenas no papel. Os juízes do trabalho ainda assim permaneceriam juízes e julgariam qualquer litígio que lhes chegasse às mãos. No âmbito das associações, havia a preocupação com a falta de efetividade da norma trabalhista, com a falta de garantia de outros direitos fundamentais, como o acesso à Justiça. As garantias de direitos individuais previstos na própria Constituição Federal, a morosidade do processo, principalmente, quando se via que poucos tipos de trabalhadores e hipossuficientes
encontravam solução rápida para as suas demandas na Justiça Comum.
Salvo engano, em 95 ou 94, iniciou-se no RS uma discussão em um pré-Conamat, sendo que nessa reunião prévia, discutiu-se a efetividade do Direito do Trabalho e do direito de um modo geral, sendo aí reconhecido como o embrião da defesa da ampliação de competência. Depois, nos congressos subseqüentes, em todos, sem exceção, os juízes do trabalho aprovavam teses reconhecendo a necessidade de se ampliar a competência da Justiça do Trabalho.
A busca da efetividade também fundamentou a ampliação da Justiça do Trabalho.
Outro ponto é a racionalidade ou a racionalização dos recursos. Parece óbvio que o Juiz do Trabalho é o mais preparado e vocacionado, exatamente por causa de sua especialização, para julgar a relação do trabalho e todas as relações do trabalho que lhe forem submetidas à apreciação. Mas mais do que isso: no Brasil, onde a Justiça do Trabalho é um ramo do Poder Judiciário independente e autônomo, a circunstância de o candidato, o advogado, o servidor, o bacharel em direito que quer ser juiz poder escolher o ramo da Justiça em que quer atuar, revela, ou melhor, nos leva a concluir, que existe um pensamento social, uma vocação social desse magistrado para buscar esse cargo no ramo trabalhista do Poder Judiciário. Então, quando se fala em racionalização da Justiça, racionalização da competência, há que se compreender que as demandas dessa natureza devem ser julgadas por aquele juiz preparado, especializado em apreciar a questão trabalhista.
Por fim, uma última razão determinou essa busca pela ampliação da competência e isso tem que ser dito – competência é poder. Juiz não declina da sua competência. Juiz julga. E quanto mais o juiz julga, maior é a sua autoridade e maior a fortaleza da sua instituição. Então, nós não vamos tampar o sol com a peneira. Quando se buscou a ampliação da competência, buscou-se a ampliação institucional da Justiça do Trabalho brasileira. Esse poder não é um fim em si mesmo. Com isso não se buscou maior número de cargos, salário maior, estrutura mais imponente. O que se buscou foi o fortalecimento de um instrumento importante e fundamental de garantia dos direitos sociais. Toda essa fortaleza, esse instrumental afiado, gera para o Juiz do Trabalho uma conseqüência, um efeito que é de uma responsabilidade maior ainda. Temos mais poder e, portanto, uma inserção maior perante a sociedade. As nossas decisões geram um maior efeito na economia brasileira e isso não pode ser desconsiderado. Daí que, não sei se estarei usando uma palavra muito forte, mas sou forçado a dizê-la, me repudia a recusa do Juiz do Trabalho em julgar a causa que lhe é submetida. Nós estamos retornando a uma fase antiga que foi a de auto-afirmação da Justiça do Trabalho, quando éramos tidos como o “irmão pobre”. Tínhamos a representação classista que, ainda que em teoria alguns defendam que ela tivesse algum valor, na prática era uma mácula na história da Justiça do Trabalho brasileira. E essa representação classista, quando acabou, trouxe para a Justiça do Trabalho a maioridade.
Hoje eu posso dizer que a Justiça do Trabalho, nos seus sessenta anos, é uma Justiça madura e que só tem a dar para a sociedade brasileira, exemplos de seriedade, rapidez, eficácia em sua atuação. Então, se hoje temos um desafio, é o de afirmação dessa nova competência. Quando falo do meu repúdio, não estou fazendo uma referência genérica, longe disso. Eu mesmo irei suscitar, quando a questão transborda a finalidade para a qual foi criada a JT. Não vou falar disso. Quarta-feira, em Brasília, teremos um debate interessante sobre relação de trabalho. Eu fico preocupado é com algumas questões que aparecem no STJ. Reuni-me com alguns Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, para revelar que a ANAMATRA entende que quem tem que definir os limites para a apuração da competência da JT é a própria Justiça do Trabalho. Não são terceiros. Nós não delegamos para terceiros a condução dos nossos destinos. A definição de perfil e a forma de construção dessa nova Justiça do Trabalho a partir da Emenda Constitucional 45, cada vez que declinamos da competência, estamos remetendo para o STJ esse poder de definir o que nós vamos julgar. E infelizmente, os vários casos que analisei e que colegas como Luciano Athayde, Reginaldo Melhado, Marcos Fava, Grijalbo Coutinho analisaram, revelaram que quem suscita o conflito é o Juiz do Trabalho. Ou ele suscita primeiro ou declina da competência e manda para o STJ. E mais grave, nós temos a percepção de que é uma determinada região do país que, sistematicamente, tem declinado da competência. E, invariavelmente, quando cai na mão do Ministro do STJ, ele, é claro, pois a maioria ali tem formação ou na magistratura federal ou estadual, ou mesmo na militância nessas áreas, mesmo na dúvida, encaminha para a Justiça que detinha a competência anteriormente à Emenda Constitucional 45. Então, cada vez que declinamos de nossa competência, estamos dilapidando nosso patrimônio.
Dos julgados do STJ, separei três fundamentos, apenas para ilustrar essa situação. O primeiro deles é que o STJ, normalmente, diz que não é competência nossa porque a competência se estabelece em razão da pessoa.
A Emenda 45 é de dezembro de 2004 e esses julgados são de abril de 2005 e março de 2006. Natureza não trabalhista do pedido. Se é matéria de Direito Civil, não é de competência da Justiça do Trabalho.
Quando falo isso, empalideço, porque a leitura do art. 114 nos mostra, por exemplo, “ações de indenização por dano moral”. Qual é a natureza? Trabalhista, respondemos todos. Mas para o STJ é de natureza civil. O inciso VII é claro em referir ações para apurar infrações administrativas… É Direito Administrativo e nós julgamos.
Então, essas decisões do STJ têm muito de preconceito, desconhecimento da própria mudança constitucional e, por fim, têm a questão da falsa premissa de que relação de trabalho seria o mesmo que relação de emprego. Eu não trouxe, mas ainda existem no meio dos juízes do trabalho brasileiros que dizem que relação de trabalho é o mesmo que relação de emprego, num completo desconhecimento do processo político que determinou a ampliação da competência. Qualquer nota taquigráfica da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, em que se discutiu a ampliação da competência e a redação do art. 114, revela que sempre se partiu da necessidade de dar à Justiça do Trabalho a dimensão que ela mereceria ter, a partir de sua vocação. Não é possível que ainda hoje, nos defrontemos com decisão de Juiz do Trabalho que não reconhece competência em ação de representante comercial. Esse é o segundo desafio. Tentar convencer o STJ e seus Ministros que a lei mudou e não acho que devemos fazer uma campanha interna explícita além dessa que estamos fazendo, editando livros, realizando seminários, pois o juiz deve julgar com base na Constituição, a partir de sua convicção. Devemos continuar lutando para essa conformação da Justiça do Trabalho.
E o terceiro e grande desafio é o que chamo a “nova velha competência” que é o julgamento desse conflito nas relações de emprego propriamente ditas. Nós não deixamos de julgar relação de emprego; nós continuamos julgando. E eu vejo na Emenda Constitucional 45 virtudes que nos garantem ou virtudes que trouxeram aos juízes do trabalho, hoje, no Brasil, instrumentos mais eficientes de controle da regularidade, da harmonia e da aplicação da tutela normativa do trabalho na relação de emprego. Não é segredo pra ninguém que nós judicializamos o conflito posteriormente ou após a extinção do contrato de trabalho. Dificilmente nós julgamos o empregado contra o empregador, mas sim o desempregado contra o ex-empregador. Se nós julgamos, a nossa ação de julgar, se for muito bem feita, será reparativa. Para a prevenção pouco podemos fazer. Ainda mais nessa fase da nossa vida política e jurídica do Brasil, em que se discute e se duvida da legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública. Os Tribunais costumam negar essa legitimidade.
Então, o que traz a Emenda Constitucional 45? Ela traz, nos incisos III e VII, duas novas competências que devem chamar nossa atenção. A primeira delas diz que “compete à Justiça do Trabalho julgar as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores”. E o inciso VII, “as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho”. Antes nós fazíamos o “endocontrole”, internamente, na relação de emprego, tentávamos resolver o conflito, não há qualquer tipo de sanção, nenhum plus, para que aquele tomador de serviços ou empregador fosse incentivado a não repetir a lesão ao trabalhador. Hoje, esse novo instrumental nos dá o exocontrole, sendo possível exercer o controle sobre a representatividade, a legitimidade, o controle sobre regularidade de assembléias, eleição de determinado número de diretores, todas as questões intra e intersindicais, são submetidas ao Juiz do Trabalho. Eu diria: é sonho, não sei, mas é possível atuar, desde que provocado, sobre os sindicatos “pelegos”, impedindo ou dificultando a sua atuação. Os verdadeiros sindicatos seriam incentivados, a partir disso, a ter uma atuação mais forte e firme em favor dos trabalhadores. E o outro controle é o jurisdicional sobre a fiscalização do trabalho. Chamo a atenção para o novo tipo de demanda que temos recebido que é o mandado de segurança contra a atuação do fiscal do trabalho ou as ações anulatórias do auto de infração. Temos que ter em mente que qualquer atuação do Juiz do Trabalho nesse ponto, não deve perder ou desconsiderar toda a construção jurisdicional da Justiça Comum. Nós temos uma tendência de, logo que recebemos o poder, usá-lo de forma intensa. Por exemplo: quando começamos a dirigir, queremos dirigir todo o tempo. Depois, quando chegamos aos 25 anos e nos mandam dar recado, fazer compras, nos negamos, dizendo para mandar outro, geralmente, o irmão mais novo. Mandado de segurança, guardadas as devidas proporções, é assim: a tendência é conceder a ordem. Defere na hora, suspende. Na questão da lista suja do Ministério do Trabalho, que é um cadastro dos empregadores autuados por trabalho escravo, infelizmente, temos visto que os mandados de segurança impetrados pelas empresas incluídas nas listas sujas têm sido acolhidos, em sede liminar, para tirar o nome da lista daquele empregador que já foi autuado cinco, seis vezes por trabalho escravo. A mesma coisa acontece com as multas aplicadas pela fiscalização do trabalho. Então, o Juiz do Trabalho, hoje, tem um sistema mais completo, não sei se mais perfeito, mas mais aperfeiçoado em relação ao anterior, que era o de controle da regularidade da aplicação da legislação do trabalho.
Não é possível que esqueçamos a nossa rotina diária ao proferir sentença.
Sentenciamos, reconhecemos a lesão e imediatamente oficiamos à Delegacia Regional do Trabalho. Sempre fizemos isso e sempre reclamamos que o fiscal do trabalho não atuava a partir de nossa provocação ou, pelo menos, não enxergávamos a atuação desses fiscais do trabalho. Hoje, oficiamos da mesma forma, o fiscal atua, a empresa entra com mandado de segurança e nós cassamos a autuação. Como é possível isso? É um contra-senso.
O Ministro Carlos Ayres Brito costuma dizer que o “direito tem que se conciliar com a vida”. Em todo o discurso ele fala isso e, se Deus quiser, vai falar para nós na semana que vem.
A EC 45 nos deu melhores condições para fazer o Direito do Trabalho se conciliar com a vida dos trabalhadores brasileiros. E nessa correlação e interação do relacionamento do juiz com as partes, com o novo direito, o juiz é o protagonista. Está em nossas mãos a melhoria da atuação jurisdicional trabalhista e, conseqüentemente, a melhoria da efetividade do Direito do Trabalho. Gostaria que nós todos refletíssemos sobre isso.
* Palestra proferida em 22.09.2006.
NOVAS COMPETÊNCIAS TRABALHISTAS *
Maria Cristina Peduzzi
Ministra do TST
Boa noite a todos. Agradeço a direção da AMATRA IV o convite que muito me honra e formulo os cumprimentos aos integrantes da mesa, na pessoa do Presidente Ary Marimon Filho.
Saúdo os ilustres colegas presentes, registrando que, afora a honra, é um prazer muito grande estar em Montevidéu, participando desse convívio muito agradável que me permite rever amigos e desfrutar dessa linda cidade.
Quero dizer que ouvindo as palavras do Presidente Pandelot, pensava: “fez a minha palestra”. Vou ter que descobrir alguma novidade para dizer, porque no meu roteiro estavam substancialmente, as considerações com as conclusões por ele propostas. Mas vamos lá. Eu registro que me ocorre, quando se fala em Emenda Constitucional 45 e ampliação da Justiça do Trabalho, que nós fomos dos festejos, da euforia, às frustrações. Estamos, hoje, vivendo uma época de frustração, embora parcial, mas a estamos vivendo. Não é irreversível essa situação. E eu tenho esperança que nós possamos, em breve, festejar de forma plena, a ampliação que foi atribuída à Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45.
Como todos sabem, ela implantou a primeira etapa da reforma do Poder Judiciário no Brasil e, de forma significativa, ampliou de maneira proposital e sensível a competência da Justiça do Trabalho.
Em nove incisos do art. 114 elencou essas novas competências. As dúvidas estão centradas, em especial, na interpretação dos inciso I e VI, pelo menos para a minha fala, embora quisesse abordar, também, todos os demais. Sem dúvida, esses dois incisos revelam que a alteração ocorreu porque se mudou a concepção tradicional da competência material da Justiça do Trabalho, já que antes da Emenda a mesma era restrita ao exame dos dissídios típicos do contrato de emprego e outras decorrências previstas e reguladas em lei suplementar, além da execução das suas próprias decisões, inclusive coletivas. E em relação aos incisos que foram acrescidos ao art. 114, alguns reafirmam, de forma expressa, uma competência que também era, de certa forma, admitida e, em outros, efetivamente, amplia essa competência.
Em relação ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça quero dizer que também ele vem reconhecendo a ampliação da competência da Justiça do Trabalho em relação aos demais incisos, e em questões relacionadas às entidades sindicais,
quando tem afirmado a competência da Justiça do Trabalho.
Então, vamos examinar esses dois incisos para, logo depois, examinar o tema da aplicação no tempo da Emenda 45 e a profundidade da expressão ”relação de trabalho”.
Em relação ao conceito de relação de trabalho, adotado pela Emenda Constitucional 45, que gerou uma euforia tão logo promulgada, a doutrina, apesar de não ser uniforme, tem afirmado a competência trabalhista para os chamados “contratos de atividade”.
E aqui registro os dois livros que a ANAMATRA coordenou e foram imediatamente publicados que serviram – e muito – à formação da jurisprudência a respeito do assunto.
Então, essas novas competências, e aqui reafirmo que a doutrina não foi unânime, pois ou ela, de forma minoritária afirmou – como afirma o STJ – que a expressão relação de trabalho guarda sinonímia com a relação de emprego, ou ela, também de forma minoritária, afirmou que a alteração permitiu inserir no âmbito da nova competência as questões decorrentes da relação de consumo. Mas, no pensamento médio, o que a doutrina afirmou, como nós pensávamos, é que houve, efetiva ampliação da competência da Justiça do Trabalho para alcançar toda e qualquer atividade, todo e qualquer tipo de prestação de trabalho. Ou seja, sempre que o trabalho for fundamento daquela relação jurídica a competência é da Justiça do Trabalho. E estão compreendidas, portanto, na nova competência, não só as relações subordinadas, subordinação que era o traço definidor da competência da Justiça do Trabalho antes da Emenda Constitucional 45, como também as novas relações que, não sendo de trabalho subordinado, são autônomas ou mesmo parassubordinadas.
Enfim, se o trabalho é o fundamento, a competência é da Justiça do Trabalho. Daí porque o Juiz do Trabalho não precisa mais aplicar apenas a Consolidação das Leis do Trabalho.
Agora, o STJ vem entendendo que o “Juiz do Trabalho só sabe aplicar a CLT e que Juiz do Trabalho quando muito pode aplicar a Constituição porque ela dispõe sobre matéria trabalhista”. Mas o que está a dizer o STJ é que o Juiz do Trabalho ignora qualquer outra legislação e, portanto, não pode aplicá-la.
Então, vejam que essa realidade precisa ser mudada, porque é inadmissível que esse entendimento persista. Mas, como dito, a doutrina majoritária afirmou que todos os chamados contratos de prestação de serviço, que têm esse nome e assim estão definidos no Código Civil no art. 593 e seguintes e que alcançam contratos com profissionais liberais, passam, porque se a relação se efetiva com pessoalidade, para a competência da Justiça do Trabalho. E assim, todos os contratos que têm o trabalho como fundamento, como a representação comercial, o transporte, a corretagem, a parceria rural, o arrendamento, os cooperativados – tão em voga hoje –, enfim, todas as lides decorrentes de relações desta natureza e que tenham como pressuposto o prestador pessoa física, estão sob a égide da Justiça do Trabalho.
Isso foi o que se pensou e vou, agora, examinar o inciso VI para, depois, voltar a ambos e ver a questão da aplicação no tempo.
Em relação ao inciso VI, ocorreu, inicialmente, que para o julgamento das ações para haver indenização por danos morais e/ou materiais decorrentes da relação de trabalho e de acidente de trabalho que compreendem as doenças profissionais, sempre que ocorrer ato ilícito, sempre que o empregador agir com dolo ou culpa, a competência é da Justiça do Trabalho. Não houve qualquer questionamento no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, a propósito dessa competência desde a Constituição Federal de 1988.
E tínhamos jurisprudência sumulada no sentido de que, também em relação à acidente do trabalho e doença profissional, a ação de indenização era da competência da Justiça do Trabalho.
O STJ, em sua súmula número 15, dispunha que a competência era da Justiça Comum. O certo é que ajuizada a ação na Justiça Estadual, o Juiz dificilmente afirmava a sua incompetência para apreciar a demanda, sendo certo que se julgavam mais ações de indenização na Justiça Comum, do que na JT. Quando sobreveio o inciso VI, a questão voltou. A meu ver, e como o próprio STF decidiu ao julgar o conflito de competência, não houve qualquer alteração; houve um aclaramento, aquilo que referi no início, se reafirmou uma competência que já existia. E foi isso, exatamente, que ocorreu quanto às ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho. Inicialmente, o STF, com dois votos vencidos, disse “a competência é da justiça comum”. E isso trouxe um desespero: “Mas como, se antes ela já era da Justiça do Trabalho?” A 2ª Turma do STF tinha reiterada jurisprudência nesse sentido, então como agora, que a Constituição Federal é expressa em definir a nossa competência, ela passaria à Justiça Comum? E, a partir daí, a Justiça do Trabalho foi ao STF para se defender. E foi louvável a iniciativa da ANAMATRA e do Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira – e eu o acompanhei diariamente naquele trabalho maravilhoso que fez – que preparou um memorial, foi em todos os gabinetes dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, enfim, a ANAMATRA “contratou um advogado” para defender a causa da competência da Justiça do Trabalho e teve êxito no STF.
Logo após, em julho de 2005, o Supremo, por unanimidade, disse “não, nós efetivamente estávamos equivocados, a competência é da Justiça do Trabalho” para julgar as ações que buscam haver indenização do empregador. Afirmou, nessa decisão, o que estava expresso na lei e que a Justiça do Trabalho já vinha há muito tempo reconhecendo pelo que consta do art. 7º, inciso XXXVIII da Constituição, ao tratar dos direitos dos trabalhadores que estabelece uma dupla esfera protetiva: o seguro contra acidente do trabalho (a ação na Justiça Comum contra o Instituto de Previdência pelo segurado e que decorre da responsabilidade objetiva do Estado, tendo como fundamento a relação de custeio e benefício), que não se confunde com a ação de indenização promovida pelo empregado diretamente contra o empregador que agiu com dolo ou com culpa, fundada na sua responsabilidade subjetiva, que se configura pela concretização do ato ilícito. E se esse acidente do trabalho ocorre no âmbito da relação de trabalho a competência é da Justiça do Trabalho. E o STF não deixou mais dúvidas quanto a isso.
O que é questionado, além da profundidade da expressão relação de trabalho, é sobre a aplicação das novas regras sobre competência no tempo. E é uma importante discussão.
No âmbito do TST, três situações foram aventadas, a propósito da aplicação no tempo em relação a todos os dissídios. Foi instaurado um conflito de competência pela 5ª Turma que já está pendente de decisão no STF, em que a Egrégia 5ª Turma sustentou que tendo a Emenda Constitucional 45 promovido a alteração da competência em razão da matéria, apenas os processos que se encontram no primeiro grau de jurisdição é que serão julgados pela Justiça do Trabalho porque ainda não prolatada sentença. Sempre que houver decisão de mérito, então, a competência é prorrogada e se perpetua a jurisdição da Justiça Estadual. Em razão desse entendimento, a 5ª Turma recusou a competência para julgar um recurso especial que seria julgado como recurso de revista pelo TST, e suscitou o conflito que está no STF.
A 4ª Turma adotou outra interpretação, que eu diria, mais restritiva, admitindo a competência residual da Justiça Comum e desde logo remetendo os processos ao STF. “Não vou suscitar conflito e não vou julgar, porque não tenho competência”. Depois que os autos foram remetidos ao STJ, a sua 1ª Seção afirmou que em relação aos processos – e hoje tanto a 1ª quanto a 2ª Turma do STJ decidem da mesma forma – a regra de aplicação no tempo é essa: apenas se não prolatada a sentença de mérito, os autos são remetidos à Justiça do Trabalho. E, invocando a necessidade de resguardar a garantia constitucional da celeridade processual, hoje positivada, não suscita o conflito e devolve os autos ao STJ.
A 3ª Turma, da qual faço parte, julgou um recurso especial como recurso de revista, afirmando que em matéria de competência material não se excepciona a perpetuação da jurisdição nos termos do art. 87 do Código de Processo Civil. Entretanto, depois houve um consenso no sentido de que não se poderia julgar nenhum outro recurso. O certo é que a 3ª T. julgou como recurso de revista um recurso especial, que foi remetido para esse fim, em razão da afirmação do próprio STJ da competência da Justiça do Trabalho, numa ação de consignação em pagamento para haver contribuição sindical movida pela CNA contra produtores rurais. O que sustentamos, em síntese, após negar provimento ao agravo, é que a Emenda Constitucional 45 tem vigência e aplicação imediata, além de ser essa eficácia ordinária das emendas constitucionais, expressa no seu art. 10.
Não há que se falar no princípio da perpetuação da jurisdição porque o art. 87 é expresso ao excepcioná-lo quando houver alteração da competência em razão da matéria e da hierarquia o que é, precisamente, a hipótese aventada.
Esse é o pensamento da 3ª Turma, mas penso que ficaremos frustrados porque o próprio STF quando decidiu o conflito de competência 72/04, reafirmando a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho, aplicou a regra mencionada por razões de “política judiciária”. Vejam como o entendimento da 3ª T está certo porque o próprio STF teve que se utilizar da justificativa da política judiciária – ou seja, se fosse para aplicar a regra processual não seria afirmada a perpetuatio jurisdicionis, a qual seria excepcionada, no caso. O STF, no Conflito de Competência 72/04, reconsiderou suas decisões anteriores, afirmando que a Constituição Federal de 1988 já conferia à Justiça do Trabalho a competência para a apreciação das ações de indenização, mas que, nada obstante, em razão de política judiciária, fixou como marco temporal da competência da Justiça do Trabalho o advento da Emenda Constitucional 45 de 2004. Por essa razão é que adotou esse entendimento no sentido de que aproveitam-se os atos praticados e apenas quando não houver sentença de mérito é que os autos são deslocados para a Justiça do Trabalho. Fico frustrada porque penso que a Justiça do Trabalho deveria apreciar a demanda em qualquer grau de jurisdição, aplicando a regra processual vigente à época da interposição dos recursos, porque não seria exigível observar os requisitos para o recurso de revista quando interposto recurso especial. Mas tudo indica que será mantido esse entendimento que se prenunciou no conflito de competência já julgado.
São questões de direito intertemporal.
O que preocupa é que o próprio STJ, mesmo após o julgamento do Conflito de Competência 72/04, adota o entendimento de que se não prolatada a sentença de mérito, o processo é encaminhado à Justiça do Trabalho. Não se questiona mais a competência material para o julgamento das ações de indenização, mas apenas esse tema da aplicação no tempo.
Por fim, vamos ao tema da expressão “relação de trabalho” que já foi muito bem abordado pelo Juiz Pandelot, no sentido de que o STJ ignorou que houve uma modificação, uma ampliação proposital, significativa da Justiça do Trabalho. E ela se justifica porque todos nós sabemos que a globalização da economia produziu conseqüências e reflexos no mundo do direito, alterando em muito o sistema tradicional de prestação de serviço e as relações de emprego tradicionais. E, por isso, não podemos fechar os olhos e dizer que devemos julgar apenas os conflitos decorrentes da relação subordinada, mas sim a do trabalhador propriamente dito. Porque novas relações surgiram. A precarização das relações de trabalho, que é uma conseqüência do processo de globalização reconhecida por todos, vem provocando cada vez mais um número maior de relações de natureza autônoma que revestem relações em que ainda perdura a hipossuficiência econômica do prestador de serviço. E mesmo que não haja hipossuficiência econômica o fator trabalho é o seu traço diferenciador. E mais, nas estatísticas realizadas pelo STF, ainda na gestão do Min. Nelson Jobim, ficou expresso que a Justiça mais rápida do Brasil é a do Trabalho, pelo menos no primeiro e segundo graus de jurisdição. Onde existe o funil é no TST, mas no primeiro e no segundo graus de jurisdição, a Justiça do Trabalho é a mais célere de todas. E excetuando-se São Paulo e Rio de Janeiro, nos demais estados não há demora na prestação jurisdicional. No Rio Grande do Sul, que é um Tribunal grande, não há demora no julgamento dos recursos, não só no primeiro grau, mas, principalmente, no Tribunal. Em Brasília, julga-se um processo de média complexidade em um ou dois meses e no Regional, o prazo é de um mês. Então porque sustentar que a Justiça do Trabalho não está habilitada a receber os processos? Está sim. Até porque, há um esvaziamento natural pelo que acabei de referir, dos litígios decorrentes da relação de emprego tradicional, porque ela hoje não se verifica nos percentuais que ocorriam antes da chamada globalização. O STJ diz que as expressões relação de trabalho e relação de emprego se equivalem, em síntese. Tenho aqui farta jurisprudência do STJ em que todas essas questões referidas, esses contratos de prestação de serviço de empreitada, de representação comercial, tiveram questionada a competência da Justiça do Trabalho e o Tribunal afirmou, textualmente, que as expressões se equivalem e que o Juiz do Trabalho não deve aplicar o Código Civil. Mas eu pergunto: e a indenização de dano por acidente do trabalho não é de natureza civil? E, no entanto, o juiz do trabalho julga valendo-se do Código Civil. Então, não dá pra aceitar essa postura do STJ. E, o que é mais grave é o preconceito, bem referido por Pandelot, sendo importante referendar que essas manifestações reiteradas da 2ª Seção do STJ ocorreram porque os Juízes do Trabalho suscitaram o conflito negativo de competência. Eu acho uma tristeza reconhecer isso, porque se os juízes não tivessem recusado a competência, recusado o poder, isso não teria ocorrido. Bom, ocorreu. Agora, o que resta a fazer e o que se pretende fazer é abraçar a causa em defesa da competência da Justiça do Trabalho da mesma forma feita com relação às ações de indenização por acidente do trabalho. O TST está engajado com a ANAMATRA, o Ministro Ronaldo autorizou e eu irei junto visitar cada Ministro do STJ, levando memorial que contenham os debates por ocasião da tramitação da Emenda Constitucional 45, cuja redação original continha a expressão “relação de emprego” e teve alterada para “relação de trabalho” para ampliar a competência da Justiça do Trabalho. Não foi ao acaso que essa alteração aconteceu. De forma que eu tenho a esperança que, examinando a questão, consultando os anais do Congresso Nacional, o próprio STJ possa reexaminar esse entendimento que me parece um pouco precipitado e passe a reconhecer como a maior parte dos Juízes do Trabalho e o próprio TST a competência ampla da Justiça do Trabalho para os litígios decorrentes da relação de trabalho. E se não conseguirmos êxito no STJ devemos, junto ao STF, obter a afirmação da amplitude e profundidade da reforma que estão inseridas no inciso I do art. 114. Essa esperança deve ser traduzida em realidade, para que num próximo encontro não revelemos frustração, mas que possamos comemorar essa afirmação, tal como fizemos com relação à competência para as ações de indenização de dano decorrentes de acidente do trabalho.
* Palestra proferida em 22.09.2006.
1ª TESE
A PROVA PERICIAL E OS DADOS VISUAIS
Autor: Juiz Francisco Rossal de Araújo
PROPÕE QUE OS JUÍZES DO TRABALHO DETERMINEM QUE OS PERITOS JUDICIAIS ILUSTREM O TRABALHO PERICIAL COM FOTOGRAFIAS DO LOCAL DE TRABALHO, DOS EQUIPAMENTOS UTILIZADOS, DAS MÁQUINAS OPERADORAS, BEM COMO DAS SEQÜELAS APARENTES EM CASO DE ACIDENTE DE TRABALHO.
III) A prova pericial constitui os conhecimentos técnicos de que o Juiz lança mão, realizada por profissional com habilitação para tanto (art. 420 do CPC). Trata-se de um instrumento de fundamental importância para a resolução de determinadas lides, sendo inclusive obrigatória em certos casos, nos termos da lei.
IV) Além das tradicionais perícias de insalubridade e periculosidade, a Justiça do Trabalho se depara com a nova realidade das perícias realizadas em ações indenizatórias por acidente de trabalho.
V) Mais de 80% das informações que chegam ao cérebro humano estão diretamente relacionadas ao sentido da visão. Os outros 20% são divididos pelos demais sentidos (tato, olfato, gosto e audição).
VI) Os avanços tecnológicos permitem que qualquer profissional habilitado a fazer perícias na Justiça do Trabalho disponha de uma câmera digital, de um computador e de uma impressora.
VII) A proposição é de que os Juízes determinem aos peritos que atuam nas unidades judiciárias que os laudos tragam fotografias do local de trabalho, dos equipamentos utilizados, das máquinas operadas e de todos os elementos que sejam importantes ao Julgador, como forma de ampliar o seu conhecimento visual dos detalhes que envolvem o feito. Nos casos de acidentes de trabalho, os laudos devem trazer fotografias quando as seqüelas forem aparentes.
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Defesa da tese pelo autor.
Defesa de posicionamento contrário:
Colega Lígia: faz um contraponto, dizendo haver problema com as fotografias do local de trabalho e equipamentos, em razão de segredo industrial. Isso porque o perito pode estar flagrando o principal bem pertinente ao segredo de indústria. Para ela, os peritos estão proibidos de fotografar o parque industrial.
Defesa de posicionamento favorável:
Colega Rafael: Salienta que o problema é da ponderação dos princípios: da propriedade e da função social do trabalho. Registra que empresa se sujeita a algumas coisas, prevalecendo a função social do trabalho.
Colega Andréia: O problema quanto à objeção apresentada é resolvido se a empresa pedir o segredo de justiça, justificando o pedido para ser deferido ou não.
Colega Vargas. A proposta do autor da tese seria a regra e haveria exceção. Assim pareceria desculpa da empresa à realidade, pois se houvesse segredo industrial ele também haveria em relação aos trabalhadores. Em segundo lugar, o segredo de justiça pode ser mantido se requerido pela empresa, e o valor da propriedade não impede o exercício de outros para a correta apuração dos fatos.
A colega Lígia entende que se resolve o problema com o requerimento de segredo de justiça.
Votação da tese, como apresentada: Aprovada por unanimidade.
2ª TESE
A RESPONSABILIZAÇÃO DAS PARTES PELA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Autor: Juiz Jorge Alberto Araújo
PROPÕE A APLICAÇÃO DAS PENAS DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E MULTAS QUANDO OS ARGUMENTOS DAS PARTES NÃO CORRESPONDAM A UMA EFETIVA CONTROVÉRSIA, MAS À UTILIZAÇÃO DO PROCESSO PARA OUTROS FINS, EM ESPECIAL PARA RETARDAR O PAGAMENTO DE DÉBITOS LEGÍTIMOS.
Na nossa atividade diária verificamos, habitualmente, a utilização do processo com finalidades diversas da sua original.
O Estado, com o fim da pacificação social, atraiu para si o monopólio da solução dos conflitos interindividuais, para o que se utiliza do processo.
Assim a parte que entende violado um direito seu, no lugar de agir de mão própria para recuperar o statu quo, tem de provocar o Estado, através dos seus órgãos prestadores da jurisdição que, chamará a pessoa apontada pelo lesado como autor da lesão, e, através do processo, o compelirá a restaurar a situação inicial. Restaurando-se, assim, a paz social.
No entanto o que se tem verificado quer no nosso processo trabalhista, quer nos demais ramos do Judiciário, é a utilização do processo como forma de consagrar ilegalidades, deixando-se de cumprir obrigações contando com a mora do Judiciário.
E esta dita morosidade do Judiciário alimenta esta situação em um círculo vicioso, uma vez que (a) os maus pagadores fazem com que aumente o número de demandas judiciais, incrementando, desta forma, o tempo médio de solução das demandas, (b) cientes desta situação, outros pagadores, muitas vezes que concorrem no mercado com os primeiros, verificam no procedimento uma forma de gerar lucros, tendo em vista a discrepância ente os juros comerciais e os incidentes sobre os débitos discutidos em juízo (c) em decorrência da longa espera para a satisfação dos seus direitos, muitos dos prejudicados restam por se conformar, e deixam de apresentar demandas, acarretando, portanto, maiores lucros aos maus pagadores e, finalmente, (d) uma parcela das demandas colocadas, por uma série de situações, que vão de defeito na formação de processo, podendo, inclusive passar pela postura conservadora do magistrado, resta sendo definida favoravelmente ao réu, o que lhe representa, portanto, maiores lucros.
Não é ocioso acrescentar que muitos dos prejudicados, igualmente deixam de apresentar suas demandas ao Estado não apenas em virtude da demora do Judiciário em examinar suas demandas, mas também em decorrência do temor, em especial no caso da Justiça do Trabalho, mas também se pode considerar idêntica ou semelhante situação nas relações de consumo – em especial de crédito, respaldada que está a aplicação do CDC aos bancos por recente decisão do STF – de ingressar em denominadas “listas negras”, não podendo, desta forma, obter novos empregos, ou, no caso dos consumidores, crédito.
Não se pode deixar de invocar a lição de GOLDSCHMIDT ao contrapor-se a BÜLLOW, que se utilizou da figura da guerra vencida para justificar ao vitorioso apropriar-se dos despojos do vencido, sem que a relação preexistente assim o justificasse. E, com efeito, o processo judicial é uma fonte de incertezas. Todavia quando de incertezas se cuidam, é justo que a decisão venha a ser de tal ou qual forma. O que, contudo, não se pode admitir é que o processo seja permeado de inverdades ou defesas meramente formais, destinadas a fazer com que siga a sua marcha sem que se realize o direito material sob ele debatido.
O Código de Processo Civil estabelece, expressamente:
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – proceder com lealdade e boa-fé;
III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;
IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito;
V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.
A lesividade do comportamento dos litigantes que agem, violando os deveres acima referidos, é significativa: (1) prejudica o Estado-Juiz, sobrecarregando-o de tarefas que não são, propriamente, lides, haja vista que uma das partes não tem dúvidas do direito da parte adversa, mas apenas mantém o processo em decorrência das vantagens de natureza econômica que daí obtém; (2) prejudica o Estado-Administração, na medida em que lhe acarreta maiores custos, que não são cobertos pelas custas processuais, quanto mais na Justiça Federal na qual estas são bastante pequenas em relação ao valor da causa; (3) desacredita o Estado-Juiz como meio eficiente para a solução dos conflitos interindividuais.
Entretanto a “praxe” dos Tribunais vem tolerando tais situações, alicerçando este seu comportamento em princípios tais como “Devido processo legal”, “ampla defesa” o, e até mesmo, “presunção de inocência”. Fazendo, contudo, tábula rasa de Princípios muito mais importantes importante, igualmente de origem constitucional, mas que embasam o próprio Estado Democrático de Direito, como os valores sociais do trabalho e a função social da propriedade. Entretanto somente uma distorção na apreensão dos Princípios pode permitir que se outorgue “o benefício da dúvida” ao empregador que despediu, sem o pagamento das verbas correspondentes, quando tal situação exsurge dos autos sem qualquer oposição séria.
A solução repousa no próprio Código de Processo Civil, nos dispositivos seguintes:
Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
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Defesa da tese pelo autor, justificando a aplicação da litigância de má-fé quando a controvérsia não se faz séria.
A colega Andréia pede esclarecimento sobre a ementa da tese e sua abrangência.
O autor da tese esclarece que sempre haverá excrescência e que alguns Juízes poderiam estar condenando reclamantes que busquem reconhecimento de vínculo de emprego e que estes não se apresentem como litigantes de má-fé.
Defesa de posicionamentos contrários:
Colega Antônia Mara: O receio da colega Andréia se afasta quando o argumento se revela inconsistente.
Colega Maurício: propõe a retificação da ementa da tese para que se reporte a “outros fins ou contrário a direito”.
Colega Márcio: questiona se a votação é da ementa. É esclarecido que sim conforme aprovado no início da assembléia.
Em votação a 2ª tese, com a ementa retificada:
PROPÕE A APLICAÇÃO DAS PENAS DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E MULTAS QUANDO OS ARGUMENTOS DAS PARTES NÃO CORRESPONDAM A UMA EFETIVA CONTROVÉRSIA, MAS À UTILIZAÇÃO DO PROCESSO PARA OUTROS FINS OU FINALIDADE CONTRÁRIA AO DIREITO.
Colega Adelar: propõe justificação de acréscimo do art. 14 do CPC à ementa, ao que o Plenário entende desnecessário, pois já contido na lei.
Votação da tese, com a ementa retificada: Aprovada por unanimidade.
3ª TESE
EXECUÇÃO TRABALHISTA JUSTA, ÁGIL E EFICAZ
Autora: Juíza Antônia Mara Vieira Loguércio
NA APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CPC AO PROCESSO TRABALHISTA DEVE-SE CONSIDERAR QUE O ARTIGO 620 É INAPLICÁVEL E OS ARTIGOS 475-J E 475-O, § 2º SÃO SEMPRE APLICÁVEIS. O VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRABALHISTA SÓ PODE SER NO ÚLTIMO DIA DO MÊS CIVIL DA PRESTAÇÃO DO TRABALHO (APLICAÇÃO DO CAPUT DO ARTIGO 459 DA CLT). A APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEF À EXECUÇÃO TRABALHISTA, SOBRETUDO NOS ARTIGOS 4º, INCISO V, 7º, INCISO IV COMBINADO COM O ARTIGO 14, INCISO I E 24, INCISO II, LETRA B, AGILIZAM A EXECUÇÃO TRABALHISTA. URGE ADOTAR OUTRO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO E JUROS DIFERENCIADOS NA EXECUÇÃO TRABALHISTA. AGILIZARÁ A EXECUÇÃO TRABALHISTA A APROVAÇÃO DOS PROJETOS DE LEI Nº 4.597/2004, QUE REGULAMENTA O FUNDO DE GARANTIA DA EXECUÇÃO TRABALHISTA E 4.734/04, NO SUBSTITUTIVO QUE ALTERA PARA 60 E 100 SALÁRIOS MÍNIMOS, RESPECTIVAMENTE, OS DEPÓSITOS RECURSAIS PARA O RECURSO ORDINÁRIO E DE REVISTA.
Parece desnecessário repisar que o Juiz do Trabalho deva pautar toda sua atividade jurisdicional na busca incessante da melhor aplicação do Direito do Trabalho já positivado, com as inferências que daí possa extrair em sua criação judicante. Despiciendo, também, acentuar que o centro de nossa atuação associativa deva se concentrar na procura permanente do aprimoramento legislativo da norma trabalhista. Em ambos os casos, como é curial, sob a égide do princípio protetivo, pedra angular do Direito do Trabalho, e razão de ser da própria existência deste ramo do Direito, como disciplina autônoma e da Justiça do Trabalho como órgão especializado do Poder Judiciário.
Não é fácil, todavia, no quotidiano de nossa exaustiva tarefa de dizer o direito, sob a pressão constante de todo um aparato infra e supra-estrutural que aponta em sentido contrário, ter presentes esses axiomas que assumimos no momento em que escolhemos a magistratura trabalhista. Não por outro motivo questões que já se tinham firmado na doutrina e na jurisprudência juslaboralista há várias décadas aparecem, agora, vilipendiadas mediante novas escusas, combatidas sob novas roupagens, dissimuladas sob outros argumentos e que nos levam, muitas vezes, a perder o rumo ontológico, axiológico e teleológico do Direito Social a que nos dedicamos.
Passada a década perdida dos famigerados anos 90 e os estertores da teorização e prática neoliberal-privatista dos primeiros anos do Século XXI no Brasil, assistimos, ainda, reflexos deste pensamento historicamente ultrapassado e que perde fôlego social a cada dia – sobretudo nos chamados países periféricos onde seus desastrosos efeitos se fizeram sentir com mais vigor –, mas que exercem, ainda, alguma influência nos doutrinadores, nos legisladores e, inclusive, nos aplicadores do Direito do Trabalho.
É estreme de dúvidas que houve avanços significativos na superação desses obstáculos, representados, por exemplo, na extraordinária vitória do associativismo da magistratura trabalhista ao retirar a Justiça do Trabalho do quase sepulcro a que já estava destinada e trazê-la para o status onde hoje se encontra como o ramo do Poder Judiciário que mais adquiriu competência jurisdicional, vale dizer, poder e que mais se projetou no cenário político-judiciário como indispensável e capaz de assumir as novas e intrincadas tarefas com determinação, ousadia e grandeza.
Não é menos certo, porém, que o conjunto dos órgãos jurisdicionais espalhados pelo país ainda se ressente da influência teórica e jurisdicional de um período imediatamente anterior. São, ainda, rarefeitas, tanto nas edições oficiosas como na própria jurisprudência especializada, as marcas das profundas diferenças teóricas e normativas entre o Direito e, principalmente, o Processo do Trabalho em relação aos demais ramos do Direito, fundados nas relações de propriedade e de consumo, e que nada têm a ver com o arcabouço principiológico e teleológico do Direito Social.
Observam-se, ainda, resistências expressas em atitudes preconceituosas contra a constitucionalização dos direitos sociais, contra as normas de natureza afirmativa no combate à discriminação, ou nas surradas concepções contratualistas que maculam e distorcem a criação e a aplicação do Direito Social. Ou mesmo na insistente preferência pela negociação – que melhor estaria expressa no neologismo negaciação – em detrimento da proteção jurídico-estatal.
É preciso ter muito claro que ao dizer o Direito em tais condições ou com tais critérios, qualquer órgão judicante trabalhista, em qualquer ponto deste imenso país, estará solapando a expressiva vitória institucional que obtivemos com a Emenda Constitucional nº 45 e suas conseqüências imediatas. Mas, acima de tudo, estará jogando no atraso teórico, na mesquinhez do ideário privatista, na subserviência ideológica ao capital, na submissão à onipotente manipulação midiática.
Precisamos, pois, reagir – com rapidez e vigor – a essas tentativas, postando-nos de maneira firme e decidida em defesa da aplicação da norma jurídico-positiva que atenda à interpretação sistemática e teleológica dos preceitos legais e empenhando-nos, com denodo, no aperfeiçoamento legislativo trabalhista visando a dar cumprimento ao preceito constitucional insculpido no caput do art. 7º que deve sustentar, fundamentar e alavancar a criação de qualquer norma jurídico-trabalhista ao estabelecer como pressuposto, como conditio sine qua non para tanto, que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais.
Poderíamos, num trabalho de maior fôlego, apontar muitas outras normas que ainda encontram discrepâncias ou dúvidas em sua aplicação e outras tantas regras de lege ferenda que se mostram a cada dia mais urgentes. Pelas limitações do tempo e do espaço, no entanto, optamos, na apresentação desta tese por apontar algumas das questões mais candentes do ponto de maior estrangulamento no processo do trabalho: a execução, que vem se mostrando sempre mais postergada, mais injusta com as prerrogativas do credor trabalhista e menos eficaz no cumprimento e realização da decisão judicial. Pinçamos alguns aspectos que estão presentes no nosso trabalho quotidiano e trazemos à apreciação dos colegas as interpretações que estamos propondo para eles.
I – Inaplicabilidade do Art. 620 do CPC ao Processo do Trabalho:
Tese defendida pela colega VALDETE e aprovada no Congresso da ANAMATRA mas que preservamos nesta por razões de coerência sistêmica. É bastante comum, mesmo nos pretórios trabalhistas, a invocação ao modo menos gravoso da execução com fundamento no art. 620 do CPC. Entretanto, tal dispositivo é inaplicável à execução trabalhista. Na forma do art. 769 da CLT, o CPC somente tem aplicação subsidiária ao processo trabalhista se e quando: 1) for omisso o processo laboral a respeito; 2) não for incompatível com as normas do Processo do Trabalho. No caso específico do art. 620 que prevê o modo menos gravoso ao executado, não há a aventada omissão porquanto o art. 882 da CLT inclui no processo trabalhista a ordem de preferência do art. 655 do CPC e nada refere sobre o modo menos gravoso de aplicação desta preferência. Não atende, também, ao segundo pressuposto porque a norma insculpida no art. 620 do CPC é totalmente incompatível com as normas do processo trabalhista, dentre as quais avultam os princípios do Direito do Trabalho, positivados como fonte do Direito laboral brasileiro, na forma do art. 8º da CLT.
II – Aplicabilidade ao Processo Trabalhista dos artigos 475-J E 475-O do CPC
Não é razoável interpretar-se como inaplicável ao processo trabalhista a extraordinária inovação introduzia com o art. 475-J do CPC pela Lei nº 11.232 de 22.12.2005 apenas porque no art. 880 da CLT tem se entendido como facultado ao devedor a indicação de bens à penhora. Em primeiro lugar porque a subsidiariedade do CPC deve visar, sempre, à proteção do credor trabalhista – como hipossuficiente e não o contrário. Além disso, a inovação do art. 475-J inclui a fixação ex officio de multa de 10% que, não prevista na CLT e favorecendo o credor trabalhista, é automaticamente aplicável à execução trabalhista nos termos do art. 769 do Estatuto Consolidado. E na segunda parte que transfere ao credor a indicação inicial dos bens, a interpretação correta do preceito insculpido no art. 880 não autoriza a que se considere como prazo para o devedor nomear bens à penhora e sim para que ele garanta a execução, o que só pode ser interpretado como exigência de depósito, em dinheiro, e no prazo de 48 horas, do valor total do débito.
Quanto à provisoriedade da execução e dispensa da caução para liberação de valores, no próprio processo civil houve radical modificação que, aí sim, tem inteira aplicação subsidiária ao processo trabalhista, por ser omissa a CLT no aspecto e por atender perfeitamente à compatibilidade com as normas e os princípios laborais. Trata-se da Lei nº 11.232 de 22.12.2005 que introduziu no CPC, o art. 475-O, mantendo, em termos, a redação do revogado art. 588 instituída pela Lei nº 10.444/2002.
Despiciendo dizer que na sua aplicação ao processo trabalhista, não há falar em
caução porquanto, independentemente do valor do débito, a dívida trabalhista será sempre de natureza alimentar e o obreiro estará sempre em estado de necessidade.
É certo que na redação anterior poderia ser interpretado que os pressupostos não seriam cumulativos e na redação atual tal interpretação não corresponde ao disposto no inciso I do § 2º do art. 475-O. Ademais a hipótese alternativa, ou decorrente de ato ilícito, também estará sempre presente em se tratando de sentença condenatória por inobservância da legislação laboral. No mínimo, ainda que se considerasse indispensável a manutenção da exigência de caução em dívidas superiores aos 60 salários mínimos, deve prevalecer o entendimento de que até tal limite, seria liberado permanecendo, se o caso, o restante pendente de caução ou aguardando a execução definitiva.
Agregue-se a isso a hipótese do inciso II do § 2º do mesmo art. 475-O, na medida em que é perfeitamente aplicável ao processo trabalhista, a liberação dos valores mesmo em execução provisória, dispensada a caução, quando pendente de Agravo de Instrumento perante o TST e aqui sem qualquer referência a valores do débito.
III – Critérios de Atualização do Cálculo Trabalhista:
Relativamente aos critérios para o cálculo da atualização monetária, muito se tem invocado e há, inclusive, matéria sumulada a respeito, o parágrafo 1º ou único do art. 459 da CLT. Todavia, não se tem atentado para o fato de que, no sinalagma próprio do contrato de trabalho, a contraprestação pecuniária deve corresponder exatamente ao momento da prestação do trabalho. Para melhor definir e regular esse princípio, o art. 459, caput da CLT estabeleceu um limite, vedando a estipulação do pagamento de salário por prazo superior a um mês:
Assim, no momento em que se completa o mês civil correspondente à prestação de trabalho, é devida a contraprestação pecuniária, na forma da lei e não no dia seguinte, como defendido pela maioria da jurisprudência. A tolerância permitida ao empregador no § 1º (e único) do art. 459 deve, pois, ser interpretada sistematicamente com o dispositivo do caput do mesmo artigo, de modo a evitar contradição entre os dois preceitos. Não há, porém, contradição porque a tolerância de mais cinco dias além do mês estabelecido pelo caput, destina-se, como expresso no próprio texto legal, apenas à efetuação do ato de pagamento pela empresa, sendo compreensível que a operacionalização do pagamento mensal ao conjunto dos trabalhadores demande um pouco mais de prazo para a organização interna do ato de pagar, sobretudo para considerar todas as parcelas vencíveis até o último dia do mês. Não significa, contudo, nem pode significar, que os cinco dias de tolerância concedidos para o ato de efetuar o pagamento representem o vencimento da obrigação e, pois, a constituição do débito.
O vencimento da obrigação correlata à prestação de trabalho já está definido no caput do mesmo art. 459 e não pode ser estipulado por prazo superior a um mês, sendo, pois, vedada por força de lei, a pretendida “prorrogação” por mais cinco dias úteis além do mês para os efeitos de fixação do vencimento da obrigação trabalhista.
IV – Aplicação da Lei nº 6.830/80:
Em que pese a literalidade do art. 889 da CLT, os Juízos trabalhistas tem perdido a oportunidade de adotar a subsidiariedade da Lei nº 6.830/80 como modo de facilitar e efetivar a execução trabalhista. Apontamos apenas alguns dos preceitos daquela Lei
que cumpririam este papel e que não estão sendo utilizados, comumente, entre nós:
a) art. 4º, inciso V = respondendo pelo débito os responsáveis pelas pessoas jurídicas, sócios das empresas, para os efeitos dos débitos trabalhistas, como para os da Fazenda Pública, serão sempre responsáveis, não havendo necessidade de constarem – de modo expresso – no pólo passivo e, pois, de nova citação dos mesmos no redirecionamento da execução;
b) o art. 7º, inciso IV combinado com o art. 14, inciso I que determina ao considerar ordem judicial, o registro da penhora de imóvel independentemente de qualquer despesa;
c) o art. 24, inciso II, letra b que prevê à Fazenda Pública e, portanto, ao credor trabalhista, 30 dias de prazo para a adjudicação em igualdade de condições, havendo licitantes.
V – De Lege Ferenda:
Há, porém, urgência em correções legislativas que viabilizem ou destravem a execução trabalhista ou pelo menos que dificultem os expedientes protelatórios e evasivos do devedor inadimplente:
a) adoção de um novo índice de atualização monetária porque a TR – que não é um indexador baseado na inflação pretérita, mas um índice de atualização financeira – vem se constituindo num verdadeiro castigo ao credor trabalhista e, via de conseqüência, um enorme estímulo à protelação e ao não pagamento dos débitos. Do mesmo modo não se pode entender que aos processos judiciais trabalhistas sejam aplicadas as menores taxas de juros. Que ao menos seja fixado critério diferenciado para a fase de conhecimento e para a fase de execução, ou seja, pelo menos dobrar (ou triplicar) os juros para o caso do devedor chegar ao processo de execução, idéia defendida há alguns dias em artigo publicado em jornal gaúcho pelo ex-Presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Desembargador Cláudio Baldino Maciel;
b) a adoção nos Embargos à Execução dos mesmos critérios de admissibilidade do Agravo de Petição, com a reprodução da parte final do art. 897, § 1º no final do art. 879, § 2º da CLT. Se, pela redação atual, os Embargos à Execução já devem apontar as parcelas e os valores embargados, é curial que também na fase de Embargos, devem ser apontados – e liberados – os valores incontroversos, como pressuposto inclusive de recebimento do remédio processual intentado;
c) é fundamental para a agilização da execução trabalhista a aprovação dos Projetos de Lei nº 4.597/2004, que regulamenta o Fundo de Garantia da Execução Trabalhista, de autoria do Deputado Maurício Rands e 4.734/2004, no Substitutivo apresentado pela Deputada Vanessa Grazziotin que aumenta para 60 e 100 salários mínimos, respectivamente, o depósito recursal para Recurso Ordinário e Recurso de Revista.
Com este conjunto de medidas haveria, indubitavelmente, um tratamento muito mais justo ao credor trabalhista o qual, sobre dever ser protegido como hipossuficiente também na fase executória do processo, tem a seu favor o reconhecimento dos direitos e um título líquido que precisa se tornar cada vez mais efetivo em nome da segurança jurídica e da paz social. Garantiríamos uma extraordinária economia de tempo na execução trabalhista e um considerável aumento na possibilidade de tornar efetiva a prestação jurisdicional, alcançando a execução trabalhista JUSTA, ÁGIL E EFICAZ que tanto buscamos.
CONCLUSÕES:
A) Na aplicação subsidiária do CPC ao Processo Trabalhista deve-se considerar que o art. 620 do CPC é inaplicável e os arts. 475-J e 475-O, § 2º são sempre aplicáveis;
B) O vencimento da obrigação trabalhista de contraprestação dos salários, só pode ser no último dia do mês civil da prestação de trabalho (aplicação do caput do art. 459 da CLT e consideração do sinalagma próprio do contrato de trabalho);
C) A aplicação subsidiária da LEF à execução trabalhista (CLT, art. 889), sobretudo nos arts. 4º, inciso V, 7º, inciso IV combinado com o art. 14, inciso I e 24, inciso II, letra b agilizam muito a execução trabalhista;
D) Impõe-se adotar outro índice que não o FADT na atualização do débito trabalhista e juros maiores e diferenciados entre os aplicáveis à fase de conhecimento e os devidos já na execução trabalhista;
E) A AMATRA IV, juntamente com a ANAMATRA deverá lutar pela impediata aprovação dos Projetos de Lei 4.597/2004, que regulamenta o Fundo de Garantia da Execução Trabalhista e 4.734/2004, no Substitutivo apresentado pela Deputada Vanessa Grazziotin que altera para 60 e 100 salários mínimos, respectivamente, os depósitos recursais para o Recurso Ordinário e de Revista que agilizarão muito a execução trabalhista e a tornarão mais efetiva.
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Defesa da tese pela autora.
Votação da tese, por proposição da ementa:
1ª proposição: a) Na aplicação subsidiária do CPC ao Processo Trabalhista deve-se considerar que o art. 620 é inaplicável e os arts. 475-J e 475-O, § 2º são sempre aplicáveis.
Defesa de posicionamentos contrários:
Colega Maurício: Entende prematuro dizer que o art. 620 não seja aplicável. Quanto aos arts. 475-J e 475-O salienta que há várias hipóteses de caução, posicionando-se no sentido de que, em algumas hipóteses, são incompatíveis com o processo do trabalho.
Colega Francisco Rossal: Diz discordar com esta proposição, aduzindo ser necessária cautela com a interpretação quanto às reformas do CPC, pois caminho é de mão dupla, pois se entendermos aplicável por exemplo a multa de 10% estaríamos abrindo espaço para outras mazelas do processo civil. Em um segundo aspecto, lembra da proposta de revogação de todo capítulo da execução trabalhista da CLT e a adoção dos critérios do CPC, pura e simplesmente, o que traria ainda mais prejuízo à execução trabalhista. Lembra das questões políticas por trás da reforma do CPC e menciona que ainda não temos conhecimento de todo o conjunto das mudanças do CPC na execução. Ressalta as contrariedades apontadas pelo colega Maurício para não aprovarmos incompatibilidades.
Colega Daniel: Discorda da conclusão da proposição “a” em relação à palavra sempre, lembrando de problemas inclusive quanto ao prazo para pagamento (se 48 horas ou 15 dias). Pensa ser necessário o detalhamento de como proceder a aplicação da regra.
Colega Ana Sagrilo: Entende que, se aprovada a proposição, deveria constar que se aplicasse apenas o caput do art. 475-J do CPC, e quanto ao outro artigo entende que não seria aplicável porque implicaria expropriação indevida do executado.
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Rafael: Entende estar sendo proposta uma idéia geral e que para a aplicação dos arts. 475-J e 475-O do CPC deve ser observado o princípio da efetividade do processo, mas salienta que não poderíamos deixar de aplicar ao processo do trabalho o que veio no processo civil e se mostra acertado.
Colega Celso: Se o processo civil pode ajudar não há porque não adotá-lo no que auxiliar.
Colega Márcio: defende a exclusão da palavra sempre.
A autora da tese propõe que em relação ao artigo 475 do CPC, seja suprimida a expressão sempre e que passe a constar o § 2º do art. 475-O para delimitação.
1ª proposição com emenda retificativa: a) Na aplicação subsidiária do CPC ao Processo Trabalhista deve-se considerar que o art. 620 é inaplicável e as disposições contidas no art. 475-J e no § 2º do art. 475-O do CPC, são aplicáveis.
Colega Francisco: Pensa ser necessário refletir sobre as reformas do CPC, e renova a preocupação com os riscos da abertura da porta para aplicação delas no processo do trabalho.
A autora da tese reitera a sua defesa.
Colega Maurício: entende necessário ressalvar o art. 620 do CPC, dizendo inaplicável em regra.
1ª proposição – Texto final, com a retificação: a) Na aplicação subsidiária do CPC ao Processo Trabalhista deve-se considerar que as disposições contidas nos arts. 475-J e no § 2º do art. 475-O , são aplicáveis, e as disposições do art. 620 são, em regra, inaplicável.
Votação da 1ª proposição: Aprovada por maioria.
2ª proposição: O vencimento da obrigação trabalhista só pode ser no último dia do mês civil da prestação do trabalho (aplicação do caput do art. 459 da CLT).
Defesa de posicionamento contrário:
Colega Eduardo Eliseu: O vencimento da obrigação é a data da exigibilidade da obrigação. Entende que os empregados não podem exigir salário antes do 5º dia útil do mês seguinte, como está na Súmula 21 do TRT 4ª R.
Votação da 2ª proposição: Rejeitada.
3ª proposição: A aplicação subsidiária da LEF à execução trabalhista, sobretudo nos arts. 4º, inciso V, 7º, inciso IV, combinado com o art. 14, inciso I e 24, inciso II, letra b, agilizam a execução trabalhista.
Defesa de posicionamentos contrários:
Colega Ana Rosa: Entende importante redirecionar a execução aos sócios até para impedir prejuízos a terceiros que negociem com os sócios.
Colega Gilberto Destro: Concorda com o redirecionamento aos sócios, com os registros no pólo passivo. Quanto à adjudicação entende ser necessária cautela porque permití-la depois do leilão pode favorecer a fraudes; ela deve ser requerida durante o leilão para permitir lances maiores durante o leilão.
Colega Fernando: preocupação com o prazo quanto à adjudicação, pois a CLT dá a entender que seria contado do leilão.
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Vargas: Defende que se aplique aos débitos trabalhistas os benefícios que a Fazenda possui em relação aos débitos fiscais, dizendo que não seria possível não estendê-los aos débitos trabalhistas.
Colega Márcio: Lembra que a ementa não trata sobre o redirecionamento aos sócios. Lembra da adjudicação ser possível até a assinatura do auto de arrematação, entendendo ser possível este ser expedido em trinta dias.
Colega Vargas: salienta que na inexistência de redirecionamento, estariam convalidados todos os atos dos sócios, desde a citação inicial do processo, ou não. Se não, vale a tese proposta pela colega Mara, que entende já esteja ele citado quando há a citação da empresa.
Votação da 3ª proposição: Aprovada por maioria.
4ª proposição: Urge adotar outro índice de atualização e juros diferenciados na execução trabalhista.
Defesa de posicionamentos contrários:
Colega Laís: não concorda quanto aos juros.
Colega Márcio: propõe a supressão da palavra “atualização”
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Íris: Dúvida de qual o fundamento para aplicar outro índice de atualização que não o previsto em lei.
Colega Salomão: concorda em parte com a colega Laís em relação à atualização monetária e é de opinião que a tese seja aplicada para aplicação de taxas melhores.
Colega Valdete: A proposta está correta como proposição.
Colega Vargas: Lembra da proposição do Presidente do TST, e salienta que a proposta abre caminho para a alteração jurisprudencial na medida em que se deve reparar efetivamente o dano. Quanto ao FADT, tem resistência de aplicar outra taxa porque abre espaço à efetivação da execução, mas entende correta a proposição para o futuro.
Votação da proposição: Aprovada com maioria quanto aos juros, e rejeitada em relação à atualização monetária.
Redação final da 4ª proposição: Urge adotar juros diferenciados na execução trabalhista.
5ª proposição: Agilizará a execução trabalhista a aprovação dos Projetos de Lei 4.597/2004, que regulamenta o Fundo de Garantia da Execução Trabalhista e 4.734/2004, no Substitutivo que altera para 60 e 100 salários mínimos, respectivamente, os depósitos recursais para o Recurso Ordinário e de Revista.
Votação: Aprovada por aclamação.
A 3ª tese, EXECUÇÃO TRABALHISTA JUSTA, ÁGIL E EFICAZ, votada em proposições, tem a seguinte redação final:
a) NA APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CPC AO PROCESSO TRABALHISTA DEVE-SE CONSIDERAR QUE AS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NOS ARTS. 475-J E NO § 2º DO ARTIGO 475-O, SÃO APLICÁVEIS, E AS DISPOSIÇÕES DO ARTIGO 620 SÃO, EM REGRA, INAPLICÁVEL.
Aprovada por maioria, após a retificação da ementa.
b) A APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEF À EXECUÇÃO TRABALHISTA, SOBRETUDO NOS ARTIGOS 4º, INCISO V, 7º, INCISO IV COMBINADO COM O ARTIGO 14, INCISO I E 24, INCISO II, LETRA B, AGILIZAM A EXECUÇÃO TRABALHISTA.
Aprovada por maioria.
c) URGE ADOTAR JUROS DIFERENCIADOS NA EXECUÇÃO TRABALHISTA.
Aprovada por maioria, após a retificação da ementa.
d) AGILIZARÁ A EXECUÇÃO TRABALHISTA A APROVAÇÃO DOS PROJETOS DE LEI Nº 4.597/2004, QUE REGULAMENTA O FUNDO DE GARANTIA DA EXECUÇÃO TRABALHISTA E 4.734/2004, NO SUBSTITUTIVO QUE ALTERA PARA 60 E 100 SALÁRIOS MÍNIMOS, RESPECTIVAMENTE, OS DEPÓSITOS RECURSAIS PARA O RECURSO ORDINÁRIO E DE REVISTA.
Aprovada por aclamação.
4ª TESE
CONEXÃO, CONTINÊNCIA, PREVENÇÃO: JUSTIÇA CÉLERE E EFICAZ
Autor: Juiz Jorge Alberto Araújo
PROPÕE QUE NAS COMARCAS EM QUE EXISTA MAIS DE UMA VARA AS AÇÕES CONEXAS SEJAM DISTRIBUÍDAS PARA VARA ÚNICA, COMO MEDIDA DE CELERIDADE.
Para os juízes que, quando substitutos, atuaram tanto em comarcas com muitas varas, como Porto Alegre ou Novo Hamburgo, duas varas, como Santa Cruz (até pouco tempo) ou Santa Maria, ou vara única, como Lagoa Vermelha, ressalta uma situação nestas últimas que nas primeiras, em especial em Porto Alegre, raramente se observa, mas que potencializa sobremaneira a atividade judicial, permitindo a prolação de muitas decisões com um gasto energético – e, por igual, material – sobremaneira inferior: são os processos ditos iguais.
As situações que lhes dão origem são variadas, normalmente despedidas coletivas causadas por fechamento de filial, falência, etc. Mas que resultam em demandas bastante semelhantes.
Destaca-se, já de início, que a apresentação de tal tipo de demanda de forma coletiva, ou seja, com pluralidade de autores no mesmo processo, já se mostrou prejudicial ao bom andamento do processo. O que, desde já se afasta como contradição à nossa tese, uma vez que a existência de diversas situações minimamente diferentes dentro de uma ação dita plúrima, em que ocorriam acordos parciais, perícias de insalubridade envolvendo setores e funções distintas, restava por inviabilizar o término da demanda.
Contudo, e retornando-se ao tema central de nossa proposta, podemos referir que a concentração de tais demandas em apenas uma unidade judiciária, através das regras de conexão, continência e prevenção, representaria inegável economia em termos de tempo de tramitação processual e, de outra parte, recursos públicos, uma vez que os atos concentrar-se-íam, provas poderiam ser aproveitadas, inclusive testemunhais, assim com o magistrado responsável por tais demandas, terá concentrada, desde o início, a administração do processo, podendo verificar, desde então, desvios de finalidade do processo.
O Código de Processo Civil assim se manifesta acerca da conexão.
Art. 103 – Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir.
Art. 104 – Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras.
Art. 105 – Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.
Art. 106 – Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.
Moacyr Amaral dos Santos, em seu Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, já aponta as regras de conexão como tendo dupla finalidade:
“III) para que os processos sejam mais céleres e menos onerosos possível para as partes (razão de ordem particular);
IV) evitar sentenças contraditórias (razão de ordem pública).”
Aliás importante trazer à lembrança que em meados do ano de 1996 o nosso Tribunal utilizou-se de critério de distribuição de processos “semelhantes” com algum sucesso de modo a reduzir o seu então praticamente invencível resíduo, com um nível razoável de sucesso.
E esta proposta envolve, inclusive, o Segundo Grau. Ou seja os processos, concentrados mediante regras a serem definidas de conexão e continência seriam encaminhados a uma das varas da comarca, onde seriam processados e julgados (ou conciliados), sendo que, no momento de eventual exame em instância superior, igualmente haveria a prevenção da turma a que dirigido o primeiro recurso, possibilitando-se, novamente, a economia de todo um procedimento espraiado por todas as turmas do Regional.
Veja-se que este procedimento evitaria, inclusive, o constrangimento da existência de decisões contraditórias, mormente tendo-se em conta que a existência de divergência entre turmas de um mesmo Regional não enseja o reexame através de Recurso de Revista, ou qualquer outro recurso.
As objeções que se poderiam apresentar, tais como a distorção que pode ocorrer em números absolutos de processo em determinadas varas ou turmas em virtude das regras a serem implementadas ou do risco de a demanda ingressar em vara cujo magistrado tenha entendimento diverso do dominante entre os colegas, não podem ser apresentadas como obstáculo à nossa proposta. No primeiro caso se poderia estudar formas de compensação. No segundo se deve observar que o procedimento proposto de forma alguma fere o Princípio do Devido Processo Legal, ao contrário faz efetiva norma processual civil que incontroversamente incide sobre o nosso processo especial, mas que não tem sido aplicada.
Importante ressaltar, outrossim, que os mecanismos a serem utilizados para identificar situações de litispendência, conexão ou continência evitarão que sejam aforadas demandas de forma a “direcionar” o processo, atendendo, de outra parte, o que já se encontra previsto no Projeto de Lei da Câmara nº 71, de 2002 (PL nº 5.828, de 2001, na Casa de origem) que no parágrafo único do art. 14 assim dispõe:
Parágrafo único. Os sistemas devem buscar identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada.
Não é ocioso, ademais, acrescentar que, não bastassem tais normas que já indicariam este procedimento, ainda o CPC, através das suas recentes alterações, precisamente no inc. III do art. 253 expressamente determina:
Art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:
(…)
III – quando houver ajuizamento de ações idênticas, ao juízo prevento. (Incluído pela Lei nº 11.280, de 2006).
Concluindo, propõe-se que se adotem nas comarcas em que há mais de uma vara, bem como na distribuição dos recursos ao Tribunal, critérios de concentração de demandas que preencham os requisitos de conexão e continência em uma única unidade judiciária, de forma a imprimir-se maior celeridade na sua solução.
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Defesa da tese pelo autor.
Defesa de posicionamentos contrários:
Colega Leandro: A maioria não concorda com tipo de súmula vinculante e ressalta o temor da aprovação de continência ou conexão de forma ampla, questionando até que ponto vale a pena ser célere e impedir a discussão de posições.
Colega Laís: Lembra do que é conexão e continência, e corrobora a posição anterior.
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Benhur: Ressalta que as ponderações dos colegas antecedentes são embasadas em julgamentos desfavoráveis que os colegas eventualmente preventos dessem. Entende não ser bom o argumento. Defende a proposta para a racionalização, agilização e especialização do sistema e, nesse aspecto, salienta que a tese é boa. Tem dúvida de como seria o procedimento para a observância da conexão e continência. Diria que implicaria a mitigação do Juiz Natural, mas viria a favor da celeridade e especialização.
Colega Maurício: Diz que não há como consagrar a jurisprudência diversa em casos concretos iguais. Pensa que isso seria muito mais injusto.
Colega Ana: Concorda com a racionalização a decisões contraditórias. Salienta o exemplo do ajuizamento de cinqüenta causas de partes diversas e houve prevenção no TRT.
Votação da tese: empate.
Desempate, pelo Presidente: Lembra que no interior os colegas ajustam esse tipo de situação como na extinção das empresas. Contudo, vota contra a tese, que, assim, é rejeitada.
5ª TESE
A SOLIDARIEDADE NO CONSÓRCIO DE EMPREGADORES TOMADOR DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS
Autor: Juiz Márcio Lima do Amaral
NA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO, MEDIANTE EMPRESA INTERPOSTA, PARA PRESTAR SERVIÇOS EM BENEFÍCIO A DIVERSAS EMPRESAS, ATINENTES À ATIVIDADE-FIM DESTAS, OCORRE A FIGURA DO CONSÓRCIO DE EMPREGADORES, FORMANDO-SE O VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE O TRABALHADOR E O CONSÓRCIO INTEGRADO POR TODAS AS EMPRESAS QUE TOMARAM OS SERVIÇOS REALIZADOS MEDIANTE A EMPRESA INTERPOSTA, SEGUNDO A TEORIA DO EMPREGADOR ÚNICO, MESMO POSSUINDO AS EMPRESAS PERSONALIDADES JURÍDICAS DISTINTAS, A EXEMPLO DO QUE TAMBÉM ACONTECE COM O GRUPO ECONÔMICO EMPREGADOR. EM DECORRÊNCIA, HÁ RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS EMPRESAS TOMADORAS DE SERVIÇO, NA CONDIÇÃO DE EMPREGADORAS, COM RELAÇÃO AOS DÉBITOS TRABALHISTAS COM BASE NOS ARTIGOS 2º, 3º E 9º DA CLT E, AINDA, NO ARTIGO 942, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO (PRIMEIRA PARTE), DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002.
FUNDAMENTAÇÃO
São apresentadas duas teses em conjunto, uma vez que ambas decorrem da mesma fundamentação.
As presentes teses tratam da hipótese de um trabalhador empregado prestar serviços em benefício a diversas empresas, atinentes à atividade-fim destas, mediante sua contratação por uma empresa interposta, em virtude de relação contratual de prestação de serviços existente entre esta (empresa prestadora de serviços) e aquelas (empresas tomadoras de serviço).
Consiste em situação comum nas lides trabalhistas, especialmente no setor calçadista, onde as etapas da própria industrialização dos calçados têm sido terceirizada. A atividade laboral dos trabalhadores admitidos pela interposição da empresa prestadora reverte em benefício direto das fabricantes, pois estas contratam justamente a prestação de serviços na confecção ou beneficiamento de produtos próprios das suas etapas de produção, o que caracteriza trabalho ligado à atividade-fim de todas as tomadoras (próprios a certa etapa de seus ciclos produtivos de calçados).
Todavia, as teses não se limitam ao setor calçadista.
É ilícita a terceirização de atividade-fim, mesmo no âmbito das empresas privadas, considerada a orientação contida na Súmula 331, I e III, do TST, formando-se o vínculo de emprego diretamente com a empresa tomadora de serviços, em face da subordinação objetiva e do caráter não-eventual dos serviços prestados em benefício das empresas tomadoras.
A não-eventualidade na prestação laboral diz respeito à natureza do serviço prestado, isto é, sua imprescindibilidade à consecução dos fins sociais, o que caracteriza sua condição de serviço essencial.
O elemento subordinação hierárquica da relação de emprego está intimamente ligado à não-eventualidade e pode ser definido, modernamente, no seu aspecto objetivo, como a participação harmônica e integrada do trabalhador no processo produtivo e na atividade empresarial, estando a força de trabalho à disposição dessa engrenagem dirigida pelo empregador.
A contratação do reclamante por intermédio de empresa interposta, presentes os requisitos formadores da relação de emprego com relação às tomadoras, dentre eles a não-eventualidade e a subordinação objetiva, tem como finalidade fraudar os seus direitos trabalhistas, tais como o pagamento de vantagens de natureza coletiva ou contratual, por mascarar o real empregador. Segundo o princípio da primazia da realidade, norteador do Direito do Trabalho, não importa, para verificação da configuração da relação de emprego, a motivação subjetiva das partes ou a nomenclatura sob a qual se deu a contratação, enfim, não importa meramente os aspectos aparentes, sendo os fatos que definem a sua existência e seus contornos. A captação de mão-de-obra mediante contrato de prestação de serviços entre empresas não se sobrepõe à primazia da realidade, princípio basilar do Direito do Trabalho, restando caracterizada a fraude à lei, à luz do art. 9º da CLT, caso haja mascaramento da relação de emprego ou de algum aspecto dessa, o que gera a nulidade do contrato realizado entre as empresas quanto à responsabilidade pelas obrigações trabalhistas.
Quanto à aparente pluralidade de empregadores, já que o reclamante prestava serviços em benefício de várias empresas tomadoras, há a ocorrência da figura do consórcio de empregadores de fato. Ensina o professor Maurício Godinho Delgado:
O consórcio de empregadores é figura jurídica recente no Direito brasileiro, elaborada em torno de meados da década de 1990, a partir de iniciativa da própria sociedade civil, originalmente no campo, (…).
A figura despontou da busca de fórmula jurídica apta a atender, a um só tempo, à diversidade de interesses empresarias no setor agropecuário, no tocante à força de trabalho, sem comprometimento do patamar civilizatório compatível aos respectivos trabalhadores, dado pelas regras e princípios do Direito do Trabalho. (…)
Do ponto de vista do Direito do Trabalho, o consórcio de empregadores cria, por sua própria natureza, solidariedade dual com respeito a seus empregadores integrantes: não apenas a responsabilidade solidária passiva pelas obrigações trabalhistas relativas a seus empregados, mas, também, sem dúvida, solidariedade ativa com respeito às prerrogativas empresarias perante tais obreiros. Trata-se, afinal, de situação que não é estranha ao ramo justrabalhista do país, já tento sido consagrada em contexto congênere, no qual ficou conhecida pelo epíteto de empregador único (Enunciado 129, TST). O consórcio é empregador único de seus diversos empregados, sendo que seus produtores rurais integrantes podem se valer dessa força de trabalho, respeitados os parâmetros justrabalhistas, sem que se configure contrato específico e apartado com qualquer deles: todos eles são as diversas dimensões desse mesmo empregador único. (Curso de Direito do Trabalho, 2. ed., São Paulo: LTr, 2003, pp. 421-422).
Trata-se, portanto, de figura semelhante ao grupo econômico quanto aos seus efeitos, mas diferente deste, pois diversa sua formação. O consórcio de empregadores, inicialmente surgido no campo, mas hoje utilizado para os trabalhadores urbanos, caracteriza-se como a união de esforços de várias pessoas, mesmo independentes uma das outras, mesmo que por adesão posterior de alguma delas, no que tange ao intuito de partilhar a força de trabalho, formando uma modalidade de sociedade, ainda que não-personificada (sociedade de fato). Forma-se o vínculo de emprego com o consórcio, mesmo possuindo as empresas personalidades jurídicas distintas, segundo a teoria do empregador único, a exemplo do que também acontece com o grupo econômico empregador. O consórcio de empregadores é “de fato”, porque não constituído formalmente.
No aspecto processual, não existe litisconsórcio passivo necessário com relação a todos os integrantes do consórcio de empregadores, tal como não ocorre com o grupo econômico, cabendo à parte prejudicada ressarcir-se dentre seus pares.
Portanto, nos termos do art. 3º da CLT, há relação de emprego entre o trabalhador e o consórcio de empregadores, formado por todas as empresas que tomaram os serviços realizados mediante a empresa interposta (talvez não todas integrantes do pólo passivo da demanda). Em decorrência, há responsabilidade solidária das empresas tomadoras de serviço, na condição de empregadoras, com relação aos débitos trabalhistas, com base nos arts. 2º, 3º e 9º da CLT e, ainda, no art. 942, caput e parágrafo único (primeira parte), do Código Civil Brasileiro de 2002, porque deram causa direta ou indiretamente à violação dos direitos do trabalhador.
A tese não versa sobre a responsabilidade da empresa prestadora, tendo em vista as peculiaridades de cada caso concreto, o que dependerá da análise particularizada da hipótese que se encontrar sob julgamento.
Num segundo momento, em termos processuais, questiona-se se é necessário que a sentença trabalhista que reconhece o consórcio de empregadores delimite os períodos em que cada tomador de serviços tenha efetivamente mantido relação contratual com o prestador de serviços.
Como a responsabilidade solidária das empresas tomadoras decorre da figura do consórcio de empregadores, não se justifica a limitação da condenação aos períodos em que cada tomador de serviços tenha efetivamente mantido relação contratual com o prestador de serviços, uma vez que, para os efeitos do Direito do Trabalho, por haver a figura do empregador único – o consórcio –, todos os integrantes deste são solidariamente responsáveis pela totalidade do contrato de trabalho em face do empregado, sem prejuízo do possível ressarcimento, no âmbito civil, entre eles, caso algum alegue ter sido desproporcionalmente prejudicado. Não se pode exigir, em face do princípio da proteção, que o reclamante saiba delimitar os períodos exatos de prestação de serviços para cada reclamada, bem como não se pode admitir tenha o ônus probatório quanto a tal delimitação. Não apresentados, pelas reclamadas, instrumentos de formação ou alterações do consórcio de empregadores, para que se verifiquem as entradas e saídas formais dos consorciados, bem como não juntados o contrato de prestação de serviços ou o distrato correspondente com a reclamada prestadora de serviços, estabelece-se presunção favorável ao reclamante quanto à extensão contratual em que cada empresa tomou serviços.
CONCLUSÕES
Tese 1:
Quando a terceirização de prestação de serviços ocorre em atividades-fim de várias empresas tomadoras que contratam uma empresa interposta prestadora, tendo o trabalhador laborado em benefício de todas nessas atividades, ocorre a figura do consórcio de empregadores (usualmente consórcio de empregadores de fato), formando-se o vínculo de emprego entre o trabalhador e o consórcio, integrado por todas as empresas que tomaram os serviços realizados mediante a empresa interposta (talvez não todas integrantes do pólo passivo da demanda). Em decorrência, há responsabilidade solidária das empresas tomadoras de serviço, na condição de empregadoras, com relação aos débitos trabalhistas.
Tese 2:
Não é necessário que a sentença trabalhista que reconhece o consórcio de empregadores delimite a responsabilidade trabalhista aos períodos em que cada tomador de serviços tenha efetivamente mantido relação contratual com o prestador de serviços, uma vez que, para os efeitos do Direito do Trabalho, por haver a figura do empregador único – o consórcio –, todos os integrantes deste são solidariamente responsáveis pela totalidade do contrato de trabalho em face do empregado, sem prejuízo do possível ressarcimento, no âmbito civil, entre eles, caso algum alegue ter sido desproporcionalmente prejudicado.
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Colega Francisco: propõe que a retificação para que constem os dois itens que compõem a tese para o aproveitamento da assembléia de forma construtiva.
Colega Vargas: lembra que em nenhum lugar se votam ementas, mas conclusões da tese.
Colega Silvana: lembra que na defesa da tese do colega Jorge, foi dito que o que não estava na ementa não estava na tese.
Colega Colussi: salienta que a comissão científica resolveu aceitar todas as teses como encaminhadas para a valorização dos Juízes.
Presidente da Mesa: concede a palavra ao autor da tese para o que entender de direito.
Autor da tese: pretende fazer adendo para incluir a tese 2, esclarecendo que a ementa acima é da tese 1, lembrando que no Regulamento está dito que a tese é que será submetida à votação. Quanto ao mérito da tese, diz ter-se surpreendido de comentários em algumas palestras do Encontro, lhe parecendo que nas perguntas, de que seria necessária alteração da Súmula nº 331 do TST para reconhecer a solidariedade, afirmando que o problema é aplicar apenas o item IV. Diz não ser necessária a alteração da Súmula para reconhecer vínculo com o tomador e, nesse caso, havendo vários tomadores, haveria consórcio com terceirização indevida em atividade fim.
Tese 5, segunda proposição, incluída pelo autor, Juiz Márcio Lima do Amaral:
NÃO É NECESSÁRIO QUE A SENTENÇA TRABALHISTA QUE RECONHECE O CONSÓRCIO DE EMPREGADORES DELIMITE A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA AOS PERÍODOS EM QUE CADA TOMADOR DE SERVIÇOS TENHA EFETIVAMENTE MANTIDO RELAÇÃO CONTRATUAL COM O PRESTADOR DE SERVIÇOS, UMA VEZ QUE, PARA OS EFEITOS DO DIREITO DO TRABALHO, POR HAVER A FIGURA DO EMPREGADOR ÚNICO – O CONSÓRCIO –, TODOS OS INTEGRANTES DESTE SÃO SOLIDARIAMENTE RESPONSÁVEIS PELA TOTALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO EM FACE DO EMPREGADO, SEM PREJUÍZO DO POSSÍVEL RESSARCIMENTO, NO ÂMBITO CIVIL, ENTRE ELES, CASO ALGUM ALEGUE TER SIDO DESPROPORCIONALMENTE PREJUDICADO.
Defesa da tese pelo autor.
Defesa de posicionamentos contrários:
Colega Eduardo: vê dificuldade no reconhecimento de vínculo de emprego com várias empresas para todas anotarem a CTPS e assumirem obrigações previdenciárias. Entende que uma deva ser indicada como empregadora formal. Entende impossível reconhecer vários reclamados como empregadores, pensa que seriam vários vínculos de emprego e não haveria possibilidade de cumulação de ações nos termos do art. 842 da CLT. Quanto à tese 2, pensa inviável atropelar os direitos de defesa e do contraditório, e lembra da previsão do CPC de que a condenação deve ser certa.
Colega Francisco: Concorda com a primeira tese. Quanto à segunda, faz reflexão de que um dos grandes argumentos para defender as verbas trabalhistas é o nexo causal para a quitação e com isso se defende interesse dos trabalhadores. Entende necessária a delimitação das condenações, em razão do necessário nexo causal.
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Antônia Mara: Diz que o art. 3º da CLT nunca previu exclusividade sendo possível vínculo de emprego com vários empregadores. Em relação à tese 2, concorda com o colega Márcio porque o fundamental é cuidar da reparação. Salienta ser impossível ao trabalhador saber para quem está fazendo a mesma tarefa, dizendo que ele não tem como contabilizar. Isso é problema dos tomadores do serviço e, pelas novas formas que aparecem no trabalho, menciona que o vínculo de emprego simultâneo se faz absolutamente necessário.
Colega Vargas: Na atividade-fim pela Súmula 331, item 1, do TST há relação de emprego, salvo se não se aplicar este. Concorda até com o que parece ser dito pelo colega Márcio, ou seja, de que na atividade-meio há consórcio de empregadores para a responsabilidade aos tomadores e para fazer a justiça concreta, prestando a jurisdição e reconhecendo o direito onde ele existe na realidade social atual.
Colega Janaina: O pressuposto teórico é a figura do empregador único e esta é a base da proposta. Então se houve mais tomadores de serviço que se apresentam no plano fático como empregadores é deles a responsabilidade, e as questões decorrentes são deles.
1ª proposição da tese: NA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO, MEDIANTE EMPRESA INTERPOSTA, PARA PRESTAR SERVIÇOS EM BENEFÍCIO A DIVERSAS EMPRESAS, ATINENTES À ATIVIDADE-FIM DESTAS, OCORRE A FIGURA DO CONSÓRCIO DE EMPREGADORES, FORMANDO-SE O VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE O TRABALHADOR E O CONSÓRCIO INTEGRADO POR TODAS AS EMPRESAS QUE TOMARAM OS SERVIÇOS REALIZADOS MEDIANTE A EMPRESA INTERPOSTA, SEGUNDO A TEORIA DO EMPREGADOR ÚNICO, MESMO POSSUINDO AS EMPRESAS PERSONALIDADES JURÍDICAS DISTINTAS, A EXEMPLO DO QUE TAMBÉM ACONTECE COM O GRUPO ECONÔMICO EMPREGADOR. EM DECORRÊNCIA, HÁ RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS EMPRESAS TOMADORAS DE SERVIÇO, NA CONDIÇÃO DE EMPREGADORAS, COM RELAÇÃO AOS DÉBITOS TRABALHISTAS COM BASE NOS ARTIGOS 2º, 3º E 9º DA CLT E, AINDA, NO ARTIGO 942, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO (PRIMEIRA PARTE), DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002.
Votação: Aprovada por maioria.
2ª proposição da tese: NÃO É NECESSÁRIO QUE A SENTENÇA TRABALHISTA QUE RECONHECE O CONSÓRCIO DE EMPREGADORES DELIMITE A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA AOS PERÍODOS EM QUE CADA TOMADOR DE SERVIÇO TENHA EFETIVAMENTE MANTIDO RELAÇÃO CONTRATUAL COM O PRESTADOR DE SERVIÇOS, UMA VEZ QUE, PARA OS EFEITOS DO DIREITO DO TRABALHO, POR HAVER A FIGURA DO EMPREGADOR ÚNICO – O CONSÓRCIO –, TODOS OS INTEGRANTES DESTE SÃO SOLIDARIAMENTE RESPONSÁVEIS PELA TOTALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO EM FACE DO EMPREGADO, SEM PREJUÍZO DO POSSÍVEL RESSARCIMENTO, NO ÂMBITO CIVIL, ENTRE ELES, CASO ALGUM ALEGUE TER SIDO DESPROPORCIONALMENTE PREJUDICADO.
Votação: Aprovada por maioria.
6ª TESE
FUNDO NACIONAL DE EXECUÇÕES
Autora: Juíza Vânia Cunha Mattos
FUNDO NACIONAL DE EXECUÇÕES GERADO A PARTIR DO LUCRO DO CAPITAL REPRESENTADO PELA ACUMULAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DE DEPÓSITO RECURSAL EM BANCOS OFICIAIS. DESPROPORÇÃO ENTRE O LUCRO AUFERIDO NO GIRO DOS SEUS NEGÓCIOS E A REMUNERAÇÃO PAGA AO CREDOR TRABALHISTA.
A análise da efetividade da prestação jurisdicional consubstanciada na satisfação ao credor – pólo ativo da relação jurídico-processual –, na esfera da execução trabalhista, em um largo espaço de tempo, que ora ultrapassa mais de duas décadas, conduz a uma inevitável constatação da não-efetividade em grande escala, motivada na maioria das vezes pela impossibilidade econômica do devedor.
A execução trabalhista, como de resto qualquer outra espécie, estanca quando constatada inexistência de bens passíveis de excussão ou mesmo adjudicação, a qual objetiva, em concreto, o pagamento dos direitos declarados em sentença. Em todos esses casos, se opera a transmudação da prestação jurisdicional em mera certificação de direitos sem resultado tangível no universo dos fatos. A impossibilidade de prosseguimento da execução revela a face mais trágica de um longo processo de desagregação econômica, já que inviabiliza não só a efetividade da prestação jurisdicional, mas, em especial, qualquer noção de Justiça em sentido amplo.
Não há a menor dúvida de que todo o processo de conhecimento se direciona à execução – coativa ou não –, tendo como finalidade à concreção no mundo dos fatos daquilo que foi gestado no âmbito da esfera processual e, como tal, abstrata, porque criação dentro do mundo jurídico. Por certo, o autor, em qualquer tipo de processo – e muito especialmente no Processo do Trabalho dado o caráter eminentemente alimentar –, na grande maioria das hipóteses, não visa ao mero reconhecimento de direitos, mas, essencialmente, à satisfação de direitos já antes sonegados, como sentido finalístico da execução.
O presente trabalho tem como escopo gerar solução dentro da própria lógica financeira que, a partir dos anos oitenta, permeia todo o processo produtivo do mundo civilizado.
É fato quase inconteste que, a partir deste período, a esfera financeira dos grandes conglomerados econômicos quase que suplanta a esfera produtiva no sentido que há uma valorização “fictícia” do capital através do que Dominique Plihon[1] denomina de “financiamento baseado em fundos próprios, abandonando o regime de endividamento, antes vigente”. E sendo que as “mudanças no plano da empresa – como a primazia do acionista, a queda da participação dos salários no valor adicionado e a ruptura do elo entre o lucro e o investimento – tem também implicações macroeconômicas importantes, como o aumento da instabilidade financeira e a piora na distribuição da renda e riqueza”.
Observa ainda o renomado autor[2] que “(…) com o domínio total dos acionistas, representados pelos investidores institucionais, os managers são levados a dar prioridade à rentabilidade financeira da empresa. Objetivos que antes prevaleciam – como o desenvolvimento da produção e do emprego – tornam-se secundários. Daí resulta uma financeirização na gestão das empresas (…)”.
No entanto, é dentro desta mesma lógica financeira que entendo estar a solução em definitivo da efetiva configuração do denominado Fundo Nacional das Execuções, com a finalidade de reverter, pelo menos dentro da finita esfera processual trabalhista no Processo de Execução, o que o referido autor com acuidade direciona, no entanto em escala muito mais ampla e complexa como “(…) uma política para reverter a lógica perversa da finança fundada na acumulação de fundos próprios, com o objetivo de reequilibrar a relação de forças entre trabalho e capital (…).”
Inicialmente, a execução futura era estimada economicamente na configuração de indispensabilidade do denominado depósito recursal (art. 899, §§1º e 2º, da CLT), o que evidencia a preocupação do legislador não só de criar mecanismo que, em tese, obstaculizaria a interposição de recursos, em especial os meramente protelatórios, como também dotar a execução dos meios econômicos necessários para integral satisfação ao credor.
Os recursos ordinários, de revista e mesmo o extraordinário, no âmbito do Processo do Trabalho, têm como pressupostos de admissibilidade, dentre outros, não apenas a tempestividade, como também a efetivação do preparo – pagamento de custas e depósito recursal –, sob pena de não-conhecimento liminar do recurso, o que demonstra a opção do legislador pela efetividade da execução como antecedente lógico à própria possibilidade de recorribilidade das decisões. E, ainda, foi criado o mecanismo destinado à satisfação dos direitos já declarados no processo de conhecimento, em razão da passagem do tempo.
Em outros termos, visou a lei, por meio do depósito recursal, antecipar os efeitos da sentença, sem a eficácia do trânsito em julgado – coisa julgada material e formal –, já que pendente algum tipo de recurso, como forma de proteção do credor trabalhista – pólo ativo da relação jurídico-processual – exatamente por conformar situação de quase definitividade da execução, ainda que não configurada imediatidade, dada a necessidade do reexame pelos Tribunais Superiores provocada pela interposição dos recursos cabíveis.
A viabilidade dos recursos na esfera trabalhista nestes termos concretizaria, em tese, a efetividade da prestação jurisdicional, no sentido de que a execução futura estaria sempre garantida pelo depósito prévio, o que, na prática, no entanto, não se verificou, não só pela irrisória previsão do valor, mas, principalmente, pela corrosão do poder de compra da moeda em períodos de acelerada inflação.
O depósito recursal, em períodos de inflação constante, pelos quais atravessou o país nas décadas de 80 e 90, não se constituiu em fator obstaculizador da esfera recursal, inclusive a meramente protelatória, pela baixa taxação do valor, assim como também não mais significou garantia de execução futura dada à depreciação manifesta do valor em razão da passagem do tempo.
A desproporção entre a correção monetária do depósito recursal procedida pelo banco depositário, e o valor do “spread” bancário – fato, aliás, que se estabelece até o momento atual, mesmo que mais baixos os níveis de inflação –, impossibilita qualquer conclusão de paridade ou identidade entre o valor depositado e àquele devido, capaz de ensejar pagamento integral ao credor. E, nesses termos, a interposição de recursos no âmbito da Justiça do Trabalho traduz uma das tantas facetas da dominação da esfera financeira, já que possibilita a aferição de vantagens econômicas não só em favor do devedor, mas, principalmente, aos bancos oficiais que concentram a integralidade dos depósitos judiciais.
Para o devedor trabalhista – empresa ou empregador privado ou público, sendo este dispensado por lei do depósito prévio para fins de recurso – é muito mais vantajosa a protelação recursal em períodos de inflação marcante do que o pagamento imediato do valor objeto da condenação, já que o fato jurídico representado pelo tempo significa a corrosão do poder de compra da moeda, não recomposta integralmente pelos índices de correção monetária trabalhista. Em síntese, o devedor direciona os recursos (valores), que seriam destinados ao credor, para aplicações de curto ou médio prazo que resultam num lucro muito superior comparativamente ao valor da condenação trabalhista em último grau de jurisdição, ainda que aplicados os índices de correção monetária e os juros de mora.
A lucratividade da protelação recursal é evidente, significando o que os economistas Luciano Coutinho e Luiz Gonzaga Belluzzo no trabalho “Financeirização da riqueza, inflação de ativos e decisões de gastos em economias abertas”[3], identificam como “(…) características do mercado financeiro da atualidade: profundidade, assegurada por transações secundárias em grande escala e freqüência, conferindo elevado grau de negociabilidade dos papéis; liquidez e mobilidade, permitindo aos investidores facilidade de entrada e de saída entre diferentes ativos e segmentos do mercado; volatilidade dos preços dos ativos resultante das mudanças freqüentes de avaliação dos agentes quanto à evolução do preço dos papéis (denominadas em moedas distintas, com taxas de câmbio flutuantes (…)”. E, ainda, os renomados professores acentuam que “(…)O veloz desenvolvimento de inovações financeiras nos últimos anos (técnicas de hedge através de derivativos, técnicas de alavancagem, modelos e algoritmos matemáticos para “gestão de riscos”) associados à intensa informatização do mercado permitiu acelerar espantosamente o volume de transações com prazos cada vez mais curtos. Essas características, combinadas com a alavancagem baseada em créditos bancários, explicam o enorme potencial de realimentação dos processos altistas (formação de bolhas), assim como os riscos de colapso no caso dos movimentos baixistas (…).”
No que concerne aos bancos, independentemente dos ciclos inflacionários, a concentração dos depósitos judiciais, incluídos os denominados depósitos recursais em bancos oficiais – Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil (BB) – produz efetiva geração e apropriação de mais capital em decorrência de realimentação do próprio capital.
É fato notório que a lucratividade dos bancos oficiais ou particulares atinge cifras muito superiores ao restante da economia, como analisa o professor Paulo Nogueira Batista Jr., em artigo publicado na Folha de São Paulo, Caderno B dinheiro, em 17.08.2006, p. 2, sob o título “O poder dos Bancos no Brasil” . No referido artigo, o autor, após análise com base na publicação dos balanços dos grandes bancos, qualifica os resultados como “exuberantes” e posteriormente os qualifica como “indecentes”. Em suas palavras: “(…) Nas circunstâncias do país, não é exagero usar uma palavra mais forte: indecentes (…)”.
A Folha de São Paulo, no Caderno B dinheiro, de 8.08.2006, p. 1, publica que o Bradesco, considerado o maior banco privado do país, registrou um ganho de 19,5% superior no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2005, alcançando um lucro líquido recorde de R$ 3,132 bilhões graças à expansão do crédito à pessoa física, cujo aumento foi de 39,9% (primeiro semestre do ano passado para junho deste ano), alcançando os R$ 37,56 bilhões, enquanto que na carteira de pessoa jurídica houve incremento mais lento no percentual de 13,4%, no período.
O professor Paulo Batista Nogueira Jr., no artigo citado, explica a excessiva lucratividade dos bancos em contraposição com o restante da economia brasileira, que, na sua visão, “patina na mediocridade”, como derivada do grande poder de mercado que detêm os bancos, além do enorme grau de concentração dos ativos e do capital. Refere o articulista: “(…) A competição é imperfeita e limitada. Os bancos têm o poder de mercado “vis-à-vis” seus depositantes, por exemplo, e conseguem impor pesadas tarifas de serviços bancários, especialmente aos pequenos clientes. Conseguem também praticar taxas elevadíssimas de juros nos empréstimos que fazem a empresas e pessoas físicas. As empresas de menor porte e as pessoas físicas pagam taxas especialmente selvagens (…)”.
A sistemática de concentração dos denominados depósitos judiciais em bancos oficiais produz a geração de uma maior acumulação de capital ao banco em decorrência do grande volume de capital derivado destes depósitos – concentração essa que equivale hoje ao valor aproximado de (dados não fornecidos por confidenciais, provavelmente por se constituir em valor excessivo), assim como pela circunstância na qual esses depósitos não permanecem estáticos, com a exclusiva finalidade de remunerar ao final do processo o credor trabalhista no percentual de 6% ao ano, acrescido da Taxa Referencial (TR). Por certo, a lucratividade aferida pelos bancos com aquisição de títulos da dívida pública com esses recursos lhes proporciona rentabilidade muito superior àquelas remuneradas aos credores quando da finalização do processo.
Em síntese, os bancos oficiais lucram com a concentração do depósito recursal, sendo que tal lucratividade não é repassada, em qualquer medida, para efeito de atenuação das desproporções entre capital e trabalho, mas, ao contrário, há uma maior acumulação de capital, sem qualquer interveniência da esfera produtiva.
Nesse contexto, a CEF e o BB adquirem ativos lucrativos – não é por outra razão que se posicionam dentre os maiores bancos do país –, sem repassar qualquer valor do lucro em favor da Justiça do Trabalho, que é, afinal, a instituição pública que garante a manutenção e concentração de todos os depósitos judiciais, o que traduz em um volume imenso de captação aumentado geometricamente em razão do giro dos negócios, ou seja, o capital gerando mais capital de forma independente.
E, portanto, parece muito claro que parte do referido lucro deve ser direcionado para a formação do denominado Fundo Nacional de Execuções, gerido pelos Tribunais, abrindo espaço para que a CEF e o BB, no caso, contribuam com a redistribuição da riqueza em atividade produtiva, e não a meramente especulativa do capital.
Não parece justo que o capital gerado em razão exclusivamente dos processos trabalhistas, e portanto em decorrência do trabalho ainda que pretérito, não seja capaz de gerar benefício ao próprio trabalho, em ratificação à lógica capitalista que visa a uma maior acumulação de riqueza. A inversão da lógica financeira, com a utilização do capital em favor da concreção de valores mais conformados com ideal de Justiça, é solução sistêmica significativa de aperfeiçoamento das instituições.
________________________
Como a autora não está presente a sugestão do Presidente, acolhida por aclamação, é de que a tese será tida como contribuição.
A seguir é proposto pelos Colegas Colussi e Antônia Mara o encaminhamento da tese à Deputada Vanessa Grazziotin, autora do projeto, ou para o relator da matéria, o que é acolhido.
[1] “A economia de fundos próprios: um novo regime de acumulação financeira”, publicado no site http: //www.dhnet.org.br/w3/fsmrn/biblitoteca/51_dominique_plihon.htm1, p. 11)
[2] Obra citada, p. 6
[3] Revista Economia e Sociedade – Revista do Instituto de Economia da UNICAMP, nº 01, ago de 1992 e também constante no site http: //www.dhnet.org.br/w3/fsmrn/biblitoteca/48_luciano_coutinho.htm1, pp. 1 e 2
7ª TESE
CUMULAÇÃO DE ADICIONAIS
Autores: Juízes Fernando Formolo e Janaína Saraiva da Silva
O § 2º DO ARTIGO 193 DA CLT, QUE VEDA A POSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO CUMULATIVA DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE, NÃO FOI RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, TENDO EM VISTA A INCOMPATIBILIDADE DE TAL RESTRIÇÃO COM O COMANDO CONTIDO NO ARTIGO 7º, XXIII, DA CONSTITUIÇÃO, QUE ASSEGURA AOS TRABALHADORES URBANOS E RURAIS O PAGAMENTO DE ADICIONAL DE REMUNERAÇÃO PARA AS ATIVIDADES PENOSAS, INSALUBRES E PERIGOSAS. A LEI DEVE ESTABELECER QUAIS SÃO AS ATIVIDADES PENOSAS, INSALUBRES E PERIGOSAS, BEM ASSIM FIXAR OS RESPECTIVOS ADICIONAIS, NÃO TENDO, CONTUDO, O PODER DE NEGAR O PAGAMENTO DOS ADICIONAIS QUANDO VERIFICADA A HIPÓTESE DE ENQUADRAMENTO, AINDA QUE SE TRATE DE LABOR SIMULTANEAMENTE PENOSO, INSALUBRE E PERIGOSO.
FUNDAMENTAÇÃO
A Constituição é a norma de maior hierarquia no ordenamento jurídico. A validade das demais normas tem como pressuposto que sejam compatíveis com as normas constitucionais. No Direito do Trabalho a relativização e conseqüente inversão da hierarquia das fontes formais só ocorre para favorecer o trabalhador, de modo a ampliar a proteção que o sistema lhe confere, jamais para reduzir o conteúdo mínimo dessa proteção.
A partir da conjugação dos incisos XXII, XXIII e XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, é óbvia a noção de que o direito à proteção da saúde do trabalhador foi alçado ao status de direito fundamental.
A evolução histórica nacional das normas de proteção demonstra que o Brasil sempre conjugou duas sistemáticas voltadas a proteger a saúde do trabalhador das agressões decorrentes do trabalho em condições insalubres e perigosas: estabelecimento de regras a serem observadas pelo empregador com o fito de neutralizar ou eliminar a presença de agentes geradores de insalubridade no trabalho, inclusive mediante fiscalização do Ministério do Trabalho; oneração do empregador que explora atividade que exponha os trabalhadores a condições penosas, insalubres, perigosas, mediante fixação de adicionais de remuneração em benefício dos empregados, o que também atua como forma de compensação pela agressão física ou psíquica a que estão sujeitos.
Catharino se refere a normas legais de proteção de duas naturezas: as primeiras de natureza assistencial, preventiva ou higiênica; as segundas de natureza compensadora ou retributiva[1]. Ainda que utilizando nomenclatura diversa, Sebastião Geraldo de Oliveira observa a existência de três estratégias básicas no direito comparado em face dos agentes agressivos:
a) aumentar a remuneração para compensar o maior desgaste do trabalhador (monetização do risco): b) proibir o trabalho; c) reduzir a duração da jornada. A primeira alternativa é a mais cômoda e a menos inteligente, a segunda é a hipótese ideal, mas nem sempre possível e a terceira representa o ponto de equilíbrio cada vez mais adotado. Por um erro de perspectiva, o Brasil preferiu a primeira opção desde 1940 e, pior ainda, insiste em mantê-la, quando praticamente o mundo inteiro já mudou de estratégia[2].
Sem adentrar na cabível recriminação quanto à monetarização do risco como uma das práticas que integra a sistemática utilizada pelo Brasil como forma de proteção à saúde do trabalhador, sendo ela a existente cabe aos juslaboralistas torná-la mais efetiva, no sentido de recepcionar o direito fundamental de proteção à saúde do trabalhador. Para tanto, um dos caminhos indicados é o pagamento, de forma cumulada, dos adicionais de insalubridade e periculosidade aos trabalhadores que labutam simultaneamente expostos aos dois agentes agressores, pois somente assim teremos uma efetiva oneração do empregador-empresário, capaz de levá-lo a preferir eliminar ou neutralizar os agentes agressores no ambiente de trabalho.
O óbice legislativo ao pagamento cumulado dos adicionais, contido no § 2º do art. 193 da CLT, só poderia prevalecer se se concluísse pela sua compatibilidade com a Constituição Federal de 1988, hipótese que, em nosso entendimento, não se sustenta.
Antes, porém, de demonstrarmos a incompatibilidade direta do aludido dispositivo consolidado com a Constituição, impende destacar que para alguns doutrinadores de renome, dentre eles Sebastião Geraldo de Oliveira e Célia Regina Buck, o indigitado § 2º do art. 193 da CLT estaria revogado pela Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil[3], e que em seu art. 11 dispõe:
Art. 11. Com a finalidade de tornar efetiva a política referida no art. 4 da presente Convenção, a autoridade ou as autoridades competentes deverão garantir a realização progressiva das seguintes tarefas: (…); b) a determinação das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes; deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes”[4]. (grifamos)
A exigência de consideração dos riscos derivados da exposição “simultânea a diversas substâncias ou agentes” induz, por decorrência lógica, à necessidade de pagamento cumulado dos adicionais de insalubridade e periculosidade, quando for o caso, sem falar na possibilidade de cumulação de vários adicionais de remuneração, um para cada agente insalubre ou periculoso a que esteja o trabalhador exposto no curso de sua jornada de trabalho, idéia defendida pelos citados autores.
Esse entendimento pertinente à revogação do § 2º do art. 193 da CLT pela Convenção 155 da OIT mais se reforça, nos dias atuais, a partir do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, mormente por vir a doutrina e a jurisprudência se inclinando por uma interpretação extensiva do aludido dispositivo, de modo a abranger não apenas tratados internacionais em que o Brasil seja parte, mas também convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
Voltando à questão da incompatibilidade direta do § 2º do artigo 193 da CLT com a Constituição, é de salientar que o entendimento em contrário decorre, basicamente, do fato de que o art. 7º, XXIII, da Constituição prevê o direito a adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, “na forma da lei”, pelo que a lei estaria, implicitamente, autorizada a vedar a cumulação dos adicionais respectivos, como faz o mencionado § 2º do art. 193 da CLT em relação aos adicionais de periculosidade e insalubridade.
Todavia, a autorização, expressa ou tácita, concedida pela Constituição para a lei estabelecer restrições a direitos fundamentais não é de caráter amplo e ilimitado. Do contrário, correr-se-ia o risco de a legislação ordinária mutilar os direitos assegurados na Constituição, minimizando-os ao extremo e negando, por via oblíqua, sua efetivação, produzindo um resultado não-desejado pelo legislador constituinte. Assim, a lei não tem o poder de impor restrições aos direitos fundamentais ao ponto de comprometer o conteúdo essencial do direito que estiver em questão. Nesse aspecto, oportuna é a lição de José Afonso da Silva:
É de advertir que esses conceitos e elementos de contenção das normas constitucionais definidoras de direitos, per se stante, não podem tolhê-los completamente. Há limites nessa limitação. Esta deve decorrer de uma lei, que terá de circunscrever-se a regulamentar o exercício daqueles direitos, detendo-se onde obtiver um equilíbrio tal que todos possam igualmente auferir da situação de vantagem conferida. […][5]
A indagação que então se insinua é a seguinte: o teor do § 2º do art. 193 da CLT preserva o conteúdo essencial do inciso XXIII do art. 7º da Constituição, harmonizando-se com os fins desejados pelo legislador constituinte?
A resposta, a nosso ver, é negativa, pois o adicional de insalubridade não se confunde com o de periculosidade, e vice-versa, bem assim os fatos geradores de um e outro também não se confundem entre si. A aplicação do § 2º do art. 193 da CLT induz, nas situações por ele abrangidas (de labor concomitantemente insalubre e perigoso), à pura e simples negação do direito expressamente assegurado no inciso XXIII do art. 7º da Constituição. O texto do inciso XXIII da Constituição não dá margem razoável à interpretação de que, mesmo sendo insalubre a atividade, o adicional possa não ser devido, e da mesma forma quanto ao adicional de periculosidade. Se a atividade é insalubre, não importa a circunstância, não há como a lei dispor que não é devido o adicional de insalubridade, porque a Lei Maior assegura o adicional de remuneração para as atividades insalubres, e vice-versa se a atividade é perigosa. À lei cabe definir quais são as atividades insalubres e perigosas e fixar os respectivos adicionais, e apenas isso. Ao pretender negar o direito a um dos adicionais quando a atividade é simultaneamente insalubre e perigosa, ela extrapola indevidamente os poderes que a Constituição lhe delega.
A interpretação sistemática da Constituição Federal também leva a tal conclusão. Os direitos sociais, dentre eles os direitos dos trabalhadores arrolados no art. 7º da Constituição, como é o caso do adicional de insalubridade e do adicional de periculosidade, foram alçados à condição de direitos fundamentais, uma vez incluídos expressamente no Capítulo II do Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais. Na enunciação dos princípios fundamentais da República, contida no art. 1º da Carta Magna, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho precedem o valor social da livre iniciativa. O caput do art. 170 da Constituição, ao tratar da ordem econômica, dispõe que esta é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (como se vê, aqui também é seguida, coerentemente, a ordem de valores adotada no art. 1º) e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social […]. Comentando os princípios constitucionais do Direito do Trabalho, Carmen Camino sintetiza com propriedade:
A desigualdade econômica, que deixa o empregado à mercê do empregador, é fator de profunda indignidade. A busca de compensação dessa desigualdade, de alcançar uma igualdade verdadeira, substancial, é a busca da realização da dignidade da pessoa humana.
Ao estabelecer diretrizes da ordem econômica e social, o constituinte deixou claro a preponderância do valor do trabalho, tendo como objetivos o bem-estar e a justiça sociais.
O trabalho humano está, assim, em ordem privilegiada em relação ao capital. Este assenta-se no princípio da livre iniciativa, relativizado em função do valor preponderante da dignidade da pessoa humana. Se assim dimensionada a escala de valores fundantes na Constituição brasileira, realça-se a profunda identidade do direito do trabalho com a concepção do Estado Democrático de Direito.[6] :ere Luitucionais.em como pressuposto sejam compatlubridade cumulativamente, tendo, portanto, de optar pela pe
Ora, se na ordem econômica o valor social do trabalho precede o valor social da livre iniciativa, e se a própria ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, a incompatibilidade do § 2º do art. 193 da CLT com o texto constitucional se desvela claramente, uma vez que sua introdução no texto consolidado decorreu de evidente concessão do Estado-legislador, na época, ao capital, em detrimento do trabalho, adotando uma ordem de valores exatamente inversa à que orienta a atual Constituição.
Conferir efetividade ao Direito, notadamente aos direitos fundamentais, não é apenas uma necessidade, tampouco uma opção, mas um dever daqueles que operam no meio jurídico. O Direito se concretiza a partir de sua efetivação na ordem social. Sem embargo da importância das normas programáticas, mormente por considerada a concepção já dominante em nossa doutrina de que as normas (princípios e regras) atinentes a direitos e garantias fundamentais são de aplicação imediata, por força do disposto no § 1º do art. 5º da Constituição Federal[7], cabe ao intérprete da ordem jurídica extrair das normas constitucionais a maior efetividade possível.
Parece evidente, assim, que é dever dos exegetas do sistema jurídico-normativo a busca pela efetividade das normas constitucionais afetas a garantias e direitos fundamentais, ao que não lhes é permitido tergiversar ou mesmo sucumbir, mantendo entendimentos já arraigados pelo ranço histórico e que não mais possuem assento diante da nova ordem constitucional.
Brilhante é a lição de Barbosa Moreira, citada por Sebastião Geraldo de Oliveira:
Se nos acostumarmos a dar aos nossos problemas, por tempo considerável, as mesmas soluções, há forte probabilidade de que pelo menos alguns de nós encarem com pouco entusiasmo o desafio de procurar novas soluções ou – pior ainda – de enfrentar novos problemas. (…) Manifesta-se em alguns setores da doutrina e da jurisprudência, certa propensão a interpretar o texto novo de maneira que ele fique tão parecido quanto possível com o antigo[8].
A questão mais se justifica quando se recorda a vinculação do Poder Público – Executivo, Legislativo e Judiciário – aos direitos fundamentais e suas garantias. O ordenamento jurídico fornece a ferramenta do controle de constitucionalidade, não podendo o Poder Judiciário desconsiderá-la no momento de seus julgamentos.
Oportuna, no aspecto, a doutrina de Ingo W. Sarlet:
No que concerne à vinculação aos direitos fundamentais, há que ressaltar a particular relevância da função exercida pelos órgãos do Poder Judiciário, na medida em que não apenas se encontram, eles próprios, também vinculados à Constituição e aos direitos fundamentais, mas que exercem, para além disso (e em função disso) o controle da constitucionalidade dos atos dos demais órgãos estatais, de tal sorte que os tribunais dispõem – consoante já se assinalou em outro contexto – simultaneamente do poder e do dever de não aplicar os atos contrários à Constituição, de modo especial os ofensivos aos direitos fundamentais, inclusive declarando-lhes a inconstitucionalidade. É neste contexto que se tem sustentado que são os próprios Tribunais, de modo especial a Jurisdição Constitucional por intermédio de seu órgão máximo, que definem, para si mesmos e para os demais órgãos estatais, o conteúdo e sentido ‘correto’ dos direitos fundamentais[9].
Dessa forma, se ao legislador não se admite a possibilidade de definir o conteúdo dos direitos fundamentais distanciando-se do que preceitua a Constituição a respeito deles, e tanto ao legislador como ao administrador público e ao juiz cumpre dar efetividade à Constituição e, notadamente, aos direitos fundamentais nela consagrados; se do Judiciário, ao interpretar a lei e a Constituição, se espera e exige que adote, dentre as várias interpretações plausíveis, aquela que outorgue a maior eficácia possível aos direitos fundamentais, não há dificuldade para concluir que o § 2º do art. 193 da CLT foi revogado pela Constituição Federal de 1988, visto que a restrição nele contida, referente à impossibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, reduz de forma significativa e extrapolada a efetividade do inciso XXIII do art. 7º da Constituição, conforme se pode verificar pelos argumentos já expostos.
Não é demais ressaltar que já vão longe os estudos acerca da influência constitucional no ordenamento jurídico como um todo, ou seja, não somente na seara das relações entre particular e Estado, mas também nas relações entre particulares, movimento que tem sido denominado de constitucionalização do Direito Privado.
Portanto, detendo-se a “ferramenta” adequada (controle de constitucionalidade) para se dar plena vigência ao inciso XXIII do art. 7º da Constituição Federal de 1988, não há como admitir a permanência da interpretação clássica, arraigada na superioridade do capital e no descaso com a saúde dos trabalhadores, que se confronta diretamente não apenas com o direito fundamental de proteção à saúde do trabalhador, mas com os princípios basilares da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, insculpidos em nossa renovadora Carta Política. Conferir efetividade à Constituição, no aspecto em comento, seria inclusive o meio mais indicado e oportuno de corrigir visível distorção histórica e sistemática viabilizada pela inserção do § 2º no art. 193 da CLT, já que seu comando, sem dúvida, destoa da legislação trabalhista como um todo, porquanto se revela contrário ao mais importante de seus princípios, que é o da proteção do trabalhador.
CONCLUSÃO
O entendimento no sentido de impossibilidade de cumulação do adicional de insalubridade com o adicional de periculosidade não mais se sustenta. A partir da conjugação dos incisos XXII, XXIII e XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, é óbvia a noção de que o direito à proteção da saúde do trabalhador foi alçado ao status de direito fundamental. O § 1º do art. 193 da CLT, que impõe ao empregado a opção entre um e outro dos adicionais, não foi recepcionado pela Constituição, cujo art. 7º, XXIII, assegura aos trabalhadores urbanos e rurais o direito a adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres e perigosas. Mesmo que o direito seja assegurado, pela Constituição, “na forma da lei”, a lei não dispõe de autonomia para regulamentá-lo de modo a mutilá-lo, negando por via oblíqua a sua efetivação. Sendo os adicionais de insalubridade e periculosidade parcelas distintas, devidas em razão de fatos geradores distintos, não é razoável que o trabalhador sujeito às duas situações prejudiciais aufira compensação pecuniária em relação a apenas uma delas. Na hierarquia de valores consagrada pela Constituição o valor social do trabalho precede o valor social da livre iniciativa, e a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. O § 2º do art. 193 da CLT vai na contramão dessa ordem de valores, porque privilegia o capital em relação ao trabalho. A vinculação do poder público aos direitos fundamentais impõe aos juízes e tribunais a obrigação de outorgar às respectivas normas a maior eficácia possível, por meio da “ferramenta” do controle de constitucionalidade, não mais podendo prevalecer a interpretação clássica, arraigada na superioridade do capital e no descaso com a saúde dos trabalhadores, que se confronta diretamente não apenas com o direito fundamental de proteção à saúde do trabalhador, mas com os princípios basilares da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, insculpidos na Constituição. Esse é, inclusive, o meio mais indicado e oportuno de corrigir visível distorção histórica e sistemática viabilizada pela inserção do § 2º no art. 193 da CLT, restabelecendo-se, no aspecto, a observância do princípio da proteção.
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Defesa da tese pelo Juiz Fernando Formolo.
Votação: Aprovada por maioria.
[1] CATHARINO, Martins J. Tratado Jurídico do Salário, p. 278.
[2] OLIVEIRA, Sebastião G. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. São Paulo: LTr, 1996 pp. 111-112.
[3] A Convenção nº 155 da OIT aborda Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho. Foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 2, de 17 de março de 1992, e promulgada pelo Decreto nº 1.254, de 29 de setembro de 1994 (Diário Oficial da União de 30.09.1994).
[4] SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994, p. 363.
[5] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed., 3. tiragem – São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 191.
[6] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 3. ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, pp. 107-108.
[7] Não se desconhecem posições doutrinárias restritivas, no sentido de que o § 1º do art. 5º da Constituição Federal aplicar-se-ia tão-somente aos direitos individuais e coletivos encerrados no art. 5º da Carta Magna. Tal entendimento, todavia, vem sendo paulatinamente rechaçado pela doutrina e pela jurisprudência.
[8] OLIVEIRA, Sebastião G. Idem, p. 47.
[9] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 369.
8ª TESE
CONCILIAÇÃO. UM IDEAL A SER PERSEGUIDO COM JUSTIÇA: PELO FIM DA OUTORGA DE QUITAÇÃO GENÉRICA DE DIREITO INCERTO E FUTURO, EM DEMANDA TRABALHISTA
Autora: Juíza Valdete Souto Severo
PROPÕE O FIM DA OUTORGA DE QUITAÇÃO GENÉRICA E QUE NOS ACORDOS JUDICIAIS NÃO CONSTE MAIS A EXPRESSÃO QUITAÇÃO PELO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO, BEM COMO, SEJA FEITO ENCAMINHAMENTO A ANAMATRA PARA QUE GESTIONE JUNTO AO TST O CANCELAMENTO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 132 DA SDI-1 DO TST.
RESUMO INICIAL: SÍNTESE DO TRABALHO
Recentemente, o STF lançou um movimento pela conciliação dos litígios que, no âmbito da lista de debates da ANAMATRA, reacendeu a discussão a propósito do tipo de conciliação que devemos defender. Voltou à baila a questão da outorga de “quitação do contrato de trabalho”, em acordo judicial trabalhista. Propugna-se, como reação à idéia de que a conciliação vale a qualquer preço, por um movimento “anti-conciliação despojante”. Em tais discussões, verifiquei que em várias regiões do país – ao contrário do que ocorre aqui no RS – já não se fala mais nessa espécie ampliativa de quitação.
Em nosso Estado, tornou-se senso comum a realização de acordo com quitação geral, de tal sorte que os Advogados – e, na menor parte das vezes, as partes – acreditam possuir um “direito subjetivo à quitação geral”, a impor tal circunstância como condição para a realização mesma do ajuste. Entretanto, ao lado dessa realidade, verifico que os acordos na Justiça do Trabalho versam – a grande maioria dele – sobre verbas incontroversas. Dificilmente o empregador ou beneficiário do serviço concorda em transigir realmente. No mais das vezes, descobre-se o que há de incontroverso nos autos e, a partir daí, formula-se proposta de pagamento parcial desse valor. Estamos, pois, a chancelar renúncias de direitos fundamentais trabalhistas, com outorga de quitação geral do contrato. As razões para uma atitude tão permissiva são as mais diversas. Argumenta-se com a necessidade dos trabalhadores (ou de seus Advogados?), com o benefício da solução pactuada e, até mesmo, com o acúmulo de serviços dos juízes. Um processo conciliado é um processo a menos na pilha para a prolação da sentença.
Nenhum desses argumentos, porém, justifica atitude que atenta contra os mais elementares princípios do direito do trabalho. Lidamos com um ramo do Poder Judiciário que cuida de direitos fundamentais (art. 7º, CF) indisponíveis, porque de natureza alimentar. Somos uma Justiça comprometida com o trabalho humano. O princípio basilar que justifica a existência desse ramo especial do direito é o princípio da proteção e, como vertente, dele, a irrenunciabilidade do crédito.
Está se tornando comum receber processo originado na Justiça Comum, pedindo reparação de dano moral decorrente de acidente de trabalho, com argüição de coisa julgada, em face de acordo realizado na Justiça do Trabalho, dando “quitação do contrato de trabalho”. Tal fato ocorreu, também, quando da enxurrada de pedidos de pagamento das diferenças de acréscimo de 40% sobre o FGTS, resultantes dos expurgos inflacionários. São questões relevantes que colocam em cheque o procedimento que vimos adotando. O que se propugna é uma virada hermenêutica. Pensemos sobre as razões e as conseqüências da nossa atitude omissiva, para que possamos assumir uma postura consciente e comprometida sobre a conciliação que queremos fomentar no âmbito das relações de trabalho.
FUNDAMENTAÇÃO
1. Os fundamentos jurídicos que cercam o ato de conciliar judicialmente um litígio:
O conceito jurídico de transação está contido no art. 840 do Código Civil. Transação é o ato jurídico pelo qual as partes, fazendo concessões recíprocas, extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas. São litigiosas as obrigações discutidas na lide, ou seja, deduzidas na demanda trabalhista. Por sua vez, são duvidosas as obrigações em relação às quais não houve confissão ou incontrovérsia. O termo concessões recíprocas impõe a idéia de vantagens e perdas para as duas partes envolvidas no litígio. O art. 843 do Código Civil dispõe que a transação deve ser interpretada restritivamente. Por sua vez, o art. 848, do Código Civil, determina que, sendo nula qualquer das cláusulas da transação, esta em si mesma também é nula.
A quitação é termo jurídico cujo conceito também pode ser encontrado no Código Civil. O art. 320 dispõe que a quitação deve designar o valor e a espécie da dívida quitada. Exatamente por isso no âmbito cível, em que lidamos via de regra com direitos disponíveis, não é possível pensar em acordo judicial com quitação de determinada relação jurídica. Quitação é resultado de pagamento. Quitam-se valores e não direitos. Os direitos podem ser transacionados ou renunciados. O direito trabalhista é irrenunciável (art. 7º, Constituição Federal, e 9º, CLT). Na CLT, a única referência jurídica à quitação está no § 2º do art. 477 da CLT, que dispõe que “o instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas”. Traduz, igualmente, a idéia de limitação a valores especificados, contida no diploma civil.
No âmbito do processo, é defeso o Juiz decidir ultra petita (art. 128 do CPC). A decisão proferida no processo trabalhista poderá, pois, abranger apenas e tão-somente as questões discutidas na lide. O art. 468 do CPC dispõe que a sentença que julgar total
ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.
2. Os argumentos em prol da prática de “Quitação do Contrato”. Seu enfrentamento.
Há quem defenda que a possibilidade de outorga de quitação geral encontra guarida no que dispõe o art. 584, III, do CPC, quando classifica como título executivo judicial a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse matéria não posta em juízo. Ocorre que o dispositivo trata de transação, limitando-se, pois, a conceito mesmo de transação, antes referido, contido no diploma material civil. Como se não bastasse, cogita-se de dispositivo não-aplicável ao processo do trabalho, que tem regra própria estabelecendo quais são os títulos executivos (art. 876, CLT).
Há quem fundamente, ainda, na Orientação Jurisprudencial 132 da SDI-2 do TST, que dispõe: “Acordo celebrado – homologado judicialmente – em que o empregado dá plena e ampla quitação, sem qualquer ressalva, alcança não só o objeto da inicial, como também todas as demais parcelas referentes ao extinto contrato de trabalho, violando a coisa julgada, a propositura de nova reclamação trabalhista”. Contra tal fundamento, opõe-se o fato de que tais orientações não vinculam o entendimento do Juiz. Podem, e devem, ser modificadas. A orientação em exame subverte o conceito mesmo de coisa julgada, já que o art. 467 do CPC a classifica como “a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário” e em seguida refere que “a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas” (art. 468). Desde o primeiro semestre da faculdade de direito, aprendemos que a petição inicial e a contestação estabelecem os limites da lide. É deles que trata o art. 468 antes reproduzido. Por conseqüência, a coisa julgada não poderá extrapolá-los. A interpretação jurisprudencial subverte essa lógica e, pois, não tem fundamento jurídico que a sustente. Demais disso, tal orientação jurisprudencial se refere à ação rescisória e convive com a Orientação Jurisprudencial 120 da SDI-2 do TST (atual Súmula nº 418 do TST), que refere: “Recusa à homologação de acordo. Inexistência de direito liquido e certo. Não comporta mandado de segurança a negativa de homologação de acordo, por inexistir direito líquido e certo à homologação, já que se trata de atividade jurisdicional alicerçada no livre convencimento do Juiz”. Portanto, há nas orientações do próprio TST fundamento jurisprudencial a legitimar a atitude do Juiz que não homologa o acordo que pretenda a discutida “quitação do contrato”.
As decisões do TST costumam chancelar acordos com “quitação geral do contrato de trabalho”, mesmo quando o ajuste é realizado na fase de execução, ou seja, com sentença já transitada em julgado. Interessante observar, porém, que ao tratar das contribuições previdenciárias (que sequer possuem caráter alimentar) o TST apresenta entendimento diverso. Diz que o acordo judicial não tem o condão de alterar os valores devidos a tal título, porque ofenderia a coisa julgada. Tal discrepância – dois pesos e duas medidas – pode e deve ser utilizada em favor dos argumentos que propugnam pela extinção da prática de quitar o contrato.
3. Os fundamentos filosóficos que cercam o ato de conciliar judicialmente um litígio:
Todos os argumentos até aqui elencados revelam de modo positivo e simplista
a inexistência de previsão legal que autorize a prática de quitação geral do contrato de trabalho no âmbito trabalhista. Entretanto, não têm sido suficientes para coibir a prática reiterada. Tal circunstância faz com que meditemos a propósito das razões desse ‘senso comum teórico’, que certamente extravasa o raciocínio que se opera ‘dentro do sistema’, e que até aqui tentamos demonstrar. A quitação genérica jamais poderia ser admitida no Direito, quiçá do Direito do Trabalho, na medida em que implica despojamento de direitos em modo ainda mais amplo do que a própria renúncia. Note-se que na renúncia, o credor sabe exatamente ao que está renunciando. Na quitação ampla, não. A quitação, do modo como geralmente perpetrada, pressupõe renúncia a crédito incerto e futuro, em subversão aos princípios de direito. Ainda assim, rejeitamos a renúncia propriamente dita e aceitamos passivamente essa espécie de quitação. Há quem diga que, na realidade, estamos a “chancelar uma espécie, não jurídica, de antecipação dos efeitos da prescrição travestida de coisa julgada, sem objeto determinado, que extirpa, de vez, qualquer possibilidade de o trabalhador exercer, por completo, o direito constitucional ao acesso à justiça”.
Ora, se o juiz não precisasse saber exatamente quais obrigações estão sendo transacionadas, as partes não precisariam recorrer ao Poder Judiciário Trabalhista para chancelar o acordo. Em outras palavras, quando aceitamos “quitar o contrato”, sem saber ao certo o que estamos garantindo ao demandado, negamos nossa função jurisdicional. Negamos ao trabalhador o acesso à justiça. Fingimos convalidar uma vontade não-existente. Ou será que realmente acreditamos na idéia de que o trabalhador sabe exatamente do quê está abrindo mão quando aceita quitar o contrato?
A facilidade em agir assim – e a insistência em assim proceder, especialmente por parte dos advogados – revela uma preocupação imediatista, que descuida o “bem comum”, o ideal de distribuição da justiça de forma mais efetiva e célere. É falacioso dizer que a vontade do trabalhador é livre das pressões concretas que o sistema capitalista impõe, sobretudo quando o trabalho se torna condição de sobrevivência, como ocorre com o homem moderno.
Se há inegável vantagem na pacificação do conflito social, é certo que essa pacificação deve retratar um mínimo de equidade e justiça. A idéia de segurança jurídica, que por vezes permeia o discurso de quem defende a conciliação como modo de resolução dos conflitos, não se contrapõe ao que agora propomos. A segurança jurídica não se traduz na pretensa garantia de que o empregado não irá ingressar com nova ação na Justiça do Trabalho. Tanto assim que não temos dificuldade em afastar a preliminar de coisa julgada, quando estamos diante de uma ação pedindo indenização por acidente de trabalho ou diferenças decorrentes de expurgos inflacionários. A segurança jurídica constitui ideal do mundo capitalista moderno e tem sustentação na idéia de monopólio da jurisdição. Se consubstancia, justamente, na tranquilidade que o cidadão brasileiro deve ter de saber que os conflitos sociais entre capital e trabalho serão resolvidos por um poder judiciário democrático especialmente designado para realizar essa função com base nos dispositivos legais e nos princípios constitucionais vigentes.
4. Conseqüências práticas do fim da outorga de “quitação geral do contrato de trabalho”.
O principal receio dos operadores jurídicos, quando se propõe tese como a ora
apresentada, é de que restem inviabilizados os acordos trabalhistas. A prática – por nós adotada já há cerca de seis meses – de não conferir quitação genérica em hipótese alguma – tem revelado a inveracidade dessa assertiva. Os acordos seguem sendo realizados, exatamente como antes. A razão é simples. Em regra, os acordos trabalhistas contemplam apenas parte das verbas pleiteadas e garantem um modo de pagamento por demais razoável. Conferem, pois, vantagens significativas para o demandado, de tal sorte que ainda permanece sendo um ótimo negócio – mesmo quando implica apenas quitação de valores ou do objeto da demanda.
Contra o argumento de que não haveria vantagem real nessa prática, já que em regra os trabalhadores não ingressam com novas ações trabalhistas, também há razões interessantes. A primeira delas é que o argumento é autofágico. Se os trabalhadores, de qualquer modo, não ingressam com uma segunda demanda, não há razão para conferir “quitação do contrato de trabalho”. Em segundo lugar, o argumento é falho. Quando há real necessidade de deduzir pretensões tais como aquelas decorrentes de um acidente de trabalho cujas conseqüências são verificadas apenas após a realização do acordo, o trabalhador pode se ver intimidado pelo peso de uma pretensa ‘coisa julgada’, conforme entendimento assente na orientação jurisprudencial antes transcrita e, desse modo, estaríamos a obstar a efetiva prestação jurisdicional. Há, também, um argumento de ordem moral – mas não menos revelante – o fim da ‘quitação genérica’ tem caráter pedagógico e de resgate do valor institucional da Justiça do Trabalho. Em nenhuma outra seara do direito é imaginável a outorga de quitação dessa natureza. Aqui – onde lidamos com direito alimentar fundamental – é preciso que se resgate o senso comum que a Constituição Federal tentou consolidar em seu artigo primeiro, de valorização social do trabalho humano.
Antes de nos engajarmos em um movimento para a conciliação como o propugnado pelo STF, é indispensável que resgatemos a idéia de Justiça do Trabalho como Justiça social, fazendo cumprir o direito do trabalho, compreendendo-o indispensável para a manutenção da ordem social (capitalista). É preciso que voltemos a acreditar no direito do trabalho como um direito sério, importante e necessário. Não é mais razoável permitirmos a utilização da Justiça do Trabalho como instrumento de desvirtuamento, com conciliações despojantes em nome da rapidez e da diminuição do serviço.
5. O Movimento de Mudança na Jurisprudência.
Já há decisões importantes reconhecendo a impossibilidade de outorga de quitação genérica, como a que a seguir é transcrita: “ACORDO JUDICIAL. TRANSAÇÃO PELO EXTINTO CONTRATO DE EMPREGO. INTERPRETAÇÃO. A transação se interpreta de forma restritiva, segundo o art. 843 do Código Civil, não sendo admissível sua ampliação por analogia ou para alcançar situações não especificadas expressamente no ajuste. O acordo judicial deve ser interpretado, conseqüentemente, de forma restritiva e se a quitação foi exclusivamente quanto ao extintocontrato de emprego, o mesmo abrangeu unicamente parcelas trabalhistas decorrentes da prestação de serviços, não se referindo a direitos conexos à relação de emprego, como a indenização por danos morais que se origina de ilícito civil conexo ao contrato de trabalho e não diretamente desse mesmo contrato. (TRT 3ª R, 3ª T, Proc. 00044-2005-146-03-00-1-RO, Red. Juiz César P. S. Machado Jr., DJMG 25.03.2006). Nos fundamentos do voto, lê-se: “A Eg. Turma, contudo, deu provimento ao recurso para afastar a coisa julgada, sob o fundamento de que a reclamada não juntou aos autos cópia da petição inicial da anterior ação trabalhista e, por isso, não se sabe qual foi o seu objeto. Dessa forma, a quitação do reclamante pelo objeto do pedido anterior não poderia impedir a reivindicação do presente pedido, pela não demonstração da equivalência de um e outro pedido. Relativamente à quitação pelo extinto contrato de emprego, a mesma se referiu, evidentemente, aos títulos decorrentes da prestação de serviços, eis que a questão deve ser analisada sob a ótica do art. 843 do Código Civil. Segundo o art. 843 do Código Civil, a transação se interpreta de forma restritiva e se a quitação foi exclusivamente quanto ao extinto contrato de emprego, evidente que foram abrangidas as parcelas trabalhistas decorrentes da prestação de serviços, em sentido estrito, não abrangendo a indenização por danos morais que se origina de ilícito civil conexo ao contrato de trabalho e não diretamente desse mesmo contrato. A interpretação restritiva da transação vem sendo prestigiada pelo Col. Superior Tribunal de Justiça, que já decidiu que: “DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRANSAÇÃO. INTERPRETAÇÃO. COISA JULGADA. A interpretação restritiva que deve ser dada à transação é no sentido de que esta não deve ser ampliada por analogia ou alcançar situações não expressamente especificadas no instrumento, quando o débito tratar de parcelas distintas. A transação pressupõe concessões mútuas dos interessados e produz entre as partes o efeito de coisa julgada”. (STJ, 3ª T, REsp. 399564, Relª Minª. Nancy Andrighi, DJ 10.02.2003). Em outro julgado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que: “ACIDENTE NO TRABALHO. Transação na reclamatória trabalhista. Limite. A transação celebrada na reclamatória trabalhista, “quanto ao extintocontrato”, não impede a propositura da ação de indenização por acidente no trabalho, fundada no direito comum. Interpretação restritiva da transação (art. 1027 do CC). Recurso conhecido e provido”. (STJ, 4ª T, REsp. 318202/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 18.02.2002). e “COISA JULGADA. ACORDO JUDICIAL. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Como o pedido de indenização por danos morais feito nesta Ação não constitui direito inerente, mas conexo ao contrato de trabalho, não é atingido pela coisa julgada, ainda que o acordo judicial, em outra demanda, entre as mesmas partes, tenha sido celebrado pelo objeto do pedido (diferença de FGTS) e pelo extinto contrato de trabalho”. (TRT 3ª R, 1ª T, Proc. nº 01399-1999-050-03-00-0-RO, Rel. Juiz Manuel Cândido Rodrigues, DJMG 03.05.2003)”.
CONCLUSÃO
A prática chancelada pelo Poder Judiciário Trabalhista, de outorgar “quitação geral pelo extinto contrato de trabalho”, não encontra amparo legal. Estando, o ajuste entabulado entre as partes, a ferir o princípio da irrenunciabilidade do crédito trabalhista, bem como a própria natureza do ato de transação, é manifesta a incidência do art. 9º da CLT, a inquiná-lo de nulidade absoluta – vale dizer, vício a ser conhecido, de ofício. O Juiz do Trabalho tem o poder-dever de zelar para aplicação das regras jurídicas, não podendo olvidar-se desta função, apenas para atender imediato interesse da parte, razão pela qual se propugna:
a) pelo FIM da outorga de quitação genérica; extirpando da nossa prática a chancela de “quitação pelo extinto contrato de trabalho”;
b) pelo encaminhemos proposta para a ANAMATRA, para que gestione junto ao TST, pela extinção da OJ 132 da SDI-1 do TST.
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Defesa da tese pela autora.
Defesa de posicionamentos contrários:
Colega Benhur: Algumas perplexidades o assaltam, lembrando da questão de quando o trabalhador estiver sozinho, o que é raro, ser o Juiz extremamente rigoroso no controle. Mas salienta que em geral o trabalhador conta com assistência jurídica e o Juiz se reserva a uma segunda supervisão e, então, adotar a idéia como tese, não sabe se esta oportuno. Lembra da defesa da autora da tese de que é necessária uma reflexão, mas diz ter dificuldade em considerar não ser possível a avaliação da justeza do valor proposto para a quitação total, sobretudo quando o advogado é do Sindicato, até porque pode escapar a idéia da pacificação do conflito pela conciliação.
Colega Eduardo: É veemente discordante, citando decisão do Ministro Dalazen quanto ao efeito liberatório da adesão do empregado ao PDV, de que a hipossuficiência não pode ser equiparada à debilidade mental, e de que o tratamento a ambas as partes deve ser igual. Diz que o empregador e a sociedade querem segurança jurídica. Salienta que aplica a prescrição de ofício desde a alteração do CPC, por entender que a segurança jurídica é fundamental. Salienta que a quitação geral do contrato deve ser a regra, e de que a fraude não é presumida.
Colega Lontra: Observa na mesma linha do colega Benhur e salienta sua experiência em todo Estado no início da carreira, dizendo que nunca havia visto tantas lides simuladas quanto em Viamão e salienta ter tido cuidado em não homologar e extinguir os processos com comunicações a OAB e ao Ministério do Trabalho. Salienta que, com cuidado, o Juiz pode não homologar os acordos com finalidades que se apresentem como os fraudulentos.
Questão de ordem: O colega Vargas salienta ao colega Eduardo, em razão de comentário deste, que todos tem direito de expressar suas opiniões sem qualquer catalogação.
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Antônia Maria: Salienta a perplexidade a quitação total do contrato, citando exemplo no Estado do Pernambuco e no Estado do Rio Grande do Norte que consideram inconcebível a homologação total do contrato. Diz que a questão fundamental é que não se pode fazer acordo no escuro, e menciona que nem o advogado sabe o que poderá estar fazendo.
Colega Daniel: Diz que no plano teórico não há óbices a tese, e que no plano fático é possível acolher a proposta, com inclusão do seguinte texto: com o fim da outorga de quitação genérica do contrato. Sugere que conste nos textos de acordo a quitação do pedido.
Colega Maurício Marca: Salienta que o colega Daniel conseguiu captar o enfoque da tese e que a quitação deve ser dada apenas ao que foi negociado, mas não ao que não foi dito, até porque o Juiz não pode avaliar o que não está nos autos e o que pode advir depois do contrato, mas vinculado a este. Menciona que o próprio Direito Civil não permite a quitação do que não foi negociado.
Votação da proposta com a emenda retificativa proposta pelo colega DANIEL, a qual é acolhida pela autora da proposta.
Ementa final, após a retificação: PROPÕE O FIM DA OUTORGA DE QUITAÇÃO GENÉRICA DO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO, BEM COMO, SEJA FEITO ENCAMINHAMENTO A ANAMATRA PARA QUE GESTIONE JUNTO AO TST O CANCELAMENTO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 132 DA SDI-1 DO TST.
Votação: Aprovada por maioria.
9ª TESE
SUPRESSÃO DA AUDIÊNCIA INICIAL
Autor: Juiz Celso Fernando Karsburg
A POSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO DA AUDIÊNCIA INICIAL NO RITO ORDINÁRIO COM RECEBIMENTO DA CONTESTAÇÃO EM SECRETARIA.
1) INTRODUÇÃO
A supressão da audiência inicial no processo do trabalho – e de qualquer audiência, quando a matéria em discussão for apenas de direito – com o recebimento da contestação em Secretaria, não deve ser vista como uma panacéia que irá desafogar ou resolver os problemas do Judiciário Trabalhista. É, antes de mais nada, uma medida de bom-senso, que visa evitar a realização de mera formalidade que já deu mostras de ter se exaurido.
Tem aplicação, principalmente, naquelas Unidades Judiciárias onde é baixo (ou inexistente) o índice de acordos realizados na audiência inicial, ou quando envolver processos cujos réus, de regra, não têm o hábito de conciliar o processo nesta fase processual, ou não podem fazê-lo, como é o caso dos entes públicos (principalmente Municípios). E é neste contexto que deve ser analisada, visando evitar a prática de atos absolutamente inócuos que somente ocupam tempo da pauta e do Juiz, que normalmente intervém apenas como “despachante”, recebendo a contestação em audiência e, eventualmente, sanando alguma irregularidade na representação de alguma das partes envolvidas na lide, antes de designar nova data para o prosseguimento ou diligência necessária.
2. DESENVOLVIMENTO
A “ficção” da audiência una
Ainda que o art. 841 da CLT estabeleça que, recebida a petição inicial, seja o réu citado para comparecer à audiência de julgamento, institucionalizou-se a praxe de marcar uma “audiência inicial” na qual, frustrada a tentativa de conciliação, é apresentada a defesa com os documentos que a instruem. Assim, na prática, a audiência que deveria ser “una” é “adiada” sendo determinada nova data para “instrução” do processo. De ordinário, uma vez instruído o processo, é designada data para publicação da sentença (quando esta não é adiada sine die).
O desdobramento da audiência
O dia-a-dia, contudo, tem demonstrado que a audiência inicial – excetuadas as Unidades Judiciárias onde é alto o índice de conciliação na audiência inicial – é inócua. Pois é público e notório que a grande maioria dos empregadores jamais faz acordo na audiência inicial, tão somente no curso do processo ou na audiência de instrução (quando não apenas após a instrução propriamente dita, após a oitiva das testemunhas). Presta-se a audiência inicial, na realidade, tão somente à entrega das credenciais por parte dos réus e dos Procuradores destes, à designação de perícia (se necessária) e da designação de data para o prosseguimento, do qual as partes já ficam cientes em audiência.
Convém não esquecer, também, a desnecessária – e muitas vezes inútil – oneração do desempregado com a realização de tal audiência, pois é sabido que a maioria absoluta dos processos que tramitam na Justiça do Trabalho envolve trabalhadores que já perderam seus empregos e que, muitas vezes, sequer o pagamento das verbas rescisórias recebeu.
Ditos empregados se vêem compelidos a comparecer perante o Judiciário para buscar as verbas que lhe foram sonegadas, o que importa em perda de tempo – muitas vezes têm que se deslocar de cidades ou municípios vizinhos (quando não do interior, servido por apenas um horário de ônibus, que vai para a cidade de manhã e retorna à tarde) até a cidade onde está instalada a Vara do Trabalho – e dinheiro, pois arcam com os custos das passagens de ônibus, e até da alimentação na cidade. Isto sem falar que muitas vezes perdem o dia de trabalho, quando trabalham como “diaristas” e nem dinheiro têm.
A evolução do processo do trabalho. O avanço da legislação
Ainda que o processo do trabalho tenha iniciado de forma eminentemente oral – com concentração de seus atos em audiência – perdeu esta característica ao longo do tempo em razão da crescente complexidade que passou a apresentar. Perícias (insalubridade/periculosidade/diferenças salariais/seqüelas de doenças ocupacionais e/ou acidente de trabalho) passaram a se fazer necessárias de forma rotineira. Em razão da prestação de serviços em localidade diversa da contratação – ou porque fatos ocorreram fora da jurisdição – muitas vezes se faz necessária a oitiva de testemunhas através de Cartas Precatórias.
O clamor da sociedade – e dos profissionais que atuam na área do direito – por sua vez, tem exigido uma constante atualização da legislação em geral para fazer frente aos avanços que a modernidade impõe.
Há poucos anos, foi atualizado o Código Civil de 1916. Em 22.12.2005 foram introduzidas significativas alterações no Código de Processo Civil, com a Lei nº 11.232/05. E ainda neste ano, através da Lei nº 11.277, de 7.02.2006, foi acrescentada a letra “A” ao art. 285 do CPC, importando em notória inovação no processo civil, também aplicável subsidiariamente ao processo trabalhista. E quando serão arejadas as disposições contidas na CLT, que há muito tempo clamam por atualização? De quem e da onde partirão as idéias inovadoras?
Como já referido, não se desconhece que em inúmeras Unidades Judiciárias é razoável (ou até bom) o índice de acordos realizados na audiência inicial. Mas tal não obsta a que estes venham a se perfectibilizar, sem a realização da audiência inicial e sem o risco de simulação ou fraude, como se verá oportunamente.
A falta de previsão legal não se constitui em óbice à supressão da audiência.
A Seção II do Capítulo III da CLT fala em “Audiência de Julgamento”. Só no art. 851 há referência a “instrução e julgamento”. Não faz a CLT, portanto, referência à existência de uma “audiência inicial”. O art. 846 da CLT, por sua vez, diz que, aberta a audiência, proporá o juiz a conciliação. O art. 847 diz que, não havendo acordo, o reclamado terá 20 minutos para aduzir defesa. O que é aduzir defesa? É defesa escrita? Não. É defesa oral, pois todo o processo do trabalho não foi concebido para ser eminentemente oral?
Essa acepção é confirmada pelo art. 850, quando diz que, terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de dez minutos para cada uma. Com certeza, aqui aduzir razões finais significa razões finais orais. Então, lá no art. 847 aduzir também é defesa oral.
Mas quem aceita defesa oral no processo hoje em dia? Pelas matérias discutidas e complexidade das teses, a defesa é sempre escrita. E quando não vem escrita, é deferido prazo para apresentação em Secretaria. Donde, se há previsão legal para defesa oral, esta não é observada. E nem por isso o processo é nulo. Convém também salientar que, se a antiga redação do art. 114 da CF fazia menção à competência da Justiça do Trabalho para “conciliar e julgar os dissídios individuais…”, a nova redação que lhe foi dada pela EC 45/2004 refere apenas que compete à Justiça do Trabalho “processar e julgar…”.
Ante tal constatação resta evidente que, se em tempos idos a possibilidade de conciliação na audiência inicial (até pela intervenção dos juízes classistas) se mostrava viável – e não se está a dizer que não deva ser tentada a qualquer tempo – é certo que tal possibilidade não fica afastada sem a realização da audiência, porquanto a parte demandada é instada expressamente a se manifestar sobre aquela, quando da apresentação da defesa.
Refira-se, também, que o art. 37 da CF (com a nova redação que lhe foi dada pela EC 19/98) passou a fazer expressa referência ao princípio da eficiência como norteador da administração pública, princípio que, sem dúvida, se aplica ao Judiciário. Donde nada mais consentâneo com tal princípio a supressão de prática processual que na maioria das vezes vem se mostrando inócua.
Se não tem audiência inicial, o processo pode ser anulado?
Será nulo se a audiência inicial for considerada forma ad solemnitatem do processo.
Se a audiência inicial não for considerada forma ad solemnitatem, sua ausência somente acarretará a nulidade se esta for alegada pela parte interessada na sua realização. Isto é, a nulidade deve ser argüida ou pelo réu, na defesa, ou pelo autor, na manifestação sobre a defesa, sob pena de preclusão, porquanto nulidade relativa não argüida oportunamente convalesce face ao princípio da transcendência (pas de nulitté sans grief).
Tem previsão legal o recebimento da defesa em Secretaria? Pode até não ter. Mas onde a previsão legal para a publicação da sentença em Secretaria?
Também tem aquela crítica, muitas vezes utilizada, quanto à civilização do processo do trabalho. E daí? O art. 769 da CLT prevê a utilização subsidiária do processo civil quando omissa a CLT. Mesmo não sendo omissa a CLT, porque não adotar o procedimento do CPC, se este se mostrar mais eficaz? Porque satanizar o processo civil, se este demonstra praticidade ou eficiência superior aos procedimentos previstos e adotados no processo do trabalho? O processo civil, por sua vez, também já não copiou ou adotou procedimentos do processo do trabalho que vêm se mostrando eficazes? Ou o que dizer da cada vez maior aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e do próprio BACEN-JUD, que os Juízes de Direito ainda relutam em aplicar mas que tem demonstrado sua eficácia?
Isto sem se falar na ficção da audiência una, prevista no art. 841 da CLT. Quando ocorre esta no processo do trabalho? Nem no Rito Sumaríssimo, quando se faz necessária a realização de perícia.
Por derradeiro, não se deve esquecer que a CLT é de 1943, quando a Justiça do Trabalho ainda nem estava integrada ao Poder Judiciário. Sua linguagem tem forte conotação administrativa (reclamante, reclamado, inquérito para apuração de falta grave, dissídio individual), o que conduz à necessidade, sem sombra de dúvida, a adequá-la às necessidades atuais.
Necessário referir, também, que o sistema das nulidades visa preservar a legalidade dos atos processuais. Porém, de há longo tempo vem sendo deixado de lado a teoria “legalista”, onde qualquer vício de forma, por mínimo que fosse, invalidava o processo.
Prepondera hoje, sem sobra de dúvida, a teoria “teleológica”, defendida por Alfredo Buzaid (Aulas na Faculdade de Direito da USP, p. 86, citação de Valentim Carrion, in Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Editora Saraiva, 2001, p. 586), segundo o qual,
“se a finalidade foi alcançada, é válido o ato, mesmo que o caminho percorrido não seja o previsto. A CLT e os CPC de 1939 e 1973 (art. 243 e segs.) seguem essa orientação, sendo o último mais explicito que o anterior”.
A se acrescentar, ainda, que muito embora sexagenária, já em 1943 o legislador anteviu a possibilidade dos Juízos e Tribunais do Trabalho terem “ampla liberdade na direção do processo” devendo velarem pelo rápido andamento das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária (art. 765 da CLT).
A amparar o procedimento que tenho adotado (e que há bem mais tempo já fora adotado pelo colega Marçal, na 29ª VT), também o entendimento demonstrado pelo ex-Ministro Nelson Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal, quando em visita à AMATRA/4, no final de 2004, incentivou expressamente os Juízes a criarem ritos administrativos que facilitem e agilizem a prestação jurisdicional.
A nova sistemática conta com a aprovação dos Advogados?
Contra números não há argumentos. Nos 1199 processos que foram ajuizados perante a 1ª VT no período de janeiro/2005 a julho/2006, foi argüida nulidade por falta de realização de audiência inicial em apenas 9 deles, o que equivale a 0,75% (8 no ano de 2005 – a maioria em processos onde atuavam Procuradores de fora de Santa Cruz do Sul, que não estavam a par do novo procedimento adotado – e 1 este ano). Tais números demonstram, sem sombra de dúvida, o acerto do procedimento adotado. E como foi suprimida a alegada nulidade? Mediante inclusão do processo em pauta para supressão da alegada nulidade.
O posicionamento do TRT
Em duas decisões onde a nulidade da falta da realização da audiência inicial foi alegada já houve decisão do TRT, sendo relatores o Juiz FABIANO DE CASTILHOS BERTOLUCCI (Proc. 02642-2005-733-04-00-2) e JOÃO PEDRO SILVESTRIN (Proc. 00647-2005-731-04-00-8).
Por ilustrativo, transcrevo o posicionamento do Juiz FABIANO
“Assim, não sem registrar o inusitado rito imprimido pelo Juízo a este processo, não há como, em face da inocorrência do protesto do autor no momento oportuno, falar em nulidade do processo e nem em violação ao dispositivo legal invocado. Sendo esta exclusivamente a pretensão recursal, impõe-se negar provimento ao recurso”.
e do Juiz JOÃO SILVESTRIN
“Desde logo, diga-se que não há preceito legal dispondo sobre a necessária realização de mais de uma audiência no processo”.
Colegas.
A prática tem demonstrado que grande parte das inovações – ou de nova interpretação das normas jurídicas existentes – tem seu ponto de partida em decisões ou procedimentos adotados pelos Juízes de 1º Grau. E não vejo nenhuma “afronta literal à lei” o recebimento da defesa/contestação em Secretaria.
Ao contrário, o novo procedimento vem recebendo elogios por parte dos Advogados – tanto que 26 deles se fizeram presentes quando a Corregedora os recebeu, em atividade correcional, em abril do corrente ano, pugnando pela manutenção do procedimento. Dizem-se, também, “cansados” de ficarem (às vezes horas) aguardando a realização da audiência inicial, sem que na maioria das vezes nada de concreto seja realizado.
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Defesa da tese pelo autor.
Defesa de posicionamentos contrários:
Colega Francisco: defende a oralidade e não abre mão da audiência inaugural, salientando que todos sabem como funciona o processo do trabalho, o que não ocorre com o processo civil. Desafia aos colegas presentes a atuar no Juízo Cível com o processo do trabalho e vice-versa e conclui que, se feito isso, estaria demonstrado, em determinado período, a baixa de processos se seguido com o procedimento trabalhista.
Colega Íris: Salienta que a experiência com a primeira audiência é exitosa e pensa que na região de Santa Cruz, onde o autor da tese jurisdiciona, a situação é diferenciada e lá eles não tem interesse em dialogar e tentar conciliar. Tem dúvidas quanto à legalidade da supressão da audiência e menciona os casos de, na segunda audiência, não haver provas a serem produzidas. Diz que na audiência o Juiz faz o saneador no processo, e também destaca que na primeira audiência é possível averiguar a existência de lides simuladas, o que nem sempre seria possível quando não olhadas as partes, olho no olho. Sinala ainda que os resultados da primeira audiência têm sido muito proveitosos, e salienta que a alteração legislativa de que o preposto não precisa ser empregado traz muitos prejuízos.
Colega Jorge: Salienta a necessidade da audiência inaugural para o saneamento, definição de provas e concorda que a VT de Santa Cruz é exceção e não pode pautar uma decisão única para todas as Unidades Trabalhistas, mas deve ser tratada de forma particular pelas suas peculiaridades culturais. Sugere a instalação de uma Turma do Tribunal em Santa Cruz para que conheçam o problema da litigância em tal localidade, pois este já foi detectado pelos Juízes que lá atuam ou atuaram. Por fim, pondera o volume de processos e a capacidade limite dos juízes para realizar o trabalho. Salienta ser regra excepcional a conseguida pelos Juízes de Santa Cruz para dar vazão e atendimento aos processos.
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Rafael: Salienta que a ementa da norma legal prevê a possibilidade que embasa a tese, bem como salienta de que nada adianta muita oralidade e pouca efetividade no processo, lembrando que a vida é um todo e que os dados dos Juízes de Santa Cruz os fizeram adotar alguns procedimentos específicos para atender as demandas trabalhistas que por lá tramitam.
Colega Silvana: Sinala que a proposta do colega Celso é uma reflexão e ela pode servir para determinadas regiões. Destaca o êxito que tem nas audiências, com as conciliações. Quanto ao saneador, menciona ser possível a sua feitura mesmo sem a audiência, mas assevera a preocupação com a inclusão do CPC ao processo trabalhista.
Colega Maurício: Reconhece o esforço dos colegas em Santa Cruz para resolver as ações trabalhistas de tal região, sendo favorável à tese.
O Presidente da Mesa propõe alteração na redação da ementa: Excepcionalmente, em razão da natureza jurídica das partes, e das características econômicas de determinadas micro-regiões, sem prejuízo à preservação do espaço para o exercício da oralidade.
O autor da proposta faz reforço da proposta em razão da cultura das partes no processo trabalhista em Santa Cruz.
O colega Francisco Rossal propõe a retificação da ementa para a seguinte: É POSSÍVEL A SUPRESSÃO DA AUDIÊNCIA INICIAL NO RITO ORDINÁRIO QUANDO AS CIRCUNSTÂNCIAS DO PROCESSO POSSIBILITEM ANTEVER A INEFICIÊNCIA DO ATO PROCESSUAL.
Os participantes da assembléia e o autor da proposta aceitam a redação acima proposta, a qual é submetida à votação.
Votação: Aprovada por maioria.
10ª TESE
CONTROLE ELETRÔNICO DE PONTO E INSEGURANÇA JURÍDICA
Autores: Juízes Antônia Mara Vieira Loguércio e Luiz Alberto de Vargas
PROPÕE QUE OS CONTROLES ELETRÔNICOS DE PONTO ATENDAM EXPRESSAMENTE O DISPOSTO NO ARTIGO 74, § 2º, DA CLT SOB PENA DE APLICAÇÃO NO DISPOSTO NO INCISO 3 DA SÚMULA 338 DO TST, INVALIDANDO-SE TAIS CONTROLES COMO MEIO DE PROVA, INCLUSIVE NO QUE TANGE AO BANCO DE HORAS. PARA VALIDAÇÃO DOS REFERIDOS CONTROLES, DEVE FICAR EXPLICITADO NAS PLANILHAS OS ALGORÍTIMOS EM QUE SE BASEARAM OS CÁLCULOS QUE O MINISTÉRIO DO TRABALHO TENHA RESPONSABILIDADE E CONTROLE SOBRE OS SOFTWARES DOS PONTOS ELETRÔNICOS E OS MESMOS ESTEJAM CERTIFICADOS E DEPOSITADOS NO MINISTÉRIO DO TRABALHO PARA FINS DE CONTROLE E VERIFICAÇÃO PELAS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS E JUDICIAIS.
Em outro trabalho, aprovado em Encontro da AMATRA IV e em Congresso da ANAMATRA, já se alertava para os riscos da proliferação dos sistemas de controle eletrônico do ponto e a falsa sensação de certeza e impessoalidade que os mesmo proporcionavam, abrindo espaço para fraudes contra os direitos dos trabalhadores.
Além disso, afirmou-se que “A experiência prática já comprovou que os sistemas de ponto eletrônico carregam consigo, ao lado da possível conveniência e praticidade, o risco de facilitar a sonegação de direitos do trabalhador (…) A situação atual implica em um substancial desequilibrio nas relações trabalhistas. O empregador tem poder quase absoluto sobre as informações relativas à prestação do trabalho, ao passo que o empregado não tem garantia de que os registros de entrada e saída (feitos por ele mesmo) estão a salvo de fraude. Urge que se estabeleçam regras mais claras para o uso do ponto eletrônico, que permitam estabelecer maior equilíbrio na relação. Sem isto, os abusos são quase impossíveis de evitar e muito difíceis de punir….”[1]
As piores previsões terminaram por ser confirmadas a partir da generalização, entre as grandes empresas, do controle de ponto eletrônico associado ao sistema de compensação horária através de “Banco de Horas”, sem que se lograssem formas efetivas de fiscalização da regularidade da anotação horária e do correto pagamento do trabalho extraordinário prestado pelos empregados.
Cria-se um ambiente de insegurança nas relações de trabalho, o que impõe repensar a sistemática protetiva prevista em lei, em especial no art. 74 § 2o da CLT.
As múltiplas funções do art. 74 § 2º da CLT
Recorde-se que a finalidade precípua do art. 74 § 2º da CLT sempre foi a de permitir que o empregado, seu sindicato, a fiscalização trabalhista e a Justiça do Trabalho exercessem um controle eficaz dos horários cumpridos pelos empregados por meio da exigência de registros diários de jornada que deveriam ser mantidos pelo empregador.
Assim, para a Justiça do Trabalho trata-se da responsabilidade do empregador, como titular da direção do processo produtivo, de manter o histórico da relação laboral, incumbindo a ele o ônus de apresentar, quando solicitado em processo judicial, os registros diários da jornada de cada empregado, de modo a tornar possível a perfeita reconstituição dos tempos de trabalho apropriados pelo empregador ao longo do contrato de trabalho.
Exatamente porque tais registros constituem prova pré-constituída, as exigências formais são rigorosas, entendendo-se não fidedignos os registros caso existam rasuras ou as marcações não indeléveis (como no caso de anotação a lápis).
Igualmente ocorre quando as marcações são manifestamente inverídicas, como no caso das chamadas “anotações de horário britânico”, que não registram as horas extras, mas apenas o horário de trabalho oficial.
Em todos esses casos, na forma da Súmula nº 338, o colendo TST entende-se inválidos os cartões-ponto e admitida como verdadeira a jornada de trabalho alegada na inicial. Da mesma forma, a jurisprudência é pouco tolerante quando a marcação do ponto não é feita pelo empregado, mas por preposto do empregador (em geral, um apontador). Nessas hipóteses, em geral, a presunção de certeza dos registros fica bastante comprometida, passando estes a serem entendidos como simples início de prova, sujeitos a serem desconstituídos por outro tipo de prova, como por exemplo, a oral.
Já para o sindicato profissional e para a fiscalização do trabalho, a exigência do art. 74 § 2o da CLT não se centra tanto nas necessidades de reconstituição das jornadas de trabalho individuais, mas estabelecer uma forma de controle social que previna eventuais abusos patronais no exercício de seu poder de direção. Mais concretamente, busca-se prevenir exigências abusivas de cumprimento de jornadas de trabalho bem superiores às previstas na lei ou no contrato sem o pagamento devido. Tão ou mais importante que o correto apontamento de cada fração de tempo despendido pelo empregado no trabalho, a principal preocupação, para o sindicato profissional e para a fiscalização do trabalho, é assegurar, mediante o cumprimento das exigências do art. 74 § 2º da CLT, que o controle de ponto seja idôneo e, tanto quanto possível, produzido de forma bilateral.
Ou seja, ainda que a operacionalização do controle de ponto seja feita pelo empregador, por meio de equipamentos de sua propriedade e viabilizado por pessoal específico designado pelo empregador, a correta compreensão da referida norma legal impõe que, sobre tal operação nitidamente unilateral, existam meios de fiscalização que adequadamente propiciem ao empregado um certo controle sobre o resultado final de tal operação (ao fim e ao cabo, um relatório de horários de trabalho), de forma que este represente, de alguma forma, um consenso entre as partes envolvidas sobre a quantidade de tempo de trabalho diário prestado pelo empregado ao empregador. Tal consenso torna-se possível pela livre marcação diária do ponto, pelo próprio empregado, marcação por marcação, sem que haja qualquer coação por parte do empregador e, principalmente, assegurado que, uma vez feito o registro, este seja inalterável por qualquer das partes.
A jurisprudência condena invariavelmente o empregador a pagar as horas extras postuladas pelo empregado sempre que se constate, nos autos do processo, que não é permitida a livre marcação do ponto pelo empregado. Infelizmente, são incontáveis os processos judiciais onde se constata a coação patronal para que o empregado registre horários fictícios no ponto, normalmente “batendo o ponto” e voltando para trabalhar.
Da mesma forma, a Justiça do Trabalho não admite registros-ponto que, na prática, negam a referida bilateralidade na marcação, em que não se reproduz a totalidade do tempo trabalhado pelo empregado. São, em geral, casos em que há duplicidade de cartões (um para as horas normais; outro, para as horas extras) ou em que a marcação das horas extras não informa efetivamente os horários laborados (mas apenas o número de horas extras prestadas). Em ambos os casos, as anotações de horas extras ficam a cargo do empregador, inviabilizando que o empregado tenha um registro material das horas extras prestadas.
Finalmente, do ponto de vista do empregado, seu interesse é o de compartilhar com o empregador a produção e o controle dos dados de sua própria jornada de trabalho que terminarão por determinar o “preço” do trabalho prestado. Trata-se de assegurar que os registros físicos em que expressam os horários trabalhados sejam mantidos incólumes e sejam plenamente acessíveis a ambas as partes. Até recentemente, tais registros consistiam em cartões-ponto, livros de ponto ou fichas de ponto. Ou seja, materialmente esses dados estavam permanentemente disponíveis ao empregado, bastando que este compulsasse os registros que ele mesmo, diariamente, produzia. Assim, percebe-se que o art. 74 § 2º da CLT atende a várias finalidades, todas de significativa importância na regulação da relação de trabalho.
Todas essas finalidades restaram bastante comprometidas a partir da implantação dos controles de ponto eletrônicos, especialmente quando associados à sistemática de Banco de Horas, criando insegurança e incerteza, como se verá a seguir.
O desvirtuamento das regras protetivas previstas no art. 74 § 2o da CLT
Utilizando-se da brecha aberta pela Lei nº 7.855 de 1989 que deu nova redação ao § 2º do art. 74, admitindo também controles de ponto eletrônicos, sem qualquer restrição, passaram os empregadores a utilizar sistemas informatizados que privilegiam as informações dos administradores do sistema (no caso, o empresário), sonegando-as aos usuários do sistema; não permitem a fiscalização dos registros internos inseridos eletronicamente no sistema; permitem ao administrador do sistema (o empresário) manipule/altere os dados obtidos, sem que seja possível, sem a permissão do administrador, reconstituir os dados originais; permite que os cálculos que decorrem dos dados coletados (ex. horas extras, noturnas, etc.) sejam feitos automaticamente sem informar os critérios de elaboração de tais cálculos, o que inviabiliza qualquer conferência por parte de terceiros; produzem relatórios unilaterais, sem que se possa conferir a veracidade das informações fornecidas, já que não informam os dados em que se originaram os relatórios (por exemplo, em que dia de trabalho foram prestadas as horas extras que foram compensadas com folgas).
No limite, pode-se dizer que o empregador passa a deter condições de estabelecer unilateralmente qual o preço que deverá pagar ao empregado pelo tempo por este trabalhado, já que o salário final será determinado pelos relatórios que ele mesmo produzirá, de acordo com os dados que ele mesmo coletará, com base em seus exclusivos e desconhecidos critérios, sem que qualquer conferência ou fiscalização seja possível.
Pior: a presunção de validade e segurança dos registros de ponto, prevista no art. 74 § 2º da CLT, passa a ser usada, pelo empregador, em desfavor do empregado, transferindo-se para este o ônus de provar a real jornada de trabalho despendida ao longo do contrato de trabalho. Por assim dizer, toma-se uma versão virtual da realidade manipulada pelo empregador como se fosse a própria realidade, emprestando-lhe presunção legal de veracidade.
Todas essas distorções, que desequilibram seriamente a relação contratual entre as partes, colocando nas mãos do empregador o controle absoluto sobre informações essenciais, não decorrem de nenhuma perversidade intrínseca dos fabricantes de “software” ou uma conseqüência inevitável da utilização da tecnologia eletrônica à relação de trabalho.
Apesar de aberrantes, tais situações são perfeitamente lógicas e compreensíveis sob uma ótica da utilização supostamente neutra da aplicação da tecnologia de informação à administração do trabalho. É preciso compreender que a tecnologia nunca se aplica de forma imparcial, beneficiando a todos os interessados, mas sempre contém um “viés” que, invariavelmente, assegura a seus proprietários os maiores, senão exclusivos, benefícios.
Assim, parece evidente que os “softwares” sejam produzidos de forma a assegurar ao proprietário que o adquiriu do fabricante o privilégio da informação (que somente será divulgada a terceiro com a permissão do proprietário) e a livre disposição dos dados colhidos (sem qualquer restrição operacional). Não há qualquer lógica na produção de “software” que restrinja seu uso pelo proprietário ou reconheça qualquer privilégio a terceiro em relação às informações que são coletadas. Impõe-se, aqui, a lógica comercial pela qual se assegura a quem paga o benefício exclusivo, não fazendo sentido falar-se em “utilização compartilhada” na manipulação de resultados ou produção bilateral de dados primários.
Enfim, a menos que haja regulamentação legal específica, os “softwares” de controle de ponto disponíveis no mercado nada mais serão que uma simples máscara de certeza e confiabilidade, tecida pela mistificação tecnológica, acobertando a manipulação de informações essenciais à relação de trabalho, qual seja os tempos de trabalho prestado pelo trabalhador.
Se tal manipulação será ou não fraudulenta dependerá exclusivamente da boa vontade do empregador, já que essencialmente, os sistemas informatizados retiram a possibilidade do empregado, dentro do próprio sistema, demonstrar realidade diversa daquela que é apresentada/construída pelo empregador.
O sistema de ponto eletrônico não oferece, efetivamente, nenhuma garantia de correção. Se é certo que o empregado pode visualizar o horário digitalizado quando emite o sinal para o registro de horário, também é certo que, a partir de então, o empregado não tem mais nenhum contato com este registro que é encaminhado para um computador central da empresa, muitas vezes fora da própria localidade daquele estabelecimento. Em tese o cartão deveria vir, no final do mês, para o empregado, pelo menos, assinar. Mas ocorre com freqüência de não constar sequer sua assinatura.
Mesmo naqueles relatórios em que consta a assinatura do empregado, não há um registro que possa ser conferido pelo empregado com aquele que é apresentado, eletronicamente, pela empresa.
As empresas têm investido soma considerável em dinheiro para instalar o sistema eletrônico de ponto. Entretanto, não tomaram a providência mais elementar e que não deve ter custo tão elevado porque se trata de procedimento corriqueiro, por exemplo, em qualquer estacionamento de Centros Comerciais ou mesmo em qualquer operação dos caixas eletrônicos de Banco. Tratar-se-ia de, na medida em que o empregado visualizasse o horário e o registrasse, a própria máquina (relógio eletrônico) emitisse um comprovante daquela operação. Esta seria a única forma do trabalhador ter um controle pessoal do horário realizado e do horário efetivamente registrado pela empresa.
Não é crível que ao receber seu cartão no final do mês, cartão com o qual não teve mais contato durante o mês inteiro, possa o empregado recordar qual a hora exata em que registrou seu horário nos primeiros dias daquele mês. Não é lícito exigir-se do empregado tal magnitude de memória. Além disso, houvesse o singelo comprovante da operação de registro – como há comprovante de cada operação eletrônica para qualquer consumidor – , poderia o empregado, ao final do mês confrontar os horários anotados no relatório que vem da empresa com os registros individualmente emitidos pela mesma máquina.
Esta exigência de emissão de comprovante de cada registro deve ser feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no uso das atribuições a ele cometidas pelo próprio art. 74, § 2º da CLT:
§ 2º – Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso.
Finalmente, é preciso levar em consideração, na exegese da matéria, que a parte final do § 2º do art. 74 da CLT com a redação dada pela Lei nº 7.855, de 24.10.1989 onde indica: devendo haver pré-assinalação do período de repouso deve ser considerada revogada, por incompatível, pela Lei nº 8.923/94 que introduziu o § 4º no art. 71 do Estatuto Consolidado, considerando hora extra o intervalo de uma hora, quando não concedido. Se o intervalo deve ser integralmente concedido, sob pena de ser integralmente pago, não cabendo sequer à negociação coletiva suprimi-lo ou reduzi-lo, consoante Orientação Jurisprudencial nº 342 da SDI- I do TST, que adotamos, é curial que a concessão deste intervalo deve ficar corretamente registrada, não se podendo admitir a pré-assinalação.
Propostas:
III) os controles eletrônicos de ponto não atendem as exigências do art. 74 § 2º da CLT. Assim, se a norma legal expressamente prevê a possibilidade de adoção pelo empregador deste tipo de sistema de controle, há de se reconhecer a impossibilidade prática da utilização deste de forma que resulte relatórios confiáveis dos horários de trabalho despendidos pelo empregador. Não se deve reconhecer a tais registros eletrônicos qualquer valor probatório. Em tais casos, deve ser adotado o entendimento jurisprudencial do inciso III da Súmula nº 338 do TST, invertendo-se o ônus da prova da jornada para o empregador e prevalecendo, se dela não se desincumbir, o horário declinado na inicial;
IV) por decorrência do item anterior, tem-se como inválido qualquer sistema de Banco de Horas com base em controle eletrônico de ponto, já que torna inviável qualquer controle das compensações realizadas;
V) não se admitirá como confiável qualquer relatório de pagamentos de horas extras com base em planilhas eletrônicas de cálculo em que não se apresentem explicitamente os algoritmos em que se basearam os cálculos, ou seja, as fórmulas matemáticas que geraram os resultados ali apresentados;
VI) é conveniente que, por modificação legislativa, tenha o Ministério do Trabalho responsabilidade de fornecer certificado de aprovação em relação a “softwares” de controle eletrônico de ponto, exigindo que os mesmos explicitem, desde a fábrica, informações básicas como os privilégios de manipulação de informações colhidas pelo proprietários. Tais “softwares” devem ter seus códigos-fonte depositados no Ministério do Trabalho, disponíveis para consulta por autoridades administrativas e judiciais;
5) na regulamentação dos cartões-ponto eletrônicos, que deve ser emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, consoante § 2º do art. 74 do Estatuto Consolidado, deve ser exigida a emissão de comprovante de cada registro que deverá ficar de posse do empregado;
6) a parte final do § 2º do art. 74 da CLT dada pela Lei nº 7.855/89 precisa ser entendida como revogada, por incompatível, pelo § 4º do art. 71 introduzido pela Lei nº 8.923/94;
7) A cópia desta tese, após aprovação, deve ser enviada, pela AMATRA IV, para a Delegacia Regional do Trabalho como sugestão do Congresso para a providência proposta no item 5.
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Defesa da tese pelos autores.
Defesa de posicionamento contrário:
Colega Jorge: pensa que os empregadores que queiram adotar o ponto eletrônico devem adotar CPF eletrônico. Sugere remessa da decisão sobre a tese ao Banco Itaú, em razão da comunicação feita por este a respeito do ponto eletrônico. Sugere que os extratos do ponto eletrônico pudessem ser feitos pela INTERNET. Diz que temos de repensar a denominação de horas extras, e chamá-las de horas extraordinárias e que não sejam prestadas exceto quando efetiva necessidade.
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Francisco: Relata experiência tida com ponto eletrônico quando, com um código, conforme dito pelo advogado da reclamante, disse ser possível acessar os dados de horário pela Internet, e foi verificado que os horários apareciam no sistema de horário até o final do mês, embora este ainda não tivesse chegado. Disse ter verificado a possibilidade de modificação de quaisquer dados do ponto eletrônico. Salienta não ser possível acreditar em dados e sistemas informatizados de forma plena.
Colega Maurício: Lembra que qualquer sistema informatizado é manipulável. A única certeza poderia advir de alguma certificação a exemplo da API.
Colega Janaina: Menciona o problema diário em Porto Alegre acerca da inveracidade do contido nos pontos eletrônicos, dizendo que a questão não é afastá-los, mas assegurar que eles dêem alguma segurança. Salienta que deveríamos inverter o ônus da prova.
Votação: Aprovada por maioria.
[1] VARGAS, Luiz Alberto de e SANTOS, Carlos Augusto Moreira. “O Software de Controle de Jornada de Trabalho é Seguro e Confiável?”
11ª TESE
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO COMO CONSEQÜÊNCIA DOS NOVOS TEMPOS
Autores: Juízes Antônia Mara Vieira Loguércio e Carlos Alberto de Vargas
PROPÕE DE LEGE FERENDA A ALTERAÇÃO DO REGRAMENTO QUE ADMITE O JUS POSTULANDI E QUE OS JUÍZES DO TRABALHO ADOTEM O PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
A Justiça do Trabalho pós Emenda Constitucional nº 45
Depois de cinqüenta anos, finalmente a Justiça do Trabalho alcança sua maioridade, atingindo, através da Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência para todas as relações de trabalho. Desde seu início, o Judiciário Trabalhista e o Direito do Trabalho caminham contra a corrente liberal, adotando institutos que, à época, seriam considerados demasiadamente ousados ou, mesmo, revolucionários. Assim, foi no processo do trabalho que se consolidou a idéia de inversão do ônus de prova, a concentração dos atos processuais, a imediatidade e a oralidade. Já no direito material do trabalho, pela primeira vez, falou-se, no Judiciário brasileiro, de princípio de proteção, contrato-realidade e dirigismo contratual. Não é à toa que todos estes institutos foram encarados com hostilidade no início, para, depois de longa batalha, firmarem-se no direito do trabalho e, somente então, serem adotados no Direito Civil e no Direito Processual Civil. Mesmo hoje, o processo civil vem ao processo do trabalho buscar aperfeiçoamentos, como nas recentes modificações legislativas, como por exemplo, as alterações no agravo de instrumento e na fase de execução.
Exatamente por isso a Justiça do Trabalho e o Direito do Trabalho nasceram contestados pelos liberais, assustados com tanta modernidade e com o compromisso social que ali se assumia. A consolidação de uma Justiça especializada (que se contrapunha à Justiça comum, tributária do postulado de igualdade formal entre as partes) não se deu sem dificuldades. Por meio século, assistimos, por força do veto liberal, o confinamento da Justiça do Trabalho ao âmbito da relação de emprego, sendo interditado seu espraiamento para outras relações de trabalho. Era como se houvesse um acordo tácito para que o vanguardismo da Justiça do Trabalho se restringisse à relação peculiar entre empregado e empregador, estando absolutamente claro que, em qualquer outra esfera social, tais princípios e institutos não seriam aplicáveis, pois incompatíveis com a sociedade em geral.
É bastante conhecida a intensa polêmica que se estabelece nos processos sobre a existência ou não de relação de emprego. Na prática, tal reconhecimento funciona como a abertura da “porta da cidadania” para o trabalhador: para os que logram demonstrar o vínculo de emprego, são asseguradas todas as proteções previstas na norma celetista. Para os que não provam, nada é deferido, pois a declaração de incompetência equivale à negativa de qualquer tipo de proteção.
A Emenda Constitucional nº 45/2004 muda radicalmente esse cenário. Ocorre, a partir de então, a inversão de paradigma, de modo que qualquer controvérsia referente à relação de trabalho passa à competência da Justiça do Trabalho. Portanto, deixa-se de operar a histórica proibição para conhecer demandas trabalhistas não empregatícias, passando o Judiciário Trabalhista a abarcar 100% das relações de trabalho, ao invés dos limitados 50% que, no máximo, alcançam as relações estritamente de emprego no mundo do trabalho.
Por certo tal período de crescimento e afirmações é sujeito ao surgimento de inúmeras dúvidas. É compreensível que se hesite a abraçar as possibilidades de um mundo novo que se descortina ao Direito do Trabalho e ao Judiciário do Trabalho. Há, sem dúvidas, muitas coisas a serem repensadas e que podem ser abandonadas no contexto desta nova fase:
– Ênfase excessiva na conciliação (somente comparável ao Direito de Família), como se a principal função da Justiça do Trabalho fosse obter a harmonia das partes litigantes – e não a aplicação do direito.
a) A idéia da Justiça do Trabalho como um “juizado de pequenas causas”, onde se discute apenas questões simples, de restrito interesse social e de pequena monta.
b) A falácia de que o processo do trabalho é pouco complexo, o que justifica procedimentos sumaríssimos, prazos curtos e limitadas possibilidades de prova.
c) Prescindibilidade do advogado, o que justificaria a presença do Sindicato como assistente. Na formulação original da CLT, o sindicato profissional seria uma espécie de fiscal da regularidade dos pagamentos (normalmente rescisórios) que se fariam, normalmente na primeira audiência, em que, provavelmente, ocorreria um acordo.
Destaca-se, exatamente sobre este último ponto, que, em si mesmo, resume todo o anacronismo que se deve remover em busca de um processo do trabalho mais adequado aos novos tempos que se inauguram após a edição da Emenda Constitucional nº 45.
O fim do “jus postulandi”
Já se disse, em outra ocasião, sobre a incongruência da interpretação jurisdicional que praticamente alija o hipossuficiente trabalhista dos benefícios da Assistência Judiciária, pela concessão de honorários somente com credencial sindical e de, no máximo, 15% da condenação, com critérios bastante severos para sua concessão (renda não superior a dois salários mínimos). Conforme ali se disse, tal entendimento não se sustenta ante a clareza das normas constitucionais, que asseguram o direito fundamental de acesso à Justiça.
A justificativa (praticamente única) para tal aberração jurídica seria uma suposta necessidade de se preservar o jus postulandi, ou seja, a possibilidade da parte demandar sem advogado. Na prática, quem conhece cotidianamente a realidade vivida nas Varas do Trabalho em nosso país, sabe que tal possibilidade praticamente desapareceu, em função da complexidade real que hoje têm os processos do trabalho, a exigir acompanhamento técnico-especializado. Não há mais espaço para o jus postulandi que subsiste em nossos dias apenas por inércia e preconceito, por não se admitir que o processo laboral evoluiu muito desde seu nascimento, não podendo mais se enquadrar como um processo menor.
Em realidade, já de há muito se pode entender substancialmente alterada a base legal que justificava a inconveniente sobrevida do jus postulandi. A Lei nº 8.906/94 por seu art. 1º considera prerrogativa do advogado a postulação em Juízo. Revogados, portanto, os preceitos celetistas que previam a possibilidade do jus postulandi das partes na Justiça do Trabalho. Ressalte-se que a referida Lei entrou em vigor posteriormente à edição do então Enunciado nº 329 do TST pela Resolução Normativa nº 11/93 de 19.11.1993, tornando, pois, superado aquele entendimento jurisprudencial. Devidos os honorários de sucumbência, nos termos dos arts. 1º e 2º combinados com os arts. 22 e 24 § 3º da Lei nº 8.906 de 4 de julho de 1994.
Ainda que se fosse admitir, tendo em vista a liminar deferida e à recente decisão de mérito a respeito da ADIN proposta perante o STF, que não estivesse vigente o art. 1º da referida Lei nº 8.906/94 (sem considerar que a autoria daquela ADIN é da Associação dos Magistrados do Brasil, não restando claro ao senso comum o interesse jurídico de uma entidade de juízes em que advogado não receba honorários e o trabalhador não seja assistido pelo competente profissional), é indispensável ter claro que após o julgamento definitivo da ADIN, poderá o Senado da República suspender a vigência da referida Lei nos termos expressos da competência constitucional e dentro do princípio basilar da tripartição de Poderes da República.
Ademais, admitido que fosse o jus postulandi, é absolutamente certo que, na quase totalidade dos processos não se opera o jus postulandi da parte porque desde a inicial o reclamante se faz representar por advogado constituído. Ao se admitir que a parte autora trabalhista teria o direito de demandar por conta própria, impende ressaltar ter ela o mesmo direito a demandar através de procurador, mormente se se tiver em conta as garantias constitucionais do art. 5º, incisos XXXV e LV, consideradas direitos fundamentais também estendidos, por evidente, ao trabalhador em sua condição de cidadão comum.
Ora, seria afronta ao princípio da isonomia, insculpido no caput do mesmo art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, admitir que qualquer cidadão sendo vitorioso em sua demanda judicial tenha o direito, reconhecido por lei de que a parte sucumbente arque com os honorários de seu advogado e o trabalhador, hipossuficiente por definição, seja condenado pelo Juízo, mesmo vitorioso na lide a desembolsar os honorários de seu patrono. É como se a sentença trabalhista condenasse o empregador a pagar ao empregado um valor X, menos 20%.
A partir de Emenda Constitucional nº 45, que traz à Justiça do Trabalho, relações de trabalho não celetistas (e, portanto, para as quais não há falar em aplicação do jus postulandi), modifica-se bastante esse quadro.
Entretanto, a escancarada injustiça para com o trabalhador empregado ficou, agora mais nítida com a “interpretação” dada através de Instrução Normativa do colendo TST às novas competências da Justiça do Trabalho em face da Emenda Constitucional nº 45 de que aos demais trabalhadores, não empregados e agora julgados pela Justiça do Trabalho, bem como aos próprios empregadores em suas demandas, por exemplo, contra as multas administrativas a eles impostas, é reconhecido o direito aos honorários de sucumbência, restando somente o trabalhador empregado privado do mesmo direito, o que clama contra os mais comezinhos princípios do Direito e em especial do próprio Direito do Trabalho.
Nem se diga que isso seria prejudicial aos trabalhadores porque os mesmos teriam que pagar os advogados da empresa, quando sucumbentes porque, em tal caso e se o caso, o trabalhador na mais das vezes é detentor da assistência judiciária gratuita.
Propostas:
1) É preciso interpretar a Lei nº 8.906/94 em seu art. 1º em sua plenitude, uma vez que ainda não derrogada pelo Senado da República;
2) Ainda que se mantenha a retirada da expressão “qualquer” demanda, consoante decisão do Pretório Excelso na ADIN referida, esta expressão pode ficar restrita aos casos de hábeas corpus ou às ações que se admita como dedutíveis perante os Juizados especiais, mas nunca perante a Justiça do Trabalho em face da complexidade do Processo Trabalhista;
3) O trabalhador, empregado ou não, tem o direito à prestação jurisdicional , através do devido processo legal e, portanto, mediante a assistência técnica indispensável e, ainda, tem direito – como qualquer cidadão – a que a parte sucumbente arque com os honorários da parte vencedora, sob pena de se impor pena pecuniária ao hipossuficiente, mesmo vencedor na demanda;
4) Quando há advogado constituído desde o início do processo, não pode o Juiz negar os honorários de sucumbência sob o fundamento da existência de preceito celetista prevendo o jus postulandi da parte sob pena de considerar que o trabalhador, no caso, não teria direito de “escolher” demandar através de advogado;
5) De lege ferenda: buscar alterar a CLT na parte em que ainda prevê o jus postulandi, tarefa que incumbe às entidades associativas de juízes em seu esforço notório e bem sucedido de impor ao conjunto do Judiciário e à sociedade em geral, maior respeitabilidade ao Direito e ao Processo do Trabalho.
________________________
Defesa da tese pela autora.
Defesa de posicionamentos contrários:
Colega Eduardo Eliseu: Entende que as melhores ações são as verbais deduzidas pela própria parte. Defende a inaplicabilidade de honorários de sucumbência.
Colega Íris: Não vê incompatibilidade da manutenção dos dois institutos.
Colega Adelar: Entende que está se defendendo o formalismo processual e menciona que nas Pequenas Causas do Cível foi adotado o jus postulandi e aqui está se querendo acabar com ele, o que não é crível.
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Jorge: O jus postulandi é direito do trabalhador e este não pode ser prejudicado
por deter esse direito. Quanto aos honorários de sucumbência não há óbice na aplicação, mas o empregado não tem condições de arcar com eles. O art. 389 do Código Civil de 2002 dispõe que o devedor responde com os honorários de advogado e, como regra de direito material, ela deve ser aplicada, isso sem prejuízo dos honorários processuais. O óbice que se apresenta é a questão do advogado que recebendo os honorários assistenciais ainda assim cobra os honorários de seu cliente, mas, se isso existe, é questão ética na qual não nos devemos imiscuir.
Proposta do Presidente da Mesa, de exclusão da conclusão 05 que trata do jus postulandi, como está na fundamentação da proposta, pois isso impede a aprovação da tese.
A autora da proposta concorda com a alteração.
Redação da ementa da tese, proposta pelo colega Francisco Rossal: OS JUÍZES DO TRABALHO PODEM ADOTAR O PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA COM A CONDENAÇÃO DA PARTE EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
O colega Benhur discorda da redação acima pelo risco que ela traz.
Defesa de posicionamentos favoráveis:
Colega Alcides Matte: Superada a questão do jus postulandi, a sucumbência recíproca estaria resolvida porque a maioria das causas tramita sob a assistência judiciária gratuita. E, se não for, devem as partes arcar com os honorários. Lembra que, com relação à improcedência da ação, a fixação dos honorários é feita pelo Juiz.
Colega Rafael: Diz que os honorários deveriam ser cobrados da União.
O colega Francisco Rossal propõe nova redação à ementa, para a seguinte, o que é acolhido pelos autores: OS JUÍZES DO TRABALHO PODEM ADOTAR O PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA COM A CONDENAÇÃO DA PARTE EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, RESSALVADOS OS CASOS DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
Votação: Aprovada por maioria, com a retificação da ementa.
REUNIÃO ENTRE MAGISTRADOS BRASILEIROS E URUGUAIOS SOBRE A CRIAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE JUÍZES DO TRABALHO – ALJT
ARY MARIMON – Tenho a honra de promover esse encontro porque temos a presença de Grijalbo Coutinho, ex-presidentes da ANAMATRA, Maria Madalena Telesca e Ricardo Fraga ex-presidentes da AMATRA IV e Antônia Mara Loguércio, da AMATRA IV. Tenho breves palavras para introduzir o assunto. A ANAMATRA pensa em fundar uma associação latino-americana de juízes laborais e pretende convidá-los a participar dessa associação. Na próxima semana, ocorrerá essa grande reunião em Brasília para tratar dessa fundação. De minha parte era esse breve comentário e passo a palavra ao colega Hugo Mello.
HUGO MELLO – Peço desculpas para falar em português, mas o farei pausadamente. Se não me entenderem, peço que me interrompam para retomar o entendimento. Em primeiro lugar, as palavras são de agradecimento ao Presidente da AMATRA IV, Ary Marimon, pela idéia de reunir no congresso da AMATRA, os juízes brasileiros e uruguaios, aqui no Uruguai, para que antecipemos, de alguma forma, a discussão sobre a criação da ALJT que, provavelmente, ocorrerá na próxima semana em Brasília. A idéia da criação de uma criação latino-americana específica de juízes do trabalho é antiga, pois alguns são entusiastas dessa idéia há muito tempo e todos eles se encontram aqui. Ricardo Fraga, Madalena Telesca, Antônia Mara Loguércio, Grijalbo e eu, sempre idealizamos a criação dessa entidade pela compreensão de que a necessidade da defesa da independência judicial dos juízes da AL, e mais do que isso, na esfera específica dos juízes laborais, a defesa do DIREITOS TRABALHISTAS, luta contra a precarização do Direito do Trabalho são atividades que se impõem a todos os juízes. No Brasil, a ANAMATRA alcançou, com trinta anos de experiência e muita luta, uma posição política muito relevante no cenário nacional. Nós temos hoje três mil e quinhentos associados, juízes do trabalho. Temos uma estrutura material muito boa, conseguida com muita luta nesses anos todos. O Ary lembrou, ontem, que há quinze anos atrás a ANAMATRA não tinha nada, era uma bolsa, uma pasta de papéis embaixo do braço do presidente. Hoje temos uma estrutura material muito boa e, principalmente, uma inserção política muito relevante no cenário brasileiro. Os juízes tem uma atuação marcante no processo de criação e alteração das normas, têm sido a luta dos juízes e sua mobilização um elemento decisivo de barreira às tentativas de flexibilização do DIREITOS TRABALHISTAS no Brasil e, recentemente, logramos uma ampliação de competência significativa para a JT brasileira, na recente reforma constitucional, encerrada ao final de 2004. Somos 24 entidades regionais filiadas, entre elas a AMATRA IV, que é uma das mais representativas entidades de juízes do trabalho do Brasil e uma das fundadoras da ANAMATRA, até porque antecede em mais de dez anos a criação da entidade nacional. Depois de apresentar, rapidamente, a estrutura da nossa entidade nacional, o ideal seria que tratássemos das razões pelas quais pretendemos criar uma entidade sul-americana de juízes. Nós temos consciência de que, em outros países da AL, os juízes do trabalho e a magistratura de modo geral, não alcançou, ainda, uma estatura e capacidade de inserção política que a ANAMATRA conseguiu. E nós, juízes brasileiros, gostaríamos que isso ocorresse em todos os lugares e compreendemos que, de alguma forma, os juízes brasileiros e a ANAMATRA podem contribuir para que isso aconteça. Para que todos os lugares tenhamos entidades com estrutura, com inserção política, com entidades que se façam ouvir e que sejam decisivas nessa trincheira de defesa dos trabalhadores latino-americanos. Esse é o principal aspecto e propósito que nos move no sentido da criação da ALJT. Temos mantido contatos com todos os juízes de nossa região. Na atual gestão da ANAMATRA, do colega José Nilton Pandelot, que está aqui em Montevidéu, resolvemos criar uma comissão de assuntos internacionais da ANAMATRA constituída pelos que aqui estão, juízes do trabalho. em seguida, participamos de alguns eventos ocorridos fora do Brasil, especialmente em Havana, em 2005 e em Caracas, ainda em 2006, no sentido de contatar colegas de outros países que estivessem interessados, como nós, na construção dessa entidade. Em Havana obtivemos o apoio muito importante da Associação Latino-Americana de Abogados Laboralistas-ALAL – entidade com pelo menos seis anos de existência, muito organizada, com atividades em toda a América Latina, foi presidida, recentemente, por um grande advogado brasileiro Luiz Carlos Moro, que estará conosco em Brasília, nessa semana e atualmente é presidida por um companheiro argentino. A ALAL e a Associação Cubana formalizaram o apoio à iniciativa dos juízes brasileiros de criação da entidade latino-americana. Depois, na Venezuela, os colegas Ricardo, Grijalbo e Madalena, mantiveram contato com tantos outros colegas, juízes do trabalho da América Latina, o que possibilitou, evidentemente com a posterior troca de mensagens eletrônicas e telefonemas, a criação de uma espécie de rede inaugural do que vem a ser a nossa associação. Para a solenidade de Brasília aproveitamos os festejos do 30 aniversário da ANAMATRA, que tomará os dias 27, 28 de setembro. Fizemos divulgar uma convocação que foi remetida a praticamente todos os países da América Latina, inclusive uruguaios, dizendo exatamente isso, ou seja, que compreendemos que existe uma ameaça à independência judicial em todos os lugares. Compreendemos que, nos países periféricos esse déficit democrático, geralmente, está exigindo uma maior independência dos juízes, que essa independência pressupõe uma entidade politicamente vigorosa e que possa respaldar os juízes nessa situação e, principalmente, na esfera dos juízes do trabalho, a grande preocupação com o avanço das teorias liberais e de precarização do trabalho, sobre a determinação do mercado, as ameaças às garantias mínimas em patamares civilizados dos direitos trabalhistas. Por isso mesmo já estamos dispostos a, na próxima semana, em Brasília, fundarmos a ALJT. Claro que num primeiro momento, ela será o embrião daquilo que almejamos que ela venha a ser em poucos anos. Nesse primeiro momento, buscaremos a maior representatividade possível dos juízes brasileiros, uruguaios, colegas da Argentina. Haverá a participação de colegas de Cuba, da Bolívia e, possivelmente, do México que deverão constituir, assim, a primeira diretoria executiva da ASLJT. Essa diretoria terá um trabalho difícil, que é o de consolidar efetivamente, como uma opção de respaldo aos juízes da AL, nesse seu trabalho relevante de defesa dos direitos sociais e da independência funcional dos juízes. Esses são os propósitos da ANAMATRA razão pela qual contamos com a participação entusiasmada dos colegas uruguaios. Haverá pelo menos um delegado uruguaio, a colega Júlia estará em BSB. A ANAMATRA, compreendendo que isso é um projeto que é antigo para nós, mas é uma coisa nova para os demais, e muitas vezes alguns podem ser apanhados de surpresa, estando despreparados para uma viagem dessa natureza, a nossa entidade se propõe a convidá-los, arcando com despesas de hospedagem e até mesmo de deslocamento para que estejam presentes em BSB. Por estar determinada à concretização desse projeto, a ANAMATRA, no âmbito da comemoração dos festejos de seus trinta anos, convida-os para viver esse momento inicial de sua história. Essas são as considerações iniciais que gostaria de fazer para dar início às nossas discussões, muito mais no sentido de dar uma idéia a todos os colegas sobre os propósitos da ANAMATRA, qual a relevância dessa entidade, enfim, o que nos move atualmente no sentido da criação da ALJT, na próxima semana, em BSB. Passo a palavra aos que desejarem se manifestar.
ANABELA DAMASCO – Tenho algumas perguntas que gostaria de externar aos presentes. Inicialmente, gostaria de saber porque existe uma associação de magistrados do trabalho separada de outra que congrega todas as demais?
HUGO MELLO – No Brasil, a Justiça do Trabalho é um ramo especial do PODER JUDICIÁRIO, ao contrário do que ocorre no Uruguai, onde existe um Tribunal que congrega varas especializadas em matéria laboral. No Brasil, a Justiça do Trabalho é uma estrutura imensa, a partir de um Tribunal Superior, 24 Tribunais Regionais e há 1.300 Varas do Trabalho, nas mais de cinco mil cidades brasileiras. Somos 3.500 juízes do trabalho e estamos vinculados à União Federal. Mas a razão principal do fortalecimento de nossa entidade ao ponto de alcançar a posição que ocupa, é que os Juízes do Trabalho do Brasil sempre estiveram na vanguarda de todos os movimentos pela democratização, transparência, acesso ao Poder Judiciário, defesa da classe trabalhadora, coisa que não motivava muito nossos colegas de outras áreas, digamos assim. Então, os juízes do trabalho sempre tiveram uma posição de vanguarda o que os levou a ganhar o destaque que têm hoje. A ANAMATRA embora tenha 3.500 associados, apenas, falo “apenas” porque a AMB, entidade que reúne os juízes estaduais e parcela dos juízes federais e trabalhistas, ela já teve 15.000 associados, contando, atualmente, com 11 ou 12 mil associados. Mas a ANAMATRA, em termos de prestígio político, rivaliza com a AMB e com a AJUFE, que é uma outra entidade. Então, no Brasil, a rigor, temos que os juízes estaduais são representados pela AMB, os juízes federais pela AJUFE e os juízes trabalhistas pela ANAMATRA. Essas entidades atuam em conjunto quando as questões são comuns, e de forma específicas ou até mesmo antagônicas quando assim a situação exigir. Por exemplo, os Juízes do Trabalho defenderam uma instância democrática de controle da magistratura, um controle externo, com a representação democrática, o CNJ que foi instituído, não como preconizava a ANAMATRA, porque ainda têm defeitos numa perspectiva democrática, pois as indicações são feitas pelas cúpulas, mas nós poderemos avançar, e que tem se revelado uma instância muito relevante de superação dos problemas do PJ no Brasil, enquanto que as outras entidades se opuseram, fortemente, a criação desse conselho. Os Juízes do Trabalho têm histórica luta contra o nepotismo no Judiciário e já tínhamos avançado muito quanto isso, no âmbito da Justiça do Trabalho, onde não havia mais nepotismo e, agora, o CNJ proibiu a contratação e nomeação de parentes de juízes. As outras entidades não se comportavam como a ANAMATRA, também nesse aspecto. Enfim, a idéia de democratização e transparência do PJ há muitos anos é bandeira principal dos juízes trabalhistas, mas não costumava ser bandeira dos outros ramos e isso fez com que nós fossemos nos aparatando, paulatinamente, e fortalecendo nossas estruturas específicas de luta e participação política que, na minha avaliação foi o que conduziu a ANAMATRA a esse novo patamar de relevância política que gozamos no Brasil.
ANABELA DAMASCO – Uma segunda pergunta: mencionaste que falaste com colegas cubanos e venezuelanos, sendo que estes últimos tiveram proibida a possibilidade de associação. Queria saber se o convite para participar é individual ou dirigida a associação do respectivo país?
HUGO MELLO – Em relação à Cuba, estive em Havana e formulei o convite, não só a juízes cubanos, mas a juízes de toda a AL que participaram, em outubro, do congresso em havana. Quanto à situação específica da Venezuela, até para demonstrar um exemplo da forma de condução da ANAMATRA, recentemente, o Presidente Pandelot esteve reunido com o Embaixador da Venezuela no Brasil e lhe fez entrega de um documento oficial da entidade pugnando pela revisão constitucional na Venezuela a fim de que os colegas venezuelanos, para retirar da constituição venezuelana o artigo que proíbe essa associação. Fomos bem recebidos, apenas que o Embaixador sugeriu que nós fôssemos a Caracas conversar com os constituintes para discutir sobre as razões que os levaram a estabelecer a proibição, deixando clara a idéia de que isso – essa alteração constitucional – é possível de acontecer. Aparentemente, é que havia uma magistratura muito problemática na Venezuela, até algum tempo atrás. A estrutura era extremamente corrompida, com problemas que na avaliação do povo venezuelano a partir dos seus representantes na Assembléia Nacional Constituinte, os levou à vedação. Entretanto, a dinâmica e a renovação que se deu na magistratura venezuelana conduz a essa modificação e a ALJT pode ter um papel relevante nesse sentido. Acredita que, muito brevemente, nossos companheiros venezuelanos terão permissão para constituir a sua associação e tenho impressão que poderão tê-la na ALJT, desde logo. O convite não foi individual, mas aos companheiros de cada país. Evidentemente, formulamos esse convite por intermédio daqueles companheiros que eram nossos conhecidos de outros eventos e ocasiões, de conversas anteriores e esses colegas serviram como difusores dos nossos propósitos. Inclusive alguns deles firam encarregados da divulgação da nossa proposição em diversos países. Daria o exemplo da Bolívia, México, em que encaminhamos o documento aos juízes que eram nossos conhecidos, pessoas que convivem conosco há muito tempo em congressos e eventos em diversos países. Não há entidades específicas de juízes do trabalho nos demais países, sendo que tivemos que contatar juízes trabalhistas que eram nossos conhecidos que demonstravam interesse em uma congregação com juízes de outros países. Aqui no Uruguai, por ocasião do evento da AMATRA IV, fizemos questão para que fosse realizada essa reunião para que pudéssemos discutir. Já houve reunião agendada para discutir em Buenos Aires, de modo que nesses dois países a discussão avançou mais do que em outros, pela proximidade da relação que já existia.
RICARDO FRAGA – Fui presidente de Associação regional, a AMATRA IV, agora presidida pelo colega Ary e convivi com Hugo e Grijalbo, também. Participo mais diretamente, agora, de uma outra experiência que é o Fórum Mundial de Juízes, entidade que existe em Porto Alegre, junto com o Fórum Social Mundial. Num primeiro momento foi coordenadora a Madalena e, atualmente sou eu. O Fórum Mundial de Juízes, para se ter uma idéia, reúne dez associações de juízes: as nacionais mencionadas pelo Hugo e outras estaduais, formadas de juízes federais, do trabalho e de Direito. Essas dez entidades convivem bem, nessa experiência do Fórum Mundial. Por óbvio que, em determinados assuntos, elas não têm a mesma posição, mas, enfim, é uma realidade brasileira termos várias associações. E o contato com os colegas de fora do Brasil, tivemos contato com colegas espanhóis e italianos, sendo muito rica a experiência para a troca de conhecimento e informações, mas o debate deles era um pouquinho diferenciado do nosso. Eles se interessavam mais pelo que eu poderia resumir na elaboração de um código de ética de juízes. Isso nos interessava, mas interessava mais, algo que fosse comum a todos os juízes e isso se cristalizou na questão da independência judicial. Essa bandeira da independência judicial é muito simples, nos unifica muito, mais do que com os europeus e em cinco minutos de conversa se vê que a reivindicação é quase a mesma. A ALJT que tem como um dos primeiros temas a independência judicial já nos dá margem para uma atuação muito rica e importante para aproximarmos os países. Um outro ponto é a questão específica do Direito do Trabalho que todos sabemos que é a flexibilização, o que também nos unifica. De todas as experiências dos juízes, que respeitamos e convivemos, há dois pontos que nos unificam urgentemente, que é a independência e a flexibilização. Por óbvio, temos que respeitar as peculiaridades de cada um, como na Venezuela, que tem uma situação diferenciada. Mas a independência judicial já justifica a criação da ALJT.
ANTONIA MARA – Gostaria de chamar a atenção que quando começamos a pensar sobre a ALJT, tínhamos a experiência do Fórum Mundial de Juízes, que acompanhava o Fórum Social Mundial. Quando o fórum social americano ocorreu em Caracas, os juízes foram acompanhando o FSM. Por outro lado, houve o encontro latino-americano em Havana, quando o Hugo esteve presente, também com essa missão. Estive no Uruguai e na Argentina, conversando com colegas uruguaios e argentinos e começamos a pensar sobre a situação dos juízes de cada país. Os contatos com juízes do México e da Bolívia foram repassados através da ALAL. Os trinta anos da ANAMATRA fizeram com que repensássemos a necessidade de nos unir ao redor de uma associação, pois havia juízes na diretiva da associação latino-americana de advogados trabalhistas, por exemplo. A colega perguntou porque há uma associação de juízes do trabalho e outra de juízes de direito. E os colegas cubanos perguntam uma associação especial de juízes, para quê isso? Para eles, deve ser de juristas. Muitas vezes, estamos utilizando a experiência da ALAL, é claro, como no desenvolvimento teórico do Direito do Trabalho. Mas há várias questões que são diferentes, quando não opostas. O colega que irá da Bolívia é membro da Diretoria da ALAL. Eu já cheguei a cobrar do Moro, em tom de brincadeira, para que eles, os advogados, parassem de roubar o “nosso povo”, ou seja, os juízes do trabalho.
HOMERO – O projeto da ANAMATRA se integraria dentro da FLAM.
HUGO MELLO – No paralelo com a realidade brasileira, lá a ANAMATRA por muitos anos era também filiada AMB. Assim como também era a AJUFE que, em dado momento, se retirou e a ANAMATRA, em 2004 também se retirou da AMB, embora das 24 entidades estaduais, sete tenham permanecido. A convivência com a nossa entidade de juízes em geral é muito boa, nas questões que são comuns a todos os ramos do Judiciário. Mas, eventualmente, temos disputas por questões específicas como, por exemplo, a da competência, que em dado momento afastou os juízes do trabalho da justiça comum e federal. Houve desentendimentos sobre isso, mas numa disputa cordial como deve ser nesse ambiente. Na FLAM, o que acontece, tanto na UIM quanto na FLAM, os juízes trabalhistas não tem representação. Desde que saímos da AMB, quando tentamos participar da 4ª comissão, que trata de assuntos sociais e ao argumento de que, só uma entidade pode se fazer representar e a AMB já representaria o Brasil, os demais não tem como ocupar esse espaço. O mesmo acontece na FLAM. O ex-presidente da FLAM, o Guinter, que foi indicação brasileira, que é um colega muito valoroso, preparado, enfim, o fato os juízes do trabalho não participaram da escolha do juiz Guinter para presidir a FLAM. Imagino que teríamos convivência fraterna e leal com os colegas da FLAM, atuaríamos em conjunto na defesa da independência judicial, democratização, transparência do Poder Judiciário, ampliação do acesso à Justiça, são pontos em que estaremos juntos nessa luta e na superação dos problemas que existem hoje. Mas não consta que a FLAM ou a UIM tenham tido participação efetiva nas questões como a de preservação da Justiça do Trabalho onde ela existe (outro tema que, em Havana, preocupou os participantes, especialmente os colegas argentinos, preocupadíssimos que os ataques que a Justiça do Trabalho sofre naquele país). Lembro que há sete anos atrás, houve proposta de extinção da Justiça do Trabalho. Não consta uma mobilização da UIM ou da FLAM nesse sentido. Não consta uma luta em defesa da conservação e ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores, da oposição às tentativas de flexibilização. Essa é uma luta muito própria dos juízes do trabalho, que precisam se organizar em torno disso para chegar a um resultado positivo como a ANAMATRA consegue no Brasil, com muito sacrifício e com a ajuda de muita gente, dos juízes empenhados nesse sentido. Eu diria que o relacionamento com a FLAM será nesse mesmo sentido. Nós vamos cuidar dos temas que nos são mais caros e específicos. E a FLAM cuidará, com o nosso apoio e participação, dos temas que são gerais, também.
GRIJALBO COUTINHO – Gostaria de fazer uma observação a ANAMATRA, nesses 30 anos de existência, ganhou, efetivamente, uma identidade política que a cena política brasileira já reconhece. Mas além disso, além do perfil político diferente, quando há uma questão que envolva todas as entidades, elas se reúnem, vão ao congresso nacional, subscrevem uma mesma nota. Entretanto, lidamos com algo que nos é muito caro, que é o próprio Direito do Trabalho, que sofre ataques cotidianos. Então, temos uma entidade no Brasil que, em tese, congregaria os juízes de todos os segmentos – a AMB, que tem 11.000, sendo que a imensa maioria é composta de juízes estaduais. Assim, a questão afeta ao Direito do Trabalho não tem, muitas vezes, o tratamento preocupado. Hoje, se fosse possível imaginar os juízes do trabalho terem uma entidade submetida a essa despreocupação, seria um desastre, algo inimaginável no Brasil. Porque a ANAMATRA além de ter a sua identidade política, ela cuida de um assunto que é permanentemente atacado e precisa estar mobilizada e em constante processo de mobilização de seus associados. A ANAMATRA representa os juízes do trabalho, mas também da entidade civil organizada, pois se manifesta sobre os mais diversos assuntos colocados na pauta, plebiscito sobre dívida externa, trabalho escravo, trabalho infantil, tudo aquilo que diga respeito ao interesse da sociedade. Tem voz e é reconhecida no cenário político brasileiro. Ao longo do tempo adquiriu esse perfil que já está consolidado na cena política brasileira. Mas temos problemas no Brasil, um modelo de poder judiciário que, quando comparado a outros países da América Latina, podemos perceber que é um modelo de maior penetração, mais democrático, mas ainda não é o ideal. Tanto que temos várias propostas para melhorar ainda mais esse quadro. Assim, penso que a ALJT tem papel fundamental nesse cenário. Se a ALJT tiver filiados no Uruguai, estará preocupada com o modelo do Judiciário. No Brasil fazemos isso, também. Nos preocupamos com tudo aquilo que acontece no Poder Judiciário, seja ele federal, trabalhista ou comum. É nesse sentido que a ANAMATRA se propõe a melhorar seu sistema, trazer novidades boas de Direito do Trabalho e de modelo de poder judiciário para o Brasil e fomentar essa idéia de democracia e independência judicial em todos os locais. Traria um paralelo rápido para explicar essa existência de diversas associações de juízes no Brasil, com a Espanha, onde existem três entidades de classe de âmbito nacional, mas cada um tem o seu foco, embora todas não sejam muito identificadas ideologicamente e nem mesmo isso cria, teoricamente, nenhuma dificuldade no dia-a-dia. Agora, o que não se pode é esconder as nossas divergências e diferenças e a ANAMATRA faz questão de sempre frisar esse aspecto. Quando tem divergência com a AMB ou com a AJUFE, trata de, logo, revelá-la de forma fraterna e direta. Por isso é que entendo que nos 30 anos de existência da ANAMATRA, nada melhor do que criar uma associação latino-americana para cuidar, em primeiro lugar, com a independência judicial e com o Direito do Trabalho na América Latina, composta de países que mais sofrem esse ataque, pois as economias são frágeis, como todos sabemos. A rede de proteção social nesses países periféricos é mínima e qualquer ataque ao direito do trabalho faz projetar efeitos devastadores e dramáticos. Finalmente, sobre a filiação individual, num primeiro momento, imaginávamos que seria possível a filiação de entidades, uma espécie de confederação; contudo, percebemos que pouquíssimos países têm associação de âmbito nacional e, por isso, optamos por criar uma associação com a filiação individual dos magistrados. Contudo, em Brasília, na próxima semana, essa sinalização pode ser modificada dependendo da deliberação dos presentes.
HUGO MELLO – Entendo que nada impede que a AMU se filie como entidade, já que embora represente todos os juízes uruguaios, representa, também, os juízes do trabalho. Não podemos criar um modelo fechado de filiação, descuidando das peculiaridades de cada país, porque poderíamos dificultar a participação de todos que desejem se congregar. Penso que no caso uruguaio, se assim a AMU decidir, seria interessante a associação se filiar à ALJT, embora uma parte pequena tenha um interesse maior nas atividades da nova associação, porque as questões lhe dizem mais respeito. Mas essa pequena parte merece a mesma atenção que todas as demais que compõem a AMU. O estatuto será aberto para prestigiar a participação de todos os colegas latino-americanos. E os colegas uruguaios levarão a Brasília a forma como pretendem se filiar à ALJT e certamente essa modalidade estará contemplada nesse estatuto.
RICARDO FRAGA – A maioria das atividades das associações são comuns, embora haja um que outro ponto de divergência. Isso não nos preocupa, porque temos um ponto que é mais urgente e importante que é a questão do Direito do Trabalho. Se não for para discutir sobre esses temas, eu nem me reúno com colegas para discutir esse assunto. A questão do estatuto precisa ser tratada com criatividade para permitir a participação de todos.
ANABELA DAMASCO – Pensamos que o ataque a qualquer juiz, independente da matéria a qual se dedique, nos afete a todos, não importa onde esteja e o que faça. Simplesmente compartilhamos a luta para inibir essa agressão. Tenho dúvida, entretanto, quanto ao posicionamento político sobre determinados assuntos ligados ao Direito do Trabalho, pois temos nos ocultado em externar opinião a respeito dessas mudanças para deixar bem clara a nossa imparcialidade. Queremos, portanto, ser o mais cuidadoso possível sobre a filiação por conta dessa postura que mantemos. Nós temos amigos, convivemos há dez quinze anos e não conversamos sobre política.
HUGO MELLO – antes de passar a palavra ao colega Jorge Souto, gostaria de deixar claro duas posições. Em primeiro lugar, a ALJT não pretende se imiscuir na luta pela independência judicial que cada associação empreende no âmbito de seu país. Nós queremos que a entidade seja mais uma nessa luta, coordenando a luta pela preservação da Justiça do Trabalho onde ela existe como ramo especializado e a preservação de patamares civilizados de proteção ao trabalhador. Quando falamos em inserção política da ANAMATRA não falamos de política partidária. A ANAMATRA nunca se envolveu em luta política partidária, jamais orientou associado a votar nesse ou naquele candidato, mas ela tem uma consciência política muito clara no sentido da defesa da classe trabalhadora e não fazemos qualquer questão de esconder; pelo contrário, fazemos questão de divulgar: os juízes lutam contra a retirada de mecanismos de proteção do trabalhador e atuamos firmemente dentro do Congresso Nacional, inclusive, quando é preciso, no embate político com os parlamentares fazendo ver os danos que algumas alterações legislativas podem promover na sociedade. Recentemente, há três anos atrás, os juízes tiveram participação decisiva para barrar uma alteração legislativa no Brasil que conduziria à prevalência do negociado sobre o legislado, que foi uma tentativa do governo anterior a este, muito forte e decidida, e que com a participação dos juízes foi barrada no Congresso Nacional. Essa é a postura política da ANAMATRA que todos conhecem e ela não é, necessariamente, condenada, por isso. Aqui e ali, um órgão de imprensa menciona que os juízes são imparciais ou assemelhado, mas nós não entendemos que com essa atuação estejamos abrindo mão da nossa imparcialidade
ANTONIA MARA – Os diretores da ANAMATRA passam muito tempo, durante o dia, dentro do Congresso Nacional, indo de porta em porta, conversando com parlamentares de todos os partidos e acabamos sendo convocados pela projeção política para opinar sobre determinado texto ou proposta de projeto de lei em tramitação. E aí é a ANAMATRA, enquanto entidade dos Juízes, que vai e diz como é que deve ser a lei.
JORGE SOUTO MAIOR – Minha manifestação talvez seja interessante porque não faço parte da ANAMATRA, mas fiquei sabendo pelo Moro, dessa iniciativa. Fui candidato à ANAMATRA na eleição do Pandelot e vocês devem perceber, por essa minha presença e apoio à criação da ALJT, como a gente convive bem. Parece-me que essa idéia da criação da ALJT é uma iniciativa que não pode ser perdida. Se existe a dificuldade do ponto de vista da manifestação local nos mesmos moldes que a ANAMATRA faz no Brasil, talvez até por isso mesmo, uma associação supra-nacional se justifica, para que juízes do trabalho se manifestem sobre questões que, internamente, não teriam condições de se manifestar, por problemas os mais variados possíveis. Os juízes se manifestariam por intermédio de uma associação e, portanto, não teriam questionada a sua imparcialidade. A partir do momento em que existe o convencimento a respeito de que essas questões, mas se sente uma dificuldade na discussão em relação ao problema que a manifestação pode gerar sobre a imparcialidade, conduzir essa discussão no âmbito da ALJT fazendo com que essa expresse uma posição, parece-me que isenta qualquer tipo de risco de natureza política. E essa manifestação política não tem conotação partidária, mas de luta pelo direito. Então, acho que essa idéia é extremamente importante, até do ponto de vista da troca de informações, de experiências. Uma coisa é trocar experiências entre juízes do trabalho sobre Direito do Trabalho e a partir dessa troca de experiências, construirmos uma jurisprudência latino-americana. Não se fala tanto na necessidade de criação de blocos econômicos regionais, pois então, o Direito Social também tem que se internacionalizar. Nada mais importante do que a participação de quem conhece do assunto e quem conhece do assunto são os juízes. Deixar essa discussão nas mãos de economistas que estão travando e pautando os assuntos é entregá-la a quem não entende dessa matéria e com uma perspectiva muito diferente da nossa. Quando acordarmos já não haverá mais o que fazer. Por isso é essencial criarmos a ALJT, e estou dando todo meu apoio para esse fim.
HUGO MELLO – A notícia de criação da ALJT tem propiciado a que colegas da Argentina, mais precisamente de Buenos Aires e arredores, tenham se reunido e discutido a criação de uma associação de juízes do trabalho dessa região. Nada impede que, a partir dessa discussão, aqui hoje realizada, não provoque uma iniciativa dos magistrados do trabalho uruguaios para se reunirem na AMU regularmente para discutir o Direito do Trabalho, em si. Na nossa avaliação, a ALJT terá uma grande utilidade no sentido da troca de experiências e respaldo político aos colegas que, pelo contexto em que vivem, não podem tomar determinadas posições. Nós compreendemos isso. É essa a nossa idéia inicial. Não vamos nos furtar de lutar na defesa das prerrogativas da magistratura, independência e transparência judicial, mas sempre e fundamentalmente, a defesa do Direito do Trabalho.
CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO – Gostaria de deixar alguma palavra dos colegas de Santa Catarina. O movimento de associações, no Brasil, tem esse alcance porque há momentos históricos que o impulsionaram. Passamos por experiências recentes como a CF de 1988, quando a ANAMATRA começou a demonstrar que importância teria ao discutir assuntos que acabaram sendo integradas ao corpo da constituição. Foi possível colocar a opinião dos juízes a respeito dos direitos do trabalhador que passaram a estar ali estabelecidos ou da própria estrutura do Poder Judiciário. Isso é um processo e se nós hoje colhemos frutos, foi pelo trabalho desenvolvido por aqueles que nos antecederam. E se hoje nós temos um controle, uma possibilidade de estar interferindo na própria produção legislativa, é porque foi criado um determinado momento histórico em que a ANAMATRA começou a se fazer ouvir. Acredito que em um determinado momento histórico isso também possa começar a se desenvolver em outros países. E talvez a ALJT possa acelerar esse processo em outros países, e que não haja essa preocupação sobre como os juízes seriam vistos por interferir em questões políticas. Chamo a atenção para mais um detalhe: numa concepção contemporânea de que uma sociedade é uma intérprete de uma Constituição, porque não os juízes também serem intérprete não apenas para interpretar, mas para influenciar a produção do Direito, aquele direito que nós, depois, vamos aplicar. É muito ruim aplicar um Direito mal posto, mal constituído. Então que possamos interferir. E falar em independência do Juiz e defesa das instituições do direito do trabalho é trabalhar em uma mesma perspectiva, de uma sociedade aberta a todo e qualquer intérprete, inclusive os juízes que dariam um grande passo nesse caminho ao criar a ALJT.
HUGO MELLO – Colegas, a organização do evento já nos chama a atenção para o fato de que há uma programação a ser cumprida e creio que para esse primeiro contato, nossa conversa foi muito produtiva. Informamos nossas direções eletrônicas as quais serão distribuídas entre nós, para que prossigamos os debates pela internet. Na próxima quarta feira, às 17h, haverá o Congresso Latino-americano dos Juízes do Trabalho em Brasília e às 10h de quinta-feira, teremos a reunião de trabalho para discutirmos, principalmente, o estatuto da entidade. Seria muito interessante que os colegas uruguaios se juntassem aos colegas bolivianos, cubanos, mexicanos, argentinos, em Brasília, na próxima semana. Enfim, teremos uma boa representatividade nesse primeiro encontro. Por fim, o propósito para essa reunião foi alcançado, agradeço a presença dos colegas uruguaios, passando a palavra ao nosso presidente para encerrar.
JOSÉ NILTON PANDELOT – cumpre a mim encerrar essa atividade nessa tarde, reafirmo a importância da participação dos colegas uruguaios na discussão e construção dessa ALJT que eu costumo enaltecer como uma entidade de discussão do Direito Social. Essa nossa reunião trouxe à tona, um aspecto que se tem repetido nos anos em que a magistratura resolve interferir na sociedade e na política de um modo geral. Cito um exemplo que me ocorre: em 1976, em SP, um grupo de juízes do trabalho preocupados coma falta de liberdade e com o temor de que fossem acusados de perder a imparcialidade no processo, e tendo isso como fundamento, resolveram constituir uma associação de âmbito nacional no Brasil, para que essa associação falasse em nome deles, que fosse a voz política da magistratura, bem distinta. Juiz no processo é uma coisa; e o juiz fora do processo, mas dentro da associação é um cidadão como qualquer outro. E essa associação faz trinta anos. Hoje somos 24 associações de juízes do trabalho, reunidas em torno da ANAMATRA. Esses juízes têm a necessidade de se reunir para fazer a defesa do próprio associativismo, da independência judicial, do Direito do Trabalho e do Judiciário Especializado do Trabalho. Essas constituem uma grande motivação para que nos encontremos novamente na semana que vem, em Brasília. A participação dos juízes uruguaios no nosso pensar é fundamental e conto com a ida de vocês à Brasília onde estaremos esperando a todos de braços abertos.
CARTA DE MONTEVIDÉU (PT)
Os Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul, reunidos no XIX Encontro Regional da AMATRA IV, na cidade de Montevidéu, nos dias 20 a 23 de setembro de 2006, debateram a realidade do Direito do Trabalho, firmando os seguintes compromissos:
a) Reafirmar o princípio da proteção como estrutura vertebral do direito e do processo do trabalho;
b) Compreender o processo do trabalho como instrumento de eficaz realização do direito material, sendo dele indissociável;
c) Efetivar os direitos trabalhistas, compreendendo-os como direitos humanos fundamentais, conferindo eficácia imediata aos direitos trabalhistas contidos na Constituição Federal, e lutar pela sua preservação no texto constitucional;
d) Denunciar a flexibilização como subproduto do regime de produção capitalista, em nome do qual não podem ser sacrificados os direitos do trabalhador;
e) Resistir à precarização das relações de trabalho, ao processo de terceirização da mão-de-obra, à fragilização do movimento sindical, que gera o enfraquecimento da capacidade de negociação coletiva, e à interpretação flexibilizadora, que inverte a lógica protetiva do Direito do Trabalho;
f) Reafirmar o combate ao nepotismo em todas as esferas da administração pública;
g) Implementar o intercâmbio cultural e associativo entre os operadores jurídicos no âmbito do Mercosul, incentivando a criação da associação latino-americana dos Juízes do Trabalho;
h) Afirmar que as prerrogativas constitucionais da magistratura constituem condição de possibilidade para a independência do Juiz, pressuposto do Estado Democrático de Direito e instrumento de construção da República.
Cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai, 23 de setembro de 2006.
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO DO RIO GRANDE DO SUL – AMATRA IV
CARTA DE MONTEVIDEO (ES)
Los Jueces del trabajo de Rio Grande do Sul, reunidos en el XIX Encuentro Regional de la AMATRA IV ( Asociación de Magistrados del Trabajo de la 4ª Región ), en la ciudad de Montevideo, los días 20 a 23 de setiembre de 2006, debatieron la realidad del Derecho del trabajo, firmando los siguientes compromisos:
a) Reafirmar el principio de protección como estructura vertebral del Derecho y del proceso del trabajo;
b) Comprender el proceso del trabajo como instrumento de realización eficaz del Derecho material, siendo indisociable de él;
c) Efectivizar los derechos laborales, entendidos como derechos humanos fundamentales, reconocer eficacia inmediata a los derechos laborales contenidos en la Constitución y luchar por su preservación en el texto constitucional;
d) Denunciar la flexibilidad como subproducto del régimen de producción capitalista, en nombre del cual no pueden ser sacrificados los derechos del trabajador;
e) Resistir la precarización de las relaciones de trabajo, la fragilización del movimiento sindical que genera el debilitamiento de la capacidad de negociación colectiva y la interpretación flexibilizadora, que invierte la lógica protectora del Derecho del trabajo;
f) Reafirmar el combate al nepotismo en todas las esferas de la administración pública;
g) Implementar el intercambio cultural y asociativo entre los operadores jurídicos en el ámbito del Mercosur, promoviendo la creación de la asociación latinoamericana de Jueces del trabajo;
h) Afirmar que las prerrogativas constitucionales de la magistratura constituyen condición de posibilidad para la independencia del Juez, presupuesto del Estado democrático de Derecho e instrumento de construcción de la República.
Montevideo, Republica Oriental del Uruguay, 23 de septiembre de 2006.
ASOCIACIÓN DE MAGISTRADOS DE LA JUSTICIA DEL TRABAJO DE RIO GRANDE DO SUL – AMATRA IV
MOÇÃO DE SOLIDARIEDADE
Os participantes do XIX Encontro dos Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul, reunidos em assembléia, vêm a público manifestar sua profunda consternação diante do lamentável acidente ocorrido no dia 21/09, na Rua Juncal, a uma quadra da sede do nosso evento, no qual dois trabalhadores foram mortos e outro restou gravemente ferido, enquanto exerciam sua atividade laboral na restauração do prédio do ex-hotel Juncal.
O fato demanda minudente investigação, com apuração das responsabilidades, atendimento às vítimas e aos seus familiares, pagamento de justa indenização por acidente de trabalho e, sobretudo, adoção de medidas de segurança que evitem sua repetição, conforme mecanismos previstos na legislação uruguaia.
Por fim, os participantes apresentam às famílias enlutadas sua irrestrita solidariedade.
Montevidéu, República Oriental do Uruguai, 23 de setembro de 2006.
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO DO RIO GRANDE DO SUL – AMATRA IV
DECLARACIÓN DE SOLIDARIDAD
Los participantes del XIX Encuentro de los Jueces del Trabajo de Rio Grande do Sul, reunidos en asamblea, manifiestan su profunda consternación ante el lamentable accidente ocurrido el día 21 de setiembre de 2006 en la calle Juncal de la ciudad de Montevideo, a una cuadra de la sede de nuestro congreso, en el cual dos trabajadores perdieron la vida y otro quedó gravemente herido, mientras ejercían su actividad laboral en la restauración del edificio del ex Hotel Juncal.
El hecho requiere acuciosa investigación con determinación de responsabilidades, atención a las víctimas y a sus familiares, pago de justa indemnización por accidente de trabajo y, sobre todo, adopción de medidas de seguridad que eviten su repetición, de conformidad con los mecanismos previstos en le legislación uruguaya.
Finalmente, los participantes ofrecen a las familias enlutadas su irrestricta solidaridad.
Montevideo, República Oriental del Uruguay, 23 de septiembre de 2006.
ASOCIACIÓN DE MAGISTRADOS DE LA JUSTICIA DEL TRABAJO DE RIO GRANDE DO SUL – AMATRA IV
Homenagem a Américo Plá Rodriguez
A notícia do falecimento do prof. Plá Rodriguez por si só é um momento de tristeza e reflexão.
Tristeza porque o Direito do Trabalho perde um grande pensador e humanista, cuja abordagem ultrapassava as fronteiras do conhecimento jurídico e penetrava, com profundidade, na filosofia, economia, sociologia, entre outros.
Reflexão porque nos faz repensar no sentido do exercício de nossa profissão. No meio de tantas tarefas do dia-a-dia, muitas vezes nos falta tempo para refletir sobre temas que cobram ações decorrentes do nosso compromisso e responsabilidade de melhorar a sociedade em que vivemos.
Nesses tempos de desapego a valores mais profundos, vale o exemplo de um homem que dedicou sua vida ao Direito do Trabalho, legando rica contribuição para que outras gerações reflitam sobre os valores do trabalho e da dignidade humana, com um posicionamento científico, sem a tentação de um discurso panfletário e inconsistente.
A 7ª Edição dos Cadernos da AMATRA IV homenageia o Prof. Américo Plá Rodriguez, sendo essa uma forma de expressar o sentimento de tristeza por uma perda tão relevante e, ao mesmo tempo, de esperança de que a sua obra continue a iluminar nossa caminhada.
Porto Alegre, 23 de julho de 2008.
Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul