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Coragem e união marcam nascimento de uma das primeiras Amatras do país

Nem a repressão conseguiu barrar iniciativa de criar uma entidade que lutaria pelos direitos dos juízes brasileiros.

“A ideia de instituir uma associação que agregasse os magistrados do Trabalho, nasceu logo depois do golpe de 1964 quando a Justiça, de forma geral, sofreu grande pressão por parte do regime militar”. A declaração é de um dos fundadores da Amatra IV, Ronaldo José Lopes Leal. Hoje ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o gaúcho Leal traz em seu currículo outra iniciativa reconhecida em todo o Brasil: é dele a autoria da sigla “Amatra”, nome que passou representar as entidades de juízes trabalhistas pelo país afora.”

O ano era 1965, tempo de autoritarismo e expressão no Brasil. Nem essa difícil realidade política, porém, impediu que no dia 7 de junho, um grupo de corajosos juízes fundasse em Porto Alegre uma associação que passaria a lutar pelos direitos dos magistrados do Trabalho no Rio Grande do Sul e a incentivar o surgimento de outras entidades semelhantes pelo país.

Foi neste cenário que outros dois nomes, além do ministro Ronaldo Leal, se destacaram na arregimentação da categoria: os juízes Ari Gomes Ferreira e José Fernandes Rufino. Foram eles que alinhavaram as primeiras das muitas páginas da história da entidade. O destino reservaria para o atualmente juiz aposentado Ari Gomes Ferreira uma recordação muito especial: ele viu a Amatra nascer na sala de seu apartamento na rua Jerônimo Coelho em Porto Alegre, no centro da capital gaúcha.

Segundo o magistrado, o objetivo era ter uma entidade que amparasse os juízes togados. Foi durante o governo Costa e Silva (1967-1969) que, em assembleia da Amatra, ele e o juiz Luiz Guimarães Falcão foram incumbidos de passar por vários Estados brasileiros para difundir a ideia de importância da união dos magistrados. “Para nossa surpresa nós visitávamos uma capital e, quando voltávamos lá, de fato, havia um grupo organizado nos aguardando”, relembra Ferreira. Em Estados como o Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais foram realizadas assembleias para discutir o reajuste dos vencimentos. Na época, para uma mobilização que mal havia iniciado, os magistrados conseguiram um dos primeiros sinais de que a Amatra surgiu como uma entidade que tinha tudo para se firmar politicamente. Num desses encontros, ficara estabelecido que no início das assembleias algum colega faria sempre uma manifestação reivindicatória sobre temas que dissessem respeito à categoria, o que ficaria registrado nas atas. E assim o foi por um longo tempo, comprovando que a entidade que começava a engatinhar já obtinha o respeito e a classe pela qual empunhava sua bandeira. Ao longo desses registros históricos, as páginas foram sendo escritas e deixando a marca da força, determinação e até, de uma pitada de ousadia. Um desses momentos aconteceu ainda em 1965, quando foi impetrado um mandado de segurança contra o então presidente Castelo Branco, por causa de cortes de benefícios e falta de reajustes. A primeira vitória foi anunciada também nos primeiros anos de existência da entidade. Ela se deu no final da década de 60, no Palácio das Laranjeiras, onde uma comitiva da Amatra foi recebida e, após pressionar o governo, deixou o Rio de Janeiro com a confirmação do aumento dos vencimentos. Como ponto de apoio da magistratura do Trabalho, a entidade foi se revelando cada vez mais eficaz.

Ainda pequena e com reduzido número de sócios, iniciou um trabalho de recolhimento de contribuição. Três anos depois, o que havia sido recolhido foi destinado um programa de empréstimo rotativo que por muito tempo beneficiou os associados.

Um dos feitos ocorreu em 1990, na gestão da presidente Magda Biavaschi, quando foi concretizada a compra da sede administrativa da Amatra IV. Com isso, a associação se tornou a primeira entidade regional de juízes do Trabalho a ter sede própria. De 1965 até hoje foram inúmeras as vitórias obtidas pela Associação dos Magistrados da Justica do Trabalho da IV Região. Duas características certamente são responsáveis diretas pelo reconhecimento alcançado nacionalmente; a coragem de enfrentar desafios, e a manutenção intrínseca, mesmo aos 54 anos, do espírito combativo da juventude.

TRAJETÓRIA

Participação nos diferentes momentos históricos do Brasil

Conheça algumas das ações que explicam por que a Amatra IV é reconhecida como entidade de vanguarda.

1 No conturbado cenário político de 1968, uma assembleia geral da Amatra IV delibera que os colegas Ari Gomes Ferreira e Luiz José Guimarães Falcão manteriam – no papel de delegados – contatos com outras regiões da Justiça do Trabalho para criação de uma entidade nacional.

A nova assembleia deveria acontecer na II Região (São Paulo), mas antes, uma delegação composta por juízes do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro foi até o Tribunal Superior do Trabalho (naquela ainda no Rio de Janeiro), onde foi recebida pelo presidente, ministro Thélio da Costa Monteiro, que apoiou a iniciativa. Quando a delegação ainda estava no gabinete da presidência, o corregedor-geral, ministro Fernando Nóbrega entrou e fez um alerta: “Recebi um telefonema do serviço de Informações do Exército informando sobre um grupo de juízes comunistas que vai se reunir em São Paulo, para fundar um Sindicato Nacional”. Constrangido, o ministro Thélio apresentou: “Os juízes são estes que estão aqui, comigo”. A Amatra IV marcava, então, nos anos 6, o início de inúmeras participações políticas no cenário brasileiro.

Em assembleia realizada em São Paulo foi fundada naquele ano a Federação Nacional das Amatras, cujo presidente foi o juiz Monreal Jr. (II Região) e o seu vice, Luiz José Guimarães Falcão, da IV Região.

2 No final dos anos 70, a Amatra participou da elaboração da Lei Orgânica da Magistratura (Loman). A lei foi aprovada pelo congresso Nacional em 1979.

Importância: até a aprovação da lei, a magistratura brasileira não possuía um regramento ordenado de suas atribuições.

3 A Amatra IV teve participação no processo de Assembleia Nacional Constituinte que culminou com a edição da Constituição Federal de 1988. Nesta Carta Constitucional ficou estabelecido: cada Estado deveria ter pelo menos um Tribunal regional do trabalho (TRT), época em que São Paulo já possuía dois tribunais, enquanto muitos Estados do Norte e Nordeste, não dispunham de nenhum. A existência dos TRTs em todas as unidades federativas levou a Justiça do Trabalho aos mais distantes rincões do Brasil.

4 Em julho de 1989 foi realizado o V encontro dos Magistrados do Trabalho do Rio Grande do Sul, em Canela, quando o tema predominante foi o Código de Processo do Trabalho. Uma das conclusões tiradas foi a de fixar a tutela como Superprincípio do Processo do Trabalho. No ano seguinte, 1990, acontecia o Encontro Nacional dos Magistrados, em Gramado, onde foi discutida a Crise do Judiciário Trabalhista.

5 A Amatra IV foi pioneira ao encomendar, ao Datafolha, pesquisa de opinião sobre a imagem da Justiça do Trabalho no Estado do Rio Grande do Sul, em fevereiro de 1991. Os dados resultantes serviram para fundamentar o encaminhamento de projetos de lei para aumentar o número de juízes e varas.

6 Em 1994, acontecia o V Congresso Nacional (Conamat), em Porto alegre. Em debate, o tema “O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática”.

7 De outubro de 1993 a maio de 1994, a magistratura viveu um de seus momentos mais desgastantes: a revisão constitucional. Embora as emendas aglutinativas não tivessem conseguido quórum para votação, acabaram voltando à pauta em maio de 1995 na reforma do Judiciário.

8 1999 ficou conhecido como o ano em que os juízes saíram às ruas para protestar contra a proposta de reforma do Judiciário, então apresentada. A inconformidade foi levada às ruas em protesto organizado pela Amatra IV e Ajuris, dia 4 de novembro. Nesse mesmo período, a entidade saiu vitoriosa quando o Congresso Nacional anunciou, em 1º de dezembro, a extinção do cargo de juiz classista, uma antiga reivindicação que finalmente era atendida.

9 Ainda em 1999, mais precisamente no dia 19 de março, a Amatra IV apresenta a Secretaria da Mulher, criada com o objetivo de possibilitar maior integração nas causas sociais.

10 A Associação esteve engajada e saiu vitoriosa na luta contra a extinção da Justiça do Trabalho. Foi uma dura batalha travada no Congresso cuja intenção era torná-la um ramo da Justiça Federal, minimizando a sua importância frente ao cenário jurídico.

11 Em 2002, o combate foi dirigido ao projeto de alteração do artigo 618 da CLT, que permitiria livre negociação entre empregados e empregadores, sobre benefícios garantidos pela legislação. A proposta não foi aprovada pelo Congresso e os trabalhadores livraram-se da ameaça de fragilização.

12 A luta da magistratura do Trabalho também esteve focada na Reforma da Previdência, nos anos de 2003 e 2004, muito embora, desta vez, os juízes tenham perdido direitos, sendo aprovada a obrigatoriedade de desconto previdenciário para aposentados do serviço público federal.

13 Em 2004, a Amatra IV compartilhou com seus associados vitórias de extrema relevância para a Justiça do Trabalho.

A união aprovou a instalação de 269 novas varas trabalhistas em todo o país, sendo 17 delas destinadas ao Rio Grande do Sul, como reforço para enfrentar o movimento anual de 1,5 milhão de ações que transitam no Judiciário do Brasil. Por fim, a instituição, que recentemente passara pela proposta de extinção, saiu valorizada da Reforma do Judiciário. A Reforma definiu a ampliação de competência da Justiça do trabalho, que, desde sua criação, analisava somente relações de emprego e hoje passa a julgar relações de trabalho em amplo sentido.

14 Em 2005, a AMATRA IV lança a Cartilha do Trabalhador idealizada pelo juiz do Trabalho Gustavo Vieira que apresenta os direitos dos trabalhadores em pequenos tópicos. Projeto este, que foi encampado pela Anamatra e hoje repercute nacionalmente.

15 Em 2006, foi realizado o XIX Congresso Estadual em Montevideo, quando foi realizada a primeira reunião visando a criação da Associação Latinoamericana de Juízes do Trabalho – ALJT.

16 Em 2009, criada a Cartilha do Trabalhador Latinoamericano e realizado o XX Congresso em Buenos Aires.

17 Em 2010, a AMATRA trabalhou intensamente na esfera política para a criação de 12 cargos de desembargadores e 17 novas Varas do Trabalho na 4ª Região.

18 2011 foi o ano de realização do Congresso de Magistrados do Trabalho, desta vez na capital peruana, Lima. Na oportunidade, ocorreu, na sede da Organização Internacional do Trabalho – OIT, o lançamento da Cartilha do Trabalhador nos idiomas francês e espanhol.

19 2012 foi um ano marcado pela campanha da AMATRA IV voltada às eleições diretas para os cargos de presidente e vice dos tribunais do País. A iniciativa, inédita no Brasil, objetivou instituir um processo democrático de participação direta de todos os juízes na gestão dos tribunais, em benefício da sociedade. A AMATRA IV organizou diversas ações de mobilização sobre o tema. Entre elas, destaque para o ato público na noite de 5/10/2012. O “Showmício das Diretas nos Tribunais”, com entrada gratuita e apresentação do cantor Nei Lisboa e Banda, lotou o Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre.

20 Em 4/10/2013, os desembargadores do Tribunal Pleno elegem a administração do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) para o biênio 2014/2015. Os eleitos foram os mesmos indicados pela consulta feita aos juízes de 1º grau em setembro daquele ano, conforme pleito vitorioso da AMATRA IV. Esta foi a primeira vez no Brasil, através de voto consultivo, que os magistrados puderam participar da eleição.

21 De 29/4 a 2/5 de 2014, a AMATRA IV e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) promoveram em Gramado (RS) o 17º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Conamat. O encontro reuniu mais de 600 participantes e trouxe como tema central “O Judiciário e a sociedade: um diálogo necessário”.

22 O ato de protesto organizado pela AMATRA na tarde de 14/04/2015 contra a aprovação do Projeto de Lei 4330 (sobre contratos de terceirização no mercado de trabalho) foi impactante e alcançou ampla repercussão na mídia. Mais de duzentas pessoas participaram da mobilização feita na entrada do prédio das Varas do Trabalho de Porto Alegre.

Ainda em agosto de 2015, preocupadas com o avanço de pautas conservadores no Congresso Nacional e o agravamento e instabilidade do atual quadro político no Brasil, diversas entidades e instituições, entre elas a AMATRA IV, constituíram, juntas, o Movimento em Defesa da Democracia e dos Direitos Sociais.

23 Em 2 de maio de 2016, a AMATRA realizou o Ato Público pela Valorização da Justiça do Trabalho. O evento também foi um manifesto em repúdio aos cortes orçamentários sofridos pelo judiciário trabalhista em 2016. A atividade aconteceu no Átrio do Foro Trabalhista de Porto Alegre e contou com mais de 200 participantes, entre eles, magistrados, advogados, servidores, integrantes de entidades de classe e representantes da sociedade civil.

24 Em junho de 2017, a AMATRA IV lançou uma campanha contra os absurdos constantes na proposta da Reforma Trabalhista. Em linguagem acessível, a entidade abordou os pontos mais polêmicos e explicou todos os problemas que o projeto causaria ao mundo do trabalho. Os vídeos trataram de temas como terceirização, riscos às gestantes e a precarização das relações de trabalho, entre outros aspectos que afetam os direitos dos trabalhadores.

Ainda sobre o tema, nos dias 24 e 25 de agosto de 2017, a AMATRA IV realizou o Debate Nacional da Reforma Trabalhista. O evento reuniu grandes nomes do meio jurídico e político para debater a lei 13.467/2017. O seminário lotou o Teatro Dante Barone, localizado na Assembleia Legislativa do RS, em Porto Alegre.

25 Mais uma etapa importante da vida da AMATRA IV teve início na noite de 5 de abril de 2018. Na data, em evento festivo, houve a reinauguração da sede da entidade que passou a ser a maior, mais moderna e completa sede de associação de juízes do Trabalho do Brasil. Com 1.653,13 m² e três andares, o imóvel é constituído por amplos ambientes voltados ao cotidiano administrativo e também para o estímulo da convivência entre os associados.

Bem, esta história ainda está sendo contada!