Ações na Justiça do Trabalho geraram R$ 298 milhões aos cofres públicos em 2017
Em entrevista ao Jornal do Comércio, a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), desembargadora Vania Cunha Mattos, apontou o quanto a corte é essencial, ao defender direitos constitucionais com agilidade e, ainda, gerar recursos para os cofres públicos – em 2017, R$ 298,3 milhões foram arrecadados a partir de ações trabalhistas, por meio de contribuições previdenciárias, Imposto de Renda, custas e multas. A veiculação da entrevista ocorreu na edição de 6/3.
A defesa da extinção da Justiça do Trabalho é “conversa para quando não se tem assunto”. É dessa forma que a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), desembargadora Vania Cunha Mattos, define o polêmico tema. Em entrevista ao Jornal do Comércio, a magistrada apontou o quanto a corte é essencial, ao defender direitos constitucionais com agilidade e, ainda, gerar recursos para os cofres públicos – em 2017, R$ 298,3 milhões foram arrecadados a partir de ações trabalhistas, por meio de contribuições previdenciárias, Imposto de Renda, custas e multas. “No ano 2000, o senador Antônio Carlos Magalhães (DEM-BA) já defendia a extinção. Estamos em 2018, e a Justiça do Trabalho não foi extinta. De vez em quando, quando o País não sabe resolver suas crises econômicas e financeiras, volta a ideia de que a culpada de todos os males do Brasil é a Justiça do Trabalho”, ironiza Vania.
A presidente do TRT-4 deixa claro que a corte só existe porque há descumprimento das leis. “Como vai se imaginar que, extinguindo a Justiça do Trabalho, vão desaparecer as lides trabalhistas? Isso é uma falácia sem fundamento e sequer argumento.” Desde a Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, a Justiça do Trabalho passou a arrecadar, em seus processos, valores destinados à Previdência Social e para o Imposto de Renda. “A estrutura é de quem? Pensa que é da Previdência, ou da Receita Federal? É exclusivamente da Justiça do Trabalho: varas, juízes e equipamentos”, ressalta a desembargadora. A arrecadação de 2017, de R$ 298,3 milhões, veio de pagamentos de R$ 2,38 bilhões a trabalhadores que tiveram direitos reconhecidos pelo TRT-4. O orçamento anual do tribunal foi de R$ 1,9 bilhão. “Nem um centavo do arrecadado foi desviado de sua finalidade. A função arrecadadora da Justiça do Trabalho é algo que quem defende sua extinção sequer raciocina, porque em qual outro lugar há uma arrecadação dessas sem nenhum custo para o Estado?”, questiona Vania.
A desembargadora acha curioso que, ao contrário da Justiça do Trabalho, ninguém nunca pensou em extinguir a Justiça Federal, que tem a competência de julgar ações previdenciárias, muitas vezes multimilionárias. “As varas da Justiça Federal são milionárias e têm uma quantidade enorme de ações de segurados que vão atrás de seus direitos”, salienta. Dos casos ajuizados nas varas trabalhistas gaúchas em 2017, 60,1% trataram de verbas rescisórias, como pagamento de aviso prévio, férias proporcionais, férias vencidas, 13º salário proporcional, depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), multa de 40%, liberação do FGTS e seguro-desemprego. “Essa é a falência das empresas, que botam os empregados na rua, e não pagam direitos mínimos. O empregador só tem a obrigação de pagar e dar a guia para o funcionário, mas ele não dá, porque sequer pagou, e aí o trabalhador tem que ir para a Justiça do Trabalho. E aí a culpa é de quem? Da Justiça ou da empresa?”, critica a presidente do TRT-4.
Produtividade em 1º grau aumentou 4% no ano passado
O balanço da Justiça do Trabalho aponta produtividade 4% maior em 1º grau na corte no ano passado. O motivo, conforme Vania, é simples: os juízes estão trabalhando. “Os colegas são ágeis, e agora está havendo uma grande intensificação nas conciliações. Isso ajuda, porque dá agilidade ao processo”, afirma. A conciliação pode acontecer em todos os momentos da ação, desde a audiência inicial, até depois do recurso ordinário, ou mesmo quando o processo está em 2º grau, para se examinar se subirá ou não para o Tribunal Superior do Trabalho (TST). “Em todos os momentos, as partes podem chegar e dizer que querem acordar o processo. Às vezes, tu vais a uma audiência para tentativa de conciliação lá na execução, e ainda se chega a uma composição.” A Justiça do Trabalho, originalmente, era chamada de Junta de Conciliação e Julgamento. “A Justiça do Trabalho sempre foi a Justiça da conciliação, em que primeiro havia conciliação e, só depois, julgamento. Quando as juntas foram extintas, viramos varas, mas a vertente conciliatória permanece, pois é a única maneira de equalizar o nosso movimento imenso de processos”, revela a desembargadora.
A projeção para 2018 é investir na interiorização da conciliação, tanto no 1º como no 2º grau. Haverá novos núcleos em Gravataí, Passo Fundo, Caxias do Sul e Santa Maria. ‘Em um país como o nosso, é melhor que tudo esteja na Constituição’ Os acidentes de trabalho eram julgados pela Justiça comum até a publicação da Emenda Constitucional nº 45, quando passaram a ser competência da Justiça do Trabalho. “Excelente, porque é uma Justiça mais ágil. Processos complexos, no qual há perda de membros ou mesmo mortes, que demoravam 10 anos, agora são resolvidos em dois”, pontua Vania. A presidente do TRT-4 lembra de uma ocasião em que julgou um caso envolvendo um sujeito que trabalhava no telhado de um lugar sem os equipamentos de segurança devidos. Quando caiu, morreu. A família entrou com uma ação. “Isso aconteceu simplesmente porque faltou a empresa cumprir a lei. A empresa foi autuada pelo Ministério Público do Trabalho depois da morte do funcionário. Talvez, se tivesse sido autuada antes, ele não tivesse morrido”, provoca. É por situações como essa que a magistrada considera fundamental que determinadas normas trabalhistas estejam declaradas na Constituição de 1988. “Muita gente achou, na época, que aquelas normas deveriam estar em leis ordinárias. Parecia que os constituintes estavam adivinhando o que viria, porque agora o que está na Constituição prevalece no confronto com outras legislações”, observa.
O artigo 7º da Constituição estrutura os direitos trabalhistas e dá garantias que, segundo Vania, há muito tempo, eram decididas em normas coletivas e dissídios. “A experiência demonstrou que era importante que aquelas normas estivessem dentro da Constituição, por serem benefícios dos trabalhadores, como a proteção à empregada gestante. O próprio Ulysses Guimarães, quando promulgou a Carta Magna, disse que aquela era uma Constituição cidadã”, lembra. Para a presidente do TRT-4, determinadas normas precisam estar na Constituição para que o empregador não possa simplesmente decidir que vai descumpri-las, porque, se o fizer, isso vai ser considerado inconstitucional. “Sempre se criticou isso, mesmo na época, mas sempre houve a ideia de que é melhor que, em um país como o nosso, tudo esteja na Constituição”, avalia.
Por Isabella Sander
Foto: Secom/TRT-RS