Notícias

Super-Quatro-Meia-Um contra o baixo astral!

Leia o artigo escrito por Maurício Machado Marca, juiz do Trabalho e Tiago Mallmann Sulzbach, juiz do Trabalho substituto (ambos do TRT-4), publicado no site Espaço Vital.

Recentemente um artigo nos chamou a atenção. Aparentemente, o articulista criticava a Justiça do Trabalho em razão de sua ação na greve dos rodoviários. Dentro das considerações, afirma que as desembargadoras que atuaram no caso “pareciam desconhecer” o art. 461, § 5º, do CPC, que permitiria ordenar o retorno dos grevistas ao trabalho ou fazer cumprir a ordem de “forma específica”.

Publicação em 14.02.14

Por Maurício Machado Marca, juiz do Trabalho e Tiago Mallmann Sulzbach, juiz do Trabalho substituto (ambos do TRT-4)

Recentemente um artigo nos chamou a atenção. Aparentemente, o articulista criticava a Justiça do Trabalho em razão de sua ação na greve dos rodoviários. Dentro das considerações, afirma que as desembargadoras que atuaram no caso “pareciam desconhecer” o art. 461, § 5º, do CPC, que permitiria ordenar o retorno dos grevistas ao trabalho ou fazer cumprir a ordem de “forma específica”.

Aparte à deselegância com que tratou duas magistradas do mais alto gabarito, o articulista nos iluminou com a sua sapiência e pleno domínio do conflito capital-trabalho ao propor a sua solução para o caso.

Mas, é claro! Como é que nós não percebemos antes a “forma específica”? Bastaria adotá-la que a greve cessaria! Como foi que não se pensou nisso! Audiências de mediação, assembleias, reuniões para quê? Mas qual seria essa forma específica do quatro-meia-um?

Determinar a contratação de substitutos (algo bem simples de fazer no mundo dos fatos, visto que nada é mas fácil do que treinar uns quatro mil motoristas e outros quatro mil cobradores de ônibus), chamar a polícia para obrigar os grevistas a trabalhar (igualmente algo simples, visto que a Constituição da República não veda o trabalho escravo) ou, quem sabe, obrigar os patrões a ceder às reivindicações, também uma medida de singela execução, visto a facilidade com que a matéria referente ao cálculo da passagem foi feito nos últimos dias (sem qualquer tumulto)?

Bom, não vem ao caso. Pensar nos fatos sociais atrapalha o jurista.

Voltemos ao quatro-meia-um.

Pensando em retrospectiva, bastaria ignorar uns 200 anos de evolução do Direito Sindical no mundo, para chegarmos à conclusão de que os sindicalistas, historicamente, resistiram à opressão do Estado para fazer com que o direito de greve passasse da repressão, à tolerância, para, finalmente, chegar na fase de seu reconhecimento no ordenamento jurídico.

Ah, mas eles não conheciam o quatro-meia-um! Nem as suas “medidas necessárias” e a sua “forma específica” de cumprimento!

Eles até podem ignorar decisões judiciais que os “obrigavam” a parar a greve nos anos 1980, ter apanhado da polícia, lutado contra a ditadura militar, alguns até podem ter morrido em nome da sua causa… Mas não teriam força para lutar contra uma “forma específica ou medida equivalente” do quatro-meia-um.

Como é que “parecemos desconhecer” tanto tempo essa realidade?

Temos certeza que os rodoviários de Porto Alegre não resistiriam a uma “medida necessária”. Ou a uma “forma específica”. Ah, isso não!

Quatro-meia-um: o exterminador de greves!

Aliás, pensando na sugestão do articulista, poderíamos expandir a questão. Bastaria que se expedisse uma ordem judicial que obrigasse o governador do Estado a acabar com o problema do Presídio Central, sob pena de se adotar uma “forma específica”! Claro! Ou, então, no âmbito federal, expedir uma outra ordem judicial que obrigasse a presidenta da República a acabar com a desigualdade social, sob pena de que? De se cumprir a ordem de “forma específica”, é óbvio!

Como foi que não pensamos nisso antes?

Estamos exultantes em imaginar um Governo de Medidas Necessárias de Forma Específica! Nós, os juízes, no âmbito estadual, federal e da Justiça do Trabalho, poderíamos terminar com todos os problemas desse jeito! Como é que “parecemos desconhecer” isso tanto tempo?

Pensando em perspectiva, aliás, quem sabe não façamos a expansão dessa nossa genial ideia para o mundo? Guerra Civil no Sudão? “Forma específica” ou “medida necessária” de um juiz sudanês.

Paz no Oriente Médio? “Forma específica” ou “medida necessária” de um juiz israelense e outro palestino (neste caso, seria melhor a cooperação judicial internacional entre os magistrados).

Crise econômica no mercado comum europeu? “Forma específica” ou “medida necessária” de um juiz comunitário.

Pronto.

Pedimos aos céus que perdoem nossa ignorância! Daqui em diante, todos os nossos processos serão resolvidos com base no Super-Quatro-Meia-Um!

Como é que não tínhamos percebido isso antes… Esses juízes do trabalho… Tsc, tsc, tsc…

Só para finalizar, talvez o Tribunal Regional do Trabalho não tenha se valido de requisição de “força policial” para resolver a greve por não ignorar que a violência patrocinada pelo Estado contra as classes trabalhadoras remonta a período histórico anterior à primeira guerra mundial, sendo flagrantemente uma de suas causas.

Aliás, não foi por outra razão que o mundo civilizado se reuniu para celebrar o Tratado de Versalhes em 1919 e, junto com ele, fundar a Organização Internacional do Trabalho, que preconiza, antes de tudo, “a convicção primordial de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social” (extraído do sitio da OIT no Brasil – www.oit.org.br acessado em 13/02/2014).

A Justiça do Trabalho pode “parecer desconhecer” muitas coisas, mas dentre elas não está a plena ciência de que, atrás de cada processo, existe um conflito, este sim muito mais difícil de resolver do que pode indicar a mera interpretação cerebrina das regras processuais.

Não é ignorando mais de cem anos de evolução do Direito do Trabalho que iremos solver o conflito em questão.

 

tmsulzbach@hotmail.com

Fonte: Espaço Vital

Compartilhamento