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Sobre o Ato de Julgar

Recentemente causaram polêmica decisões judiciais trabalhistas que visaram – atendendo pedido cautelar de sindicato que congrega os atletas profissionais do Rio Grande do Sul – a proteger a saúde destes trabalhadores e, de forma oblíqua, os demais profissionais e torcedores, que também sofriam os efeitos nocivos do sol inclemente que assolou nosso Rio Grande do Sul. Houve descontentamento de empresas de radiotelecomunicação  e também por parte de clubes de futebol, especialmente os mais humildes que contam com a remuneração que advém do televisionamento para honrar compromissos diversos, etc e tal.

Agora,  causam polêmica decisões judiciais que, atendendo pedido patronal, concederam interditos proibitórios em Caxias do Sul, o que prejudica, senão inviabiliza, na visão dos trabalhadores, o movimento grevista que pretende negociar a participação nos resultados da empresa – PPR.


Ainda que por demasia, convém lembrar que a intervenção do Judiciário só ocorre por solicitação da parte que se considera prejudicada pela conduta de outrem, bem assim que na Justiça do Trabalho, social que é, historicamente é buscada a via da conciliação, com a mediação do juiz que tem o dever de fazer observar os limites legais e éticos do consenso que venha a por fim ao conflito.

Impende debruçar-se sobre a questão que envolve a  transcendência das decisões judiciais, tendo em conta que é o Poder Judiciário, de fato, o poder mais hermético dos três que sustentam o Estado Democrático de Direito.  Hermético por razões culturais, porque não é dado ao juiz o direito a falar sobre caso concreto, exceto nos autos do processo que esteja sob sua jurisdição, e tampouco lhe é permitido emitir opinião sobre caso conduzido por outro magistrado. Ossos do ofício de quem tem o poder-dever de julgar. Que tem a obrigação funcional de decidir, cuidando da celeridade, ainda que não exista lei ou convenção sobre a questão posta, observando o que é justo e adequado para solucionar o conflito, quando as partes não chegarem por si ao consenso.

O juiz, especialmente o de primeiro grau, aquele que primeiro conhece o processo, vivencia seu oficio solitariamente. Encerradas as audiências e concluídos os despachos de cada dia,  deverá o magistrado, na solidão de seu gabinete, no foro ou em casa, sentenciar, ato que dificilmente não é sofrido, pois implica luta quotidiana em busca da verdade, da razão, do direito e da justiça.  Tarefa que é fonte de alegria e satisfação pelo sentimento de dever cumprido,  mas também de angústia, e somente quem vivencia a responsabilidade da decisão disso tem plena ciência.

Todavia, é no  segundo grau que se pode vivenciar  na plenitude a decisão que não tenha a solidão como companhia, uma vez que o trabalho em Colegiado implica democrática divisão da responsabilidade, ancorada  no debate que se dá em sessão pública, em que cada magistrado tem a oportunidade de aprender e ensinar, convencer e convencer-se.  Não raras vezes, ceder, resistir, insistir, retroceder ou  avançar, em processo dialético que deve chegar ao consenso, ou pelo menos, resultar no pensamento médio do órgão julgador e que, portanto, contém rasgos importantes de  humildade e solidariedade.

Concluo, destas breves considerações sobre a judicatura, que, individual ou coletivamente, faz parte do poder de julgar o desagradar. E isso porque ao  decidir o juiz tem que tomar partido e não pode ficar em cima do muro.

Carmen Izabel Centena Gonzalez – Desembargadora Federal do Trabalho
(O Sul, Caderno Colunistas, p. 3, 28/02/2010)

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