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Prestes a entrar em vigor, ponto eletrônico ainda gera polêmica


A maioria das empresas brasileiras aguarda definições quanto à formatação do novo registrador de jornada de trabalho

Medida foi adiada por duas vezes para dar mais tempo de adaptação a empresas

POR GILVÂNIA BANKER

MARCO QUINTANA/JC

Por determinação do Ministério do Trabalho, a obrigatoriedade da utilização de um novo sistema de relógio ponto aos trabalhadores brasileiros passa a vigorar a partir de amanhã, 1 de setembro. A implementação já foi adiada duas vezes. As regras começariam a valer no dia 26 de agosto de 2010, depois foram transferidas para 1 de março de 2011 e novamente postergadas em função da polêmica. A Portaria 1510/2009 obriga empresas com mais de 10 funcionários que já utilizem um registrador eletrônico a utilizar o novo equipamento, o Registro Eletrônico de Ponto (REP), que entre outros sistemas de segurança, possibilita ao empregado imprimir um comprovante do horário de entrada e saída do trabalho. Porém, na semana passada, dia 24 de agosto, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania rejeitou um item da Portaria que prevê a obrigatoriedade da impressão do comprovante. O Projeto de Decreto Legislativo (PDS 593/10) foi aprovado em decisão terminativa. O argumento dos deputados baseia-se no alto custo para as empresas que são obrigadas a adquirir um novo equipamento para imprimir o comprovante.
De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), cerca de 700 mil empresas em todo o Brasil utilizam sistema eletrônico, mas, segundo o Dieese, apenas 100 mil delas trocaram o programa para o novo formato.
Desde a edição da portaria, entidades representativas do empresariado, dos trabalhadores e dos juízes trabalhistas estudam as propostas de software adequado para o ponto. Mas, por falta de acordo entre as partes envolvidas e o Ministério do Trabalho, a obrigatoriedade do REP vem se arrastando. Apesar das divergências, governo e empresas que se adequaram às exigências acreditam que o novo sistema de controle de jornada diminuirá as inúmeras reclamações trabalhistas, pois esta é a razão pela qual o REP foi desenvolvido, de modo a diminuir os processos nos tribunais regionais.
As informações internas do registrador podem ser retiradas do computador do relógio apenas com um pendrive colocado na entrada USB. E quem pode coletar os dados é somente o responsável pela área de Recursos Humanos da empresa ou o fiscal do Ministério do Trabalho. De acordo com dados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região do Rio Grande do Sul, em 2010, as 115 Varas do Estado registraram 125.455 processos trabalhistas. Neste ano, até 31 de julho, as reclamações alcançavam 79.952 processos em primeiro grau.
O presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região, Marcos Fagundes Salomão, tem convicção de que o REP irá reduzir as reclamações trabalhistas. Segundo ele, cerca de 50% das demandas incluem pedidos referentes a pagamento de horas extras. “O sistema tradicional contém falhas exatamente pelo fato de ser o empregador o único detentor do registro. Isso ocasiona contestações, sendo comum a produção de prova testemunhal para demonstrar o horário de trabalho, em que pese haver registro”, observa. O juiz explica que o empregado terá o seu comprovante e deverá guardá-lo para eventual discussão acerca do pagamento das horas trabalhadas. “Essa é a grande inovação e é um avanço”, justifica, seguro de que os empresários irão adotar o sistema.

Regras para o cadastro do novo registrador
De acordo com a legislação publicada em 2009, o empregador que optar pelo uso do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto (SREP) deve obrigatoriamente se cadastrar no Ministério do Trabalho e Emprego. Há algumas regras para o Cadastro do REP (Carep). Segundo o advogado e sócio do Gaiofato Advogados Associados, Alexandre Gaiofato de Souza, os empregadores que utilizarem o novo sistema devem informar, por meio da internet, os dados cadastrais e os relativos ao ponto, conforme exigência da lei. Segundo ele, o cadastramento é uma forma de o ministério obter o número exato de aparelhos utilizados nas empresas.
Para o advogado, existem vantagens no novo sistema, e a principal delas é o controle feito pelo próprio interessado: o empregado. Mas há também algumas desvantagens. Uma delas é o elevado número de papéis que serão utilizados para alimentar estes aparelhos no dia a dia, além do alto valor do equipamento e da sua instalação.


Bauducco aposta na segurança dos funcionários

A implantação do novo ponto eletrônico exigiu planejamento, adaptação, treinamento e custos para a Pandorata Alimentos Indústria e Comércio Ltda, mais conhecida como Bauducco. O analista de Recursos Humanos David Azevedo Bueno conta que os funcionários responsáveis pela área passaram por diversos treinamentos, como cursos e palestras para entender a novidade. A empresa implantou o sistema há três meses e Bueno diz que o soft-ware é muito eficiente, trazendo segurança à instituição e ao trabalhador.  A vantagem, segundo ele, é que o empregado tem mais tranquilidade e se sente “blindado”. “Ficou mais fácil até para o fiscal, que não precisa mais nem do auxílio de um colaborador para colher os dados”, comemora.
Estão em funcionamento nas duas fábricas de Guarulhos dez relógios e mais cinco no setor administrativo. Bueno percebeu diferenças com a utilização dos novos aparelhos e afirma que, apesar do pouco tempo em que foi instalado, a administração sentiu uma melhoria na rotina do trabalhador. “Sem dúvida alguma, o sistema traz maior credibilidade para o dia a dia empresarial, evitando desconfortos entre o empregador e o funcionário. Esse sistema evita fraudes e, com isso, vai diminuir os processos trabalhistas. Com o trabalhador recebendo em mãos os comprovantes do seu ponto, ele se sente mais confiante”, afirma Bueno. Para o analista, independentemente dos gastos iniciais, esse é um projeto no qual a empresa gasta com o equipamento, e não com a imagem negativa em processos jurídicos.

Ambev investiu cerca de R$ 1 milhão no novo sistema
A empresa líder na fabricação de cervejas no Brasil iniciou o processo de implantação do relógio ponto em 2009, tão logo divulgada a Portaria 1510, mas a conclusão efetiva aconteceu em 1 de julho de 2011. O novo sistema beneficiou os 23 mil funcionários com controle de jornada, dentro dos 71 centros de distribuição e 40 fábricas espalhadas em todo o País. No Rio Grande do Sul, são 3 mil trabalhadores que  registram a entrada e saída da instituição com o ponto eletrônico. O investimento da empresa chegou a R$ 1 milhão, fora os gastos com manutenção dos equipamentos.
A troca foi bastante complexa, segundo o gerente corporativo do Departamento Jurídico, Caio Ramos. “O sistema anterior já era bom, mas não tinha entrada de USB nem o comprovante em papel. Estamos confiantes na nova formatação”, comenta. Apesar disso, Ramos não vê necessidade na impressão do comprovante que fica com o trabalhador, pois, de acordo com ele, a maioria das pessoas acaba colocando o certificado no lixo.
Segundo ele, a Ambev decidiu investir num sistema mais seguro, como forma de proteção, pois acumula inúmeros processos trabalhistas, que, segundo ele, prejudicaram a empresa, pois os laudos, muitas vezes, não eram conclusivos e acabavam não conseguindo provar a versão da empresa.

Preço do equipamento é um dos entraves
A demora na implantação do novo sistema que promete melhorar a relação patrão e empregado esbarra no alto custo do relógio ponto e na complexidade do software, além da incredulidade de algumas entidades de que o REP seja efetivamente seguro e inviolável. De acordo com o primeiro-vice-presidente da Fecomércio, Luiz Carlos Bohn, não há garantia de que o equipamento não possa ser adulterado. Segundo a portaria, as empresas que possuem este programa não necessitam de provas testemunhais em tribunais. “O trabalhador pode bater o ponto e continuar trabalhando, por isso, ainda é necessário a prova testemunhal”, rebate Bohn.
De acordo com o diretor da Força Sindical no Rio Grande do Sul, Luis Carlos Barbosa, a medida é uma proteção aos trabalhadores e, segundo ele, o novo formato é bem mais seguro, sem chances de fraudes. “Com isso temos a convicção de que este projeto dará segurança aos trabalhadores e ao Judiciário”, comenta Barbosa.  
Porém, apesar de considerar positiva a iniciativa em defesa dos trabalhadores, Bohn diz que essa nunca foi uma reivindicação dos empregados, e sim dos juízes do Trabalho. Segundo ele, existem registradores mecânicos no mercado que cumprem a função e saem bem mais em conta para o empresário. Ele critica a falta de assistência dos fabricantes do REP na instalação do produto. “O equipamento é tão complexo que o comprador quer a garantia de que realmente funciona e os fabricantes não se comprometem com a instalação”, reclama.
Se a determinação não for prorrogada novamente, as empresas não podem mais utilizar nenhum relógio eletrônico que não esteja dentro dos padrões do Ministério do Trabalho. Bohn acredita que, enquanto não houver definições no REP, o antigo cartão ponto pode voltar ao mercado. “Quem usa o mecânico não precisa se preocupar”, explica ele, mesmo considerando isso um retrocesso. “Nós queríamos a revogação total da portaria, mas isso foi difícil”, explica. Mesmo assim, o vice-presidente acredita que, para o novo ponto ser adotado, precisa haver confiança de que ele realmente funciona. Por isso, para ele, seria interessante que a adoção fosse optativa às empresas. “Hoje elas precisam de um acordo coletivo com o sindicato dos trabalhadores para ter um relógio alternativo”, salienta.

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