A mulher não deve se limitar ao que se espera a partir de uma cultura patriarcal
“Mulheres no poder”: AMATRA IV entrevista a desembargadora do TRT-RS Tânia Reckziegel.
A magistrada é a primeira desembargadora do Trabalho a ocupar a cadeira de Conselheira no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Qual o papel do ensino na sua ascensão profissional?
O ensino é fundamental para qualquer avanço profissional, pois é a partir dele que, além do conhecimento técnico-científico que se adquire, a pessoa trabalha a sua formação integral. Diria que é a porta de entrada para a ascensão em todos os aspectos da nossa vida. Nesse sentido, tenho por certo que todo o ensinamento que adquiri ao longo da vida – que transcende o meio acadêmico – foi essencial para todas as fases profissionais pelas quais passei. Sempre tive muita vontade de estudar e aprender, tanto que estava alfabetizada aos quatro anos de idade e estudo até hoje, com o Doutorado em andamento.
O concurso público é uma forma de buscar igualdade de gênero no mundo profissional?
Eu optei por seguir caminhos distintos do concurso público na minha vida profissional. Entendo que a igualdade de gênero profissional deve ser buscada em suas mais variadas formas. Com certeza, o concurso público se revela uma dessas formas, pois é meio de garantir imparcialidade no ingresso dos candidatos e das candidatas. Na minha vida, profissional e pessoal, sempre batalhei pela equidade de gênero em todas as esferas. Alcancei patamares de liderança a partir do enfrentamento de situações que poderiam vir a gerar receio na tentativa. Cito como exemplo a minha própria inscrição para a vaga de Conselheira do CNJ.
Quais os três principais desafios enfrentados na construção de ser uma mulher expoente em sua área profissional?
Como primeiro desafio eu citaria o enfrentamento dos receios que a própria sociedade cria sobre a mulher. Digo, a mulher não deve se limitar ao que se espera a partir de uma cultura patriarcal. O segundo desafio que eu citaria seria a constante resiliência. Há diversos obstáculos que podem nos impedir de alcançarmos o que desejamos, mas o desafio está em lidar com esses obstáculos, resistindo às pressões de situações adversas. O último desafio é não se abater pelos “nãos” apresentados ao longo da vida, saber entendê-los, com certeza, mas também saber ultrapassá-los quando houver outros caminhos.
Acredita que houve evolução na questão de gênero desde o início de sua trajetória profissional? No geral, observa que as mulheres no mercado de trabalho caminham hoje por uma estrada com menos obstáculos?
Com certeza. Essa evolução social vai ocorrendo, ainda que paulatinamente, a partir do reconhecimento pela mulher de sua força, interna e externa, e, consequentemente, da visão obtida pela sociedade do poder da mulher. Hoje, vemos mulheres em cargos de liderança que, tempos atrás, não víamos. Alcançamos, inclusive, a Presidência da República. No Conselho Nacional de Justiça, com a posse da Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura no cargo de Corregedora Nacional de Justiça em 08 de outubro de 2020, para o biênio 2020-2022, passamos a contar, pela primeira vez, com sete integrantes do sexo feminino entre os 15 membros ao total, superando o marco de seis integrantes mulheres nos biênios de 2013-2015 e 2017-2019. E sou a primeira mulher Desembargadora do Trabalho a ocupar a cadeira de Conselheira no Conselho Nacional de Justiça, evidenciando essa evolução também no CNJ. No Tribunal Superior do Trabalho, temos hoje uma mulher Presidente, a Ministra Maria Cristina Peduzzi.
Em sua análise, qual a saída para termos mais igualdade de gênero num país que ainda lida com a desigualdade salarial entre homens e mulheres (na casa dos 30% a menos para elas) como se fosse algo satisfatório e normal?
É essencial que continuemos lutando por políticas institucionais que ampliem a participação feminina na sociedade, por meio da transformação social. E investir sempre em qualificação profissional para que estejamos preparadas para qualquer desafio em nossas carreiras. No Conselho Nacional de Justiça temos diversas ações que visam a alcançar efetivamente a equidade de gênero. A exemplo da Resolução CNJ nº 255, de 04 de setembro de 2018, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário e a Recomendação CNJ nº 85, de 12 de janeiro de 2021, orientando todos os Tribunais a observarem, nas vagas de suas indicações, composição paritária de gênero na formação das Comissões Organizadoras e das Bancas Examinadoras de seus respectivos concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura.
No Dia Internacional da Mulher desse 2021, qual seria a sua mensagem para a menina Tânia?
Que ela acredite nela mesma e não se deixe abater pelos obstáculos da vida. Ela já pode muito e, no futuro, poderá muito mais.
Foto: TRT-RS